FOLHA DE SÃO PAULO São Paulo, domingo, 17 de novembro de 2002 SAÚDE Adulto "elétrico" pode ter distúrbio Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, geralmente associado à infância, também afeta outras idades BERTA MARCHIORI DA REDAÇÃO "Eu sempre me senti muito diferente dos outros." Só hoje, após ter descoberto ser portador do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), Daniel, 29, consegue entender sua infância e adolescência. Há cerca de seis meses, teve a doença diagnosticada. "Descobrir que o que ocorria tem nome foi um alívio." Apesar de ser conhecida como uma doença típica da infância, o TDAH aparece com certa frequência em adultos. Segundo especialistas, de 3% a 5% das crianças têm o transtorno; delas, de 30% a 70% permanecem com o distúrbio quando adultos. O TDAH é uma doença que não surge em adultos - o portador do transtorno foi necessariamente uma criança com o distúrbio. A doença, caracterizada por dificuldade em manter a atenção, inquietude e impulsividade, é mais diagnosticada em crianças também porque os adultos muitas vezes confundem os sintomas com a própria personalidade. Para o psiquiatra Mario Louzã, 47, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, o diagnóstico muitas vezes passa despercebido. "Os adultos não reconhecem aquele comportamento como doença; acham que é o seu "jeitão"." Muitos procuram o especialista só após lerem sobre a doença e se identificarem. Esse também foi o caso de Daniel. Aos 16 anos, ele chegou a fazer avaliações com psicólogos, mas ouviu que não tinha problemas. Há pouco tempo, seus pais leram uma reportagem em uma revista e reconheceram os sintomas em Daniel. Procuraram um especialista, que fez o diagnóstico. Além de ter sido um jovem com problemas de relacionamento, antes de descobrir a doença Daniel não se adaptava a nenhum emprego. Foi demitido uma vez e pediu demissão em outras. Não suportava a rotina e a burocracia. Hoje, trabalha em uma consultoria econômica. Como entendia seu problema, Daniel diz que criou as condições de trabalho nas quais se desenvolveria melhor. Segundo Louzã, os sintomas no adulto são parecidos com os da criança, mas o contexto muda. A criança tem dificuldade de aprendizado e de relacionamento, é desatenta, não pára quieta e interrompe os outros. Já o adulto com TDAH apresenta, em geral, dificuldade em concluir os estudos e em se colocar no mercado de trabalho, não consegue cumprir metas, tem cargo abaixo da capacidade e problema de relacionamento. Além disso, no adulto os sintomas são mais brandos, mas a exigência social é maior. A sensação de fracasso acaba levando o paciente à depressão, a distúrbios de ansiedade e ao uso de drogas. Neurotransmissores As causas do transtorno ainda não são totalmente conhecidas. A tese mais aceita e embasada cientificamente é a de uma redução, causada por fatores genéticos, na quantidade dos neurotransmissores dopamina e noradrenalina. O tratamento inclui estimulantes ou antidepressivos, para os sintomas da doença, e psicoterapia, que enfoca consequências emocionais e sociais. "A psicoterapia é importante, mas deve ser associada ao tratamento medicamentoso", diz Ênio Roberto de Andrade, 36, psiquiatra da infância e adolescência e coordenador do Ambulatório de Distúrbios Hiperativos e Déficit de Atenção do Instituto de Psiquiatria do HC. Comumente, o diagnóstico do TDAH é confundido com o de outros distúrbios mentais, como depressão, mania, transtorno de conduta e retardo mental. Até crianças com QI acima da média muitas vezes são diagnosticadas e tratadas de forma errada. Uma das dúvidas dos pais sobre o tratamento é o papel do estimulante. Eles costumam achar que o remédio, por ser estimulante, deixa a criança inquieta. Na verdade, esse tipo de droga compensa o déficit de neurotransmissores. O paciente não necessariamente tem déficit de atenção e hiperatividade simultaneamente. Mas o transtorno e o tratamento são os mesmos. Em crianças "avoadas", predomina o déficit de atenção, o que leva a uma maior dificuldade de aprendizado; já nas inquietas predomina a hiperatividade, o que, muitas vezes, leva a mais problemas de relacionamento. FOLHA DE SÃO PAULO São Paulo, domingo, 17 de novembro de 2002 Risco em bebês cresce com fumo e álcool na gestação DA REDAÇÃO Crianças cujas mães eram fumantes ou tomavam bebidas alcóolicas durante a gravidez são mais propensas a desenvolver o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade). A conclusão é de um estudo realizado pela Escola Médica de Harvard (Estados Unidos), publicado em abril deste ano pela revista "Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry", uma das mais importantes do gênero. Os pesquisadores compararam 280 crianças portadoras do TDAH com outro grupo formado por 242 crianças não-portadoras do transtorno. Os meninos e meninas de ambos os grupos e seus pais foram analisados por meio de entrevistas e testes. Os pesquisadores concluíram que as crianças portadoras do distúrbio foram 2,1 vezes mais expostas ao cigarro e 2,5 vezes mais expostas ao álcool quando ainda estavam no útero do que as não-portadoras. Não é necessário que a gestante tenha usado álcool e cigarro simultaneamente. O uso de algum deles durante a gravidez já é suficiente para causar danos ao feto. Especialistas sempre recomendam às gestantes que não bebam nem fumem. O uso dessas substâncias, mesmo que ocasional, pode ser prejudicial ao feto. O álcool ingerido pela gestante atravessa a placenta e faz com que o feto receba as mesmas concentrações alcóolicas que a mãe. Já o cigarro causa isquemia placentária, ou seja, diminuição da circulação sanguínea na placenta, prejudicando a nutrição e a oxigenação do feto.