Entrevista com Dolores Freixa Dolores Freixa, historiadora e professora universitária de História da Gastronomia e Patrimônio Cultural. Coautora dos livros “História da Gastronomia no Brasil e no Mundo”, Editora Senac, e “Larousse da Cozinha Brasileira: raízes culturais da nossa terra”. A alimentação acompanhou a evolução do homem. Nesse sentido, quais fatos e períodos históricos foram mais importantes? A evolução da alimentação está intimamente relacionada com a história do homem. O preparo dos alimentos cozidos transformou completamente a vida cotidiana dos seres humanos. O homem, ao descobrir o fogo, conseguiu elaborar novas receitas, novos temperos e o prazer de estar junto nas refeições. Assim deu início a comensalidade. Outra grande revolução que os historiadores colocam como a mais importante foi no Neolítico, há mais de 10 mil anos. Foi nesse momento que os homens começaram a cultivar as plantas e a domesticar os animais, controlando, assim, o próprio abastecimento. A agricultura gerou excedente e a partir daí as trocas e os contatos entre as comunidades se intensificaram, fomentando o comércio. As grandes navegações nos séculos XV e XVI, além de colocarem a América no mundo, promoveram intensos intercâmbios alimentares que se incorporaram definitivamente à gastronomia dos povos, como o tomate, de origem americana, que se juntou às massas e deu origem a um dos pratos mais emblemáticos da Itália, o macarrão ao sugo. Outro momento importante foi no século XIX, com o desenvolvimento da ciência a favor da alimentação. Foram inventadas técnicas de conservação para aumentar a durabilidade dos alimentos. Os enlatados e a pasteurização são dois exemplos salutares da época. Com o aparecimento da energia elétrica apareceram nas cozinhas das casas os eletrodomésticos: geladeiras, batedeiras, liquidificadores, mudando os hábitos alimentares dos tempos modernos. O fogão a gás deu maior rapidez na cocção dos alimentos. Comida é cultura apenas quando representa uma região? Segundo o historiador italiano Massimo Montanari, no seu livro “Comida como Cultura”, aquilo que nos parece “bom para comer”, hoje, é resultado de um longo processo de transformação cultural, influenciado por inúmeros processos de ordem social, religiosa e política. As identidades alimentares não são estáticas e estão sempre carregadas de mudanças, adaptando-se constantemente pelo contato de outras culturas. Por muito tempo, comer foi tido como um ato puramente intuitivo. Os conceitos de “cozinha” e “gastronomia” mudaram essa ideia? Desde a antiguidade o ser humano já buscava o prazer na comida. No Egito Antigo já existia uma padaria artística com vários tipos de pães e formatos com recheios de frutas secas. Os gregos e os romanos organizavam banquetes regados a vinho, com uma culinária requintada. Pode-se assim afirmar que os alimentos significavam mais do que uma necessidade fisiológica. Os gostos, os aromas, as texturas e as cores desde o início da humanidade expressam a cultura de um povo. Alguns pratos carregam significados afetivos. Qual é a lembrança que você tem dos tempos da escola? Todos nós temos belas lembranças de pratos que enchem o coração, além da barriga. No meu caso, lembro-me dos tempos da escola. Eu que adorava o recreio para poder comprar uma paçoquinha. Era uma delícia saboreá-la e sentir o gosto adocicado e macio do amendoim.