SIGNIFICAÇÕES DO ERRO EM ALUNOS NAS SALAS DE APOIO À APRENDIZAGEM BIANCHINI, Luciane Guimarães Batistella OLIVEIRA, Francismara Neves de PIAI, Angelica Lima SILVA, Josiele Cardoso FECHIO, Mariana CARNOT, Priscila de La Torre Universidade Estadual de Londrina [email protected] Eixo Temático: Psicopedagogia Agência Financiadora: Não contou com financiamento Resumo O presente estudo objetivou analisar as significações do erro em 17 alunos que freqüentam salas de apoio à aprendizagem em Londrina-PR. Como modalidade de pesquisa elegemos o estudo de caso, na abordagem qualitativa. Como problema de pesquisa nos baseamos na seguinte questão: qual a significação do erro de alunos do 6º ano do Ensino Fundamental que freqüentam a sala de apoio à aprendizagem? Além da observação das atividades nas salas de apoio, utilizamos um roteiro de entrevista e um instrumento que é constituído por uma escala de diferencial semântico na qual são apontados indicadores afetivos nas condutas dos alunos em situação específica de aprendizagem. O período de coleta de dados foi de 2 meses. Nossos resultados indicaram que as significações dos alunos sobre o erro apresentam-se carregadas de conteúdo social e julgamento moral sobre o erro e que em sua totalidade, os participantes do estudo significam o erro como algo negativo e que os impede de aprender. O erro não é considerado parte do processo de aprendizagem e está associado a sentimentos desagradáveis de culpa e de menos valia além de estereótipos que culpabilizam o aluno pelo não aprender. O estudo enfatizou como implicação pedagógica, a importância de considerar o erro como revelador de construções internas de ordem intelectual e afetiva, em relação de interdependência, nas condutas do sujeito ativo na aprendizagem. Palavras-Chave: Erro.Teoria piagetiana.Dificuldade de aprendizagem.Concepções. 7789 Introdução Uma visão piagetiana sobre o erro e a afetividade na construção do conhecimento O erro na perspectiva teórica de Piaget revela um processo dinâmico que dirige o ato de conhecer. Taille (1997, p.26) ao se referir à construção do conhecimento na perspectiva piagetiana aponta que a realidade é filtrada pela consciência do sujeito, “retendo e interpretando aquilo que é capaz de incorporar a si. Em uma palavra, conhecer é conferir sentido, e esse sentido não está todo pronto e evidente nos objetos de conhecimento: ele é fruto de um trabalho ativo de assimilação” realizado pelo sujeito. No curso de seu desenvolvimento o sujeito fará diferentes interpretações sobre o mundo e a qualidade desta compreensão dependerá do nível de estruturação de sua inteligência. Neste caso, muitas interpretações das crianças apresentar-se-ão como erradas sob o ponto de vista do adulto, mas Piaget(1936, p.13) as compreende enquanto parte integrante do processo investigativo rumo ao conhecer, uma vez que atesta uma verdade do sujeito e por isso considerou o erro como construtivo1. Macedo (1997, p.29), analisa o papel construtivo dos erros destacando que ignorar o erro dentro do processo de construção do conhecimento “é supor que se pode acertar sempre ‘na primeira vez’, é eliminá-lo como parte, às vezes inevitável, da construção de um conhecimento, seja de crianças, seja de adultos”. O importante no ato de conhecer é que ao assimilar a realidade, o sujeito a está recriando, conferindo sentido e ao mesmo tempo colocando-se em atividade. Piaget (1967/1973) considera fundamental a atividade do sujeito sobre o objeto enquanto um processo auto-estruturante da atividade humana. É através desta atividade que o sujeito constrói a si (ampliando e flexibilizando seus esquemas), o outro e o objeto de conhecimento. Neste contexto, o erro é considerado como um comportamento inteligente, possível, e necessário para o desenvolvimento e a aprendizagem, na medida em que revela a ação de conhecer. As ações infantis apresentam-se primeiro de uma maneira menos elaborada ou errada, inconscientes à criança e gradativamente poderão ser ajustadas por regulações do próprio sujeito até atingir um grau satisfatório cada vez mais consciente. (Macedo, 1994, p. 72) 1 Os erros construtivos para Piaget são erros sistemáticos que de forma geral são repetidos por várias crianças. São esses erros que permitem à criança o acesso a resposta certa.(Ferreiro e Teberosky, 1999) 7790 O processo de tomada de consciência para Piaget (1977) é considerado como um sistema dinâmico em permanente atividade que caminha rumo às operações formais, possibilitando ao sujeito passar de um nível inconsciente à consciência. Na prática, podemos observar um sujeito primeiro realizando ações resultantes de tentativas ocasionais, para num outro momento atuar num plano de revisão, planejamento e ajustes na própria ação. Ou seja, estamos diante de dois planos de atuação do sujeito: o do fazer e do compreender, tal como discutiu Piaget (1977 e 1978). Macedo (1994) pontua que a questão do erro, “no plano do fazer está comprometido com o resultado em função de um objetivo, bem como com a construção de meios e estratégias adequados à solução do problema que se está enfrentando”. Por isso, quando um objetivo estabelecido é frustrado e a criança tem a clareza que errou, o erro torna-se um problema, levando-a buscar novas soluções. O que possibilita a criança compreender o seu erro é a reflexão sobre as próprias ações tomando assim consciência gradativa do erro. Piaget divide em três níveis as respostas apresentadas pelas crianças (Pauli et allii, 1981), quanto a consciência sobre o erro. No nível I não há erro para a criança, pois suas idéias constroem-se por justaposição e sincretismo, deformando a realidade percebida por ela. O nível II é o momento da dúvida ou flutuação, ou seja, a criança oscila nas respostas dadas. No nível III o adolescente compreende as situações tais como são. Dentre as conquistas do desenvolvimento da inteligência temos a evolução na lógica permitindo ao sujeito fazer relações mais complexas como a de pensar sobre a sua própria ação. Isto não quer dizer que ao atingir o nível III os erros acabaram, mas sim que agora o sujeito pode refletir sobre eles e percebê-los de forma consciente. Para explicar as diferenças nas interpretações dos sujeitos, Piaget utiliza-se de dois conceitos: observável e coordenação: “os observáveis são fatos percebidos, e as coordenações são justamente as interpretações que o sujeito faz sobre aquilo que observa e, conseqüentemente, determina a qualidade das próprias observações (Piaget apud Taille, 1997, p.29). Assim, independentemente de estar certa ou errada, as interpretações do sujeito, revelam os níveis de estruturação de sua inteligência. A crítica de Piaget sobre a educação formal, é que esta se limita a preocupar-se com os resultados e não com o modo como o sujeito chegou a eles, deixando de considerar riquíssimas construções realizadas pelo aluno, mesmo aquelas apresentadas numa situação de 7791 erro. Assim, se o erro é considerado como constituinte do processo de construção do conhecimento, como os educadores devem intervir diante desta situação? Para Macedo (1994, p.70) o mais importante não é considerar o resultado final e sim que o sujeito reflita sobre as suas ações, levante hipóteses mesmo que estas estejam “erradas”. O desafio do professor está em transformar o erro em uma situação de aprendizagem, mas para isto o professor precisa estabelecer o que é consciente à criança e o que não é. Como já destacamos no início, para Piaget o sujeito é auto-estruturante e ao meio cabe o papel de problematizar as situações, provocando no aluno a construção de estratégias e procedimentos de superação de seus erros, na medida em que realiza ajustamentos em suas ações. No entanto, o labor desta atividade pertence ao aluno e não ao professor. A questão é que de um jeito ou de outro o erro estará sempre presente em todo o processo que move o aluno a conhecer e dependendo da forma como o adulto concebe o erro, poderá resultar em práticas que ajudem o aluno a superá-lo, aprender a partir do erro ou não. Outro ponto a considerar na construção do conhecimento é que além da condição estrutural da inteligência há uma condição essencial para o sujeito agir sobre o objeto: ele precisa interessar-se pelo mesmo, “sem vontade e sem iniciativa para desvendar e descobrir, não há conhecimento” (Piaget apud Cunha, 2000, p. 75). Nesse sentido, são os afetos que preparam as ações do sujeito, participando ativamente da percepção que ele tem das situações vividas e do planejamento de suas reações ao meio. Dolle (1993, p.120), considera que a afetividade está implicada com o campo das significações e nestas as relações interindividuais tem um papel importante: A afetividade, nas relações interindividuais, se alimenta unicamente do sentido e que é este quem a estrutura, desequilibra, equilibra e reequilibra. O gesto, até mesmo discreto, o brilho no olhar, etc., são tão expressivos quanto as palavras. Dito de outro modo, a afetividade em ato fala àquele que a recebe porque ela tem um sentido e informa sobre o estado daquele que o leva a falar, sobre suas intenções, seus julgamentos, sua disposição de espírito com relação ao destinatário, etc. No ambiente escolar o aluno experimenta vários tipos de afetos: sentimentos como o prazer da descoberta e da criação diante do objeto do conhecimento, a tristeza ao constatar que errou na resolução das atividades e foi apontado pelo professor ou pelos próprios colegas como alguém incompetente, culpa quando não estuda o suficiente ou erra, etc. Além dos sentimentos, a afetividade contempla elementos energéticos (interesse, esforços, afetos das relações interindividuais, simpatias mútuas e sentimentos morais) que também estarão 7792 presentes na sala de aula. Dito de outro modo, constantemente embates e contradições do cotidiano escolar, colocam o aluno a rever suas ações e estas situações estão permeadas de afetos bons ou maus, dependendo de como interagem os sujeitos neste contexto. Assim, cabe questionar qual será a decorrência de sentimentos, se desmotivadores ou não, evocados por situações de erro do aluno na sala de aula. O ajustamento realizado pelo sujeito à medida que toma consciência de um engano, poderá percorrer caminhos totalmente racionais, com julgamentos adequados, mesmo numa situação desmotivadora? Ou ainda, no que a afetividade pode influenciar as interpretações da razão? Piaget (1962;1986) ao tratar da aprendizagem humana considerou importante olharmos para os afetos, pois não se pode separar a atividade intelectual do funcionamento total do organismo e em sua teoria aponta que o desenvolvimento intelectual possui dois componentes, o cognitivo e o afetivo, que se articulam e se desenvolvem paralelamente. A afetividade é a “mola propulsora” da aprendizagem, pois sem afeto não haveria interesse, nem necessidade, nem motivação e, conseqüentemente, perguntas ou problemas nunca seriam colocados e não haveria inteligência. O afeto é a energização da atividade intelectual, uma condição necessária para aquele que se coloca a conhecer. Para analisar a relação entre afetividade e inteligência, Piaget(1994) discute as concepções sobre o juízo moral, em sua teoria. Normalmente vemos a moral tornando-se o cenário propício para o confronto existente entre a razão e a afetividade. Vários exemplos na literatura destacam personagens lidando com situações conflituosas, nas quais há ou um predomínio pela razão ou afetividade. Piaget vai além da idéia de confronto nesta relação e aponta considerações relevantes sobre como interagem estes dois aspectos no ser humano (cognição e afetividade). Para o autor, os afetos movem a ação do sujeito e a razão tem o papel de “identificar desejos, sentimentos variados e obter êxito nas ações. Neste caso, não há conflito entre as duas partes. Porém, pensar a razão contra a afetividade é problemático porque então dever-se-ia, de alguma forma, dotar a razão de algum poder semelhante ao da afetividade”, o que significaria considerar características móvel de energia também na razão.(Taille, 1992, p.73) A afetividade para Piaget(1962) inicia-se através de afetos perceptivos, que no primeiro momento está indiferenciada ao sujeito. Gradativamente os afetos passarão a se relacionar com as pessoas, objetos. A estrutura básica organizadora de nossa vida afetiva é formada por sentimentos como amor, raiva,medo,necessidades(básicas),etc, resultantes de 7793 situações de fracasso ou sucesso, agradável ou desagradável. Macedo(2008, p.48) aponta que o medo, assim como a raiva ajudam o sujeito a “fugir, afastar do que considera ameaçador ou doloroso. Em sua dimensão positiva ele pode indicar cuidado e respeito”, mas por outro lado poderá diminuir ou até eliminar relações que proporcionaram este sentimento. O amor pode produzir sentimentos bons como alegria, confiança, interesse, mas em excesso pode gerar dependência. No período pré-operatório, há a inclusão da criança ao mudo socializado e estes sentimentos poderão ser vivenciados de forma intencional e intuitiva. No período operatórioconcreto (idade dos sujeitos pesquisados em nosso estudo) os afetos anteriores poderão ser transformados em normativos, que se trata da construção de esquemas afetivos ligados às regras. Uma questão importante é a constituição da vontade, valorizando para criança o que é superior e fraco, no lugar do inferior e forte. As regras, em seu aspecto moral, se apresentam de forma heterônoma e a criança entende-as como parte da tradição e por isso inquestionáveis e sagradas(Taille,1992). Somente no período operatório formal é que o sujeito poderá regular melhor seus afetos,definido assim vontades e expressando ideais de forma autônoma. As representações do erro no contexto escolar estão relacionadas ao nível de desenvolvimento do sujeito como também às concepções sobre “errar” em nossa sociedade. Estas, por sua vez, são dotadas de valores, crenças, regras e costumes relacionados a um padrão estabelecido de normalidade. Por isso, o sujeito enquanto um ser social caminhará na tentativa de cumprir o que está estabelecido como padrão, quem não cumpre é excluído, é anormal (Macedo, 1996). Para Lalande (1993) ao erro é atribuído o sentido de algo falso em oposição aquilo que é verdadeiro. No entanto, hoje sabemos o quanto a verdade é arbitrária e relativa, e em se tratando de crianças pequenas verdade “é aquilo que as pessoas que ela conhece e de quem gosta fazem ou dizem. “Verdade” é aquilo que ela consegue fazer ou pensar, é o que obedece a sua intenção” (Macedo, 1996, p.194). Desenvolvimento O presente estudo se orientou pelos parâmetros da pesquisa qualitativa, na modalidade de estudo de caso. (Yin 2005, Martins 2006). Interessou-nos observar um espaço oficial de trabalho com as dificuldades de aprendizagem. Procuramos no município de Londrina-PR salas de apoio à aprendizagem, que seguem o programa oficial da Secretaria da Educação e 7794 obtivemos uma amostra de 17 alunos do 6º ano do Ensino Fundamental, freqüentadores desse espaço. Elegemos essa amostra por considerarmos que estes alunos são encaminhados ao contraturno porque são classificados como portadores de dificuldades de aprendizagem e muitos deles apresentam histórias recorrentes de fracasso escolar. Consideramos interessante investigar neles a noção de erro. O tempo de coleta de dados foi de 2 meses, incluindo observações das aulas de contraturno, entrevista e aplicação de um instrumento construído pela segunda autora deste artigo, para sua pesquisa de pós-doutorado. O referido instrumento é uma escala de diferencial semântico contendo indicadores afetivos a serem observados nas condutas dos alunos diante de uma situação específica (Oliveira e Macedo 2009). As observações realizadas foram registradas em diário de campo e as entrevistas com os alunos foram gravadas. Na apresentação de nossos dados, quanto às significações dos alunos sobre os próprios erros, utilizamos duas tabelas. A primeira indica as significações dos alunos e os sentimentos despertados quando estão diante de uma situação de erro, pautadas nas respostas deles à entrevista. A segunda apresenta uma síntese das condutas predominantes e também os sentimentos envolvidos diante de uma situação específica de aprendizagem escolar, por meio dos indicadores afetivos da escala utilizada. Aluno O que é erro? Quando uma pessoa erra? 1 Fazer alguma coisa que...desobedecer Muitas coisas...quando uma pessoa faz coisa errada e põe a culpa nos outros. Quando ela pega alguma coisa do amigo Vai prejudicar ela mesma Várias coisas Como você se sente quando percebe que errou? Me sinto mal, peço desculpas pelo erro. Fico bem triste Não sei, quando ela não aprende O lápis Mal 4 É quando não faz as coisas certas. Fazer alguma coisa ruim. Xingar, bater Mal 5 Não prestar atenção Ser desobediente 7 Ser idiota. Deu bobeira e pisou na bola. 8 É quando não faz nada certo. Quando não vai bem em nada. 9 10 É quando escolhe o mal. Quando é mal amigo. É quando pisa na bola. Quando entrega um amigo. 11 12 13 14 Quando desrespeita as regras. Descumprir o combinado. Não acertar. Desobedecer. 15 16 17 Não ser organizado Não estudar direito. Ser mal educado Quando não estuda pra prova. Fazer o ruim pra alguém. Esquecer um compromisso. Não fazer o que os pais ou professores pedem. Dar desculpas esfarrapadas. Não entregar tarefas. Desrespeitar os mais velhos. Tudo é errar. Se a pessoa errar, parece que a pessoa não quer estudar. Ela ser ruim e maldosa. È tirar nota ruim na escola. É ficar de recuperação Quando ela é ruim. Quando é chata pra caramba. È tirar notas ruins. Não ser bom amigo Magoar alguém. Ser ruim. Triste 6 Quando magoa uma pessoa ou faz algo de mau Quando a pessoa fica prestando atenção. Opa!Não!É quando ela não presta atenção, igual eu agora. Não cumpriu as regras. 2 3 O que faz uma pessoa errar? Desobediência Não ser bom amigo. Não ajudar os outros. Ser maldoso. Fico com raiva de mim. Péssimo. Daí tem que ficar de recuperação. Mal. Malzão. Triste. Mal. Chateado. Triste. Triste. Super chateado Triste. Mal. 7795 Tabela 1: Indicadores afetivos na resposta dos alunos entrevistados As respostas dos alunos revelaram sentimentos e significações que vão sendo incluídas ao contexto do erro na sala de apoio. Pudemos verificar que ao significarem o erro prevalecem nas respostas dos alunos a inclusão dos aspectos morais, relacionando o erro cognitivo ao erro no campo de significações morais, como: “desobedecer, culpa, não fazer as coisas certas, fazer algo ruim”. Os aspectos afetivos aparecem com maior intensidade, enfatizando a compreensão que os alunos têm sobre a sua ação (errar) indissociada da conseqüência de julgamento moral que a acompanha. Ou seja, a criança não relaciona sua ação a possíveis enganos decorrentes de sua relação com o objeto, mas sim, àquilo que pode provocar em termos afetivos como é o caso do erro relacionado a “desobediência”, ou “algo ruim”. Para estes alunos errar é “magoar” o outro ou acontece quando alguém “pega algo do amigo”. A indissociação própria do sujeito heterônomo, como apontou Piaget (1994), não possibilita que compreendam além do aparente e neste caso das significações que o social lhe impõe como verdade e sagrado. A alusão do erro às questões relativas ao processo de aprendizagem revelam a necessidade de reflexão por parte da escola quanto ao tema: “erra quando não presta atenção”, ou ainda “Tudo é errar. Se a pessoa errar, parece que a pessoa não quer estudar.” A moral enquanto aspecto relacionado ao desenvolvimento dos julgamentos do aluno sobre o erro, interfere nas significações construídas neste contexto, pois não é construída de forma isolada, mas compartilhada com os demais atores da escola. Quanto aos sentimentos predominantes nas respostas a uma situação em que o aluno errou encontramos “a tristeza, o mal estar e a culpa”. A indissociação novamente aparece no julgamento dos alunos. Neste momento de seu desenvolvimento, há uma evolução da consciência do sujeito sobre o erro, mas articulada ao desenvolvimento do juízo moral sobre as suas ações que vão sendo construídas nas relações interindividuais. O aspecto afetivo relacionado ao erro tem no outro, com o qual nos relacionamos, um espaço compartilhado de significados. Por isso, Dolle (1993), considera a afetividade implicada com o campo das significações interindividuais. O sentido se constrói neste encontro entre o sujeito e o mundo social. Assim, dependendo de como se estabelecem estas relações, no qual o erro se faz presente, o sujeito poderá chegar a julgamentos autônomos ou permanecer aceitando verdades sem questioná-las. É inegável a influência dos discursos sociais sobre o erro, junto aos sentimentos despertados nos alunos. Pois, antes de mais nada, são discursos morais, carregados de afetos, 7796 que vem da própria sociedade formando o universo moral humano e designando aos sujeitos lugares distintos. Diante disto podemos refletir sobre a necessidade da escola possibilitar aos alunos situações de reflexão sobre suas ações, ajudando-as a entenderem suas ações consideradas “erradas” sob outro ponto de vista, compreendendo como Piaget, aspectos positivos expressos nesta atividade. A B C D E F F G H| I J No enfrentamento da tarefa Na realização da tarefa Diante de uma situação de conflito Na finalização da tarefa Coragem. Atitude. Interesse Rapidez em iniciar a tarefa. Impulsividade. Medo, receio, desinteresse Demora em iniciar. Passivo Impulsividade. Coragem, atitude, interesse. Rapidez em iniciar a tarefa. Impulsividade. Autonomia. Desinteresse. Fuga ou dispersão. Insegurança. Dependência. Desinteresse. Insegurança. Fuga ou dispersão. Autonomia, Desinteresse Segurança. Fuga ou dispersão Desistência. Descomprometimento. Auto-controle.Conduta Evitativa. Estratégia (cópia). Desistência, Descomprometimento Raiva, desconforto. Conduta evitativa. Repetição de estratégias. Persistência. Compromisso.Autocontrole.Enfreta desafios.Diferentes estratégias. Coragem, atitude, interesse Rapidez Impulsividade Medo, receio. Demora em iniciar a tarefa. Passividade. Desinteresse, impulsividade. Coragem, atitude, interesse Rapidez em iniciar. Autonomia, Interesse Segurança Envolvimento Dependência, Desinteresse Insegurança. Estratégia (copia). Fuga ou dispersão Autonomia, interesse Insegurança. Envolvimento Coragem, atitude, interessse Rapidez em iniciar. Planejamento Coragem, Atitude, Interesse Rapidez em iniciar Planejamento Medo, receio. Inicia devagar, desinteresse. Impulsividade Autonomia, Interesse Segurança . Envolvimento Desistência, Decomprometimento Raiva, desconforto Conduta evitativa, Estratégia(cópia) Persistência, Descomprometimento Raiva, desconforto Estratégia: foge da tarefa. Cria desculpa e sai. Desistência. Descomprometimento Auto controle. Conduta evitativa, Estratégia(cópia). Persistência, Compromisso Auto controle. Enfrenta desafios, Diferentes estratégias Persistência, Compromisso Auto controle Enfrenta desafios, Repete estratégias Persistência, Compromisso Auto controle. Demora frente ao desafio. Repete estratégias Desistência, Descomprometimento Auto controle. Conduta evitativa. Estratégia (cópia). Descompromisso. Raiva, desconforto Conduta evitativa, Estratégia (cópia) 7797 Insatisfação “Errei muito” Senso de incompetência. Dependente. Erros recorrentes. Insatisfação diante do resultado Incompetência (Errei tudo!). Dependente. Erros recorrentes. Satisfação/ resultado Se sente competente (“Acertei tudo!”), confiante. Corrige procedimentos Insatisfação com o resultado. Se sentem incompetentes. Dependente e recorrência nos erros. Insatisfação.Se sente incompetente Dependente. Repete os erros. Medo, receio.Demora em iniciar. Passividade. Desinteresse, Impulsividade Medo, receio. Demora em iniciar, passivo.Desinteresse Impulsividade. Autonomia, Interesse Segurança Envolvimento Autonomia, Interesse Segurança Envolvimento Dependência. Desinteresse Insegurança . Fuga ou dispersão Dependência, desinteresse Insegurança. Fuga ou dispersão Satisfação diante do resultado Sente-se competente,confiança Corrige procedimentos. Satisfação com o resultado Sente-se competente,confiante Corrige procedimentos Satisfação/ resultado Sente-se competente,confiante, Corrige procedimentos Satisfação/ resultado Sente-se competente, confiante Corrige procedimentos Não terminou a atividade. Revelou muita insegurança. Insatisfação. Vê-se Incompetente, Dependente. Repete os erros. K Coragem, atitude, interesse Rapidez em iniciar Planejamento de ações Autonomia. Interesse. Segurança. Envolvimento. Persistência , Compromisso Auto controle. Enfrenta desafio, Repete estratégias. Satisfação/resultado Sente-se competente, confiante Corrige procedimentos L Coragem, atitude, interesse. Rapidez em iniciar. Planejamento de ações Coragem, atitude, interesse Rapidez em iniciar Planejamento Coragem, atitude, interesse Rapidez em iniciar Planejamento Medo, receio, passividade, desinteresse. Impulsividade Dependência ,Interesse Insegurança. Envolvimento Persistência, Compromisso. descontrole. Não enfrenta desafio, Diferentes estratégias Persistência , Compromisso Auto controle, Enfrenta desafios, Diferentes estratégias Desistência, Descompromisso Raiva, desconforto. Conduta evitativa, Diferentes estratégias. Desistencia , Descomprometimento Raiva, desconforto, evitação Diferentes estratégias Desistência, Falta de Compromisso Auto controle, Conduta evitativa, Estratégia (cópia) Satisfação/ resultado Se sentir competente Corrige procedimentos Satisfação/resultado Sente-se competente, confiante Corrige procedimentos Insatisfação com o resultado Sente-se incompetente, Dependente Mesmos erros. Não terminou a atividade. Fabulação. M N O P Coragem, atitude, interesse Rapidez em iniciar Planejamento Dependência. Interesse Insegurança. Envolvimento Dependência, Interesse Insegurança. Envolvimento. Dependência,Desinteresse , Insegurança ,estratégia (cópia) Fuga/dispersão Dependência Interesse Insegurança Envolvimento Satisfação/ resultado Sente-se competente,confiança Repetir os mesmo erros Tabela 2: Indicadores afetivos na observação dos alunos em atividades propostas pelo professor da sala de apoio. Os dados que apresentamos nos permitiram tecer considerações sobre o enfrentamento, o conflito próprio à realização e a finalização da tarefa proposta pelo professor. Gostaríamos de destacar um dado significativo. Ao dirigirmos nosso olhar para o que indicam os dados sobre o momento final das atividades, podemos perceber que os alunos que chegaram até ao final, seja com ajuda do colega, ou do professor, seja copiando em alguns momentos, diversificando estratégias ou repetindo-as, apresentaram uma relação significativa entre sucesso na atividade e a atitude de enfrentamento dos conflitos, pois todos 7798 eles conseguiram acertar na medida que tomavam consciência do erro e passavam a realizar ajustes nos procedimentos de sua ação. A coragem foi o sentimento que mais evidenciaram diante do desafio proposto e os sujeitos que assim se posicionaram esforçando-se e colocando-se em atividade, foram aqueles que até o final da tarefa se permitiram rever a própria ação. Podemos inferir que a ação foi ressignificada no plano do compreender, pois questionavam suas ações frente ao resultado apresentado pelo professor e se colocavam na busca de outras possibilidades. Com isto vimos um sujeito ativo, que embora contasse com a presença mediadora do professor, foi sempre ele quem por si mesmo tinha a possibilidade de realizar novas construções. (Dolle; Bellano, 1999). Já os alunos que apresentaram medo no início da tarefa foram incluindo, em todo o tempo de sua execução da tarefa, atitudes como dependência, desinteresse, insegurança, raiva, conduta evitativa (várias desculpas para sair da sala) até chegar ao resultado de fracasso na atividade ou até desistência da mesma como aconteceu com dois alunos. O sujeito em si parecia sair aos poucos de cena, para aceitar de modo passivo o resultado apresentado pelo professor. A “morte do sujeito do conhecimento” apresentou como último fôlego de atividade, a criação mobilizada para o campo afetivo, quando os alunos passam a criar estratégias para lidar com o medo e não para resolver a tarefa, numa ação de fuga àquilo que temiam(Macedo, 2008). Com isto podemos refletir sobre o papel da coragem na construção do conhecimento. A coragem parece funcionar como um elemento sustentador do sujeito cognoscente, uma vez que estaremos sempre lindando com riscos neste caminho de muitas trajetórias que implica descobrir o objeto e a si mesmo. Erros e acertos farão parte deste percurso e apresentar uma situação considerada errada para o adulto, ou grupo social é antes de mais nada revelar-se enquanto um sujeito que constrói dentro de uma lógica própria, caminhos para conhecer. Além de descobrir sobre o objeto, o sujeito quando posto em atividade, está constantemente descobrindo sobre si, “o que sei” o que não sei, sou competente, não sou competente”, relacionando assim cognição a aspectos afetivos do próprio eu, como muito bem destacou Piaget (1994). Para o autor a construção do conhecimento se dá de forma relacional com o conhecimento sobre o objeto, sobre si e sobre o outro. Neste caso fracassar diante do olhar do outro significa conhecer o que pensam de mim e isto exige coragem e enfrentamento. Por isso, não podemos deixar de considerar todo este 7799 campo de significações que vão sendo construídos à medida que o sujeito se arrisca a conhecer, pois estamos tratando de campos interdependentes que se articulam e influenciam um ao outro. Conclusões A teoria piagetiana sobre a construção do conhecimento possibilita olhar o contexto em que o erro é produzido em sala de aula e não apenas o erro em si, ou o aluno que o apresenta. O sujeito em constante desenvolvimento ensaia para a vida, criando, experimentando e descobrindo sobre si e o mundo, num processo comum e natural, no qual erro e acerto são constituintes de seu aprendizado. Esta concepção permite-nos interpretar o erro como algo inerente ao processo de conhecer e a partir disto analisarmos o que o erro pode nos revelar sobre a construção do conhecimento. Além do dinamismo expresso nas ações daquele que se coloca a conhecer, diante do erro, os aspectos de ordem afetiva também são postos em evidência, afinal quem gosta de errar na sociedade do acerto, do sucesso, da busca constante pela perfeição da forma, da padronização e do ideal? O ser humano busca hoje apresentar-se como aquele que sabe, aquele que prevê, aquele que controla. Neste contexto receitas e métodos são enfatizados a todo o momento. Mas, no campo do conhecer somos convidados a lidar com as lacunas, com o imprevisível, com as irregularidades e o intangível, pois é exatamente ali onde algo lhe falta, onde algo se impõe como obstáculo ou conflito que nasce a riqueza do sujeito expresso em sua capacidade de perguntar: por quê? Como? Medo, ansiedade, interesse, culpa e outros tantos sentimentos articular-se-ão à inteligência colocando em risco o próprio sujeito que inicialmente situado como aquele que não sabe, poderá errar ou acertar e com isto prosseguir ou desistir. Dependendo da sua resposta e de como refletirá junto àqueles que interagem com o sujeito, novos sentimentos serão evocados como sucesso ou fracasso, desempenho ou incompetência, enfim sentimentos e significados que marcarão sua relação com o saber e com a escola. No presente estudo pudemos refletir sobre a interdependência intelectual e emocional nas condutas dos indivíduos diante do erro, compreendendo serem elas partes constitutivas do próprio sujeito. Pudemos analisar que na evolução do desenvolvimento o sujeito caminhará cada vez mais para elaborações complexas que o aproximem do objeto de conhecimento – 7800 evolução do pensamento - como também se apropria das próprias emoções de forma menos egocêntrica, adotando mais reciprocamente outras perspectivas e não apenas a própria, como pensaria um sujeito que evoluiu ao nível de autonomia dos aspectos cognitivos e morais. Nessa inter-relação o erro desempenha importante papel revelador das construções internas de um sujeito que se lançou à atividade de conhecer, de construir. Nessa linha de abordagem, o erro é positivo e deve ser considerado indicador das necessárias reorganizações próprias ao processo de aprendizagem. Nossos dados sobre a sala de apoio à aprendizagem indicam que ao contrário desta compreensão, o erro é considerado incompetência do aluno em suas produções. Não é percebido como parte do processo, mas como oposto ao aprender. É associado às dificuldades de aprendizagem que, também equivocadamente são compreendidas como problemas do aluno e são classificadas como negativas e impeditivas do aprender. Resgatar as concepções e significações do erro no contexto escolar por meio da reflexão, pareceu-nos urgente, afim de oportunizarmos em processos interventores, o resgate das condições de construção de diferentes possibilidades de interpretação da realidade sem que elas tenham que atender ao julgamento externo em detrimento do erro de quem atua diante do objeto de conhecimento. Os professores podem escolher como atuar diante do erro de seus alunos. Podem considerar o erro como indicador da estrutura cognitiva do aluno e a partir disto planejar uma intervenção ativa, a fim de que o erro se torne observável e indique os caminhos para a mediação da construção do sujeito cognoscente. De outro modo o professor poderá tomar o erro como indicador do fracasso do aluno fechando assim os olhos para aquilo que está em processo de construção, rotular, segregar e culpabilizar o aluno pelo não aprender. REFERÊNCIAS FERREIRO, Emília & TEBEROSKY, Ana. A psicogênese da língua escrita. 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