Rompendo os limites atuais do crescimento

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Fligenspan, Flávio. “Rompendo os limites atuais do crescimento”. São Paulo: Valor Econômico,
27 de junho de 2002. JEL: G, H, O
Rompendo os limites atuais do crescimento
Por Flávio Fligenspan
O Plano Real, com sua combinação de abertura comercial - e financeira -, câmbio valorizado e juros
altos, causou mudanças estruturais na economia brasileira. A insistência com o artificialismo da
moeda valorizada durante os primeiros quatro anos e meio deteriorou a conta comercial e forçou o
financiamento com capitais especulativos externos (e domésticos), atraídos por juros elevados.
Além de passarmos a depender cada vez mais desse financiamento de curto prazo, ficamos sujeitos
aos humores do mercado internacional, sofrendo os efeitos das crises nos vários cantos do mundo.
Foi assim quando estourou a crise do México em 1995, a do Sudeste Asiático em 1997 e quando da
moratória russa em 1998. Cada episódio desses colocava em xeque nosso equacionamento de
política econômica, mostrava o risco da opção adotada e exigia novo patamar de juros, que eram
elevados de uma penada só, na emergência, e custavam meses para baixar lentamente, com
conseqüências ainda mais negativas sobre as finanças públicas e as contas externas.
Dois indicadores nítidos das mudanças estruturais do Real são a relação dívida interna/PIB e o
déficit em transações correntes, ambos tendo atingido marcas muito além das que os financiadores
considerariam aceitáveis. Contudo a notícia pior nem é essa, mas, sim, o fato de que ninguém
acredita que esses indicadores possam melhorar em curto espaço de tempo, o que gera mais
desconfiança, instabilidade e custos de financiamento.
A situação assim colocada traz uma armadilha em termos de crescimento. Se a economia crescer
muito, comprometem-se as contas externas, via, principalmente, deterioração do saldo comercial,
além de pôr-se em risco a meta de inflação. Se, por outro lado, o PIB crescer pouco, deteriora-se
ainda mais a relação dívida/PIB, pois, independentemente do ritmo da atividade, a dívida segue
sendo rolada a custos altos. Lembre-se que o superávit primário, apesar de todo o custo social que
implica, tem sido menos que suficiente para pagar a conta de juros, o que aumenta o estoque da
dívida. Isso nos leva à manutenção de um ritmo morno da atividade econômica.
Feito esse diagnóstico, que, com algumas variações, pode ser assinado por economistas de várias
vertentes teóricas e políticas, o ano eleitoral e o fechamento do ciclo FHC levam, inevitavelmente, à
rediscussão do projeto em marcha e de possíveis novos rumos. Parte dos analistas tem se
manifestado sobre a necessidade de se fazerem ajustes, mas, no essencial, mantendo as linhas
mestras da política econômica equacionada a partir da desvalorização de 1999. Ou seja, preservarse-iam o sistema de metas de inflação, o rígido ajuste fiscal - talvez até ampliado -, o câmbio mais
ou menos controlado e as taxas de juros elevadas, uma conseqüência indesejada do nosso passado,
mas da qual não se pode fugir rapidamente. Os ajustes dar-se-iam ao longo do tempo, através da tão
solicitada quanto difícil reforma fiscal, das reformas da previdência e do mercado de capitais e da
adoção de uma política industrial efetiva, que vise ao fortalecimento das cadeias produtivas e aos
ganhos de produtividade, o que nos daria melhores condições de disputar espaço no mercado
internacional.
É claro que, entre o grande número de defensores desse caminho, de manutenção do cerne da
política econômica com ajustes necessariamente dissipados no tempo, há várias divergências.
Talvez a mais importante seja quanto à escolha de qual questão se eleja como a mais decisiva ou a
que rege as demais, isto é, a que exige uma resposta que deve preceder e mesmo impulsionar as
demais. Para alguns, essa é a questão fiscal. A sustentabilidade dos superávits primários (se
possível, ampliados) seria condição essencial para o financiamento da dívida e a redução paulatina
dos juros. Para outros, a questão mais urgente é a recuperação rápida de saldos comerciais robustos
e confiáveis, o que daria confiança aos financiadores internacionais e também levaria à redução dos
juros. Veja-se que, nos dois casos, o que se busca, por fim, é sustentar taxas mais elevadas de
crescimento, não alterando-se as condições estruturais. Ainda assim, na primeira opção permanece
o problema de equacionar o déficit em transações correntes a partir de uma expansão mais
acelerada.
Qual é o principal problema desse caminho, seja priorizando a questão fiscal, seja a externa? É que
ele demora muito tempo para mostrar resultados, mas, mais importante que isso, durante esse tempo
ainda ficaríamos dependentes dos humores e da (des)confiança do mercado internacional, que,
como se sabe, não vive um dos seus melhores momentos. A maioria dos seus defensores sabe disso,
mas entende que, dadas as mudanças estruturais do Real, esse é o preço a ser pago. Estaríamos
fadados a crescer lentamente, fazendo pouca marola para não nos afogarmos.
A alternativa a esse caminho exige uma ruptura com o arranjo de política econômica em vigor, para
romper os limites ao crescimento impostos por ele. Se a questão do financiamento externo
representa um gargalo tão importante na economia brasileira, uma alternativa seria um acordo tácito - com os financiadores internacionais, principalmente com os representantes do capital
produtivo, que tanto interesse têm demonstrado em ocupar novos espaços de valorização pelo
mundo. O que temos a oferecer nessa negociação? O atrativo é tornar efetivo o enorme mercado
potencial brasileiro. Isso, é claro, exige uma mudança cadenciada, mas radical, na distribuição da
renda e a implantação de um verdadeiro mercado de massas, o que não exclui, pelo contrário, a
preocupação com a geração de saldos comerciais crescentes e consistentes no tempo. Esse caminho
também demora a mostrar resultados, mas ele teria duas grandes vantagens: é socialmente mais
justo e gera crescente confiança, especialmente no capital produtivo, o menos volúvel e o menos
suscetível às crises financeiras internacionais. Com aumento da confiança e necessidade cada vez
menor de se financiar com capital especulativo, haveria redução dos juros externos e internos.
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