ARTIGO TDAH: O PROBLEMA E SEU NOME PARA ALÉM DAS CATEGORIAS DIAGNÓSTICAS ADHD: PROBLEMS AND THEIR NAMES BEYOND DIAGNOSTIC CATEGORIES ADRIANA BELLODI COSTA CESAR Psicóloga clínica, terapeuta individual de família e casal, membro da equipe docente do Instituto Familiae Recebido em: 29/04/2014 Aprovado em: 18/06/2014 RESUMO: Este artigo propõe uma reflexão sobre as possibilidades de aproximação entre as categorizações diagnósticas produzidas pelas pesquisas neurocientíficas e a prática clínica orientada pelo movimento construcionista social, focalizando o TDAH (Transtorno de Défcit de Atenção e Hiperatividade). Partindo da premissa construcionista que enfatiza os efeitos pragmáticos da linguagem o texto objetiva mais especificamente: a) compreender o TDAH como construção social, contextualizando os principais aspectos de sua história; b) refletir sobre os efeitos do uso de classificações diagnósticas nas conversações terapêuticas, sem contudo, abandonar a terminologia convencional a respeito do problema; c) propor uma articulação teórico-prática a partir de fragmentos de atendimentos da clínica, vislumbrando a construção de narrativas alternativas para os sintomas apresentados pelas crianças. Como conclusão, a terapia entendida como prática discursiva colaborativa, pressupõe o compromisso de extrapolar o campo das idéias deterministas buscando transformações para aquilo que consideramos impróprio. Nesse sentido, a prática clínica é considerada como instrumento de mudança política. ABSTRACT: This article aims to reflect on the possibilities of rapprochement between the diagnostic categorizations produced by research in neuroscience and clinical practice oriented by social constructionist movement, focusing on the ADHD (Attention Deficit Hyperactivity Disorder). Starting from the constructionist premise that points the pragmatics effects of language, the particular purposes of this text are: a) understand the ADHD as social construction, contextualizing the main aspects of its history; b) reflect on the effects of the use of diagnostic classifications in therapeutic conversations without, however, abandoning the conventional terminology about the problem; c) propose a theoretical-practical articulation from fragments of the children’s clinic treatment, seeing the construction of alternative narratives to the symptoms presented by children. In conclusion, the therapy assumed as collaborative discursive practice, pressuposes the commitment to extrapolate the field of ideas and seek transformations we consider inappropriate. A clinical practice is, accordingly, considered as an instrument of political change. PALAVRAS-CHAVE: TDAH— Diagnóstico, construcionismo social, terapia de família KEYWORDS: ADHD – Diagnosis, social constructionism, family therapy Nas áreas de saúde e educação, temos assistido um número crescente de crianças diagnosticadas, medicadas e encaminhadas como hiperativas, impulsivas e desatentas (Brzozowiski & Caponi, 2009; Eidt & Tuleski, 2010; Lorenzi; Rissato & Silva, 2012). Impulsionados pelas pesquisas em neurociências, os meios de comunicação vêm fomentando amplamente o debate sobre a classificação dos problemas infantis em diagnósticos que ganham força na comunidade científica e na sociedade em geral, mitigando reflexões subjacentes acerca dos contextos socioculturais que os produzem, assim como dos interesses institucionais e econômicos envolvidos (Carrijo, 2010, Caliman, 2009; Eidt & Tuleski, 2010). Como psicóloga clínica orientada pelas contribuições do movimento construcionista social, proponho um exercício crítico e reflexivo acerca da utilidade do discurso médico/científico como opção linguística mediadora de nossas práticas profissionais. Ao recorrer ao termo “utilidade”, pretendo nesta reflexão, focalizar os efeitos dos discursos científicos sobre o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade nas relações, uma vez que reforçam uma prática de culpabilização individual e responsabilização da pessoa/ problema. Ao escolher o TDAH como objeto de estudo, e considerando todos os avanços produzidos pela pesquisa neurocientífica, busco compreendê-lo como construção social ou como sugere Caliman, um “fato TDAH” (2009, p.136). Este texto foi produzido a partir da articulação da prática clínica com estudos embasados no construcionismo social, buscando inicialmente conhecer o TDAH através de sua linha histórica e dos avanços científicos na área. Os tópicos subsequentes procuram problematizar os determinismos diagnósticos dentro de um marco representacional e essencialista da realidade, enfatizando uma compreensão relacional e social do problema. Finalmente, proponho exemplos de conversações terapêuticas que, a partir de uma postura colaborativa, objetivam a expansão de recursos para a transformação das dificuldades. Por se tratar de uma articulação teórico-prática, os exemplos constantes no texto foram extraídos de fragmentos clínicos para ilustrar o embasamento teórico apresentado. Por não ser uma produção de pesquisa, não houveram termos de consentimento assinados, embora as normas éticas de anonimato estejam sendo seguidas, assim como detalhes do contexto de atendimento foram suprimidos para a preservação das pessoas envolvidas. Passando a uma introdução teórica sobre o assunto, Gergen (1997; 2007; Gergen & Warhuus, 2001) pontua que o construcionismo social promove uma análise reflexiva da vida cultural, cujo foco recai sobre o modo como as pessoas produzem sentido em suas práticas discursivas. Central a essa compreensão é o sentido atribuído ao conceito de linguagem, entendida como não representacional, mas considerada como uma prática social, construtora de modos de vida e interação social. Desde uma perspectiva pragmática, privilegia o entendimento de como as pessoas produzem determinados significados em suas interações, e as implicações desses significados para a construção de suas práticas sociais. Baseados nesse caráter performático da linguagem, se compreendermos o diagnóstico médico/psicológico do TDAH como uma prática discursiva histórica e socialmente construída, os termos correntes que o definem, deixam de ser portadores de uma “verdade que nomeia o que existe”, independentemente de seus contextos de produção. Nesse sentido, Gergen (2007) aponta que: TDAH: O problema e seu nome para além das categorias diagnósticas Adriana Bellodi Costa Cesar nos confrontamos com perguntas significativas acerca das terminologias existentes, já que as ‘formas com que falamos’ estão intimamente entrelaçadas com os padrões da vida cultural. Elas mantém e apoiam certas maneiras de fazer as coisas e impedem que outras surjam. Desde a perspectiva pragmática, é de suprema importância, então, indagar sobre os efeitos, nas relações, dos vocabulários predominantes da mente (p. 286). No domínio da reflexão sobre terminologias e categorias construídas pelo conhecimento científico buscamos por novos posicionamentos Nova Perspectiva Sistêmica, Rio de Janeiro, n. 49, p. 34-47, agosto 2014. 35 36 NPS 49 | Agosto 2014 e práticas que geram a superação da divisão entre normal/patológico, potencial/déficit. Contudo, somos inevitavelmente atravessados pelos discursos culturais mais amplos, dos quais participamos e produzimos. Assim, essa análise reflexiva sobre a vida cultural, nos impele a perguntar: Sempre foi assim? Essa pergunta objetiva compreender a construção histórica do TDAH nascida no âmbito do discurso-médico científico que, pouco a pouco ganha legitimidade em outros contextos sociais, como nos meios educacional, psicológico, na mídia e, por meio desta, alcança destaque nas linguagens do senso comum. Como exemplo da ampliação do diagnóstico de TDAH para além dos contextos de atenção à saúde, uma mãe em meu consultório indaga: “Será que não é o caso de ele (filho de oito anos) tomar Ritalina? Eu ouvi dizer que ajuda muito na escola...” A terminologia Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) como categoria diagnóstica tem sido empregada para significar comportamentos marcados por níveis elevados de atividade, impulsividade e desatenção (Lorenzi et al., 2012), muitas vezes associados à agressividade e dificuldade de aprendizagem. Perguntando-nos pelo processo de construção desse conceito, um olhar historiográfico retoma a pergunta... SEMPRE FOI ASSIM? UM OLHAR HISTÓRICO SOBRE O TDAH De acordo com a quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5, American Psychiatry Association, 2013), o TDAH é caracterizado por problemas de desempenho em ambientes sociais, educacionais ou de trabalho. Os sintomas, divididos em duas categorias, desatenção e hiperatividade/ impulsividade, incluem comportamentos como incapacidade de manter a atenção aos detalhes, dificuldade para organizar tarefas e atividades, fala excessiva, inquietação ou incapacidade de permanecer sentado em situações apropriadas. O DSM-5 ampliou esta classificação para a idade adulta, considerando os seguintes critérios: os sintomas devem estar presentes antes da idade de 12 anos; as crianças devem apresentar seis sintomas de uma ou ambas categorias e pelo menos cinco destes devem estar presentes nos adolescentes e adultos. Segundo o Council for Scientific Affairs (American Medical Association, 1998), dentre as doenças mentais, o TDAH é um transtorno extremamente bem pesquisado. Com efeito, a literatura sobre o transtorno é bastante abrangente e, ao abordá-lo historiograficamente, encontramos uma narrativa pautada sobretudo nos relatos de estudos biomédicos que produziram mais recentemente um olhar molecular e bioquímico na “constituição do indivíduo atento/desatento em nossa atualidade” (Caliman, 2009, p.136). Para Barkley (2002), psiquiatra norte-americano e pesquisador do assunto, o TDAH é o atual rótulo diagnóstico usado para denominar os significativos problemas apresentados por crianças relacionados à atenção, tipicamente com impulsividade e atividade excessivas. Quanto à etiologia, muitos estudos tentaram definir as causas do TDAH, porém hoje se defende que múltiplos fatores contribuem com seu desenvolvimento, como fatores genéticos, orgânicos, neuroquímicos, neurofisiológicos e psicossociais. Uma das primeiras referências ao que hoje poderia ser categorizado Nova Perspectiva Sistêmica, Rio de Janeiro, n. 49, p. 34-47, agosto 2014. como TDAH vem do psiquiatra alemão Heinrich Hoffman (1865, apud Barkley, 2002), ao relatar as muitas doenças que acometiam seus pacientes infantis através de poesias. Todavia, a atenção clínica a esses problemas não se sustentou através da linguagem poética e ganhou crédito científico já no começo do século XX, com George Still e Alfred Tredgold em 1902 (apud Barkley, 2002). Esses dois médicos pesquisadores descreveram 43 crianças que apresentavam dificuldades sérias em manter a atenção, assumindo que essa atenção poderia ser um elemento importante no “controle moral do comportamento” (p.15). Como atributo fundamental dessas crianças, os autores citavam a “gratificação imediata do eu” (p.16), além de outros adjetivos como ilegalidade, malevolência, impetuosidade, agressividade e atividade exagerada. É interessante notar que as explicações propostas pelos autores apontavam déficits baseados em fatores ambientais, mas referiam, também, a um defeito no controle moral, advindos de três outros desvios: “(1) um defeito na relação cognitiva com o ambiente; (2) um defeito na consciência moral; (3) um defeito na volição inibitória” (Barkley, 2002, p.16). Contudo, como acrescenta esse autor (2002), entre os anos de 1917 e 1918, o transtorno adquire seu ingresso oficial na história da pesquisa médico/científica. Um grande número de crianças sobreviventes de uma crise de encefalite epidêmica passou a apresentar sequelas comportamentais e cognitivas. Esse episódio atraiu o interesse de clínicos e cientistas e, à essa anomalia comportamental, designou-se o nome de “distúrbio comportamental pós-encefálico”. Ficava assim entendido que o distúrbio era um resultado claro de lesão cerebral e abria-se o caminho para os estudos científicos relacionando o transtorno a lesões neurológicas. Desde então, o que hoje conhecemos por TDAH já recebeu várias outras designações, conforme a ênfase dada aos atributos pesquisados; ora dando maior visibilidade aos processos biológico/orgânicos regularizadores do comportamento e da atenção; ora mitigando a tênue borda entre o biológico e o cultural, atentando para os casos em que as evidências clínicas eram insuficientes para o diagnóstico de patologias cerebrais. As causas do transtorno atribuídas ao ambiente social ganharam interesse e passaram a ser valorizadas como objeto de pesquisas científicas (Barkley, 2002). Dessa forma, assistimos à construção de um vocabulário clínico que evolui de crianças com lesão cerebral, nos anos 1940, para lesão cerebral mínima e disfunção cerebral mínima, respectivamente nas décadas de 1950 e 1960 (Barkley, 2002). O s avanços nas pesquisas preconizando a possibilidade de alterações mais funcionais que estruturais do transtorno inauguraram estudos recomendando tecnologias educacionais pioneiras que incluíam colocar pequenos grupos dessas crianças em salas de aula com o mínimo de estímulos ambientais, para reduzir as chances de distração e potencializar as chances de ensino/ aprendizagem (Barkley, 2002). Paralelamente a essas linhas de pesquisa, revisões críticas questionavam o conceito de uma síndrome unitária de lesão cerebral em crianças. Como comenta Barkley (2002): “O conceito de disfunções cerebrais mínimas teria uma morte lenta à medida que começou a ser reconhecido como vago, abrangente demais, de pouco ou nenhum valor prescritivo e sem evidências neurológicas” (p.20). À medida que crescia a insatisfação com as explicações TDAH: O problema e seu nome para além das categorias diagnósticas Adriana Bellodi Costa Cesar Nova Perspectiva Sistêmica, Rio de Janeiro, n. 49, p. 34-47, agosto 2014. 37 38 NPS 49 | Agosto 2014 neurológicas como causa do transtorno, os pesquisadores clínicos passaram a enfatizar os níveis de atividade como sintoma comportamental mais característico, surgindo, assim, por volta dos anos 1960, o conceito de Síndrome de Hiperatividade (Barkley, 2002 ). Embora a literatura científica da época apontasse a hiperatividade como sintoma de etiologias múltiplas, tanto ambiental quanto orgânica, alguns autores (Douglas, 1972; Laufer e Denhoff, 1957; Solomons, 1965, apud Barkley, 2002) enfatizaram a natureza relativamente benigna da mesma, baseados na observação clínica de que na maioria dos casos observados, os sintomas se resolveram até a puberdade. Essa crença de que a hiperatividade se resolveria até a adolescência seria mantida nas condutas que apoiavam os tratamentos clínicos do TDAH até meados da década de 1980 (Barkley, 2002). Dessa maneira, nas décadas de 1960 a 1970, as descrições científicas destacavam o nível excessivo de atividade, sendo o transtorno mais entendido em termos de mecanismos/funções cerebrais do que anormalidades neurológicas. Com um prognóstico agora mais favorável, os tratamentos incluíam a recomendação de medicação estimulante associados à psicoterapia, além das medidas educacionais/acadêmicas (para limitar o nível de estimulação ambiental) recomendadas anteriormente (Barkley, 2002). Porém, foi do embate das teorias sobre a etiologia da hiperatividade, e do gradual desuso do conceito diagnóstico de “disfunção cerebral mínima” que o cenário científico viu surgir, ainda em meados da década de 1970, um argumento mais provável que apenas a hipercinesia para explicar as dificuldades das crianças observadas: o Déficit em atenção prolongada e controle dos impulsos (Douglas, 1972). Segundo Barkley (2002), “esses outros sintomas também eram considerados as principais áreas em que os medicamentos estimulantes usados para tratar o transtorno causavam impacto” (p. 24). A historiografia científica aponta a influência dos estudos sobre os déficits de atenção e de controle de impulsos, passando o transtorno a ser chamado de TDA (Transtorno de Déficit de Atenção). Com sua publicação no DSM-III (APA, 1980), surge pela primeira vez como categoria psiquiátrica, implicando no rápido aumento do uso de medicação especializada para crianças hiperativas e desatentas em idade escolar. A disseminação do uso de estimulantes, devido à sua comprovada eficácia na redução desses sintomas, alcançou o interesse público ambientando os primeiros questionamentos populares e profissionais contra a medicalização psicotrópica infantil, nos Estados Unidos. Na década de 1980, proliferaram estudos e outros desdobramentos na compreensão/ classificação do transtorno como: a) a sua subtipagem (TDA+ H e TDA– H); b) a ênfase do ambiente na produção da hiperatividade; c) e, consequentemente, a valorização de abordagens psicológicas de tratamento como a psicanálise e o behaviorismo (notadamente a tecnologia de modificação de comportamento, o aconselhamento parental e posteriormente as terapias comportamentais cognitivas); d) os efeitos de influências culturais relativizando o diagnóstico de hiperatividade, levando-se em conta culturas mais tolerantes à uma maior variedade de expressões comportamentais (Barkley, 2002). Na linha temporal traçada neste texto, é importante citar a aprovação da Lei 94-142 (1975), que tornou Nova Perspectiva Sistêmica, Rio de Janeiro, n. 49, p. 34-47, agosto 2014. obrigatórios programas especiais para dificuldades de aprendizagem, transtornos de linguagem e perturbações emocionais, deficiências físicas e motoras às crianças necessitadas de todas as escolas públicas americanas. Tal iniciativa culminaria com a inclusão de crianças com TDAH no plano de assistência pública à educação especial, com a aprovação do IDEA (The Individuals with Disabilities Education Act of 1997) na década de 1990 (Barkley, 2002; Caliman, 2009). Gradativamente o TDA se torna TDAH (APA, 1987) como classificação diagnóstica e, no final dessa década, pesquisas retomam uma forte compreensão biológica, marcada por evidências de hereditariedade e de sua localização neuroanatômica. Estudos que envolviam a neuroimagem requisitavam espaço no mapeamento do “cérebro TDAH”. Os anos 1990 propiciaram o contexto científico para o aprofundamento da investigação genética, molecular e neuroquímica. Como afirma Caliman (2009): Nesta constelação de acontecimentos, o diagnóstico do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, tal como é descrito pelo discurso neurobiológico atual, teve sua aparição oficial ao ser incluído no DSM IV, publicado em 1994. O TDAH foi legitimado, popularizado, universalizado e tornou-se motivo de polêmica na época, proclamada pelo governo americano como a “década do cérebro” (p.138). Também nesta década, a investigação científica reconheceu o TDAH em adultos como um transtorno legítimo, e, de um transtorno psiquiátrico infantil, passou a ser considerado como uma desordem crônica do desenvolvimento, incurável, e que continuava na vida adulta. Portanto, ao contrário dos achados científicos de décadas anteriores, a visão do TDAH no final do século XX era menos benigna do ponto de vista do desenvolvimento (Barkley, 2002; Caliman, 2009). O final do século passado assistiu a uma explosão publicitária sobre o TDAH, trazendo a Ritalina como medicamento mais utilizado para seu tratamento (Barkley, 2002). O novo século vem aprofundando a investigação hereditária/genética do transtorno, vislumbrando novas regiões cromossômicas com genes candidatos à doença (Roman; Rohdes & Hutz, 2002). Também a pesquisa farmacológica produziu novos tratamentos medicamentosos descritos com entusiasmo por Barkley (2002) como “maravilhas da engenharia química (pílulas de liberação prolongada, bombas osmóticas, etc.)”, trazendo para o debate interdisciplinar a eficácia/supremacia da associação medicamentosa ao tratamento do TDAH, combinado às modalidades psicológica, e educacional (p. 49). Longe de atenderem a objetivos puramente científicos, esses estudos são discutidos por muitos autores, como resposta a uma multiciplidade de outros interesses como: a) político, uma vez que ser reconhecido como portador de TDAH (na sociedade americana) tornou-se um direito civil de acesso a educação especializada; b) econômico, enfatizando a tendência de, numa sociedade que prioriza a segurança de seus cidadãos, o TDAH passou a ser considerado um fator de risco e de perdas econômicas devido aos gastos com seguro saúde, e tratamentos médico/ farmacológicos; c) social, levando-se em conta os prejuízos vinculados ao desemprego e a criminalidade produzidos entre seus portadores (Caliman, 2002). TDAH: O problema e seu nome para além das categorias diagnósticas Adriana Bellodi Costa Cesar Nova Perspectiva Sistêmica, Rio de Janeiro, n. 49, p. 34-47, agosto 2014. 39 40 NPS 49 | Agosto 2014 Até esse momento apresentei um breve histórico do TDAH e uma reflexão sobre a legitimação do transtorno como um processo histórico e contextual, envolvendo interesses e valores morais situados. O movimento construcionista contribui para desenvolvermos maneiras de pensar e, a meu ver, “empurram” as bordas de entendimento do problema, buscando auxiliar nossos clientes em suas dificuldades, para além das “realidades patológicas”. Como então, construir contextos conversacionais que favoreçam práticas colaborativas e humanizantes, prescindindo de linguagens tecnicistas, na abordagem de crianças hiperativas, impulsivas e desatentas? QUAL É A COR DE SEU TDAH? BUSCANDO APROXIMAÇÕES ALTERNATIVAS ”Só me diga uma coisa. Qual é a cor do seu TDAH?” Com essa pergunta, Michael White (2012, p. 24) surpreende a família que o procura com um filho recentemente diagnosticado com TDAH. Entre intrigados e confusos, um sonoro “sei lá” (da criança) emerge como resposta, assim como os olhares incrédulos dos pais sobre o que acabaram de ouvir. Somos dessa forma convidados a adentrar o cenário onde um instigante diálogo vai se delineando, expandindo conversações alternativas em direção às potencialidades e criatividade da família no enfrentamento do problema. O fragmento acima é um exemplo interessante de conversação terapêutica nomeada pelo autor de externalização do problema e, posteriormente, conversações de externalização (White, 1994; White & Epston,1990; White, 2012). Essa forma de conversar enfatiza o problema como “o responsável” pelo sofrimento da pessoa, aquele que intencionalmente “atrapalha” a sua vida. Tal abordagem conversacional possibilita a dissolução da tradição individualista de construção do conhecimento, em que o indivíduo é responsabilizado/culpado por suas dificuldades, escolhas e maneiras de viver. Em outras palavras, ao entender o problema como algo externo, a criança é convidada a estabelecer uma relação diferente com o mesmo, construindo novos recursos para solucioná-lo. O que considero importante nesse tipo de diálogo é a possibilidade de oferecermos contextos conversacionais fundados numa compreensão relacional de construção do significado, gerando formas apreciativas de descrição de si e do problema, no lugar dos discursos de limitações e deficiências que acompanham as opções diagnósticas. Segundo McNamee (2002), a linguagem de déficit encontrada nos discursos médico-científicos perpetua a ideologia individualista ocidental, acreditando num indivíduo racional que supostamente (e solitariamente) é capaz de resolver problemas, tomar decisões, escolher caminhos. A autora diz: Mais do que simplesmente refletir a realidade, nossas tradições discursivas criam um modo particular de realidade. Essa realidade considera características como objetividade, individualidade, racionalidade e progresso. Entendê-la nesses termos é dizer que esta forma de nos orientarmos no mundo produz um repertório discursivo específico (p. 3) Sendo assim, as categorizações diagnósticas, quando tomadas dentro da tradição individualista de compreensão do mundo, inspiram a busca e/ou descoberta de dados objetivantes que comprovam uma realidade Nova Perspectiva Sistêmica, Rio de Janeiro, n. 49, p. 34-47, agosto 2014. (subjacente) à espera de ser descoberta. Como sugere a autora: Central para a nossa discussão aqui é a observação de que diagnóstico em psicoterapia significa diagnóstico do indivíduo. Se a identidade de alguém está localizada dentro da pessoa, como o individualismo nos diz, então toda a problemática emana de dentro da mente interna, da psyche daquela pessoa. Portanto, o diagnóstico pertence à pessoa, ao indivíduo (McNamee, 2002, p. 4). Contudo, se entendidas como repertórios discursivos específicos, podemos nos perguntar por sua utilidade quando pretendemos construir mudanças em terapia. Considerando a ação performática da linguagem e o self como um produto de coordenações relacionais entre as pessoas, o convite construcionista nos aproxima de uma discussão que não pretere as classificações científicas. Propõe outrossim, uma compreensão relacional dos problemas comportamentais, na tentativa de superar as tradições individualistas e privilegiar as oportunidades geradoras de diálogos transformativos. UM NOME PARA O PROBLEMA. REFLETINDO SOBRE OS VOCABULÁRIOS PREDOMINANTES DA MENTE Com bastante frequência, a reação das pessoas coincide com aquela também explicitada pelos clientes de White (2012), quando questionados sobre como receberam o diagnóstico: “(...) estamos aliviados por ter pelo menos um nome para o problema” (p. 22). A possibilidade de inclusão em uma categoria de indivíduos que compartilham um mesmo diagnóstico traz um sentimento de pertencimento, de descoberta de um distúrbio até então desconhecido e a esperança de que agora, o apoio profissional finalmente direcionará a resolução de todos os problemas. Como disse uma cliente já adulta que dizia ter sofrido durante toda a vida por uma inelutável falta de atenção e após ter consultado o psiquiatra: “Se eu tivesse sabido desse TDA antes, não teria me sentido tão incompetente durante toda a minha vida”, ou uma adolescente relatada em uma de minhas interlocuções clínicas que justifica com desenvoltura as suas inadequações, já tendo se apropriado da linguagem diagnóstica: “Esse meu TO (Transtorno de Oposição) é uma comorbidade do meu TDA (Transtorno de Déficit de Atenção).” Porém, como adverte McNamee (2002), o diagnóstico é um processo avaliativo que não está isento do julgamento moral de uns sobre outros: “Uma vez estigmatizado (...) diagnosticado, há uma pequena chance de escape para o cliente. A ‘doença’, o ‘déficit’ continua escondido sob a fina camada do tratamento (p. 6).” Portanto, a despeito das contribuições referentes ao diagnóstico, tais considerações deveriam ser úteis ao profissional que se propõe a acolher o sofrimento e construir conversas colaborativas que vão além da “fina camada” discursiva da doença. Também Gergen (2007), apontando para o aspecto pragmático da linguagem, propõe que coloquemos entre parênteses os enfoques da linguagem mental referentes aos estados interiores e consideremos nossas linguagens em uso como traço constituinte das relações sociais. O autor sugere que nomear esses estados cumpre uma função social significativa, por exemplo, “para pôr fim a um conjunto de condições deteriorantes, para conseguir apoio (...) ou para provocar opiniões” (p. 285). TDAH: O problema e seu nome para além das categorias diagnósticas Adriana Bellodi Costa Cesar Nova Perspectiva Sistêmica, Rio de Janeiro, n. 49, p. 34-47, agosto 2014. 41 42 NPS 49 | Agosto 2014 Esse posicionamento nos convida a problematizar as terminologias que “refletem” acontecimentos “que estão lá” à espera de serem “descobertas” pelas tecnologias científicas. Dessa forma, são também relevantes as indagações do autor (2007) para o corpo da presente discussão: Desde a perspectiva pragmática, é de suprema importância, então, indagar sobre os efeitos, nas relações, dos vocabulários predominantes da mente. Dadas nossas metas para o melhoramento humano, estes vocabulários facilitam ou as obstruem? E mais importante ainda para nossos propósitos, que tipo de padrões sociais facilitam (ou impedem) o vocabulário existente do déficit psicológico? De que maneira os termos das profissões da saúde mental como “neuroses”, “disfunção cognitiva”, “depressão” (...) funcionam dentro da cultura em geral, conduzem a formas desejáveis de relações humanas? Deveria ser expandido o vocabulário? Existem alternativas mais promissoras? (p.286) A linguagem do déficit, no caso deste texto, da atenção, controle do impulso e da atividade, opera para essencializar a natureza da pessoa descrita. Confere ao indivíduo uma característica que perdura através do tempo, e dos vários contextos dos quais participa. Como exemplo, a coordenadora de uma escola de educação infantil, ao informar-se sobre o diagnóstico recém recebido de TDAH de um educando pequeno, encontra no Google (base de dados on-line) uma outra possível classificação para a criança e pergunta: “Você já se informou se ele tem TO (Transtorno de Oposição) também? Imersos nos repertórios nosológicos, vivemos todos “essa seriação psicopatológica que não se cansa de se sofisticar” da qual nos fala Carrijo (2010). Mas... ENTÃO, ONDE É QUE EU ENTRO? AMPLIANDO CONVERSAÇÕES TERAPÊUTICAS Retomando o caso clínico de White (2012), a pergunta “Então, onde é que eu entro?” face à investigação sobre os esforços já empreendidos pela família para lidar com o problema, a mãe relata: “Viemos vê-lo porque esperamos que houvesse algo mais (p. 22).” Na prática clínica orientada pelo movimento construcionista social, esta pergunta traz sempre uma outra indagação: Como seguir em frente, ampliando conversações terapêuticas que extrapolem os limites discursivos da linguagem diagnóstica? Como gerar encontros conversacioanais que favoreçam a construção de práticas discursivas menos hierarquizadas e mais colaborativas? (Cesar, 2008) Em outras palavras, que recursos teórico-práticos temos que desenvolver para recusarmos o convite (sedutor?) da linguagem “do especialista” (Anderson & Goolishian, 1998) que fortalece as linguagens normatizadoras do conhecimento? Acredito que White (2012) sugere essa postura quando comunica aos seus clientes: “Diagnósticos não são minha especialidade (...) eu já vi muitas crianças que foram diagnosticadas com TDAH, mas meu trabalho com elas não envolveu fazer diagnósticos”(p. 23). Desde este posicionamento, o autor convida seus interlocutores a abordar o problema, em que, ao prescindir o diagnóstico, fortalece conversações muito criativas na direção da externalização do problema. Dentro desta postura de ampliar a investigação sobre a vida das pessoas que expandam as descrições Nova Perspectiva Sistêmica, Rio de Janeiro, n. 49, p. 34-47, agosto 2014. circunscritas pelo problema, encontrei-me com os pais e seu filho de 8 anos, preocupados com a falta de atenção nas aulas, com seu isolamento social no contexto escolar, com sua relutância em fazer os deveres escolares sem a supervisão da mãe. Suas maiores dificuldades acadêmicas envolviam as disciplinas de português e matemática. Nas avaliações, seus resultados estavam aquém do esperado. A criança ouviu os pais na maior parte do tempo em silêncio, interrompendo-os algumas vezes com o comentário: “...não é bem assim...”. Em contrapartida, o balanço inquieto de suas pernas pareciam querer levá-lo a outro lugar, bem como seus olhos. Pergunto-lhe depois de ouvir as preocupações dos pais: A: “Hugo, que nome você dá para esse problema que seus pais estão nos explicando?” Hugo: “Ah, não sei... é só uma vontade de pensar em outras coisas...” A: “Sei...então seu pensamento não para quieto? ele voa?” Hugo: “Eu não gosto de ficar correndo e tem um menino lá, que fica me batendo. Eu gosto de ficar quieto.” (referindo-se à escola) A: “E o que você gosta de fazer quando fica quieto?” Hugo: “ É que eu gosto de pensar nos meus filmes, nos bichos do zoológico...” Segue-se um diálogo animado sobre o que gosta de pensar e imaginar; acerca do grande interesse que ele e o avô paterno têm sobre animais selvagens exóticos de outras partes do mundo. Conta-nos que os colegas de escola não compartilham desses seus interesses; os cenários de zoológicos visitados concreta ou virtualmente (pela internet) são seus locais de refúgio quando as aulas ou brincadeiras não lhe agradam. Envolvidos que estamos num diálogo que se desloca dos discursos de desordem para o campo das conversações transformativas (McNamee, 2002), pergunto-lhes sobre como posso ajudá-los, ou, nas palavras de White (2012): “Então, onde é que eu entro?” Hugo: “Eu preciso pôr esse meu pensamento dentro de uma jaula”. Contando com a escuta atenta dos pais, Hugo explica que fica muito cansado tentando montar “filmes de bichos na sua cabeça”. Imaginamos, em voz alta, como deve ser isso durante a aula, no recreio, em casa, fazendo os deveres escolares! Quando Hugo descreve seu cansaço, emerge a possibilidade de compreendê-lo como um garoto sobrecarregado com a tarefa de conciliar seu mundo fabuloso de “filmes” com as responsabilidades da vida cotidiana. Será que conseguiríamos a mesma proeza? Os encontros terapêuticos envolveram brincadeiras livres (Cesar, 2012) escolhidas por Hugo, que se repetiam na forma de filmes, em que a criança era “o diretor” e os animais de brinquedo, os protagonistas. A terapeuta, a única expectadora da “sala de cinema”. Hugo era capaz de fazer o enredo, os cenários, a animação, a produção sonora. Meus comentários o desorganizavam, ao que Hugo estabeleceu: “Se você precisar falar, me avisa que eu dou ‘pause’.” Avaliações psicopedagógica e neurológica encontraram um bom desenvolvimento cognitivo e intelectual, associados ao déficit de atenção sem hiperatividade. Nenhum medicamento foi prescrito e optamos pelo atendimento individual, combinado com sessões familiares. Dos filmes construímos narrativas de superação, como, por exemplo, pinguins perdidos na África conseguiam encontrar o caminho de volta ao Polo Norte. Para isso era preciso ter muitos amigos, saber ler bem as placas e TDAH: O problema e seu nome para além das categorias diagnósticas Adriana Bellodi Costa Cesar Nova Perspectiva Sistêmica, Rio de Janeiro, n. 49, p. 34-47, agosto 2014. 43 44 NPS 49 | Agosto 2014 estudar os mapas. Baleias não podiam desviar de suas rotas e deviam ficar unidas, sob pena de perder o verão e as águas quentes de outros mares. Nesse contexto lúdico do “como se”, conversas sobre suas potencialidades desconstruíram descrições deficitárias e passaram a apoiar novas atitudes sociais e acadêmicas. O humor e o jogo podem funcionar como recurso úteis na construção de histórias alternativas, diminuindo o peso das histórias de problema, sem contudo banalizar sua gravidade: Tal como as máscaras gêmeas da comédia e da tragédia, o jogo reflete por igual a alegria e o patético da experiência humana. Quando crianças e adultos se unem, o jogo oferece uma linguagem comum para expressar os pensamentos, as emoções e a experiência em toda sua amplitude e profundidade. Compartilhamos, assim, de uma linguagem franca. Além disso, a comunicação divertida não depende totalmente do desenvolvimento cognitivo e tem a capacidade de ser muito contagiante e integradora das pessoas em qualquer idade (Freeman, Epston & Lobovits, 2001, p.24). Hugo pediu aos pais que o mudassem de escola, alimentando a esperança de fazer novos amigos. Satisfazia-o a chance de conhecer novos lugares e passamos algum tempo desenhando “a planta baixa da cidade” (aprendida nas aulas de meio-ambiente), situando os outros estabelecimentos de ensino, outras alternativas acadêmicas. Foi então estimulado pelos pais a suspender a terapia e eles comprometeram-se a continuar as aulas de reforço em português e matemática. O final do ano se aproximava, assim como as merecidas férias escolares. Em nosso último encontro envolvendo a família, Hugo, agitado, pergunta: “Vai demorar essa conversa?”. Com minha concordância, corre para a sala de brinquedos. O que vimos no final foi o seu “Zoo-de-animais-selvagens”, como gostava de chamar, montado no chão. O urso panda, o suricata, o lêmure, o canguru, a ema, as três girafas, o hipopótamo, o elefante indiano e o elefante africano, o tigre-que-é-o-mais-feroz-de-todos. Todos em jaulas individuais. Hugo, numa postura séria e absolutamente concentrada, nos explica: “Olha, eu prefiro assim, cada um no seu cercadinho!” Estaria a criança documentando ludicamente uma mudança? Especialista das próprias dificuldades, estaria aprendendo a circunscrever contextos? Estaria ela nos explicitando novas maneiras de situar-se frente à “babel” de estímulos com as quais lida em seu cotidiano? DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS Ainda lembrando Caliman (2002), o diagnóstico de TDAH emergiu historicamente dentro de um contexto socioeconômico que privilegia o indivíduo realizado, bem-sucedido, produtivo, autossuficiente, racional e competente. Nessa economia, toda atenção parece ser insuficiente e, na busca pela sua maximização, toda a pessoa, tomada em sua singularidade, será um pouco desatenta. Além disso, baseados nos autores citados neste artigo, aquilo que é categorizado como distúrbio da atenção, da atividade e do impulso, pode também ser compreendido como construção social, expandindo a interrogação sobre sua natureza real e biológica. Podemos assim, pensar essa “desordem” como algo fundado nas relações sociais pautadas pelo imediatismo, pela rapidez, pela necessidade de resultados (Caliman, 2002; 2009; Carrijo, 2010). Nova Perspectiva Sistêmica, Rio de Janeiro, n. 49, p. 34-47, agosto 2014. Vivemos todos (adultos e crianças) num mundo globalizado, em que o exercício de lidar com uma multiplicidade de estímulos e atividades tem sido cada vez mais constante. Nesse sentido, temos ficado perplexos/exaustos na tentativa de administrarmos o tempo, sempre insuficiente, para tudo o que imaginamos realizar. Na mesma direção, Eidt e Tuleski (2010) sugerem que a impaciência por resultados e o rápido abandono diante do fracasso, da distração, da falta de escuta cuidadosa, do excesso de ruído são, nesse caso, evidências de uma aprendizagem social bem sucedida por parte das crianças. Porém, são essas mesmas aprendizagens sociais, exitosas por serem adaptativas e contextualizadas, as menos desejáveis na produção de habilidades acadêmicas como atenção, concentração, persistência, habilidades psicomotoras. O atendimento a crianças sobre as quais pairam hipóteses acompanhadas ou não do diagnóstico médico de TDAH, baseado numa postura que se caracteriza pelo questionamento às perspectivas objetivistas que tendem à naturalização, reificação e essencialização dos fenômenos, traz ao profissional/terapeuta, um sério desafio, se levarmos em conta a prática clínica como instrumento de mudança política. Esta inquietação é posta por Spink (2009) que, baseada em Hacking (2001), entende esse compromisso “revolucionário” como aquele que extrapola a esfera das ideias e busca mudar o mundo com relação a algo que consideramos impróprio, indesejável. Encontro em Anderson (2012) um convite alentador para refletir sobre o campo da psicoterapia enquanto prática colaborativa, geradora de transformações que guardam o sentido político descrito anteriormente: A minha compreensão se aproxima do sentido clássico grego de tomada de decisão participativa em relação ao poder e autoridade: pessoas autoras de suas decisões, tomadas em conjunto com outras e tendo o direito e a oportunidade de influenciar suas próprias vidas. Neste sentido, tudo é política, incluindo a questão de saber se, quando e como as pessoas podem participar por meio do diálogo para se chegar a resultados coletivamente, ou, eu diria, “colaborativamente” (p. 132). TDAH: O problema e seu nome para além das categorias diagnósticas Adriana Bellodi Costa Cesar Portanto, como profissionais da saúde inspirados no poder transformativo das conversações colaborativas, podemos nos perguntar por formas mais desejáveis e menos estigmatizantes de relações humanas; que vocabulários queremos expandir e quais gostaríamos de suprimir, e que alternativas consideramos mais promissoras para contribuirmos com estas crianças no rápido ritmo de suas vidas na contemporaneidade, se almejamos ajudá-las além dos tratamentos que já recebem. REFERÊNCIAS American Psychiatric Association, DSM-5 Development (2013). Recuperado em 28 de julho de 2013, de http://www.dsm5.org. Anderson, H., Goolishian. H. (1998). O cliente é o especialista: a abordagem terapêutica do não saber. In S. McNamee, J.K. Gergen. A Terapia como Construção Social. Porto Alegre: Artes Médicas. Anderson, H. (2012). Collaborative practice: a way of being “with”. 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