A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL E A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS PELAS ADMINISTRAÇÕES MUNICIPAIS por MARCOS RENATO BÖTTCHER Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Advogado e Contador. Substituto de Conselheiro e Assessor Técnico Procurador do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Exerce, atualmente, o cargo de Chefe de Gabinete da Presidência. A Carta Política, de 05.10.1988, da República Federativa do Brasil, vincula a Administração Pública e o Poder Legislativo à observância e ao atendimento aos direitos fundamentais e sociais, devendo, pois, ser elaboradas leis que assegurem aos cidadãos o exercício de tais direitos, com o intento, em última análise, de se atingirem os objetivos da República, os quais se encontram estatuídos, expressamente, no art. 3º, incs. I a IV, da Constituição Federal. Caracteriza-se, também, o Estado Democrático de Direito, por pretender garantir direitos iguais a todos sem fazer, de qualquer modo, nenhuma discriminação entre os integrantes da coletividade. A Profª. Luiza Cristina Fonseca Frischeisen afirma: Assim, o conjunto de ações que o Poder Público realiza, visando o efetivo exercício da igualdade, base de toda a ordem social, constitui as políticas públicas..., o administrador está vinculado às políticas públicas estabelecidas na Constituição Federal: a sua omissão é passível de responsabilização e a sua margem de discricionariedade é mínima, não contemplando o não fazer. 1 Para Ricardo Lobo Torres,2 os direitos sociais fundamentais são exigíveis do Estado, independentemente da legislação infraconstitucional. São, portanto, auto-aplicáveis, a esse propósito, as normas constitucionais, que devem garantir os “mínimos sociais”, ultrapassando, se necessário, os limites financeiros do Estado para a realização da ordem social. Poder Público e sociedade civil devem caminhar juntos na implementação das políticas públicas, para a consecução dos objetivos fundamentais e dos fundamentos da República. É certo, porém, que cabe ao Estado a parcela determinante na implementação, já que detentor de grande parte dos recursos, além de ser o responsável em estabelecer as diretrizes das políticas públicas, por meio da promulgação de leis decorrentes dos ditames constitucionais (v.g., Saúde – Leis nºs 8.080/90 e 8.142/90, Educação – Leis nºs 9.394/96 e 9.424/96, Previdência Social – Leis nºs 8.212/90 e 8.213/90 e outras), cuja omissão na elaboração das referidas normas pode ser atacada via mandado de injunção e ação direta de inconstitucionalidade. É por meio das políticas públicas implantadas, portanto, que os indivíduos obtêm prestações positivas do Estado, representando, pois, a eficácia social do direito do cidadão. A Lei Complementar nº 101/00, conhecida por Lei de Responsabilidade Fiscal, posta no ordenamento jurídico pátrio em 04.05.2000, é uma lei federal de âmbito nacional, estando sujeitos a ela todos os entes federados, União, estados, municípios e Distrito Federal, seus Poderes e respectivas administrações indiretas, excetuando, apenas, as empresas não dependentes do Tesouro do ente ao qual se vinculam. A LRF veio, seguramente, para combater o déficit das Contas Públicas, limitando despesas com pessoal, dificultando a realização de novos gastos, impondo ajustes de compensação para renúncia de receitas e exigindo mais condições para repasses de recursos entre governos e destes para instituições privadas. A mencionada lei procura, também, reduzir o estoque da dívida pública, induzindo, via de conseqüência, a obtenção de sucessivos superávits primários, para o fim de que sejam utilizados para diminuir aquele estoque, restringindo, pois, o processo de endividamento do setor público. Para sua fiel observância e com o intento de garantir sua eficácia, em 19.10.2000, foi promulgada a Lei nº 10.028, a chamada Lei de Crimes Fiscais, que criou várias figuras típicas, introduzindo-as no Código Penal e no Decreto-lei nº 201/67, que trata dos crimes de responsabilidade dos Prefeitos sujeitos a julgamento pelo Poder Judiciário. Demais disso, foram conferidos aos Tribunais de Contas o mister da fiscalização no cumprimento da lei, atribuindo-lhes competência, embora seja questão polêmica, para processar e julgar aqueles que praticarem infrações administrativas contra as leis de finanças públicas, cujas condutas foram definidas no art. 5º do supracitado Decreto-lei, estando os infratores sujeitos à multa de 30% de seus vencimentos anuais. Além dessas sanções, de outra parte, há penalidades pelo descumprimento da LRF que recaem sobre os entes da Federação, refletindo, em última análise, nos cidadãos, porquanto ficam os municípios impedidos de receber transferências voluntárias, de contratar operações de crédito, salvo algumas exceções, e de obterem garantias direta ou indireta de outro ente (arts. 23, § 3º e 51, § 2º, da LRF). Têm papel importantíssimo os Tribunais de Contas que tiveram ampliadas suas atribuições com o advento da LRF. A fiscalização da legalidade dos atos exercidos e da qualidade da gestão deve sempre estar presente. A eficiência da Administração, com o advento da Emenda Constitucional nº 19, tornou-se princípio constitucional expresso, resultando daí na necessidade de as Cortes de Contas alargarem o prisma de análise dos atos praticados pelos administradores públicos, que não podem estar dissociados da eficiência. O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo vem gradativamente aumentando seus esforços, não só para punir práticas ilícitas, tarefa compartilhada com o Ministério Público, mas, sobretudo, para identificar e evitar procedimentos legais, porém, ineficientes. Essa mudança de postura é fundamental, pois permite evitar o mau uso do Erário antes mesmo que ele ocorra, sendo bom exemplo, a propósito, o Exame Prévio de Edital. Pelo referido procedimento, que tramita pelo rito sumaríssimo, em síntese, são apreciadas representações contra editais de licitação, que podem ser apresentadas por qualquer licitante ou pessoa física ou jurídica. O exame das questões trazidas pelos representantes, via de regra, leva em conta aspectos estritamente ligados às condições para formulação das propostas e à isonomia dos licitantes, para que, em última análise, seja o edital colocado de forma a assegurar a proposta mais vantajosa ao órgão licitante, de tal sorte que o escopo precípuo da licitação seja atendido, resultando na economia de recurso público. Pois bem, imbuída no espírito de bem fiscalizar as imposições da Lei de Responsabilidade Fiscal, a ação do Tribunal de Contas já mudou a face das Contas Públicas Paulistas, cujos administradores sérios e competentes estão se ajustando aos ditames da LRF. Segundo dados extraídos do Sistema de Informação da Administração Pública na Internet (SIAP NET), em 1999, antes, portanto, da promulgação da LRF, o resultado fiscal agregado dos municípios paulistas apontava um déficit da ordem de 236 milhões de reais. Em 2005, a soma agregada dos municípios mostrava um superávit de um bilhão, cento e sete milhões, em valores atualizados. Em 1999, 42,89% dos municípios paulistas eram deficitários, sendo que em 2005 esse número recuou para 24,53%. Além da necessidade imediata de se limitarem gastos, a fim de que o estoque da dívida pública seja diminuído – aliás, esse é o escopo precípuo da lei – traz ela, sob outro aspecto, dispositivos que dificultam a realização de novos gastos; exige, por exemplo, para a criação, expansão ou aperfeiçoamento da ação governamental, que acarrete aumento de despesa, que seja acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro, no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes, e de declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a Lei Orçamentária Anual, compatibilidade com o Plano Plurianual e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (art. 16, incs. I e II, da LRF) e, ainda, considera no seu art. 15, “não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesas ou assunção de obrigação que não atendam ao disposto nos artigos 16 e 17”. Ao que tudo indica, as imposições da LRF, rigorosas no planejamento e na realização das despesas públicas, num primeiro momento tenderão a representar verdadeiro limite para que as administrações municipais efetivem políticas públicas sociais, precipuamente por conta do endividamento dos municípios. No entanto, numa segunda etapa histórica, quando as finanças das comunas estiverem saneadas, a questão tomará outra direção, devendo as imposições da LRF servir de verdadeiro instrumento para que, de fato, sejam elas implementadas. Isso porque a LRF enaltece, e muito, o planejamento, vez que se trata do elemento mais importante na gestão fiscal responsável, resultando daí na necessidade da elaboração – contemplando-se, principalmente, os aspectos técnicos para torná-los exeqüíveis – do Plano Plurianual (PPA), da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA), todas estas normas de responsabilidade da Administração e do Poder Legislativo. Ademais, em audiências públicas, com segmentos organizados da sociedade, deverão ser debatidos os projetos que integrarão aqueles instrumentos legais, o que, além de garantir maior transparência às ações de Governo, possibilitará a implementação de ações voltadas às reais e imediatas necessidades da população. Vale dizer, portanto, que em se logrando inserir na peça orçamentária determinada política pública, diversamente do que sempre ocorreu, grande possibilidade de implantação terá, já que as referidas leis deverão ser elaboradas com a observância a diversos critérios previamente definidos, fazendo com que sejam, de fato, importantes instrumentos de gestão, contrariamente do que sempre se observou na execução dos orçamentos municipais, nos quais, na grande maioria das vezes, tais normas não passavam de meras peças de ficção, na medida em eram elaboradas única e exclusivamente para atender a dispositivo constitucional. Acrescente-se que a LRF estabeleceu como requisito da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e arrecadação de todos os tributos de competência do ente da Federação (art. 11, caput), preconizando, inclusive, no interesse da disciplina fiscal, diversas exigências ao administrador que pretender renunciar determinada receita, por meio de anistia, remissão, concessão de isenção de caráter não geral e outras formas disciplinadas na lei. Por esses motivos, a LRF, na hipótese de estar saneada a situação financeira do ente da Federação, repita-se, escopo precípuo da lei, na verdade, grande contribuição trará para a implementação das políticas públicas. Por um lado, porque as ações governamentais serão devidamente planejadas, discutidas e inseridas nos instrumentos legais, os quais se espera sejam executados a contento, mormente em face das sanções previstas pelo não cumprimento da LRF. Por outro, porque a necessidade da instituição, previsão e arrecadação de todos os tributos e da maior dificuldade para que determinada receita seja renunciada, imposições da LRF conduzirão ao aumento da arrecadação, aliás, como vem ocorrendo após a promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal – no período compreendido entre os exercícios de 1998 e 2005 houve aumento real de 41,32% na arrecadação dos municípios paulistas. Conclui-se que os mecanismos necessários existem, bastando, para a efetiva implementação das políticas públicas sociais, eficaz controle e fiscalização dos gastos públicos – e isso, vale dizer, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo vem fazendo com grande maestria. REFERÊNCIAS FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas – a responsabilidade do administrador e o ministério público. Max Limonad, 2000. MORO, Sérgio Fernando. Desenvolvimento e efetivação das normas constitucionais. Max Limonad, 2001. MOTTA, Carlos Pinto Coelho et. all (Coord.) Flávio Regis Xavier de Moura e Castro. Lei de responsabilidade fiscal – abordagens pontuais. Del Rey, 2001. BRASIL. Constituição Federal de 05 de outubro de 1988. BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Sistema de Informação da Administração Pública na INTERNET – SIAP NET.