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ECONOMIA AGONIZANTE
Não há para onde correr. A recessão é um mal que promete incomodar por muito
tempo o Velho e o Novo Mundo
Fernanda Carvalho
Nos dois lados do Oceano Atlântico, as maiores potências econômicas mundiais
enfrentam crises capazes de deixar o planeta de cabeça para baixo. Estados Unidos e
União Europeia enfrentam as consequências dos gastos excessivos, que representam
mais que os respectivos PIB’s. No país americano, os excessos alcançaram o teto da
dívida externa, que era de US$ 14,3 trilhões (R$ 22,3 tri), fazendo-a aumentar em,
pelo menos, US$ 2,1 tri. Do outro lado do oceano, não há um limite para as dívidas,
entretanto a União Europeia está diante do que pode representar o seu fim.
Mais uma vez, o Tio Sam conseguiu chegar à ponta da ribanceira para outra recessão.
Próximo de dar um calote no resto do mundo, o país retomou o que tantas vezes
aconteceu na presidência de Ronald Reagan: aumentou o teto da dívida externa, mais
uma vez. Hoje ele sofre as consequências de um gigante devedor, cada vez mais sem
credibilidade, com elevados índices de desemprego e com um impasse político entre
republicanos da Tea Party e democratas, o que pode custar toda a economia mundial.
A inabalável União Europeia também enfrenta grandes dificuldades com as
divergências de interesses entre as políticas dos países. Na Grécia, os gastos
ultrapassaram o crescimento e geraram uma dívida impagável. Os bancos europeus,
financiadores do país, podem nunca receber o dinheiro emprestado. Mas o problema
não acontece somente no pequeno país balcânico. Outros, como Espanha, Itália e
Portugal, também entraram para a “lista negra” da União Europeia. O grupo
supranacional de 27 Estados-membros está ameaçado.
Depois de muitas reuniões e discussões sobre o futuro da Grécia, medidas financeiras
foram combinadas entre a capital grega e três órgãos: FMI, União Europeia e Banco
Central Europeu. Do total de € 110 bilhões do pacote de resgate aprovado em 2010, o
país recebe mais € 8 bilhões, o correspondente a, aproximadamente, R$ 19 bi. Mas a
nova medida não promete ajudar muito, já que a dívida grega deve chegar a 162% do
PIB ainda nesse ano. Além disso, o país já assumiu que não cumprirá a meta fiscal
nem para 2011, nem para 2012.
Desde 11 de setembro de 2001, quando as Torres Gêmeas foram atingidas em um
ataque terrorista, os Estados Unidos começaram uma corrida que também colaborou
para o aumento do endividamento. A chamada Guerra contra o Terror, medidas
constantes em prol da proteção contra o “mal”, rendeu um gasto aproximado de US$ 4
trilhões, apenas com intervenções no Afeganistão, Iraque e Paquistão. Os dados são
do projeto Costs of War, em tradução livre “Custos da Guerra”, da Brown University,
que calculou, além disso, a morte 225 mil civis.
No período entre 2001 e 2005, a dívida externa aumentou 531,21%. Segundo
informações da CIA (Central Intelligence Agency), nesse espaço de tempo a dívida
norte-americana cresceu de 1,4 para 8,8 trilhões de dólares.
A crise que, para muitos especialistas, começou com a Guerra do Vietnã, estourou em
2008 com a quebra do banco de investimentos com ação global Lehman Brothers. Na
nomeada Crise do Subprime, instituições de crédito quebraram. Eles concediam
empréstimos hipotecários de alto risco para o próprio lucro. As agências de
classificação de risco as incluíam como AAA, denominação para baixo risco. Em
consequência disso, seis milhões de pessoas foram despejadas de suas casas, até o
início de 2010, por não conseguirem pagar os financiamentos de risco. O desemprego
e o empobrecimento das classes inferiores cresceram.
A maior parte da população brasileira não deve ter percebido nem uma pequena
fagulha do que aconteceu. Mas nos Estados Unidos e para os investidores do resto do
planeta, esse foi o início do que agora pode representar a recessão do país. “Você
nunca viu nada como isso antes. E vai ficar ainda pior. Recessão significa um ciclo
vicioso e estamos diante de uma”,foi o que afirmou o co-fundador do Economic Cicle
Research Institute,Lakshman Achuthan, em entrevista ao canal de negócios CNBC.
De acordo com o sociólogo e escritor de diversos livros, dentre eles O Fim do Império
Americano? Os Estados Unidos depois da crise, Jan Nederveen, a causa subjacente é
que a desregulamentação foi longe demais. “A imagem agora é irregular. O custo do
império não para de aumentar e sua capacidade de influenciar os negócios está
encolhendo.Política e economicamente, o papel dos Estados Unidos já diminuiu
deforma enorme nos últimos anos e a tendência é continuar”, articulou Nederveen à
Vox Objetiva.
Se um país reduz o desenvolvimento, outras nações sofrerão consequências dessa
alteração. É o que diz a teoria dos jogos, criada por John Nash em 1950. Ela explica
que comportamentos individuais modificam o coletivo, o que significa que ações de um
país vão influenciar nas decisões de outros.“No caso de estratégia de países,que é o
centro das atenções da teoria dos jogos, ela ajuda na tomada de decisões. A análise
de influência de determinações do governo no comportamento dos indivíduos é cada
vez mais importante”, explica a professora de economia do Centro Universitário de
Belo Horizonte, Patrícia Alvarenga.
De acordo com a docente, em um mundo cada vez mais globalizado, com interação
dos mercados, a teoria dos jogos se torna mais relevante e complexa, já que a
estratégia de um país influencia na tomada de decisões de outros e vice--versa. A
economia não é um jogo de soma zero. Se um país está com problemas, outros serão
atingidos. Isso explica o porquê de crises aparentemente pequenas e distantes
influenciarem e modificarem toda a engenharia da economia global.
“Se o capitalismo é incapaz de satisfazer as reivindicações que surgem
infalivelmente dos males que ele mesmo engendrou, então que morra!”, Leon
Trotsky
Desde o dia 17 de setembro uma onda de protestos invadiu os Estados Unidos. O que
começou com o Ocupe Wall Street já foi para outras cidades do país, como
Washington e São Francisco. Os protestos, como Trotsky já havia dito, são contra o
capitalismo e o aparelho financeiro. “Como sistema econômico, ele, cada vez mais,
produz um tipo de economia ao contrário de sua pretensão, uma economia estatal
colossal. Basta ver as dívidas públicas que estão gerando no mundo inteiro. São
intervenções gigantescas do Estado para salvar os bancos e todo um sistema que não
tem como existir espontaneamente”, avalia o marxista Theotonio dos Santos.
O economista afirma que o Estado busca salvar o sistema e os bancos tirando da
população. É a causa da revolta. “As pessoas estão revoltadas com essa política
constante de diminuição dos gastos públicos em atenção a elas e aumento em
transferência de recursos para o setor financeiro para salvar instituições decadentes”,
afirma Theotonio.
Wall Street, maior representação do sistema financeiro global, é palco de gigantesca
desregulamentação norte-americana. Alertas para a crise financeira de 2008 foram
anunciadas por vários pesquisadores, mas os executivos e economistas dos altos
cargos fingiram não ter ouvido. O setor financeiro gastou mais de US$ 5 bilhões em
lobby e contribuições a campanhas, apenas até 2008. Depois da crise do Subprime,
passaram a gastar ainda mais tentando reter uma reforma fiscal que travaria seus
gigantescos lucros mensais.
Esse é, para muitos estudiosos, um claro processo de decadência do sistema. Mas
alguns economistas não dão as mesmas dimensões. Para Márcio Salvato, crises no
capitalismo sempre existiram porque há um problema de “jogos de informação”. “O
sistema se auto-penaliza com esses jogos, muitos perdem e ele se recupera”. De
acordo com Carlos Pinkusfeld, atualmente os Estados Unidos não enfrentam uma
crise financeira, o problema emergencial foi resolvido em 2008. “O que ocorre nos
EUA é um alto desemprego e baixo crescimento em razão do fraco desempenho dos
seus componentes de demanda agregada, aí incluindo o gasto público”.
A crise do desemprego e as condições subumanas a que vive uma parte da população
global é, na opinião de Theotonio, motivo para uma grande modificação. “Precisa de
uma visão teórica, conceitual, doutrinária, capaz de captar todas essas mudanças do
ponto de vista de transformação global para a humanidade. As sociedades têm que
estabelecer metas de desenvolvimento geral para atender às necessidades da maioria
da população. Até chegarmos lá vamos ter que passar por várias tentativas”.
Os BRICs
Dia 21 de setembro de 2011. A presidente do Brasil, Dilma Rousseff, se tornou a
primeira voz feminina a abrir a reunião da Assembleia-Geral da ONU, em Nova Iorque,
Estados Unidos. “Essa crise é séria demais para que seja administrada apenas por
uns poucos países. Seus governos e bancos centrais continuam com a
responsabilidade maior na condução do processo. Mas, como todos os países sofrem
as consequências da crise, todos têm o direito de participar das soluções. Não é por
falta de recursos financeiros que os líderes dos países desenvolvidos não encontraram
solução para a crise. É, permitam-me dizer, por falta de recursos políticos e, algumas
vezes, por clareza de ideias”, declarou.
O Brasil faz parte da sigla BRICs, que integra Rússia, Índia, China, e, atualmente,
África do Sul. O grupo é a nova aposta de muitos pesquisadores. O acrônimo foi
criado pelo economista Jim O’Neill, chefe de pesquisa em economia global do
Goldman Sachs.
Um estudo realizado pelo National Intelligence Council, centro americano de questões
estratégicas ligado às agências de inteligência, prevê uma modificação completa no
sistema político-econômico internacional para as próximas décadas. “Projeções de
crescimento para o Brasil, Rússia, Índia e China indicam que eles irão, coletivamente,
equivaler às originais amostras do PIB global do G7, em 2040-2050”.
A previsão é que esses quatro países tenham cada vez mais voz e espaço político no
cenário internacional. Mas se tornarem potências ou, até mesmo, substituírem a
representatividade dos Estados Unidos e União Europeia é uma ilusão, de acordo com
muitos estudiosos. Para o diplomata de carreira e professor de Economia Política do
Centro Universitário de Brasília, Paulo Roberto de Almeida, claramente não há a
possibilidade desses países se tornarem o novo centro global. “Eles são pólos de
crescimento mundial ainda, locomotivas regionais. Centro global significa inovação,
em primeiro lugar. A China não vai ser um pólo econômico mundial. É uma economia
da imitação e não da inovação. Para pegar o lugar dos EUA teria que rebolar e rebolar
muito”, pondera Almeida.
Os BRICs endossaram a ajuda política sugerida pela presidente durante o discurso.
Reuniram para levantar possibilidades de ajuda econômica aos países europeus em
crise. Almeida considera que as nações pequenas poderiam ser ajudadas com o
dinheiro do FMI, mas as grandes, como Espanha e Itália, fica mais complicado. “É
necessário medir o risco. O Brasil, por exemplo, não tem condições de ficar enfiando
muito dinheiro”.
Ao contrário do que tem sido demonstrado, o Brasil não tem muitos antecedentes que
sirvam de espelho para os países em crise. Na verdade, a nação não tem
absolutamente nenhum exemplo a dar, de acordo com Almeida. “O conselho que
poderia oferecer nessas condições é parar de gastar e fazer reforma. Vale para o
Brasil também. Não só não tem a ensinar, como deveria aprender sobre o que não
fazer. Se o país não fizer o dever de casa, com os gastos que crescem sempre acima
do PIB, o nosso caminho é semelhante ao grego”, alumia e completa: “Previdência
generosa, gastos públicos, superávit primário que não cobre a dívida... O Brasil está
justamente fazendo o que a Grécia fez e o que não deveria fazer”.
De acordo com dados do Tesouro Nacional no dia 10 de outubro de 2011, a
expectativa é de que o PIB cresça 3,5% nesse ano e atinja ganho de 4,5% em 2014.
Mas a dívida externa brasileira ainda está em altos patamares. O Banco Central
divulgou o débito total: US$ 304,2 bilhões.
O futuro da economia global
“Descentralização” parece ser a palavra do momento para a economia. De acordo com
Paulo Roberto de Almeida, porém, o termo não passa de “bobagem acadêmica”. Para
ele, o mundo vai se tornar mais equilibrado e provavelmente se torne mais multipolar.
“Os Estados Unidos, possivelmente, crescerão menos. Mas não sei se o equilíbrio é
positivo. Quando o mundo foi muito equilibrado houve muitas guerras. Você tem uma
grande potência que todo mundo teme, nem a China ousa desafiar.
Se os Estados Unidos declinarem muito, pode ser que o país asiático se torne muito
arrogante”, explica. De acordo com Jan Nederveen, são dois os possíveis caminhos. A
primeira possibilidade é a multipolaridade, “que agora existe e é muito desigual.
Instituições internacionais como o FMI continuam a ser lideradas pelo Ocidente”. Em
segundo lugar, a não polaridade, nenhum centro de maior poder.
O professor de economia da PUC-Rio, Eduardo Zilberman, esclarece que passaremos
por alguns anos de baixo crescimento global. “O tempo necessário para sanear a
economia, especialmente os bancos, até que ela recupere a capacidade de gerar intermediação financeira, um dos motores do crescimento econômico”.
Outra linha de pensamento analisa que a economia caminha para uma forma
socialista, mas diferentemente do que era pensado antes, com um regime fechado.
“Nós caminhamos para uma forma na qual as relações entre os países serão cada vez
mais decididas por acordos estatais, com participação do governo, dependendo do
grau democrático de cada Estado. As decisões estarão ligadas fortemente às
necessidades da população”, antecipa Theotonio.
A crise não pode alavancar nenhuma economia. Para Almeida, nenhuma crise pode
favorecer ninguém. Todos os países prosperam quando há uma desestabilização
econômica global. “Não vejo como a gente possa se beneficiar da miséria alheia”,
considera. Mas de acordo com Pinkusfeld, o Brasil não deve ter dificuldade em
financiar seu déficit em transações correntes se os EUA e a Europa mantiverem o
baixo crescimento. “Assim está afastada, caso algo mais grave não ocorra, de crise
cambial e o Brasil pode continuar a crescer nas taxas razoáveis recentes”, explica.
Muitos especialistas acreditam que o máximo que países como os BRICs conseguem
é chegar a serem chamados de superpotências pobres, com alguma representação
econômica internacional. Almeida acredita que certamente o Brasil pode atingir o bemestar social, mas para ser considerada uma superpotência, teria que ser dinâmico,
progressista e aberto. “Quando os outros países quiserem ser imitados pelos bons
valores e princípios, eles serão superpotências”.
Por muitos anos o sistema financeiro estadunidense e europeu funcionou como um
espelho para o resto do mundo: as economias que todos almejavam e admiravam.
Enquanto isso, os emergentes lutaram, e ainda lutam, para diminuir suas disparidades
sociais e econômicas. Mas a verdade começou a aparecer diante da crise.
Nos países desenvolvidos, as diferenças se agravam a cada dia. As redes de
corrupção também existem nas inatingíveis e exemplares nações. Os ricos ficam cada
vez mais ricos e os pobres, cada vez mais pobres. E a tendência é só piorar. Até
porque a população continua nas mãos dos mesmos homens que geraram a crise.
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