Publicação Mensal, Setembro 2016 Carta Mensal Opus – por José Marcio Camargo •Professor do Departamento de Economia da PUC/Rio. Sócio e economista chefe da Opus Gestão de Recursos. As últimas decisões dos bancos centrais dos países desenvolvidos sugerem que as políticas de juros nominais negativos e de grande volume de liquidez estão começando a preocupar as autoridades monetárias. Nos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed), na última reunião de seu Comitê de Política Monetária (FOMC), decidiu manter a taxa de juros constante. Na entrevista que se seguiu à reunião, a presidente da instituição, Janet Yellen, declarou que “a maioria do Fed vê argumentos para uma alta imediata mais forte dos juros, mas é sensato esperar” e que “não quero arriscar ultrapassar significativamente a meta para a inflação”. Em outras palavras, a inflação já está na ou acima da meta e os membros do comitê, em sua maioria, acreditam que os juros devem ser aumentados, mas que, por “sensatez”, não o foram. A palavra “sensatez”, nesse contexto, parece estar sendo utilizada como sinônimo de “receio” ou, talvez, de “insegurança”. Na verdade, o risco de que um aumento da taxa de juros nos Estados Unidos, no momento em que a taxa está negativa na maior parte dos países desenvolvidos, pode levar a valorização do dólar e a queda dos preços das ações, bem como a desaceleração da economia americana, que já apresenta taxas de crescimento relativamente baixas, e queda da taxa de inflação. No Japão, o Banco Central do país (BoJ) decidiu congelar em zero a taxa de juros dos títulos de 10 anos do governo do país e, ao mesmo tempo, manter o volume de liquidez nos níveis atuais. Como os títulos de 10 anos estavam sendo negociados a taxas de juros já próximas a zero, o objetivo do BoJ parece ter sido apenas assegurar o sistema bancário de que as taxas negativas não voltarão no futuro próximo. Como a economia japonesa continua com taxas de crescimento medíocres e inflação abaixo da meta de 2,0% ao ano, é difícil explicar tal decisão, na medida em que são as taxas de juros de longo prazo que afetam a taxa de investimentos da economia. Uma explicação possível, uma vez que os bancos normalmente tomam recursos no curto prazo e aplicam no longo prazo, seria que a manutenção de juros nominais negativos no longo prazo pode já estar afetando a saúde financeira do sistema bancário. Finalmente, o Banco Central Europeu (BCE) sugeriu que poderá reduzir o Quantitative Easing com venda de títulos públicos e redução da liquidez, uma medida difícil de entender no contexto de taxas de crescimento baixas e inflação abaixo da meta. Em suma, essas decisões aparentemente incongruentes estão, a nosso ver, indicando que os bancos centrais estão percebendo, nos mercados financeiros, sinais de desequilíbrios gerados por taxas de juros negativas e elevados níveis de liquidez. Entretanto, sair de uma conjuntura de juros zero ou negativos e de excesso de liquidez não é uma situação fácil, na medida em que os agentes estão convencidos de que tais políticas irão continuar indefinidamente. A mensagem dúbia do Fed, que mostrou insegurança por parte da autoridade monetária americana, reforça tal percepção. O problema é que os bancos centrais não estão conseguindo comunicar ao mercado financeiro que está na hora de mudar a direção. No Brasil, o cenário foi dominado pelo resultado das eleições municipais, bastante favoráveis ao governo e desfavoráveis aos partidos de oposição, principalmente ao PT, e, a partir de comunicados oficiais (RTI) e dos discursos de membros do COPOM, pela consolidação da expectativa de que o Banco Central do Brasil irá reduzir a taxa SELIC em sua próxima reunião, em outubro. As eleições municipais produziram um resultado extremamente positivo para a base do governo Michel Temer. O PSDB foi um dos partidos que mais cresceu nos municípios, tendo se tornado o segundo maior partido nesse nível, ao mesmo tempo em que o PMDB permaneceu como o maior partido. Outros partidos da base parlamentar do governo também tiveram bom desempenho. Por outro lado, o PT perdeu 60% de suas prefeituras, o que o colocou em décimo lugar no que se refere ao número de prefeitos. Entre as capitais, venceu somente em Rio Branco, no Acre, e foi para o segundo turno somente em Recife. As eleições municipais têm uma importante influência sobre as eleições legislativas federais dois anos depois. Nossas estimativas mostram que a correlação entre a porcentagem de pessoas que estão sob administração de um determinado partido e o total de deputados federais eleitos por esse mesmo partido dois anos após é de 75%. Caso tal regularidade se mantenha, o PMDB e o PSDB poderão sair das eleições de 2018 com uma importante maioria no Congresso. Com a vitória, aumenta muito o poder político do governo para aprovar tanto a reforma que cria um limite para o crescimento dos gastos governamentais, já em votação no Congresso, quanto a reforma da Previdência, que deverá ser enviada para o Congresso em outubro. Os comunicados do BCB (os oficiais, RTI, bem como os não oficiais) levaram o mercado financeiro a consolidar a expectativa de que o COPOM deverá iniciar o processo de queda da taxa SELIC na reunião de outubro. Entretanto, as projeções do RTI mostram que a inflação em 2017 somente atingiria a meta de 4,5% caso a taxa de juros e a taxa de câmbio permaneçam constantes (cenário de referência). Na verdade, ainda que em clara desaceleração, a taxa de inflação continua em níveis bastante elevados, próxima a 8,5% ao ano, e a inflação de serviços (excluindo passagens aéreas), em 7,17% ao ano. Pelo menos 2,5 pontos de porcentagem da queda da inflação em 2016 em relação a 2015 deve-se à retirada do choque de preços administrados no início de 2015, e a inflação de preços livres passou de 8,5%, em dezembro de 2015, para 8,67%, agora. Se excluirmos alimentos, a inflação de livres permaneceu basicamente constante, saindo de 6,65% ao ano, em dezembro de 2015, para 6,23%, em setembro de 2016. Nesse sentido, se efetivamente o BCB deseja perseguir a meta de 4,5% para a inflação em 2017, seria, a nosso ver, mais sensato que esperasse até que suas próprias projeções demonstrassem uma grande probabilidade de que ela venha a ser atingida.