Joel José de Souza Programa de Pós – graduação em Geografia – UFSC [email protected] As atuais transformações no setor de laticínios na Região Sul do Brasil O presente trabalho esta na sua fase inicial e faz parte do projeto de doutorado do autor, que tem como temática principal um dos setores que mais cresceu no agronegócio brasileiro nos últimos anos – o setor de laticínios. Este campo vem recebendo investimentos de grandes empresas do ramo alimentar (Sadia, Perdigão e Aurora) que não atuavam no segmento de produtos lácteos, o que tem gerado profundas transformações no setor. O Brasil é o sexto maior produtor de laticínios do mundo e, nos últimos anos, tem desempenhado um papel fundamental na divisão internacional do trabalho desta cadeia produtiva. Em 2004, pela primeira vez na história do país, as exportações (95,43 milhões de dólares) de produtos lácteos foram maiores que as importações (83,92 milhões de dólares) (ICEPA, 2009). Especialistas (ICEPA, EMBRAPA, FAO MILKPOINT) apontam que o Brasil apresenta as melhores condições para aumentar a produção, em função do crescimento da demanda mundial deste produto (ICEPA, 2008), pois os anos de 2007 e 2008 ficaram marcados pelo agravamento de uma crise mundial de abastecimento. Contudo, a tendência é o aumento da produção em virtude do crescimento populacional e do consumo per capita, principalmente nos países em desenvolvimento, como demonstra Carvalho: Estudo da OCDE-FAO indica que [... ] as maiores taxas de crescimento da renda devem ocorrer nas regiões mais populosas, como África, Ásia, América Latina e Caribe. Além disso, sabe-se que os países de renda mais baixa apresentam consumo de proteína animal relativamente menor que os desenvolvidos, ou seja, o crescimento de renda deverá impulsionar o consumo de produtos de origem animal nos países em desenvolvimento, justamente os mais populosos [...] Um exemplo desse movimento refere-se ao caso da China. Em 2000 o consumo per capita de grãos naquele país era de 82 kg, recuando para 77 kg em 2005. Por outro lado, o consumo de carne suína passou de 16,7 kg para 20,2 kg. O de carne bovina de 3,3 kg para 3,7 kg. No caso do leite, o consumo per capita saltou de 9,9 kg para 17,9 kg no mesmo período [...] ( 2007). Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 1 Portanto, é perante essa conjuntura mundial que o Brasil está sendo visto como um dos principais agentes para uma possível superação da crise no setor lácteo em função do seu imenso potencial em aumentar a produção de leite, tanto vertical (investimentos em modernização de toda a cadeia produtiva) quanto horizontalmente (incentivo à produção em novas áreas). Assim sendo, este trabalho pretende discutir algumas mudanças que vêm ocorrendo no complexo agroindustrial de leite no Brasil, destacando o papel da região Sul do país em tais transformações. A região Sul do país tem recebido, nos últimos anos, os maiores investimentos destinados ao setor de laticínios no país (ver tabela 1). O total de investimentos anunciados para o setor de laticínios na primeira década do século XXI na região é de cerca de 1,5 bilhão de reais, se for levado em consideração apenas os valores destinados à construção de plantas produtivas novas e a ampliação e modernização de unidades antigas (SOUZA, 2009). A maior parte desses investimentos está em andamento ou só inaugurou uma etapa do projeto. Os investimentos de maior grandeza fazem parte de projetos que estão sendo executados em etapas, por se tratar de plantas industriais modernas, projetadas com a finalidade de aumentar sua capacidade, conforme o crescimento do setor nos próximos anos. Outra característica dessas plantas é a possibilidade de começar a produzir antes de ter concluído todo o projeto. Veja-se o exemplo do investimento da Aurora: Os investimentos da primeira etapa representaram R$ 80 milhões de reais, para recepção diária e processamento de 600 mil litros. Nessa fase, em razão da elevada automação empregada, foram gerados 330 empregos diretos e 1.000 indiretos [...] A receita bruta inicial da unidade de lácteos está projetada em R$ 19,3 milhões de reais ao mês. A segunda fase entrará em operação no segundo semestre de 2009, quando serão investidos mais R$ 80 milhões de reais para o sistema de produção de leite em pó (somente para secagem serão utilizados 650 mil litros/dia e 750 mil litros/dia de soro). Nessa fase, a recepção diária estará em 2 milhões de litros e o número de empregos em 370 diretos (MILKPOINT, 2008). Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 2 Contudo, os novos investimentos visam o mercado externo num momento de conjuntura favorável para o Brasil no setor de laticínios, como já demonstrado na citação de Carvalho. Tabela 1 Principais investimentos no setor de laticínios na região Sul do Brasil no início do século XXI. Empresa Investimento/ R$ Capacidade Principal produto Localização Perdigão 65 milhões 600 mil/l/dia Leite em pó Três de Maio/RS Aurora 160 milhões 2 milhões/l/dia Leite em pó e UHT Pinhalzinho/SC 5 milhões 1 mil/kl/dia Queijo tipo Grana Guaraciaba/SC 120 milhões 1,6 milhões/l/dia Leite em pó Nova Cedrense Itaberaba/SC Tirol Cosuel 53 milhões 400 mil/l/dia Leite em pó Treze Tílias/SC 460 mil/l/dia Leite em pó Arroio do Meio/RS Promilk 20 milhões 600 mil/l/dia Leite em pó Estrela/RS Bom Gosto 56 milhões 600 mil/l/dia Leite em pó Tapejara/RS Nestlé 120 milhões Leite em pó e Palmeira das condensado Missões/RS CCGL 120 milhões 1 milhão/l/dia Leite em pó Cruz Alta/RS Relat 30 milhões 1,2 milhões/l/dia Pó do soro do leite Estação/RS Cosulati 50 milhões 600 mil/l/dia Leite em pó Capão do Leão/RS Italac 62 milhões Leite em pó Passo Fundo/RS Embaré 237 milhões Leite em pó, Sarandi/RS 2 milhões/l/dia condensado e balas Castrolanda 95 milhões Confepar 38 milhões Sig Combibloc 250 milhões 1 milhão/l/dia Leite em pó Castro/PR Leite em pó Pato Branco/PR 2 bilhões Embalagens embalagens/ano cartonadas PR Fonte: Elaborada pelo autor com dados retirados do site da Milkpoint. Tais aportes financeiros tiveram, como principais investidores, empresas e cooperativas com origem na região, incentivadas com o apoio do Estado em suas diversas Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 3 escalas (Federal, Estadual e Municipal). Além das iniciativas locais, a região também tem recebido investimentos de empresas de capital nacional oriundas de outros lugares do país e de empresas de capital estrangeiro (Nestlé, Sig Combibloc, Tetra Pak e Conaprole), que atuam no setor de alimentos no Brasil. Assim como as empresas de capital local, as que não são da região têm obtido incentivos do governo, principalmente no Rio Grande do Sul, para se instalarem no estado gaúcho. Entre os principais investimentos feitos por empresas com origem distinta da região Sul do Brasil, o estado gaúcho é quem tem recebido os principais recursos (Nestlé, Embaré, Conaprole). A vinda de grandes investidores estrangeiros e de outras regiões do país demonstra uma resposta rápida dos principais grupos atuantes setor, sendo uma forte resposta a geração de concorrência com outras regiões produtoras. As atuais estratégias de expansão espacial dos grandes grupos que vem ocorrendo na cadeia produtiva de laticínios (investimentos em produção e industrialização) na Região Sul, gerarão transformações não só no Brasil, mas sim na América do Sul. Compreender a origem de tais investimentos e qual o verdadeiro papel do Estado e da iniciativa privada na promoção de tais transformações torna-se necessário a fim de se contribuir para uma análise mais aprofundada das atuais transformações do espaço agrário brasileiro. Tais investimentos transformam toda a cadeia produtiva do setor de laticínios, pois os novos aportes financeiros não estão direcionados somente para construção e ampliação de plantas industriais. Muitos desses aportes estão sendo utilizados para ampliação da produção diretamente nas propriedades, objetivando garantir a disponibilidade da matéria-prima para o setor industrial, gerando novos paradigmas de produção, com a entrada de grandes empresários no setor, como, por exemplo, Ivan Zurita (presidente da Nestlé no Brasil e proprietário da Agrozurita) e empresas como a neozelandesa PGG Wrightson e a Parmalat Brasil que têm investido em propriedades rurais no Sul do Brasil. Os estados da região Sul do Brasil, por serem os que mais têm recebido novos investimentos em toda a cadeia produtiva do setor, acabam tendo as melhores taxas de crescimento da produção de leite entre os principais estados produtores (Gráfico 1). Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 4 Gráfico 1 – Média de Produção no Brasil. Fonte: ICEPA 2009. Entre os anos de 2005 e 2007, as maiores taxas de crescimento na produção destinada à industrialização de leite no Brasil, comparando os principais estados produtores, também se encontram localizadas nos três estados do Sul do Brasil. Santa Catarina, 30,8%; Rio Grande do Sul, 25,4% e Paraná, 7,1%; seguidos por Minas Gerais, 7%; Goiás, 6,3% e São Paulo, 2,8%; enquanto a média nacional foi de 9,7% (ICEPA, 2008). Ao se analisar tanto as taxas de crescimento referentes à produção destinada à industrialização quanto a simples produção, ficam bem claros os primeiros reflexos dos investimentos direcionados ao setor na Região Sul comparativamente a regiões historicamente tradicionais na produção e industrialização de lácteos, como Minas Gerais e São Paulo. Trechos da reportagem do Jornal Razão/RS, de 17 de novembro de 2008, retirados do site da Milkpoint, apresentam as razões pelas quais os principais investimentos no setor de laticínios no Brasil têm como destaque específico o estado gaúcho: As favoráveis condições climáticas, de pastagens e alternativas logísticas colocam o Rio Grande do Sul ao lado dos mercados mais competitivos no mundo [...] Diferente do consumo mundial atualmente maior do que a oferta, Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 5 o Rio Grande do Sul já produz acima da necessidade e abre espaço à exportação [...] Apenas cinco países, além do Brasil, possuem potencial para aumentar a produção sem prejudicar o mercado interno: Estados Unidos, França, Alemanha, Índia e Nova Zelândia [...] O Rio Grande do Sul, junto com as regiões oeste catarinense e paranaense, possui, segundo o presidente da CCGL, o melhor potencial logístico e de produção do mundo. Em segundo lugar estão o Uruguai e Argentina (MILKPOINT, 2008). Contudo, os fatores naturais favorecem a região Sul do país na sua totalidade e não somente o estado gaúcho, para produção de leite, como demonstra a reportagem. Nossa hipótese de pesquisa é que, além dos fatores naturais, comum a toda a região Sul, outros aspectos, como as relações culturais (colonização europeia), sociais (grande número de pequenos produtores), econômicos (capitalismo extremamente desenvolvido) e espaciais devam ser levados em consideração para se fazer uma análise cujo objetivo é a compreensão dos reais fatores que influenciam toda essa dinâmica na região Sul do país. Tais relações têm provocado profundas transformações na cadeia produtiva de laticínios do Brasil e do mundo. Essas mudanças ocorreram a partir de uma nova dinâmica gerada pelo processo de forte industrialização que vem acontecendo na região, incentivando, desse modo, o aumento da produção numa das principais bacias leiteiras do planeta. Isso se for levado em consideração as três principais bacias localizadas nos estados do Sul do Brasil que, juntas, produziram cerca de 7 bilhões de litros de leite em 2006 (ICEPA, 2008). Nesse sentido, o projeto pretende identificar o papel das indústrias no aumento produtivo das principais bacias leiteiras e o impacto de tais mudanças no desenvolvimento econômico do agronegócio brasileiro. Durante a realização da pesquisa de mestrado, Souza (2009) constatou que as transformações ocorridas em território catarinense no setor de laticínios fazem parte de um contexto de transformação regional, o que gerou a necessidade de se buscar neste novo projeto de pesquisa uma maior compreensão do papel dos grupos envolvidos com a produção de laticínios numa escala ampliada do regional para o nacional, sem deixar de levar em consideração o mundial. Para se compreender a atual dinâmica determinada, sobretudo no setor de laticínios nas principais regiões produtoras de SC, RS e PR, é necessário, portanto, entender o atual contexto de mercado em que elas estão inseridas. Nesse sentido, para se compreender as Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 6 transformações que estão ocorrendo na região Sul do Brasil como um todo, torna-se obrigatória a análise do setor em nível nacional. O montante de investimentos direcionados ao Sul do país tem gerado uma nova dinâmica nacional na produção e industrialização de leite, que tem nesses novos aportes financeiros demonstrado um novo direcionamento para a produção, não só no Brasil, mas também na América do Sul, formando aparentemente um gigantesco complexo de produção de leite que compreende a região Sudeste e Sul do Brasil, juntamente com a Argentina e o Uruguai. Nesse aspecto, a região Sul brasileira tem um papel fundamental, por se tratar do centro dessa dinâmica e ser a região que abriga os principais investimentos do setor, fornecendo um caráter extremamente moderno e competitivo para as empresas localizadas nesta área. Para finalizar, é importante ressaltar que este trabalho de pesquisa nasce de dúvidas que foram surgindo durante a elaboração da dissertação de mestrado de Souza (2009) cujo objetivo era o de demonstrar em qual contexto a região Oeste de Santa Catarina estava inserida. A pesquisa acabou revelando ao autor uma dinâmica extremamente complexa, para ser analisada naquele momento, sobre as profundas transformações no setor de laticínios no Sul do país. Explicar como toda essa dinâmica se formou na região Sul e qual o papel dela no setor nacional é a grande pergunta que alimenta a ampliação da pesquisa para a produção de uma tese de doutorado que possa esclarecer tal dinâmica com o devido aprofundamento exigido pela temática, para tornar públicas as possíveis respostas sobre tais transformações socioespaciais que estão ocorrendo no complexo agroindustrial de laticínios no Brasil. REFERÊNCIAS CARVALHO, Glauco R. Leite: Porque olhar para o Brasil?. Disponível em: <http.www.milkpoint.com.br.>. Acesso em: 19 dez. 2007. CHOLLEY, André. Observações sobre alguns pontos de vista Geográficos. Boletim Geográfico, Rio de Janeiro, n. 179 e 180, 1964. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 7 CORRÊA, Roberto Lobato. Região e Organização Espacial. São Paulo: Ática, 2002. ESPÍNDOLA, Carlos José. As agroindústrias de carne do sul do Brasil. São Paulo, 2002. 261 f. 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