RESPONSABILIDADE FISCAL SIGNIFICA

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RESPONSABILIDADE FISCAL SIGNIFICA IRRESPONSABILIDADE SOCIAL?
Gisele Oliveira de Alcântara*
RESUMO
Consiste em estudo crítico da Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF,
objetivando desvelar os reais interesses e interessados nesta iniciativa, já
que se insere em um conjunto de medidas voltadas para o “saneamento das
contas públicas”, atendendo a uma lógica fiscal concernente ao ideário
neoliberal. A LRF não se traduz em Responsabilidade Social, pois além de
não pagar a dívida fiscal, amplia-se a dívida social, voltando-se o para o
cumprimento das metas fiscais, especialmente o superávit primário, não
prevendo metas sociais, a despeito de uma política voltada para o
crescimento interno e melhoria das condições de vida da população.
Palavras-chave: Lei de
Responsabilidade Social.
Responsabilidade
Fiscal,
dívida
social,
ABSTRACT
It consists in a critical study of the Law of Fiscal Responsibility – LRF. The
objective is to reveal the real interests and interested in this project, since it is
inserted in a set o measures directed toward the “Sanitation of the Public
Accounts”, serving to the fiscal logic of the “Neoliberal Ideology”. The LRF
cannot be understudied as a Law of Social Responsibility. Besides it doesn’t
pay the fiscal debt, it extends the social debt when turns itself toward to the
fulfillment of the fiscal goals; especially the primary surplus. The LRF also
does not foresee social goals in a political system focused toward the internal
growth and improvement of the life conditions of the population.
KeyWords: Law of Fiscal Responsibility, social debt, Social Responsibility.
1 INTRODUÇÃO
O trabalho ora apresentado consiste em um estudo crítico da Lei de
Responsabilidade Fiscal – LRF, com a finalidade de desvelar os reais interesses e
interessados subjacentes a esta iniciativa, uma vez que se insere em um conjunto de
medidas voltadas para o “saneamento das contas públicas”, atendendo a uma lógica fiscal
concernente ao ideário neoliberal.
Há que se considerar que se torna imprescindível a sua análise à luz das
transformações conjunturais com vistas ao redesenho de modelo de Estado existente, para
sua adequação às regras impostas pelos países hegemônicos ao mundo capitalista. Não se
constituindo, portanto, em um processo isolado e distanciado no contexto de inserção
*
Graduanda de Serviço Social, Bolsista PIBIC/CNPq
Colaboradores: Prof. Dra. Elaine Rossetti Behring (FSS/UERJ/CNPq), Elaine Junger Pelaez (Bolsita FAPERJ);
Silvia Cristina Guimarães Ladeira (Bolsita FAPERJ); e Gecilda Esteves (Economista).
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passiva dos países de terceiro mundo à lógica capitalista em seu atual estágio de
desenvolvimento.
Como estratégia para a inserção passiva do Brasil no processo de
mundialização, vem sendo implementado um conjunto de “contra-reformas” (BEHRING,
2003) no sentido da reestruturação do Estado e suas finalidades, objetivadas por meio da
redefinição de suas funções e responsabilidades perante a sociedade e o mercado, onde
prevalece o favorecimento da acumulação do capital, visando garantir as bases de sua
sustentação e reprodução em detrimento da redistribuição da renda e diminuição das
desigualdades sociais.
É imprescindível destacar que a Lei de Responsabilidade Fiscal não se reveste
em exclusividade do Brasil, mas configura-se em fenômeno que vem sendo implementado
em diversos países, numa espécie de globalização das estratégias de manutenção e avanço
do ideário neoliberal. A Nova Zelândia torna-se, neste sentido, um verdadeiro exemplo com
sua história marcada, entre 1984 e 1994, por um período voltado para as “reformas
econômicas”, com a liberalização dos mercados de capital e do trabalho e abertura
comercial aos capitais internacionais, com conseqüências regressivas para as políticas
sociais, em favor da redução da dívida do governo e da estabilidade dos preços. Este país
teve a criação da sua Lei de Responsabilidade Fiscal em 1994, vislumbrando uma
administração fiscal responsável, defendendo a redução dos gastos operacionais do Estado
em cada ano fiscal para o favorecimento da administração prudente dos níveis de
endividamento dos riscos fiscais, com clara defesa da privatização de setores estratégicos e
drástica redução do funcionalismo público1.
Desta maneira, fica evidente a movimentação do grande capital, em nível
mundial, para uma maior apropriação do Fundo Público2 - riqueza socialmente produzida
administrada pelo Estado – em função da garantia da produção e reprodução do valor, por
meio das “reformas do aparato estatal e da economia”, com retração da participação deste
Fundo nas questões da classe trabalhadora e nas políticas sociais, agravando-se as
mazelas sociais.
2 A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL E SUAS NUANCES
Neste contexto, no ano de 2000 foi aprovada, no Brasil, a Lei Complementar nº
101, mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, regulamentando o artigo
1
Para aprofundamento sobre a inserção da Nova Zelândia no processo de mundialização do capital e adoção
das “reformas do Estado e econômica”, consultar: “As reformas no setor público da Nova Zelândia”
(RICHARDSON, 1999).
2
O autor Francisco de Oliveira discute sobre a alocação do Fundo Público no sistema capitalista em seu artigo
intitulado: “O Surgimento do Anti-valor, 1998”.
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163 da Constituição Federal de 1988 a partir da imposição de regras que orientam as
finanças públicas do país. Esta lei consiste em um conjunto de normas visando à gestão
responsável das contas públicas, aplicável aos poderes executivo, legislativo e judiciário,
nas três esferas do governo – federal, estadual e municipal – além dos Tribunais de Contas,
dos poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público. Seus principais postulados
abrangem: ação planejada e transparente; prevenção de riscos e correção de desvios que
afetem o equilíbrio das contas públicas; garantia de equilíbrio nas contas, via cumprimento
de metas de resultado entre receitas e despesas, com limites e condições para a renúncia
da receita e a geração de despesas com pessoal, Seguridade Social, dívida, operações de
crédito, concessão de garantia e inscrição em restos a pagar.
A LRF resultou em impactos no processo orçamentário3, criando metas e
diretrizes para o controle das receitas e despesas e vinculando as metas e diretrizes da Lei
de Diretrizes Orçamentárias - LDO e Lei Orçamentária Anual - LOA à execução
orçamentária: na LDO estabeleceu a realização do Anexo de Metas Fiscais e do Anexo de
Riscos Fiscais, visando a observação de irregularidades orçamentárias do ponto de vista
das metas fiscais e remanejamento das ações para corrigir tais erros; e no que se refere à
LOA, estabeleceu que esta deverá apresentar as despesas relativas à dívida pública e às
receitas que a atenderão. No referente à concessão e ampliação de incentivos que
decorrem de renúncia tributária, a referida Lei dispõe que seja acompanhada de estimativa
do impacto no orçamento do exercício financeiro em vigor e nos dois subseqüentes, assim
como da demonstração de que não comprometerá as metas fiscais estabelecidas na LDO a
partir dos acordos com os organismos multilaterais ou então que sejam estabelecidas
medidas de compensação. Este trâmite também deverá ser seguido em casos de geração
de novas despesas, as quais deverão ser compatíveis com o Plano Plurianual – PPA, a LDO
e a LOA. Destaca-se, ainda, que as despesas que tiverem caráter continuado deverão ser
acompanhadas de um demonstrativo de compensação pelo aumento permanente da receita
ou redução permanente da despesa. Neste sentido, a LRF reforça o planejamento no que
concerne às metas fiscais. Entretanto, em nenhum momento dispõe sobre metas sociais
direcionadas para a ampliação e consolidação dos direitos sociais, prevalecendo, assim, a
lógica fiscal.
Os pagamentos dos serviços da dívida e as transferências voluntárias relativas à
educação, saúde e assistência social estão fora das restrições da Lei. No entanto, a LRF
impõe restrições às despesas, inclusive às de pessoal e de Seguridade Social, instituindo
sobre esta última que nenhum benefício ou serviço poderá ser criado, majorado ou
estendido sem a indicação de fonte de custeio total e sem o atendimento das exigências a
que estão sujeitas as despesas obrigatórias de caráter continuado (art. 24 da LRF). Deste
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modo, a concessão de um novo benefício só será autorizada mediante cálculo atuarial que
comprove a compensação de tais gastos, o que poderá ser realizado com o aumento das
contribuições sociais, em nome do equilíbrio financeiro. O que torna a LRF contraditória,
uma vez que em um primeiro momento ela afirma que não impõe restrições aos gastos com
assistência social e saúde, para logo depois restringir a implementação dos benefícios e
serviços da Seguridade Social. Dessa maneira, a Responsabilidade Fiscal não se traduz em
Responsabilidade Social, pois além de não pagar a dívida fiscal, amplia-se a dívida social.
Quanto à despesa com pessoal, esta não poderá sofrer aumento nos últimos
quinze meses de mandato, vetando-se contratações nesse período. Caso tal despesa
ultrapasse 50% da receita corrente líquida, no caso da União, ou 60%, dos estados e
municípios, o ente federado em situação irregular deverá reduzi-la, em pelo menos 20%,
das despesas com cargos em comissão e funções de confiança e a exoneração de
servidores não estáveis. E se, mesmo assim, tal meta não for cumprida, o servidor estável
poderá perder o cargo, além do corte das transferências voluntárias e outras sanções
políticas. Ou seja, tudo em nome da racionalização das despesas, porém daquelas
especificamente sociais.
No tocante às despesas com a dívida e o endividamento, a LRF determinou
critérios a serem estabelecidos, após a sua publicação, para a denominada Dívida Pública
Consolidada4, cabendo ao Congresso Nacional criar um projeto de lei estabelecendo limites
para o montante da dívida mobiliária; não havendo qualquer limitação para as operações de
créditos contratadas com agências de fomento ou com organismos multilaterais de crédito.
Observa-se, então, o não estabelecimento de regras claras de limitação aos gastos fiscais e,
sobretudo, com a dívida mobiliária federal, a qual apresenta um crescimento exponencial a
cada ano, estando num patamar de 59% do PIB em 2005, conforme a LOA (LADEIRA,
2004).
Em seu artigo 9º, a LRF estabelece que se ao final de um bimestre for verificado
- a partir da realização pelo Executivo de um Cronograma de Execução Mensal de
Desembolso - que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas
de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o
Ministério Público promoverão, nos trinta dias subseqüentes, a limitação de empenho e
movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela LDO, o que revela o esforço em
favor do cumprimento das metas de superávit primário5.
3
Sobre o ciclo orçamentário ver “Orçamento Público, Seguridade e Assistência Social” (GOPSS, 2004).
Dívida Pública Consolidada é aquela pertinente às obrigações financeiras assumidas por lei, contratos,
convênios ou tratados ou de operações de crédito.
5
Superávit Primário significa o saldo positivo representado pelo excesso da receita sobre a despesa, não
computado o valor dos juros; diferenciando-se do Superávit Nominal que significa o saldo positivo representado
pelo excesso da receita sobre a despesa, computado o valor dos juros.
4
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5
A LRF determina o estabelecimento de audiências públicas na Comissão Mista
de Orçamento a cada quatro meses, para que o Poder Executivo preste contas ao
Congresso acerca do resultado primário, identificando os seus possíveis desvios e
“urgentes” soluções. Esta medida seria bastante interessante se adotada nos casos de
desvio das metas sociais. Mas, infelizmente constatamos que a lógica que norteia esta Lei é
outra, estando seu objetivo bem distante da garantia de recursos públicos que signifiquem
investimentos consistentes na área social.
O descumprimento de suas regras resulta em penalidades, como a suspensão
das transferências voluntárias, das garantias e da contratação de operações de crédito,
além das sanções previstas no Código Penal e na LEI 621/99 - a qual prevê crimes
relacionados à LRF , com penalidades de reclusão ou detenção que variam de 3 meses a 4
anos. Todavia, se torna importante refletir se tais sanções serão cumpridas pelos “altos
escalões da sociedade”, já que a realidade demonstra a alta impunidade no referente a esta
elite minoritária. Cabe, desta forma, o questionamento e a requisição de penalidades para
os que cotidianamente ignoram as necessidades sociais da maioria da população e não
apenas para a ruptura dos parâmetros da LRF.
Podem ser apontados como principais problemas da Lei, entre outros aspectos,
os seguintes: está voltada, sobretudo para o cumprimento das metas fiscais, especialmente
o superávit primário, não prevendo metas sociais; impõe restrições às despesas de pessoal
e de seguridade social, não impondo limites concretos ao pagamento do serviço da dívida;
no nível dos municípios, desconsidera suas enormes diferenças de condições e
necessidades, uniformizando exigências; prevê maior transparência e controle social da
gestão financeira, estabelecendo a participação popular na discussão da LDO e da proposta
orçamentária, porém não cria espaços para efetivar tal participação e não dispõe sobre a
simplificação da linguagem funcional-programática, a fim de tornar o processo orçamentário
mais acessível aos cidadãos e permitir o controle social consciente e livre de manipulações
da sua opinião6.
Como ponto positivo da lei, destaca-se a restrição de gastos no último ano de
mandato, evitando gastos eleitoreiros dos governantes e uma herança de dívidas para o
próximo mandatário.
Ademais, o artigo 45 da LRF dispõe sobre a preservação do
Patrimônio Público, estabelecendo que a lei orçamentária e as de créditos adicionais só
incluirão novos projetos após adequadamente atendidos os em andamento e contempladas
as despesas de conservação do patrimônio público, o que de alguma maneira evita a
propagação de projetos inacabados e o mau uso das finanças públicas em vários programas
que não são findados e não alcançam os resultados esperados.
6
Cabe destacar que o SIAFI é restrito à determinadas pessoas, limitando-se o controle social das contas
públicas.
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Em síntese, a Lei de Responsabilidade Fiscal veio formalizar os trâmites de
ajuste fiscal impostos nos acordos firmados entre o País e o FMI, principalmente no ano de
1998, assegurando a consonância entre a política econômica adotada e a “saúde financeira”
perante os padrões impostos pelas agências multilaterais, a despeito de uma política voltada
para o crescimento interno e melhoria das condições de vida da população.
3 NOTAS CONCLUSIVAS
A LRF revela-se como uma conseqüência da lógica perversa do Plano Real, o
qual ampliou o endividamento público e impôs restrições aos governantes e aos direitos dos
usuários aos serviços públicos. Tal Lei foi criada especialmente para assegurar o
cumprimento das metas fiscais, dentre as quais destaca-se a meta de superávit primário
imposta nos acordos firmados com o FMI. Assim, o real interesse para a implementação de
tal dispositivo legal está no pagamento da dívida fiscal, em detrimento da dívida social,
resultando no benefício do grande capital financeiro.
A
Lei
de
Responsabilidade
Fiscal,
então,
torna-se
sinônimo
de
irresponsabilidade social, à medida que fica estabelecido “[...] no caso de riscos
orçamentários, se ocorrerem, serão compensados com realocação ou redução de
despesas.” (LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS, 2005), o que na prática tem
significado a restrição dos gastos sociais, com o freqüente e frenético contigenciamento de
seus recursos em favor do equilíbrio das contas públicas, da moeda estável e do equilíbrio
fiscal.
Como forma de reação à irresponsabilidade social em detrimento da
responsabilidade fiscal, vem sendo apresentada uma proposta de Lei de Responsabilidade
Social por parte de um conjunto de organizações dos movimentos sociais que compõem o
Fórum Brasil de Orçamento - FBO e de alguns políticos mais progressistas, defendendo a
realização de um Mapa da Exclusão Social por parte do Executivo e obrigando a proposta
da Lei Orçamentária Anual a contemplar um Anexo de Metas Sociais, contando de metas,
projetos e atividades orçamentárias cuja finalidade esteja voltada para a melhoria social.
Entretanto, há muito o que se discutir e lutar para a concretização de uma Lei de
Responsabilidade Social efetiva, sendo imprescindível estabelecer mínimos sociais, a serem
sempre superados, garantindo-se a vinculação orçamentária dos gastos sociais e um
sistema público de monitoramento das políticas sociais, para a superação de um cenário de
políticas direcionadas para o aprofundamento do ideário neoliberal e, conseqüente,
distanciamento da justiça social.
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