procura dentro de ti

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CHADE-MENG TAN
PROCURA
DENTRO DE TI
O Inesperado Caminho para
o Sucesso, a Felicidade
(e a Paz no Mundo)
Ilustrações de Colin Goh
Traduzido por
Jorge Nunes
Conteúdos
PREFÁCIO POR DANIEL GOLEMAN
9
PREFÁCIO POR JON KABAT-ZINN
13
INTRODUÇÃO > PROCURAR DENTRO DE NÓS
19
CAPÍTULO UM > ATÉ UM ENGENHEIRO CONSEGUE DESENVOLVER INTELIGÊNCIA EMOCIONAL 27
CAPÍTULO DOIS > RESPIRAR COMO SE A NOSSA VIDA DEPENDESSE DISSO
47
CAPÍTULO TRÊS > ATENÇÃO PLENA SEM SENTAR O RABO NA ALMOFADA
71
CAPÍTULO QUATRO > AUTOCONFIANÇA ORGÂNICA E COMPLETAMENTE NATURAL
99
CAPÍTULO CINCO > MONTAR AS EMOÇÕES COMO UM CAVALO
123
CAPÍTULO SEIS > GERAR LUCROS, ATRAVESSAR OCEANOS A REMOS E MUDAR O MUNDO
151
CAPÍTULO SETE > EMPATIA, MACACOS DE IMITAÇÃO E TANGOS CEREBRAIS
179
CAPÍTULO OITO > SER EFICAZ E AMADO AO MESMO TEMPO
213
CAPÍTULO NOVE > TRÊS SIMPLES PASSOS PARA A PAZ NO MUNDO
249
EPÍLOGO > SALVAR O MUNDO NOS TEMPOS LIVRES
259
AGRADECIMENTOS
263
NOTAS
268
CAPÍTULO UM
Até um engenheiro consegue
desenvolver inteligência emocional
O que é a inteligência emocional e como desenvolvê-la
O que está para trás de nós e o que está perante nós são coisas insignificantes
quando comparadas com o que está dentro de nós.
RALPH WALDO EMERSON
Gostava de começar a nossa viagem com uma nota de otimismo, em
parte porque começar com uma nota de pessimismo não ajuda a vender livros. Mas, mais importante, a experiência de ensino da minha
equipa na Google e não só permite-me ser otimista e considerar que
a inteligência emocional é um dos melhores preditores de sucesso
profissional e de realização na vida, podendo ser treinada por qualquer pessoa. Com o treino certo, qualquer pessoa se pode tornar
mais inteligente emocionalmente. No espírito de “se o Meng consegue cozinhar, quem é que não consegue”, o certo é que se este treino
resulta com um engenheiro altamente introvertido e cerebral como
eu, é muito provável que resulte convosco.
27
PROCURA DENTRO DE TI
INTELIGÊNCIA
EMOCIONAL
101
“A Frota Estelar mandou-me fazer este curso, não sei porquê. E tu?”
A melhor definição de inteligência emocional é dada por dois homens
– Peter Salovey e John D. Mayer – unanimemente considerados os
pais do seu enquadramento teórico. Eles definem a inteligência emocional como:
A capacidade de monitorizar os nossos próprios sentimentos e
emoções, bem como os dos outros, distingui-los e utilizar essa
informação para orientar o nosso pensamento e as nossas ações. 1
O livro pioneiro que popularizou o tema chama-se Inteligência Emocional: Porque Pode Ser Mais Importante do que O QI, da autoria de
Daniel Goleman, nosso amigo e consultor. Uma das mensagens
mais importantes desse livro é a de que as competências emocionais
não são um talento inato; são capacidades que se aprendem. Por
outras palavras, as competências emocionais são algo que podem
deliberadamente adquirir com a prática.
28
ATÉ UM ENGENHEIRO CONSEGUE DESENVOLVER INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
Goleman atribui uma estrutura muito útil à inteligência emocional, classificando-a em cinco domínios. São eles:
1. Autoconsciência: conhecimento dos nossos estados interiores,
preferências, recursos e intuições
2. Autorregulação: gestão dos nossos estados interiores, impulsos
e recursos
3. Motivação: tendências emocionais que orientam ou facilitam
a concretização de objetivos
4. Empatia: consciência dos sentimentos, das necessidades e das
preocupações dos outros
5. Competências sociais: proficiência em induzir respostas
desejáveis nos outros
Salovey e Mayer não são as únicas pessoas cujo trabalho está relacionado com a inteligência social e emocional. Howard Gardner, por
exemplo, introduziu a célebre ideia de inteligências múltiplas. Ele
defendeu que as pessoas podem ter formas de inteligência que um
teste de QI não consegue medir. Uma criança, por exemplo, pode
não ser boa a resolver problemas matemáticos, mas pode ser dotada
em línguas ou em música, pelo que deve ser considerada inteligente.
Gardner formulou uma lista de sete inteligências (posteriormente
ampliada para oito). Duas delas, a inteligência intrapessoal e a interpessoal, são especialmente relevantes para a inteligência emocional.
Gardner chamou-lhes “inteligências pessoais”. Os cinco domínios
da inteligência emocional definidos por Goleman enquadram-se
perfeitamente nas inteligências pessoais de Gardner: podemos pensar nos três primeiros domínios da inteligência emocional como
inteligência intrapessoal e nos dois últimos como inteligência interpessoal.
Curiosamente, para mim, o melhor exemplo da inteligência emocional como competência adquirida não provém de uma publicação
académica mas sim da história de Ebenezer Scrooge em O Cântico de
Natal. 2 No início da história, Scrooge surge como um exemplo de
pouca inteligência emocional. A sua inteligência intrapessoal é tão
limitada, que é incapaz de gerar bem-estar emocional para si próprio,
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PROCURA DENTRO DE TI
apesar da sua riqueza. A sua autoconsciência é tão má, que precisa de
três fantasmas para o ajudarem a conhecer-se. É claro que a sua inteligência interpessoal só podia ser péssima. Porém, perto do final da
história, Scrooge torna-se um exemplo de inteligência emocional elevada. Ele desenvolve uma forte autoconsciência, torna-se capaz de
controlar o seu próprio destino emocional, e a sua empatia e as suas
competências sociais despertam. Scrooge demonstra que a inteligência emocional pode ser trabalhada (na versão que vi, isso aconteceu
no espaço das duas horas do filme, com anúncios e tudo, mas o
tempo necessário pode variar de pessoa para pessoa).
Mais adiante neste livro, iremos examinar em pormenor o desenvolvimento de cada um dos domínios da inteligência emocional.
Felizmente, não vamos precisar de fantasmas para nos ajudarem.
Os benefícios da inteligência emocional
Há uma pergunta importante, a que os meus amigos na área da formação chamam a pergunta e depois? Tipo: sim, sim, muito giro, mas
e depois? O que é que a inteligência emocional pode fazer por mim?
No contexto de um ambiente profissional, a inteligência emocional
capacita três conjuntos de competências: desempenho profissional
excelente, liderança marcante e a capacidade de criar condições para
a felicidade.
Desempenho profissional excelente
A primeira das coisas que a inteligência emocional possibilita é um
desempenho profissional excelente. Os estudos demonstraram que
as competências emocionais têm uma importância para a excelência
duas vezes superior à do intelecto puro e da experiência. 3 Um estudo
realizado por Martin Seligman, considerado o pai da moderna psicologia positiva e criador da ideia de otimismo aprendido, demonstrou
que os agentes de seguros que são otimistas conseguem vendas oito
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ATÉ UM ENGENHEIRO CONSEGUE DESENVOLVER INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
por cento superiores às dos seus colegas pessimistas durante o primeiro ano e 31 por cento superiores no segundo ano. 4 (Sim, estou
otimista em relação à possibilidade de este livro vir a ser um best-seller. Obrigado por perguntar.)
Isso não constituiu uma surpresa para mim. Afinal, existem muitos trabalhos, como as vendas e o serviço a clientes, em que as competências emocionais fazem obviamente uma grande diferença.
Já sabemos isso intuitivamente. O que me surpreendeu foi saber que
o mesmo é verdadeiro até para colaboradores do setor tecnológico,
nomeadamente engenheiros como eu, de quem se esperaria que fossem bem-sucedidos devido exclusivamente aos seus talentos intelectuais. De acordo com um estudo, as seis principais competências que
distinguem os profissionais com um desempenho de topo daqueles
com um desempenho mediano no setor tecnológico são (por esta
ordem):
1.
2.
3.
4.
5.
6.
Forte instinto empreendedor e altos padrões de concretização
Capacidade de influenciar
Pensamento conceptual
Capacidade analítica
Iniciativa para aceitar desafios
Autoconfiança 5
Destas seis, apenas duas (o pensamento conceptual e a capacidade
analítica) são competências puramente intelectuais. As outras quatro, incluindo as duas primeiras, são competências emocionais. Ser
forte em inteligência emocional pode ajudar qualquer pessoa a tornar-se excecional no seu trabalho, até os engenheiros.
Liderança marcante
A inteligência emocional torna as pessoas melhores líderes. Quase
todos nos apercebemos disso de forma intuitiva, com base na nossa
experiência diária de interação com aqueles que lideramos e com
quem nos lidera. Existem também estudos que fundamentam essa
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PROCURA DENTRO DE TI
nossa intuição com provas científicas. Por exemplo, Goleman revelou
uma pesquisa que mostra que as competências emocionais representam 80 a 100 por cento das competências dos líderes excecionais. 6
Uma história que ilustra essa conclusão é a de Gerald Grinstein, um
CEO que teve de passar pelo penoso processo de reduzir custos.
Grinstein era duro mas, sendo um virtuoso das competências interpessoais, conseguiu a colaboração dos seus empregados e geriu a
situação de forma a manter a sua lealdade e o moral elevado enquanto
invertia o rumo da empresa, apesar de ter de tomar decisões muito
difíceis. Na realidade, Grinstein operou a sua magia, não uma, mas
duas vezes, primeiro como CEO da Western Airlines e depois como
CEO da Delta. Quando Grinstein assumiu a direção da Delta em
plena crise, tratou imediatamente de restaurar as linhas de comunicação e a confiança no seio da empresa. Grinstein compreendeu a
importância de criar um ambiente de trabalho positivo e, recorrendo
a competências de liderança extraordinárias (inteligência emocional), transformou um ambiente de trabalho pernicioso numa atmosfera mais familiar.
Uma vez mais, nada disto me surpreendeu, porque já compreendemos intuitivamente a importância da inteligência emocional na
liderança. O que me surpreendeu foi isso ser verdade até para a
Marinha dos EUA. Outro estudo do especialista em liderança
Wallace Bachman demonstrou que os melhores comandantes da
marinha norte-americana são “mais positivos e extrovertidos, mais
expressivos em termos emocionais e dramáticos, mais calorosos e
sociáveis (e também mais risonhos), mais amigáveis e democráticos, mais cooperativos, mais amáveis, mais divertidos, mais gratos
e confiantes e até mais simpáticos do que os comandantes apenas
medianos”. 7
Quando penso em liderança militar, penso em pessoas duras como
o aço, que berram ordens e esperam obediência, pelo que acho fascinante, mesmo num ambiente militar, ser a inteligência emocional o
que distingue os melhores líderes dos líderes medianos. Os melhores comandantes militares são basicamente pessoas simpáticas e boa
companhia. Curiosamente, o título do estudo de Bachman era
Os tipos simpáticos acabam em primeiro.
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ATÉ UM ENGENHEIRO CONSEGUE DESENVOLVER INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
ORA ESSA, O
SENHOR PRIMEIRO!
FAÇA FAVOR!
Militares simpáticos
A capacidade de criar condições para a felicidade
Talvez o aspeto mais importante da inteligência emocional seja o de
nos dar as competências que nos ajudam a criar condições para uma
felicidade sustentada. Matthieu Ricard define desta forma a felicidade: “Uma profunda sensação de florescimento que emerge de uma
mente excecionalmente saudável [...] não se limita a uma sensação
agradável, a uma emoção passageira ou a um estado de espírito, mas
é mais um estado ideal de ser.” 8 E esse estado ideal de ser é “um equilíbrio emocional profundo decorrente de uma compreensão subtil do
funcionamento da mente”.
Segundo a experiência de Matthieu, a felicidade é uma competência que pode ser treinada. Esse treino começa por uma perceção profunda da mente, da emoção e da nossa experiência dos fenómenos, o
que facilita então práticas que maximizam o nosso bem-estar interior
a um nível profundo, gerando por fim uma felicidade sustentada e a
compaixão.
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PROCURA DENTRO DE TI
A minha experiência pessoal é semelhante à de Matthieu. Quando
era jovem, era naturalmente muito infeliz. Se não acontecesse nada
de bom, por defeito, era infeliz. Neste momento sucede o oposto: se
nada de mal acontece, por defeito, sou feliz. Tornei-me naturalmente
tão alegre, que acabei por ter o cargo de bom companheiro na Google.
Todos temos um ponto de referência de felicidade a que voltamos
sempre que a euforia de uma experiência agradável ou a dor de uma
experiência desagradável se desvanecem. Normalmente, partimos
do princípio de que esse ponto é estático, mas segundo a minha experiência pessoal, e a de muitos outros como Matthieu, esse ponto de
referência pode ser deslocado através do treino.
Felizmente, as competências que nos ajudam a cultivar a inteligência emocional ajudam-nos também a identificar e a desenvolver os
fatores interiores que contribuem para um profundo sentido de bem-estar. As mesmas coisas que constroem a inteligência emocional
também nos ajudam a criar condições para a nossa própria felicidade. Assim, a felicidade pode ser um dos efeitos secundários inevitáveis de se cultivar a inteligência emocional. Outros efeitos colaterais podem incluir a resiliência, o otimismo e a bondade. (Talvez
queiram ir ao médico saber se a felicidade não vos fará mal.)
RA
TU
FA
“Sim, você sofre de felicidade. Mas não há problema, consigo curar isso num instante.”
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ATÉ UM ENGENHEIRO CONSEGUE DESENVOLVER INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
Verdade seja dita, das três coisas que a inteligência emocional nos
proporciona, a felicidade é a que verdadeiramente prezo. (Só aqui
entre nós e os milhões de leitores deste livro, os outros argumentos do
desempenho profissional excelente e da liderança marcante, embora
úteis, verdadeiros e sustentados por provas científicas, só servem para
conseguir a aprovação dos meus superiores.) O que realmente me
interessa é a felicidade dos meus colegas. É por isso que a inteligência
emocional me entusiasma. Porque nos proporciona as condições para
termos sucesso no trabalho, mas sobretudo porque nos oferece todas
as condições para sermos felizes. E eu gosto da felicidade.
Otimize-se
Se existe uma palavra capaz de resumir tudo o que acabei de dizer
(uma dica: existe mesmo), essa palavra é otimizar. O objetivo de se
desenvolver a inteligência emocional é otimizarmo-nos e funcionarmos ainda melhor do que o que já somos capazes. Mesmo que já
sejamos muito bons no que fazemos (e todos que frequentam o nosso
curso na Google são), aperfeiçoar e aprofundar as competências emocionais só nos pode trazer mais vantagens. Esperemos que o treino
apresentado nestas páginas vos possa ajudar a passar de bons a excelentes.
Cultivar a inteligência emocional
Quando as pessoas vêm frequentar um curso como o nosso, que é
anunciado como um “curso de inteligência emocional”, a maioria
espera que se trate de um curso puramente comportamental. Esperam que as ensinem a serem simpáticas, a dividirem as guloseimas
e a não serem desagradáveis com os colegas.
Nós optámos por uma abordagem completamente diferente, concentrando-nos sobretudo em aumentar o alcance e a profundidade das
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PROCURA DENTRO DE TI
capacidades emocionais das pessoas. Começamos por mostrar que a
inteligência emocional consiste num conjunto de competências emocionais e que, tal como todas as competências, também elas podem ser
treinadas. O que fizemos foi criar um curso para treinar essas competências. Achamos que, se desenvolvermos essas competências, os problemas comportamentais desaparecem automaticamente. Por exemplo, se alguém aprende a gerir de forma competente a sua irritação,
todos os seus problemas relacionados com a irritação ficam “automagicamente” resolvidos. A competência emocional liberta-nos da compulsão emocional. Criamos problemas quando somos compelidos pelas
emoções a agir de uma ou outra forma, mas se nos tornarmos tão
competentes a lidar com as nossas emoções, e deixarmos de ser compelidos por elas, podemos agir de uma forma racional, melhor para
nós e para todos. Então seremos simpáticos, passaremos a dividir as
guloseimas e não seremos desagradáveis para os nossos colegas.
A inteligência emocional pode ser treinada, mesmo nos adultos.
Esta afirmação baseia-se num ramo da ciência relativamente novo,
conhecido por “neuroplasticidade”. A ideia é a de que aquilo que pensamos, que fazemos e aquilo a que prestamos atenção altera a estrutura e a função do nosso cérebro. Um exemplo muito interessante é o
dos motoristas dos tradicionais táxis pretos londrinos. Para obter
uma licença para conduzir esses táxis, é preciso conseguir navegar
mentalmente pelas vinte cinco mil ruas de Londres e conhecer todos
os pontos de interesse. É um teste difícil que pode levar entre dois a
quatro anos de treino intensivo a preparar. Estudos demonstraram
que a área do cérebro associada à memória e à navegação espacial, o
hipocampo, é maior e mais ativo nos taxistas londrinos do que na
média das pessoas. Mais interessante ainda é o facto de quanto mais
tempo alguém conduzir um táxi em Londres, maior e mais ativo é o
seu hipocampo. 9
Uma implicação muito importante da neuroplasticidade é podermos alterar intencionalmente o nosso cérebro. Por exemplo, a investigação desenvolvida por Philippe Goldin, meu amigo e professor do
nosso curso Procura Dentro de Ti, demonstra que, após dezasseis sessões de terapia cognitivo-comportamental (TCC), pessoas com transtorno de ansiedade social são capazes de aumentar a atividade nas
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ATÉ UM ENGENHEIRO CONSEGUE DESENVOLVER INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
áreas do cérebro associadas à autorregulação, ao processamento linguístico e à atenção quando trabalham com as suas próprias crenças
pessoais negativas. 10 Pensem nisso – se conseguimos treinar o nosso
cérebro para ultrapassar até transtornos emocionais graves, é fácil
imaginar tudo o que podemos fazer para melhorar substancialmente
a qualidade da nossa vida emocional. É esta a premissa da ciência e
das práticas descritas nestas páginas.
Um exemplo fascinante de aplicação da neuroplasticidade provém
do trabalho liderado por Christopher deCharms. 11 DeCharms colocou pessoas que sofrem de dor crónica no interior de uma máquina
de ressonância magnética, e recorrendo à tecnologia de ressonância
magnética funcional em tempo real (rtfMRI), mostrou a cada participante a imagem de um fogo num ecrã. Quanto maior a atividade
neural das áreas do cérebro do participante associadas à sua dor,
maior o fogo se tornava. Utilizando essa representação visual, conseguiu ensinar as pessoas a regularem essa atividade cerebral, reduzindo-a ou aumentando-a, uma capacidade que permitiu aos participantes registarem uma diminuição dos seus níveis de dor. Ele chama
a esta técnica “terapia de neuroimagiologia”.
Cérebro. Treinável. Bom.
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PROCURA DENTRO DE TI
Treinar a atenção
Como se começa a treinar a inteligência emocional? Começa-se por
treinar a atenção. A princípio, isto pode parecer um pouco estranho.
Afinal, o que é que a atenção tem a ver com as competências emocionais?
A resposta é que uma atenção forte, estável e percetiva, que proporciona tranquilidade e clareza, é o alicerce para a construção da inteligência emocional. Por exemplo, a autoconsciência depende de sermos capazes de nos vermos a nós próprios de forma objetiva, o que
nos exige a capacidade de examinarmos os nossos pensamentos e
emoções a partir de uma perspetiva exterior, sem nos deixarmos
levar pela emoção, sem nos identificarmos com ela, observando-a
simplesmente com clareza e objetividade. Isto exige uma atenção
firme, clara e sem juízos de valor. Temos outro exemplo que mostra
como a atenção está relacionada com a autorregulação. Há uma capacidade chamada “flexibilidade de resposta”, que é um nome caro para
a capacidade de se fazer uma pausa antes de agir. Quando experimentamos um forte estímulo emocional, em vez de reagirmos de
imediato, como seria normal (por exemplo, mostrar o dedo do meio
ao outro condutor), fazemos uma pausa por um breve instante, e essa
pausa dá-nos a oportunidade de escolher a forma como pretendemos
reagir nessa situação emocional (por exemplo, optando por não mostrar o dedo do meio, o que pode evitar grandes dissabores, pois o
outro condutor pode ser um senhor irascível munido de tacos de
golfe que, por acaso, até é o pai da sua atual namorada). Também esta
capacidade depende de uma atenção clara e inabalável.
Citando Viktor Frankl: “Entre o estímulo e a resposta, existe um
espaço. Nesse espaço, reside a nossa liberdade e o nosso poder para
escolher a nossa resposta. Na nossa resposta, reside o nosso crescimento e a nossa felicidade”. O que uma mente tranquila e clara faz é
aumentar esse espaço.
A forma de treinar esse estado de atenção é uma coisa conhecida
por “meditação de atenção plena”. A atenção plena é assim definida
por Jon Kabat-Zinn: “prestar atenção de uma forma particular: intencionalmente, no momento presente e sem fazer juízos de valor”. 12
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ATÉ UM ENGENHEIRO CONSEGUE DESENVOLVER INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
O célebre mestre Zen vietnamita Thich Nhat Hanh definiu-a de
forma muito poética: “Manter a consciência viva para a realidade presente 13”. Gosto muito desta, mas considero a definição de Jon mais
fácil de explicar aos engenheiros, e eu gosto de engenheiros. A atenção plena é um estado mental que todos experimentamos e de que
desfrutamos ocasionalmente, mas se a praticarmos regularmente
podemos desenvolvê-la ainda mais, e quando se torna inabalável conduz diretamente à tranquilidade e clareza de espírito, que constitui a
base da inteligência emocional.
Existem provas científicas que demonstram que melhorar a capacidade de disciplinar a nossa atenção pode ter um impacto significativo
na forma como reagimos às emoções. Um interessante estudo realizado por Julie Brefczynski-Lewis, uma investigadora na área da neuroimagiologia, em colaboração com vários colegas seus, expôs especialistas em meditação (meditadores com mais de dez mil horas de
treino de meditação) a sons negativos (por exemplo, uma mulher a
gritar). Estes apresentaram uma menor ativação de uma área do cérebro emocional chamada amígdala inferior, em comparação com
meditadores iniciados. 14 Para além disso, quanto mais horas de meditação os especialistas tinham, mais baixa era a ativação da amígdala.
Isto é fascinante porque a amígdala tem uma posição privilegiada no
cérebro – ela é a sentinela do nosso cérebro, pesquisando constantemente tudo o que vemos em busca de ameaças à nossa sobrevivência.
A amígdala é um gatilho sensível que prefere prevenir do que remediar. Quando ela deteta o que parece ser uma ameaça à sua sobrevivência, por exemplo o ataque de um tigre dentes de sabre ou uma falta
de respeito por parte do chefe, ela entra em modo “lutar ou fugir” e
diminui o pensamento racional. Acho fascinante que, através do simples treino da atenção, nos consigamos tornar tão bons a regular uma
parte do cérebro tão primitiva e importante como a amígdala.
Outra série de estudos provém do laboratório de Matthew Lieberman, na UCLA. 15 Há uma técnica simples de autorregulação chamada “verbalização de afetos”, que significa simplesmente rotular
sentimentos com palavras. Quando se verbaliza uma emoção que se
está a sentir (por exemplo “sinto raiva”), isso ajuda de alguma forma
a gerir essa emoção. Lieberman sugeriu os mecanismos neurais que
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PROCURA DENTRO DE TI
estão por detrás do funcionamento desse processo. As provas indicam que a verbalização aumenta a atividade no córtex pré-frontal ventrolateral direito, geralmente considerado o “travão” do cérebro, o
que, por sua vez, aumenta a ativação de parte do centro executivo do
cérebro, o córtex pré-frontal medial, o qual regula então a amígdala
reduzindo a sua atividade.
Outro estudo, da autoria de David Creswell e Matthew Lieberman,
demonstrou que, nas pessoas com uma forte capacidade de atenção
plena, o processo neural que acabo de descrever funciona ainda
melhor, sendo também ativada uma outra área do cérebro chamada
córtex pré-frontal ventrolateral. O estudo sugere que a atenção plena
pode ajudar o cérebro a utilizar mais partes do seu circuito, tornando-o mais eficaz a gerir emoções. 16
Treinem ao nível da fisiologia
Após desenvolvermos uma atenção forte, estável e percetiva, o que
fazemos com ela? Concentramo-la no nosso corpo, claro. Mais uma
vez, isto soa um pouco estranho. O que tem o nosso corpo a ver com
o desenvolvimento da inteligência emocional?
Há duas boas razões para trabalharmos com o nosso corpo: nitidez
e resolução.
Todas as emoções têm uma correlação no corpo. A Dr.a Laura Delizonna, uma investigadora que se tornou estratega da felicidade,
define muito bem o que é a emoção: “Um estado fisiológico básico
caracterizado por alterações autonómicas ou corporais identificáveis”. 17 As experiências emocionais não se resumem a experiências
psicológicas; elas são também experiências fisiológicas.
Normalmente, vivemos as emoções com maior nitidez no corpo
do que na mente. Por isso, quando estamos a tentar perceber uma
emoção, conseguimos geralmente melhores resultados se dirigirmos
a nossa atenção para o corpo em vez de a dirigirmos para a mente.
Mais importante ainda, dirigir a atenção para o corpo permite-nos
ter uma perceção de alta resolução das emoções. Perceção de alta reso40
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