Tecnocracia sem restrições

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OPINIÃO
Tecnocracia
sem restrições
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que, dependendo das reações da economia, exageros na política de austeridade podem levar a
um austericídio.
Trata-se de um problema empírico e não teórico. Suponha que: 1) a variação do PIB real é proporcional (de fato um multiplicador positivo) à
variação da despesa real do governo e 2) a receita
real do governo é a carga tributária em percentagem do PIB. As duas hipóteses combinadas levam à
conclusão de que, eventualmente, uma redução da
despesa real pode levar ao aumento do endividamento (se o multiplicador, vezes a carga tributária,
for menor do que um). A conclusão mais interessante é que, se ele for maior do que um, teremos um
almoço “grátis”: quanto maior a expansão do gasto
do governo, maior a redução do endividamento, o
paraíso do pensamento mágico!
É claro que o mundo real é muito mais
complicado (veja, por exemplo, a conclusão nada
reconfortante de Fatás, A. –; Summers, L.H. – The
Permanent Effects of Fiscal Consolidations, junho,
2016): “os resultados sugerem, fortemente, que a
consolidação fiscal que fizemos nos últimos anos
foi autodestruidora. Aumentou a dívida em lugar
de reduzi-la”...
Nada disso fala contra o programa que o presidente interino Michel Temer propôs ao país. Fala,
entretanto, contra afirmações apodíticas de economistas que se supõem portadores de uma “ciência” que ignora restrições, convencidos de que, no
regime democrático, o que atrapalha a “racionalidade” e a “justiça” da sua “ciência” é a “irracionalidade” da política. A solução, portanto, é substituir
o poder político pelo poder tecnocrático...
ANTONIO DELFIM NETTO
Marcelo Correa
É da essência tanto do crédito privado quanto do público
que deve existir um razoável grau de confiança entre quem
empresta e quem toma emprestado. Crédito é, portanto,
apenas o outro nome da confiança recíproca. A grande
diferença entre o crédito privado e o público (o outro lado da
dívida do governo) é que este exige muito maior confiança entre o credor (um agente privado) e o devedor (o Estado). No
caso do crédito público não há garantia real e se o empréstimo
é em moeda nacional, não há o risco de que não seja honrado,
porque o próprio Estado é o monopolista criador da moeda
que tem poder liberatório sobre todos os ativos, dois aspectos
contraditórios que têm consequências.
O efeito físico da dívida pública depende da disponibilidade de fatores de produção na proporção adequada. Se a economia está em pleno emprego, ela apenas substituirá a demanda
privada redirecionando os recursos para investimentos em
infraestrutura, aumentando, talvez, a produtividade geral da
economia. Mas se a demanda privada for insuficiente para
sustentar o pleno emprego, a dívida pública permitirá a mobilização da poupança para sustentá-lo.
Ocorre que a acumulação quantitativa da dívida pública
produz variações qualitativas no grau de confiança do credor,
o que pressiona a taxa de juros real da economia com todos
os seus efeitos sobre o investimento privado e sobre a taxa de
câmbio. Isso exige atenção permanente sobre a Dívida Bruta,
que deve manter-se em níveis adequados com relação ao Produto Interno Bruto (PIB).
Uma das variáveis “inventadas” pelos economistas, difícil
de ser estimada empiricamente, é o chamado “produto potencial” (maior valor do PIB que a economia pode produzir
com os recursos de que dispõe), que se usa para distinguir
o “déficit estrutural” (quando a economia está em plena
carga), do “déficit cíclico”, gerado quando a economia está
operando abaixo do seu “potencial”. O déficit fiscal é a soma
dos dois. A distinção é importante: a política econômica
pode mitigar o déficit “cíclico”, mas somente reformas profundas podem enfrentar o déficit “estrutural”.
É inegável a necessidade de elevarmos a produtividade
do gasto público ao mesmo tempo que devemos controlá-lo
para obter uma relação Dívida Bruta/PIB com espaço para
uma eventual política anticíclica. É preciso reconhecer
Professor emérito da Faculdade
de Economia, Administração e
Contabilidade (FEA-USP), exministro da Fazenda, da Agricultura
e do Planejamento.
JULHO | AGOSTO 2016
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