dilemas da política fiscal

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DILEMAS DA POLÍTICA FISCAL
A política fiscal não pode carregar sozinha a
responsabilidade pela aceleração do crescimento
O GOVERNO tem sido criticado por não atacar o problema
fiscal. Segundo um ponto de vista bastante disseminado entre
os economistas, o desequilíbrio das finanças públicas,
provocado por gastos excessivos, seria um dos principais
obstáculos à recuperação da economia. Ao longo de 2006,
foram lançados diversos alertas, alguns em tom dramático,
sobre os riscos decorrentes de um suposto descontrole das
contas do governo.
Os dados disponíveis não parecem dar sustentação a esse
ponto de vista. É verdade que, em 2006, houve uma
diminuição do superávit primário em relação ao nível recorde
registrado no ano anterior. Mas a queda não chega a
preocupar. No acumulado em 12 meses até novembro último,
o superávit primário do setor público consolidado (governo
central, governos estaduais, governos municipais e empresas
estatais) foi de 4,4% do PIB, situando-se um pouco acima da
meta oficial. No mesmo período, o déficit nominal (que inclui
as despesas de juros) alcançou 3,2% do PIB, nada de
extraordinário para padrões internacionais.
A dívida governamental, comparada ao PIB ou às receitas
públicas, vem sofrendo diminuição gradual desde 2004. Em
novembro último, a dívida líquida do setor público consolidado
(exclusive base monetária) representava 44% do PIB, outro
indicador que não discrepa muito das médias internacionais.
Portanto os resultados foram razoáveis. Não há crise fiscal à
vista. Mas também não se pode dizer que a situação das
contas públicas seja confortável. A carga tributária aumentou
muito e é -esta, sim- excepcionalmente elevada para um país
em desenvolvimento. O investimento público foi
drasticamente reduzido, inclusive em setores vitais, o que
contribuiu para as notórias deficiências em áreas como
transporte, energia, saneamento básico, defesa nacional,
segurança pública e segurança aérea. Os gastos correntes
não-financeiros cresceram de forma acelerada. A dívida
interna é de prazo médio curto e carrega o ônus das
extravagantes taxas de juro praticadas pelo Banco Central.
O presidente Lula, no discurso da segunda posse, anunciou
um Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, que será
iniciado em janeiro. O PAC ainda não foi detalhado, mas já
temos uma idéia dos seus principais aspectos. As indicações
são que ele se apoiará, em larga medida, na política fiscal.
Os dois pilares principais serão, pelo que se sabe, um
conjunto de medidas de desoneração tributária, voltadas para
estimular os investimentos privados, e uma ampliação dos
investimentos públicos em infra-estrutura.
Há espaço para isso nas contas do governo? Depende,
evidentemente, do tamanho do pacote e da presença ou não
de medidas complementares. Se a diminuição de impostos e o
aumento do nível dos investimentos não forem compensados,
ao longo do período 2007-2010, por cortes de gastos
correntes não-financeiros, o resultado será uma diminuição do
superávit primário. Dada a conta de juros, isso trará um
aumento do déficit e da dívida do setor público. Um aumento
substancial do déficit pode colocar em risco o seu
financiamento e a rolagem da dívida pública.
Por outro lado, se o pacote for modesto ou se os cortes de
tributos e a ampliação dos investimentos forem
acompanhados de uma redução aproximadamente
equivalente nos gastos primários correntes, o impacto líquido
sobre a demanda agregada será pouco significativo. O efeito
expansivo do aumento dos investimentos e da diminuição da
carga tributária será contrabalançado, pelo menos em parte,
pelo efeito contracionista da diminuição das despesas
primárias correntes. Pode até haver uma melhora na
composição das contas públicas e uma ampliação da oferta
agregada, mas a economia não receberá um impulso
considerável pelo lado da demanda. Bem sei, leitor, que estou
me repetindo um pouco. Mas, como dizia Nelson Rodrigues
(frase que eu já citei umas 500 vezes), tudo o que é dito uma
única e solitária vez permanece rigorosamente inédito. Eis o
que eu queria dizer: a política fiscal não pode carregar
sozinha a responsabilidade pela aceleração do crescimento. O
governo terá de mobilizar os instrumentos monetários,
cambiais e creditícios, a maior parte dos quais depende do
Banco Central.
O risco é que o Banco Central, muito independente do
governo, não se disponha a cooperar. Ou pior: diante de uma
flexibilização fiscal que lhe pareça exagerada, o Banco Central
pode até decidir aumentar a tenebrosa "parcimônia" na área
monetária.
Nesse caso, a aceleração do crescimento não sairá do papel.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR - 51, economista e professor da FGVEAESP. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional:
Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier,
2005).
E-mail: [email protected]
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