UNIVALE FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – FHS
CURSO DE PSICOLOGIA
Christiani Ferreira Barbosa
Jaqueline Ferrari dos Santos
Mayara Nunes Peres
SUICÍDIO NO ESTADO DE DEPRESSÃO GRAVE
Governador Valadares
2011
1
CHRISTIANI FERREIRA BARBOSA
JAQUELINE FERRARI DOS SANTOS
MAYARA NUNES PERES
SUICÍDIO NO ESTADO DE DEPRESSÃO GRAVE
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da
Universidade Vale do Rio Doce para obtenção
do grau de bacharel em Psicologia.
Orientador: Prof. Roberto Jório
Governador Valadares
2011
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CHRISTIANI FERREIRA BARBOSA
JAQUELINE FERRARI DOS SANTOS
MAYARA NUNES PERES
SUICÍDIO NO ESTADO DE DEPRESSÃO GRAVE
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da
Universidade Vale do Rio Doce para obtenção
do grau de bacharel em Psicologia.
Governador Valadares, 16 de Junho de 2011.
Banca Examinadora:
__________________________________________
Prof. Omar de Azevedo
Universidade Vale do Rio Doce
__________________________________________
Profa. Solange Coelho
Universidade Vale do Rio Doce
__________________________________________
Prof. Orientador: Roberto Jório Filho
Universidade Vale do Rio Doce
3
RESUMO
O presente trabalho enfatiza a relação de um ato suicida, em quadros de transtornos de humor,
com a depressão grave. Os sintomas da depressão interferem drasticamente a qualidade de
vida do indivíduo e promovem humor rebaixado, perda de interesse e de prazer, ideias de
culpa e de inutilidade, apetite e sono perturbados. O suicídio melancólico é caracterizado pelo
quadro de depressão grave. Vem acompanhado por ideação suicida e pelo sentimento de culpa
e de ruína. A avaliação retrospectiva possibilita observar pistas diretas ou indiretas
relacionadas ao comportamento letal, permitindo, através do método autópsia psicológica,
compreender os aspectos psicológicos de uma morte por suicídio. A psicoterapia pode
controlar casos leves ou moderados de depressão, sendo que, em casos graves, deve haver
acompanhamento psiquiátrico e, até mesmo, hospitalização. A prevenção se fundamenta na
informação e formação de consciência de pessoas que lidam com grupos de auto risco e
também visa prevenir o aumento de risco – quando já se encontra configurado.
Palavras-chave: Depressão Grave. Suicídio. Prevenção.
4
ABSTRACT
The present work of course conclusion, emphasize the relationship of a suicidal act in frames
of mood disorders with an emphasis on severe depression. The symptoms of depression
interfere drastically with the quality of life and are associated with high social costs: lost days
at work, psychological counseling and in extreme cases suicide. According to World Health
Organization more than half the people who commit suicide have symptoms of the disease.
Within this perspective of analysis, this study sought information data subsidiaries of people
who committed suicide, thus enabling a greater understanding and study of the development
of healthy behaviors that can check and prevent the suicide. Psychotherapy can control mild
to moderate cases of depression. The method offers the theoretical advantage of not using
drugs and reduce the risk of recurrence of the table, provided the person learns to recognize
and deal with the problems that led to it.
Keywords: Severe Depression, Suicide, mood Disorders
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 6
2 HISTÓRICO DO SUICÍDIO .......................................................................................... 8
2.1 MORTE E PROCESSO DE LUTO ................................................................................ 11
2.2 TIPOS DE SUICÍDIO E SUAS POSSÍVEIS CAUSAS ................................................. 15
2.3 FANTASIAS ................................................................................................................... 21
3 TRANSTORNO DE HUMOR......................................................................................... 23
3.1 EPISÓDIO DEPRESSIVO .............................................................................................. 25
3.2 EPISÓDIO DEPRESSIVO GRAVE E MELANCOLIA ................................................ 33
4 AUTÓPSIA PSICOLÓGICA EM CASOS DE SUICÍDIO .......................................... 36
4.1 ANÁLISE DOS ESTUDOS DE CASO .......................................................................... 40
4.1.1 Caso ilustrativo 1 ........................................................................................................ 41
4.1.2 Caso ilustrativo 2 ........................................................................................................ 44
5 PAPEL DO PSICÓLOGO NA PREVENÇÃO DE CASOS DE SUICÍDIO ............... 48
5.1 PREVENÇÃO ................................................................................................................. 52
6 CONCLUSÃO................................................................................................................... 57
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 59
6
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho enfatiza a relação existente entre o ato suicida e a depressão grave, em casos de
transtorno de humor. Na atualidade, muitos estudos desse tipo têm ajudado significativamente
a aumentar a compreensão sobre essa temática, possibilitando o desenvolvimento de
comportamentos sadios que conferem e previnem o ato suicida. Dessa forma, o suicídio
demanda atenção, mas sua prevenção e seu controle, infelizmente, não são tarefas fáceis.
Segundo Cassorla (1992, p. 22), o suicídio seria “a morte que alguém provoca a si mesmo, de
uma forma deliberada, intencional”. Além disso, possui várias causas e depende de fatores
determinantes e rompimentos que levem o sujeito ao descaso consigo mesmo. Portanto,
inexiste causa única para o suicídio, mas “uma culminância de uma série de fatores que vão se
acumulando na biografia do indivíduo, em que entram em jogo desde fatores constitucionais
até fatores ambientais, culturais, biológico, psicológico, etc. O que se chama causa geralmente
é o elo final dessa cadeia. (CASSORLA, 1992, p. 81 apud BROMBERG, 1996)
O interesse maior das pessoas, que eliminam suas vidas, é fugir de sua vida atual, em meio a
tantos conflitos que, às vezes, não suportam. O autoextermínio passa, então, a ser uma
transgressão. É a fuga desesperada de algo insuportável. Algo que choca com os objetivos de
vida dos grupos humanos.
Na reflexão sobre as maneiras e os mecanismos utilizados pelas pessoas para se suicidarem ou
para contribuírem à própria morte, percebe-se que se trata de um processo complexo, que
inclui muitos atos e comportamentos, os quais, normalmente, são inimagináveis ao leigo
(enquanto sendo ato suicida). Pacientes com insuficiência renal, que não controlam sua
alimentação, fazem uso abusivo de líquidos como água e refrigerantes; pessoas que possuem
câncer de pulmão por uso constante de cigarro, e continuam fumando; ou até mesmo
indivíduos após término de relacionamento ou briga com o parceiro, que saem com seu
veículo disposto a se matar. Todos esses casos com comportamentos de risco ou
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autodestrutivos são exemplos que podem constituir suicídios mascarados (nome que se
designa tais atos). De acordo com Berman e Farberow (apud BAPTISTA, 2004, p. 10),
existem alguns comportamentos suicidas que aumentam a probabilidade de autolesão tais
como: realização de jogo patológico e de esporte de risco; abuso de álcool e de outras
substâncias psicoativas; uso de veículos em alta velocidade em semáforos vermelhos; prática
de “roleta russa” e de sexo desprotegido com diversos parceiros; obesidade; automutilação
etc.
Nessa perspectiva, o objetivo geral deste trabalho é identificar a relação entre o suicídio e o
quadro de episódio depressivo grave. Busca, também, realizar o levantamento de dados sócio
demográficos do suicídio; caracterizar o nível dos diferentes episódios depressivos (leve,
moderado e grave – com ou sem sintomas psicóticos); descrever os tipos de suicídio e a ação
do suicídio melancólico em função do quadro de episódio depressivo grave; enumerar riscos
de suicídio e transição de cuidados; e promover análise dos métodos de prevenção. A
pergunta norteadora consiste em responder: “Existe uma relação entre suicídio e episódios
depressivos e possíveis formas de prevenção”? Para desenvolvê-la, utiliza-se a pesquisa
bibliográfica, especialmente de teóricos como Cassorla (1992), Durkheim (2000) e Kovács
(1992).
Este trabalho se estrutura em quatro capítulos. O primeiro tem o propósito de rever o histórico
do suicídio. Já o segundo apresenta os transtornos de humor e psicológicos que promovem a
ocorrência do ato suicida. O terceiro, por sua vez, expõe casos ilustrativos, com realização de
avaliação retrospectiva, visando analisar relatos reais sobre a temática. Por fim, o último
capítulo descreve o papel do psicólogo na prevenção de suicídios, o que ressalta sua
importância na transformação do suicídio em um assunto de saúde pública e não em mero
tabu social.
8
2 HISTÓRICO DO SUICÍDIO
O suicídio pode ser considerado um grave problema de saúde pública, porque faz parte da
realidade de vida de muitas pessoas que passam por problemas psicológicos e por sofrimento
emocional. Porém, há um grupo que desconsidera o suicídio enquanto problema. Prefere não
mencioná-lo ou o oculta com pudor. Daí ser de grande dificuldade afirmar quando o primeiro
ato suicida ocorreu. Entre alguns povos orientais, por exemplo, devido a seu fanatismo
religioso, o suicídio é um fato banal, e mesmo com medidas de repressão, ele ainda ocorre.
Para Bruno (1979, p. 151), “Na Índia, até épocas recentes, a tradição determinava uma série
de suicídios rituais, que ainda se praticam em religiões afastadas e contra os quais as
autoridades indianas empreendem medidas de repressão”.
Registram-se, em muitos relatos de camicases, pilotos orientais, principalmente durante a
Segunda Guerra Mundial, a ocorrência do ato suicida. Já na Grécia Antiga, o suicídio foi
condenado politica ou juridicamente. Não havia honras de sepultura ao suicidado e a mão do
mesmo era amputada e enterrada à parte. O Estado tinha o poder para vetar ou autorizar um
suicídio.
Na Grécia, foram numerosos os suicídios de reis determinadas circunstâncias, ora
como expiação, ora para não cair em mãos dos inimigos. Entre os filósofos gregos,
suicidaram-se Hegesipo, Zenão e Diógenes Laércio. Na capital da ilha de Queos,
suicidavam-se todos os cidadãos que atingiam setenta anos, sendo o ato
acompanhado de uma cerimônia: o que ia morrer fazia-se coroar de flores e bebia
uma taça de cicuta ou outro veneno vegetal. Os suicídios foram raros no período
republicano de Roma, aumentando, porém, no período de corrupção generalizada.
(BRUNO, 1979, p.152).
Nota-se, em outras culturas, semelhante acontecimento:
Na China antiga, o suicídio constituía ato bastante comum. Quando o imperador
Chingue-Coangue-Ti mandou queimar os livros sagrados, quinhentos discípulos de
Confúcio suicidaram-se a fim de não sobreviverem àquela perda. Até há poucos
anos, o haraqui era considerado pelos japoneses em geral como o mais honroso dos
suicídios, e esta tradição não está completamente extinta. Voltaire conta que, no seu
tempo, no Japão, quando um homem de honra era ultrajado por outro, abria suas
9
entranhas na frente do ofensor, convidando-o a fazer o mesmo; se o segundo não
seguisse o exemplo, ficava marcado pela desonra. [...]
Na história do Egito, ficou célebre o suicídio de Cleópatra, que se deixou picar por
uma áspide, depois de ter experimentado diferentes venenos em condenados,
chegando à conclusão de que a picada de uma áspide era o meio de morte mais
suave. [...]
Durante a Idade Média, os suicídios foram raros devido ao anátema religioso
lançado sobre os suicidas. Com a renascença, todavia parece ter aumentado em
número. O protestantismo condenou formalmente o suicídio e tanto Lutero como
Calvino declararam explicitamente que somente Deus é o Senhor único e absoluto
da vida e da morte. Os suicídios, que diminuíram no século XVII, tornaram-se mais
numerosos nos séculos XVIII e XIX, sobretudo após a aparição do Romantismo.
Mesmo em tempos recentes, diversos acontecimentos políticos implicam uma
verdadeira onda de suicídios. (BRUNO, 1979, p.152)
A religião cristã sempre condenou o suicídio. O seguinte trecho do Direito Canônico relata o
suicídio indireto, ocorrendo apenas à prática através de virtudes como a caridade e a
castidade: “O Código de Direito Canônico determina que devam ser privados de sepultura
eclesiástica os suicidas que, antes de morrerem, não derem qualquer sinal de arrependimento.”
(BRUNO, 1979, p. 151)
Segundo Kovács (1992), na época atual, os sujeitos têm maior autonomia de escolhas, o que
implica opção pelo suicídio. Principalmente no ocidente, a solidão e o sentimento de
irrelevância social acometem os suicidados.
Chama-se suicídio todo caso de morte que resulta direta ou indiretamente de um ato, positivo
ou negativo, realizado pela própria vítima a qual sabia que produziria esse resultado
(DURKHEIM, 2000, p. 14).
Durkheim (2000) diz que o suicídio é um ato individual com características da sociedade que
o produz. É um ato complexo, indefinido e com contornos vagos. É um homicídio intencional
de si mesmo. De várias maneiras, o indivíduo renuncia-se à sua existência. O suicídio é um
ato desesperado de alguém que não quer viver: ele “inclui uma gama de situações muito
complexas, o qual é muito vago e indefinido, então compreender este problema é quase um
mito, as tentativas de compreensão são vagas e o método de prevenção é ainda pouco usado.”
(KOVÁCS, 1992, p. 165)
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O suicídio pode ser considerado uma inabilidade individual de se resolver problemas,
associada a um estado de desequilíbrio emocional, em que o indivíduo encara os problemas
como impossíveis de serem resolvidos, aumentando, assim, sua ansiedade e sua tristeza. Levy
(1979 apud KOVÁCS, 1992, p. 165), sobre isso, coloca: “uma auto eliminação consciente,
voluntária e intencional. Num sentido mais amplo, o suicídio inclui processos autodestrutivos
inconscientes, lentos e crônicos”.
Em sua etimologia, a palavra suicídio pode ser reduzida em sui (de si mesmo) e caedes (ação
de matar); portanto, é sinônimo de “matar a si mesmo”. As suas causas podem ser as mais
variadas, incluindo aspectos externos, normas sociais e motivações internas.
Tentativas de suicídio são atos deliberados de auto-agressão, em que a pessoa não
tem certeza da sobrevivência, manifestando uma intenção autodestrutiva e uma
consciência vaga de risco de morte. Os suicidas inconscientes são atos que não se
expressam de modo explícito e manifesto, e sim de forma incompleta, deslocada,
simbólica como se verifica em acidentes e homicídios provocados pela vítima e
automutilações. (KOVÁCS, 1992, p. 165)
Segundo Schneidmann e Faberow (1959 apud KOVÁCS, 1992, p. 166-167):
Deve-se levar em consideração o que chamaram de “Cry for Help”, onde o sujeito
atenta a própria vida como forma de chamar a atenção das pessoas a sua volta, para
as suas necessidades, buscando maior amor e valorização pessoal. É uma forma de
comunicação. Há uma ambivalência entre o desejo de viver e morrer.
Para Kovács (1992), o indivíduo que atenta contra a sua vida, atenta contra a sociedade. Na
cultura social, há um aumento de suicídios justificado pelo discurso de que a pessoa se sente
mais digna ao morrer do que ao viver. Além disso, no que diz respeito à existência tóxica,
envolve-se um viver se suicidando, no qual o homem só termina de morrer. A existência
tóxica é a vivência de forma que o ser humano se mata continuamente no cotidiano, ou seja,
todos se matam em comum acordo, através de uma maneira de viver perigosa para a saúde.
11
O suicídio é um ato muito complexo, portanto, não pode ser considerado em todos
os casos como psicose, ou como decorrente de desordem social. Também não pode
ser ligado de forma simplista a um determinado acontecimento como rompimento
amoroso, ou perda de emprego. Trata-se de um processo, que pode ter tido o seu
início na infância, embora os motivos alegados sejam tão somente os fatores
desencadeantes. (KOVÁCS, 1992, p. 167)
2.1 MORTE E PROCESSO DE LUTO
Morte faz parte do desenvolvimento humano desde o nascimento. Durante todo o processo de
desenvolvimento vital, entrelaçam-se vida e morte: “Em termos de função, a morte se
caracteriza pela interrupção completa e definitiva das funções vitais de um organismo vivo,
com o desaparecimento da coerência funcional e destruição progressiva das unidades
tissulares e celulares” (KOVÁCS, 1992, p. 10). A morte, no contexto biológico, ocorre
quando não há um funcionamento de todos os sistemas, de forma integrada. É a morte dos
órgãos e dos tecidos.
No contexto médico atual, a morte se caracteriza com especificidades. Kovács (1992, p. 11)
ratifica:
A morte clínica é definida como estado onde todos os sinais de vida (consciência,
reflexos, respiração, atividade cardíaca) estão suspensos, embora uma parte dos
processos metabólicos continue a funcionar. A morte clínica se tornou um conceito,
pois atualmente todas essas funções vitais podem ser substituídas por máquinas,
prolongando a vida indefinidamente. A morte total ocorre quando se inicia a
destruição das células de órgãos altamente especializados, como cérebro, os olhos,
passando depois para outros órgãos menos especializados.
Sobre o sentimento de medo mediante a interrupção da vida, Kovács (1992, p. 14) disserta:
“O medo é a resposta psicológica mais comum diante da morte. O medo de morrer é universal
e atinge todos os seres humanos, independente da idade, sexo, nível sócio-econômico e credo
religioso. Apresenta-se com diversas facetas e é composto por várias dimensões”. O objetivo
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maior das pessoas, que eliminam suas vidas, é escapar de sua vida atual, em meio a
turbulências, problemas, conflitos e rotinas, às vezes, insuportáveis.
Durante a vida, o ser humano passa por períodos que julga difíceis. Entretanto, para alguns,
esses momentos podem parecer insuportáveis. Assim, é importante salientar que os problemas
de cada pessoa são diferentes e específicos, e a maneira como cada um avalia tais eventos é
fundamental para explicar o que se chama “crise”. Segundo Reinecke (1995 apud
BAPTISTA, 2004, p. 99), “o suicídio é, por si só, caracterizado e consequência de uma
situação de crise”. Tal crise é perpassada por uma condição reativa do indivíduo frente a uma
situação ameaçadora de sua integridade.
Existe uma dependência entre o desejo de morrer e o de matar-se. A pessoa que se
mata não quer necessariamente morrer (pois não sabe o que seja isso). A pessoa se
mata porque deseja outra forma de vida, fantasiada, na terra ou em outro mundo,
mas, na verdade, essa outra forma de vida está em sua mente. (CASSORLA, 1992,
p. 29)
No suicida, a morte se apresenta como um ato de vingança ao outro, tal como assevera
Kovács (1992, p. 4): “Em muitas tentativas de suicídio, há a fantasia de „se morrer só um
pouco‟, para que o outro possa sentir falta, ou para que se sinta culpado”.
[...] Morte é algo totalmente abstrato e incognoscível, e que as pessoas,
independentemente de fatores religiosos, comumente utilizam mecanismos para
combater a angústia do incompreensível, e entre estes, um dos mais importantes é a
visão (consciente ou inconsciente) de alguma espécie de vida pós-morte. Por isso,
mesmo o suicida, não procura a morte (porque não sabe o que seja), mas sim está em
busca de outra vida, fantasiada em sua mente. (CASSORLA, 1992, p. 28-29)
Em Cassorla (1992, p. 24), pode-se encontrar a morte como subterfúgio para o sofrimento,
onde:
Infelizmente, em quadros de melancolia, às vezes, o suicida em potencial imagina
que, com sua morte, deixará de sofrer a família ou pessoas próximas e acredita que
cometerá um suicídio altruístico. Isso não é verdade, pois a análise cuidadosa
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demonstrará que esse é apenas um mecanismo, de auto-engano, para justificar o ato,
que tem motivações muito mais profundas.
Também em Cassorla (1992), constata-se que o suicida não procura a morte, mas outra vida,
fantasiada em sua mente. Nessa “nova vida”, surreal, inexistem problemas e angústias
atormentadores, tal como os que perturbam a realidade.
De acordo com Kovács (1992, p. 149), “a morte do outro se configura como a vivência da
morte em vida. É a possibilidade de experiência da morte que não é a própria, mas é vivida
como se uma parte nossa morresse, uma parte ligada ao outro pelos vínculos estabelecidos”.
A perda e a sua elaboração são elementos contínuos no processo de desenvolvimento humano.
A morte como perda nos fala em primeiro lugar de um vínculo que se rompe, de
forma irreversível, sobretudo quando ocorre perda real e concreta. Nesta
representação de morte estão envolvidas duas pessoas: uma que é “perdida” e a outra
que lamenta esta falta, um pedaço de si que se foi. O outro é em parte internalizado
nas memórias e lembranças, na situação de luto elaborado. A morte como perda
evoca sentimentos fortes, pode ser então chamada de “morte sentimento” e é vivida
por todos nós. É impossível encontrar um ser humano que nunca tenha vivido uma
perda. (KOVÁCS, 1992, p. 150)
Nessa perspectiva, o luto se configura:
[...] Luto saudável é a aceitação da modificação do mundo externo, ligada à perda
definitiva do outro, e a conseqüente modificação do mundo interno e
representacional, com a reorganização dos vínculos que permaneceram. Os
processos defensivos são constituintes regulares de todo o processo de luto, em
qualquer idade, e se tornam patológicos quando assumem caráter irreversível,
fazendo parte integrante da vida. (KOVÁCS, 1992, p. 157)
Cassorla (1992) acredita que, após a perda da pessoa querida, o ser humano precisa de algum
tempo para poder acostumar-se, readaptar-se. Nesse período, ocorre o que se chama processo
de luto. Quando há dificuldade em se elaborar a perda, a tristeza pode se voltar para dentro.
Além disso, podem-se seguir sentimentos agressivos em relação à pessoa perdida, desejos de
morte conscientes ou inconscientes. Esses sentimentos geram culpa, que é, em parte,
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reprimida, e que pode levar a atos inconscientes de autodestruição. A raiva em relação à
pessoa morta, pelo seu abandono, gera sentimentos ambivalentes de amor e ódio.
O morto ou o perdido é lembrado, chega-se a conversar com ele, a brigar, a suplicar.
Ele é tratado dentro da mente como se ainda, em parte, existisse. Aos poucos, porém
(e é só o tempo que cura o luto), essa imagem, esses pensamentos, vão se esvaindo,
e o indivíduo (antes tristonho, arredio, voltado para dentro de si) passa, lentamente,
a interessar-se pelo mundo, por outras pessoas, pela vida e após algumas semanas ou
meses ele retoma a vida normal. (CASSORLA, 1992, p. 52)
Para Bromberg et al. (1996, p. 104), “o luto é definido como uma crise, porque ocorre um
desequilíbrio entre a quantidade de ajustamento necessário de uma única vez e os recursos
imediatamente disponíveis para lidar com eles”. Sendo assim, o luto pode causar ideações
suicidas, o que tem a ver com uma crise configurada pelo desequilíbrio.
Muitas vezes, não se sabe se o suicida busca a morte ou outra forma de vida. A agressividade
do ato suicida é uma forma de vingança contra a sociedade que condena a prática:
“Evidentemente, sentir-se responsável pela morte de alguém pode levar a sentimentos de
culpa e necessidade de punição, por vezes intensos [...]. O luto, então, se complica, e as
necessidades de castigo podem conduzir a ideias suicidas” (CASSORLA, 1992, p. 54).
Em prol da culpa que os entes sobreviventes a uma perda sentem, encubam-se de ideias
imaginárias e consagradas para com os que morreram.
Quase todas as pessoas são transformadas em “ótimas e maravilhosas” após a morte,
como se os sobreviventes receassem uma vingança dos mortos, que agora não
podem combater. Muitas vezes os elogios são proporcionais à culpa sentida por
sentimentos negativos inconscientes em relação ao morto e pelo alívio
proporcionado por sua morte. (CASSORLA, 1992, p. 32)
O luto é, pois, uma demonstração sublime de tristeza e mágoa que afeta alguém.
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A depressão, a tristeza é a reação normal que temos frente a uma perda. A perda
pode ser mais variada: podemos perder um ente querido, que faleceu; podemos
perder um amigo que nos deixou ou nos decepcionou; podemos perder um emprego,
uma oportunidade. A perda pode ser de um objeto, de um encontro, de um amor, ou
de algo que não tínhamos, mas que desejávamos e agora sabemos que isso será
impossível. (CASSORLA, 1992, p. 51)
A morte é sempre uma realidade difícil de ser enfrentada. Para quem morre, o sofrimento
acaba; para quem fica, o sofrimento continua amplificado pela solidão – cruel pela ausência.
Quando ocorre a perda, principalmente se for brusca, essa ligação ou esse
investimento tem de se desfazer: isso trará sofrimento ao indivíduo, que não sabe o
que fazer com essa energia livre. É como se por muito tempo vivêssemos num
mundo constituído de uma forma determinada e de repente ele mudasse, e ficamos
desorientados. (CASSORLA, 1992, p. 52)
2.2 TIPOS DE SUICÍDIO E SUAS POSSÍVEIS CAUSAS
Enumeram-se alguns tipos de suicídio:
Suicídio Maníaco. O doente se mata para fugir de um perigo ou de uma vergonha
imaginários, ou para obedecer a uma ordem misteriosa provida de delírios e de
alucinações. Segundo Durkheim (2000), as ideias, os sentimentos mais diversos e até
mais contraditórios sucedem-se em velocidade extraordinária no espírito dos
maníacos. É um eterno turbilhão. Mal nasce um estado de consciência e já é
substituído por outro.
Um doente desse gênero, querendo dar fim a seus dias, jogara-se num rio de modo
geral pouco profundo. Estava procurando um local em que a submersão fosse
possível quando um guarda aduaneiro, suspeitando de suas intenções, aponta-lhe a
arma e ameaça atirar se ele não sair da água. Imediatamente, nosso homem volta
tranquilamente para casa, sem pensar mais em se matar. (DURKHEIM, 2000, p. 40)
16
Suicídio Obsessivo. Segundo Durkheim (2000), o suicídio obsessivo não é causado
por nenhum motivo, nem real nem imaginário, mas apenas pela ideia fixa da morte,
que, sem razão representável, apoderou-se imperiosamente do espírito do doente.
Como o indivíduo se dá conta do caráter absurdo de sua vontade, de início ele tenta
lutar. Mas, durante todo o tempo que dura essa resistência, ele fica triste, oprimido e
sente na cavidade epigástrica uma ansiedade que aumenta a cada dia. Por essa razão,
deu-se às vezes a esse gênero de suicídio o nome de suicídio ansioso. (DURKHEIM,
2000, p. 42)
Suicídio Impulsivo ou Automático. Está ligado às ideias delirantes do indivíduo.
Não tem nenhuma razão de ser, nem na realidade nem na imaginação do doente.
Mas, em vez de ser produzido por uma ideia fixa que persegue o espírito durante um
tempo mais ou menos longo e que só gradualmente se apodera da vontade, resulta de
um impulso brusco e imediatamente irresistível. (DURKHEIM, 2000, p. 43)
O suicídio impulsivo tende a alcançar seu objetivo por quaisquer meios que lhe sejam mais
fáceis e rápidos. Segundo Durkheim (2000, p. 43):
A propensão ao suicídio eclode e produz seus efeitos com um verdadeiro
automatismo, sem ser precedida por nenhum antecedente intelectual. A visão de
uma faca, o passeio à beira de um precipício, etc. fazem nascer instantaneamente a
idéia do suicídio e o ato se segue com tal rapidez que, muitas vezes, os doentes não
têm consciência do que aconteceu.
Suicídio altruísta. A sociedade moderna força a pessoa ser livre. Destaca ainda o valor
da personalidade individual, facilitando esse tipo de suicídio. Para Kovács (1992), no
“suicídio altruísta, o indivíduo perde a estima pública; motivos externos como a
desonra ou brigas podem levar à condenação”. Nesses casos, são comuns os suicídios
heroicos, através do qual o indivíduo vive uma espécie de impessoalidade; tem seus
princípios de conduta regidos de fora; e a renúncia passa a ser o resultado de um
adestramento prolongado.
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Suicídio Anômico. Segundo Kovács (1992), o suicídio anômico é uma desorganização
com as crises econômicas. Sem consciência do seu limite e do que necessita, o
indivíduo busca um parâmetro social. Quando a sociedade falha nesse aspecto, o
homem se sente desorientado. A anomia pode ser percebida também na vida familiar,
após divórcios e devido à incerteza, o que resulta em um estado de perturbação.
Suicídio egoísta. É um ato que se reveste de individualismo extremado. É o tipo de
suicídio que predomina nas sociedades modernas e é geralmente praticado por aqueles
indivíduos que não estão devidamente integrados à sociedade e geralmente se
encontram isolados dos grupos sociais.
O tipo de suicídio atualmente mais difundido e que mais contribui para aumentar o
número anual de mortes voluntárias é o suicídio egoísta. O que o caracteriza é um
estado de depressão e de apatia produzido por uma individuação exagerada. O
indivíduo já não tem apego á existência, porque não tem mais bastante apego ao
único intermediário que liga à realidade, isto é, a sociedade. Tendo um sentimento
muito vivo de si mesmo e de seu próprio valor, quer ser ele mesmo seu próprio fim
e, como tal objetivo não lhe pode bastar, arrasta, mergulhado em desânimo e tédio,
uma existência que lhe parece então desprovida de sentimento. (DURKHEIM, 2000,
p. 463)
Suicídio melancólico. Esse tipo de suicídio
está ligado a um estado geral de extrema depressão, de tristeza exagerada, que faz
com que o doente já não aprecie sadiamente as relações que tem com ele as pessoas
e as coisas que o cercam. Não sente nenhuma atração pelos prazeres; enxerga tudo
sombrio. A vida lhe parece aborrecida ou dolorosa. (DURKHEIM, 2000, p. 41)
Segundo a Psicologia, a excitação se altera com a depressão, podendo apresentar intervalos de
higidez mental. É também chamada ciclotimia, sendo uma depressão constitucional, uma
angústia que se encerra com o suicídio. Sabe-se que a depressão caracteriza o suicídio
melancólico, e que a maioria dos suicídios e tentativas dele ocorre em pacientes
diagnosticados com depressão. Segundo Fawcett et al. (1987 apud PRIETO; TAVARES,
2005, p. 150):
18
[...] a taxa de suicídio entre depressivos é maior do que entre outros grupos
diagnósticos psiquiátricos (3,5-4,5 vezes) e muito superiores à incidência na
população geral (22-36 vezes). [...] pacientes com distúrbio afetivo maior,
que cometem suicídio, mostram características clínicas significativamente
diferentes de pacientes com o mesmo diagnóstico que não tiram a própria
vida. Destacam-se, entre tais características, intensos sentimentos de
desesperança, perda da reatividade do humor e história de poucas amizades
na adolescência. Há evidências de que a população de pacientes deprimidos
que tenta suicídio teve poucos episódios anteriores de depressão maior
(menos de três episódios).
As tentativas de suicídio e o suicídio em si podem ocorrer também devido à melancolia, por
causa da perda, principalmente a conjugal, que pode levar o indivíduo ao luto do objeto
perdido e à depressão.
De acordo com Bromberg et al. (1996, p. 17) “a perda na melancolia pode ser uma perda da
vida, não é mais um objeto perdido que é chorado e sim a própria perda. Melancolia é a ação
da pulsão de morte”. Nesse contexto, a pulsão de morte leva o sujeito à autodestruição – caso
seja realmente mais forte que a pulsão de vida.
Na melancolia, encontram-se aflição e dor, perda do interesse pelo mundo e pelas coisas e
perda da capacidade de escolher um objeto novo.
Freud assinalou que na melancolia a sombra do objeto cai sobre o ego, isto é, o
sobrevivente se identifica com o morto. Não só com as facetas positivas (aliás, isso
ocorre mais no luto normal), mas também com as negativas, projetadas. Poderemos
ter, então, dentro da mente do indivíduo, identificados vivo e morto, uma entidade
má, raivosa, resultado dos sentimentos negativos, e a pessoa passa a sentir-se assim,
dominada e culpada. (CASSORLA, 1992, p. 55).
De acordo com Cassorla (1992, p. 55): “Na melancolia, comumente, não existe uma perda
real, visível ao observador. Trata-se sempre de perdas da infância precoce, que são revividas
inconscientemente, a partir ou não de um desencadeante externo”. O suicídio melancólico,
19
segundo o teórico, relaciona-se geralmente a um estado de extrema depressão, de exagerada
tristeza, que faz com que o doente já não sinta mais prazer pela vida.
Processo melancólico: parou de comer e de dormir, e só pensava na filha. Sentia-se
má, horrorosa, “uma bruxa” e foi definhando aos poucos. Achava que seu crime era
tamanho que devia morrer; pedia a morte e pensava em matar-se. Joana estava se
matando, não comendo e emagrecendo, e logo apareceu a tuberculose. Foi levada à
força ao médico, que a internou, e pude conhecê-la no hospital. Não queria ajuda e
chegou a tentar jogar-se pela janela. (CASSORLA, 1992, p. 57)
Relacionar melancolia à perda é uma importante orientação para a clínica de
desencadeamento. Cassorla (1992, p. 51) afirma que a maioria dos suicídios em pessoas com
quadros mentais ocorre na melancolia e outra porção quando o indivíduo está frente à ameaça
de desintegração psicótica.
No entanto, compreendendo melhor que o ato em que está pensando cometer é um
crime, renuncia a ele por algum tempo. Mas, depois de um ano, a tendência ao
suicídio volta com maior força e as tentativas se repetem a pequenos intervalos. (...)
Muitas vezes, a esse desespero geral vêm se sobrepor alucinações e idéias delirantes
que levam diretamente ao suicídio. (...) São fixas, como o estado geral de que
derivam. Os medos que assombram o indivíduo, as censuras que faz a si mesmo, as
mágoas que sente são sempre as mesmas. (DURKHEIM, 2000, p. 41)
Enfatiza novamente Durkheim (2000, p. 42):
Os doentes dessa categoria preparam com calma seus meios de execução; até
revelam, na perseguição de seu objetivo, uma perseverança e, ás vezes, uma astúcia
incrível. Nada se assemelha menos a essa persistência do que a perpétua
instabilidade do maníaco.
Para finalizar, cita-se Cassorla (1992, p. 55):
Poderemos ter, então, dentro da mente do indivíduo, identificados vivo e morto, uma
entidade má, raivosa, resultado de sentimentos negativos, e a pessoa passa a sentirse assim, dominada e culpada. Essa evidência pode ser muito intensa, muito
persecutória, impedindo a vida do sobrevivente que se sente mal, com o ódio e com
20
muita culpa. A idéia de suicídio pode surgir como uma maneira de livrar-se dessa
vivência, de matar esse objeto dentro de si.
No que diz respeito às possíveis causas do suicídio, inicia-se a discussão com as palavras de
Garma (1973 apud KOVÁCS, 1992), o qual levantou hipóteses psicanalíticas para a
explicação do suicídio. Esse autor acredita ser o suicídio uma deformação masoquista da
personalidade. “Quando ocorre a perda do objeto, o suicídio aparece como possibilidade de
reencontro com ele”. Dessa forma, o suicídio representa: possibilidade de se livrar de
conflitos; busca de uma vida que não se tinha antes; fantasia de reencontro com outras
pessoas; busca de um elemento de beleza na morte; fuga de uma situação intolerável; busca de
uma união sexual, amorosa; busca de uma perfeição narcísica; satisfação de tendências
masoquistas, com auto castigos; satisfação instintiva.
Garma também acredita que, em alguns casos, o suicídio pode ser uma reação maníaca, sendo
que o ideal de ego se confunde com o próprio ego e ocorre uma submissão ao superego, que
exige sofrimento e renúncia. O prazer está ligado à autodestruição. Já o ficar sem dormir, sem
comer e arriscando a vida, significa atingir o ideal, almejado pelo sujeito.
A taxa mundial de suicídio, segundo dados da OMS (2000a apud PIETRO; TAVARES, 2005,
p. 147):
É estimada em torno de 16 por 100 mil habitantes, com variações conforme sexo,
idade e país. Estima-se que as tentativas de suicídio sejam 20 vezes mais frequentes
do que os suicídios consumados. Observou-se um aumento de 60% dos índices de
suicídio nas últimas cinco décadas, considerando-se os dados do mundo inteiro. A
morte por suicídio passou a ocupar a terceira posição entre as causas mais freqüentes
de falecimento na população de 15 a 44 anos de idade em alguns países. O grupo de
maior risco, tradicionalmente, é o idoso do sexo masculino. Contudo, os índices de
suicídio têm aumentado entre pessoas jovens. Atualmente, os jovens representam o
grupo de maior risco em 30 países.
De acordo com Prieto e Tavares (2005), as pesquisas, principalmente com adolescentes e com
jovens, que focalizam a presença de fatores estressores na história de vida de pessoas, as quais
21
tentam ou cometem suicídio, são convergentes em apontar uma elevada incidência de
experiências adversas durante o desenvolvimento emocional.
Prieto (2002 apud PIETRO; TAVARES, 2005) realizou estudos de casos clínicos de
adolescentes e jovens com história de tentativa de suicídio e detectou a elevada importância
dos eventos estressores na história de desenvolvimento desses indivíduos. As experiências
estressoras se caracterizavam por uma infância marcada pela presença de indicadores de
negligência emocional, violência física, violência verbal e violência sexual intrafamiliar. Os
eventos que assumiram a função de desencadeadores das tentativas foram conflitos relacionais
graves e separações recentes.
2.3 FANTASIAS
Uma fantasia evidente, presente no suicida, é a crença de pós-vida, ou seja, da vida que
poderá encontrar após o suicídio, e que pode ser melhor do que a atual. Exemplo disso são os
homens-bomba, citados anteriormente.
É clara a importância da visão do pós-vida no fenômeno do suicídio. Se por um
lado, existe a fuga do desespero, a agressão ao outro, a obediência a valores culturais
e outras motivações, por outro existe a atração das crenças do que está do lado de lá
do que vem depois, do pós-vida. (BROMBERG, 1996, p. 84)
Cassorla (1991 apud BROMBERG, 1996, p. 85), distinguem-se as fantasias inconscientes que
o suicida pode apresentar, tais como:
[...] em três grandes grupos: 1) uma vida cheia de paz, onde são reencontrados os
entes queridos que já morreram; 2) agressão e vingança contra inimigos reais e
imaginários, com a possibilidade no pós-morte de ver como ficaram as pessoas vivas
e 3) a própria punição por sentimentos de culpa, provocados por sentimentos,
pensamentos ou ações proibidos pela moral aceita pelo suicida. O autor fala também
dos suicídios heróicos e religiosos em defesa do país ou da fé, pra os quais a crença
é de que existiram recompensas e prêmios após a vida. (p. 85)
22
Para Cassorla (1992, p. 67-68), a pessoa se mata, porque deseja outra forma de vida,
fantasiada, na terra ou em outro mundo; mas na verdade, essa outra forma de vida está em sua
mente. Nessa outra vida, ela encontra amor ou proteção, vinga-se dos inimigos, pune-se por
seus pecados ou reencontra pessoas. Existirão, portanto, tantas fantasias ou tantos complexos
de fantasias suicidas quanto de pessoas que assim agem ou pensam. “Subjacente ao ato
suicida existe a fantasia de outra vida, de um paraíso, de encontro com Deus, de outro mundo
cheio de riquezas, ou delícias, de reencontro com pessoas queridas que morreram. [...] Essas
fantasias todas são, quase sempre, inconscientes”.
O suicídio e o comportamento suicida sempre existiram. O que muda ao longo de diferentes
épocas é a forma como esse ato é encarado. Em alguns países e culturas, ele pode ser tolerado
e, em outros, condenados pela lei ou pela religião. Já em outras culturas, pode ser aceito. Mas
o importante a ser lembrado é que o ato de se matar pode estar ligado ao transtorno que o
indivíduo possa ter, tal como depressão, delírios, obsessão e psicose. E também à inabilidade
do indivíduo de lidar com perdas significativas ou situações de crise, fantasias da pós-morte e
fanatismos religiosos. Sendo assim, o ato suicida não deve ser simplesmente condenado, mas
compreendido. Através do peso da descrição de morrer, pode estar a interpretação de eventos
capaz de justificar esse ato extremo.
23
3 TRANSTORNOS DE HUMOR
Os sintomas depressivos no Episódio Depressivo Grave, associados a outros transtornos
psicológicos, favorecem o aumento do risco de suicídio, pois o mesmo é maior em pacientes
com transtorno depressivo. Transtornos de humor, como os episódios depressivos; transtorno
bipolar e persistente têm sido indícios agravantes para o suicídio.
A depressão pode ser considerada como um dos mais prevalentes dos transtornos, atingindo
uma parcela significativa da população mundial. De acordo com a Organização Mundial de
Saúde (OMS, 2001, p. 14, 27, 53 apud BAPTISTA, 2004, p.65 ),
[...] 450 milhões de pessoas atualmente, em todo o mundo, sofrem de algum tipo de
transtorno mental, neurobiológico ou problemas psicossociais. A depressão grave
enquanto transtorno mental, ocupa o status da principal causa de incapacitação,
respondendo por 12% do total de afastamentos de atividades profissionais e
educacionais, 12% são em detrimento de diagnóstico de depressão, provocando um
impacto econômico muito grande nas sociedades.
Por ser considerado um transtorno de etiologia multifatorial, a depressão apresenta diversas
variáveis, responsáveis pelo seu início e seu desenvolvimento. Dentre os grupos de variáveis
consideradas como fundamentais na depressão, encontram-se: as variáveis biológicas, tais
como fatores endocrinológicos e influências genéticas, evolução, estrutura e química do
cérebro; variáveis psicológicas, como, por exemplo: os estressores durante a vida, os traumas,
o desamparo adquirido, a forma como o indivíduo percebe o mundo e sua maneira de resolver
os problemas, as memórias; e as variáveis socioculturais, ou seja, os papéis sociais, as
expectativas, a definição de normalidade pela cultura, a estrutura e o suporte familiar pela
cultura, a estrutura e suporte familiar e social, dentre outras. (WEISSMAN; OLFSON, 1995;
MYERS, 1999 apud BAPTISTA, 2004)
Existem fatores de risco que levam o indivíduo à depressão. Baptista (1999a apud
BAPTISTA, 2004), através de levantamento bibliográfico, aponta alguns dos prováveis
24
fatores, como sendo: histórico de depressão, ser mulher, viver em uma família disfuncional,
baixa educação dos pais, grande número de eventos estressantes, pouco suporte social, baixa
autoestima, baixa competência intelectual tanto para mulher quanto para o homem, problemas
de saúde, técnicas de enfrentamento das situações reduzidas, excessiva interdependência
pessoal, morte prematura de um dos pais, fatores genéticos, superproteção familiar na infância
etc.
Segundo o Código Internacional de Doenças (CID-10, 1993), sintomas como alteração da
vida social e sofrimento (este último, como: sentir-se triste, durante a maior parte do dia;
perder o prazer ou o interesse em atividades rotineiras; desesperança; diminuição ou queda
total da libido; perder peso ou ganhar peso; dormir demais ou de menos; irritabilidade; sentirse cansado e sem energia; sentir-se inútil, culpado, sendo um peso na vida dos familiares;
ansiedade alta; dificuldade de concentração e de memória; ter pensamentos frequentes de
morte e suicídio) são utilizados para caracterizar uma depressão. Ressalta-se, no entanto, que
tais sintomas devem estar presentes por duas ou mais semanas no indivíduo. Eles são
importantíssimos para servir de alerta à família. Quando detectados no início, as chances de
recuperação do indivíduo com ideações suicidas são enormes, sendo ainda mais eficazes
quando existe o acompanhamento de um psicólogo ou de um profissional da saúde.
Para Seligma (1997, p. 73, 87 apud BAPTISTA, 2004, p. 35): “Poucos distúrbios psicológicos
são tão corrosivos e provocam tamanho sofrimento como a depressão grave”. Geralmente,
mais de um transtorno é detectado entre as pessoas que tentam suicídio. Depressões
moderadas e graves, com ou sem sintomas psicóticos, em caso de transtorno afetivo bipolar
ou com presença de risco de suicídio importante, devem ser tratadas com o auxílio do
psicólogo, de preferência com a equipe multiprofissional, viabilizando a associação de
psicoterapia, terapia ocupacional, serviço de hospitalidade diurna e até noturna (dependendo
do caso).
25
3.1 EPISÓDIO DEPRESSIVO
O episódio depressivo pode ser diferenciado entre leve, moderado ou grave, dependendo da
particularidade de cada caso. Ele corresponde apenas a uma questão da intensidade com a
qual se apresentam os episódios, e como os mesmos evidenciam essas situações.
De acordo com o Código Internacional de Doenças (CID-10, 1993), para caracterizar um
episódio depressivo leve, o indivíduo deve apresentar, no mínimo, quatro destes sintomas:
humor rebaixado, perda de interesse e prazer, fatigabilidade, concentração e atenção
reduzidas, autoestima e autoconfiança diminuídas, ideias de culpa e inutilidade, apetite
minimizado, sono perturbado; todos devem se fazer presentes por, no mínimo, duas semanas.
Em um episódio depressivo moderado, o indivíduo apresenta três ou quatro dos sintomas
anteriores, porém tem dificuldades consideráveis em continuar as atividades sociais,
laborativas ou domésticas. Já no episódio depressivo grave, a pessoa apresenta sintomas, tais
como angústia e agitação, perda de autoestima e sentimentos de inutilidade ou culpa (podendo
estar presente em todos os níveis de episódios depressivos). Eles são proeminentes e o
suicídio é um perigo marcante nos casos particularmente graves. Quanto mais elevado os
episódios depressivos, mais graves os sintomas, e mais difícil se continuar a vida e as
atividades rotineiras.
Segundo a 10ª Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados com a Saúde (1993), entre as descrições clínicas de episódios depressivos,
situados no Código Internacional de Doenças, são caracterizados vários tipos de episódios
depressivos, como o episódio depressivo leve, episódio depressivo moderado, episódio
depressivo grave com e sem sintomas psicóticos, episódio depressivo recorrente, incluindo
transtorno bipolar, transtorno persistente de humor, ciclotimia e distimia. Observa-se:
O indivíduo usualmente sofre de humor reprimido, perda de interesse e prazer e
energia reduzida levando a uma fatigabilidade aumentada e atividade diminuída.
Cansaço marcante após esforços apenas leves é comum. Outros sintomas comuns
são: concentração e atenção reduzidas; autoestima e autoconfiança reduzidas; idéias
de culpa e inutilidade (mesmo em um tipo leve de episódio); visões desoladas e
26
pessimistas do futuro; ideias ou atos autolesivos ou suicídio; sono perturbado;
apetite diminuído.
O episódio depressivo leve é caracterizado por sintomas como humor reprimido e perda de
interesse; por isso, a dificuldade em se realizar as atividades rotineiras (por exemplo, levar a
criança à escola, ir para o trabalho). No CID-10 (1993), encontra-se no F32. Apesar de a
presença de tais sintomas, o paciente provavelmente será capaz de desempenhar a maior parte
das atividades.
Um indivíduo com um episódio depressivo leve está usualmente angustiado pelos
sintomas e tem alguma dificuldade em continuar com o trabalho do dia-a-dia e as
atividades sociais, mas provavelmente não irá parar suas funções completamente.
(CID-10, 1993, p. 119)
No episódio depressivo moderado, geralmente, estão presentes os sintomas do episódio
depressivo leve, seguido de muita dificuldade para continuar a desempenhar as atividades de
rotina. O indivíduo possui um quadro de humor deprimido, perda de interesse, falta de energia
e apresenta dificuldade em executar suas funções. Está classificado, no CID-10 (1993), como
F.32.1, no qual “um indivíduo com episódio depressivo, moderadamente grave, usualmente
terá dificuldade considerável em continuar com atividades sociais, e laborativas ou
domésticas”.
O episódio depressivo grave se encontra no F32.2 e é caracterizado como aquele em que
[...] o paciente usualmente apresenta angústia ou agitação considerável, a menos que
retardo seja um aspecto marcante. Perda de autoestima ou sentimentos de inutilidade
ou culpa, provavelmente, são proeminentes e o suicídio é um perigo marcante nos
casos particularmente graves. Presume-se aqui, que a síndrome somática estará
quase sempre presente em um episódio depressivo grave. (CID-10, 1993, p. 120121)
Nos anos 1960, os cérebros de vítimas de suicídio passaram a ser estudados como um método
para se compreender a depressão. Acreditava-se que a maior parte das pessoas que cometiam
27
suicídio sofria de transtorno depressivo maior (MANN; ARANGO, 1992 apud BAPTISTA,
2004, p. 85). Embora sejam observadas variações nos dados epidemiológicos de suicídio entre
pacientes deprimidos, estima-se que entre 10% e 30% dos indivíduos com depressão
apresentam comportamento suicida durante a vida (BALDES; SARINI, 1996; GUIMARÃES,
1999 apud BAPTISTA, 2004, p. 85). Essa taxa atinge a casa dos 80% quando são
consideradas as ideações suicidas. (MOORE; BONA, 2001 apud BAPTISTA, 2004, p. 85)
O episódio depressivo grave com sintomas psicóticos corresponde à descrição de um episódio
depressivo grave (F32.2), acompanhado de alucinações, ideias delirantes, lentidão
psicomotora, seguido da impossibilidade de execução das atividades rotineiras. É enorme o
risco de suicídio e desidratação. No CID-10 (1993), é classificado como F.32.3, caracterizado
por:
Delírios, alucinações ou estupor depressivo [...]. Os delírios usualmente envolvem
ideias de pecado, pobreza, ou desastres iminentes, pelos quais o paciente pode
assumir a responsabilidade. Alucinações auditivas ou olfativas são usualmente de
vozes difamatórias ou acusativas, ou de sujeira apodrecida ou carne em
decomposição. (CID-10, 1993, p. 121)
O Transtorno Depressivo Recorrente se caracteriza pela ocorrência repetida de episódios
depressivos. O primeiro episódio pode ocorrer em qualquer idade, mesmo na infância,
podendo durar semanas ou alguns meses. Segundo o CID-10 (1993): “A idade de início e a
gravidade, duração e frequência dos episódios de depressão são todas altamente variáveis”.
O transtorno é caracterizado por episódios repetidos de depressão, como
especificada em episódio depressivo [leve (F.32.1) ou grave (F.32 e F32. 3)] sem
qualquer história de episódios independentes de elevação do humor e hiperatividade
que preencham os critérios para mania (F.30.1 e F.30.2). (CID-10, 1993, p. 122)
O Transtorno Bipolar é caracterizado pela variação extrema do humor entre uma fase maníaca
e outra hipomaníaca; ora hiperatividade e vasta imaginação, ora fase de depressão, com
lentidão para realizar atividades e para expressar ideias; ansiedade; e tristeza.
28
Esse transtorno é caracterizado por episódios depressivos repetidos (isto é, pelo
menos dois) nos quais o humor e os níveis de atividade do paciente estão
significativamente perturbados; esta alteração consiste em algumas ocasiões de uma
elevação do humor e aumento de energia e atividade (mania ou hipomania) e em
outras de um rebaixamento do humor e diminuição de energia e atividade
(depressão). (CID-10, 1993, p. 114)
O Transtorno Persistente de Humor, segundo o CID-10 (1993), são transtornos habitualmente
flutuantes, nos quais os episódios individuais não são suficientemente graves para justificar
um diagnóstico de episódio maníaco ou de episódio depressivo leve. Podem durar por anos, e,
por vezes, durante a maior parte da vida adulta do paciente. Dentre os Transtornos de Humor
Persistente estão incluídas a Ciclotimia e Distimia.
A instabilidade do humor é o que caracteriza a Ciclotimia. Ela é marcada por períodos de
depressão e de euforia. Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
(DSM-IV, 2000), o indivíduo com essa doença pode experimentar lapsos de euforia, ter
aumento de energia e dormir menos. Isso normalmente é seguido por uma fase de depressão,
em que pensamentos de negatividade e tristeza advêm sem nenhuma razão. A dificuldade em
lidar com os lapsos e as alternações de humor dificulta a vida do paciente. O maior tempo em
que ele está livre dos sintomas dura aproximadamente dois meses. Tais sintomas causam
significantes problemas no trabalho, na vida social ou privada. No CID-10 (1993, p. 126-127),
a Ciclotimia é caracterizada como:
Uma instabilidade persistente de humor, envolvendo numerosos períodos de
depressão e elação leves. Essa instabilidade usualmente se desenvolve no início da
vida adulta e segue um curso crônico, embora às vezes o humor possa ser normal e
estável por meses. As oscilações do humor são usualmente percebidas pelo
indivíduo como não relacionadas a eventos de vida.
Na Distimia, por sua vez, o aspecto essencial é uma depressão de humor muito duradoura,
ocorrendo de forma crônica, com a persistência de tristeza por, no mínimo, dois anos, o que
prevalece na maior parte do dia. A Distimia pode deixar o indivíduo com a sensação de que
29
esse é o seu jeito normal de ser, com dizeres como "sempre fui desse jeito”. Segundo o CID10 (1993, p. 128):
Os pacientes usualmente têm períodos de dias ou semanas quando descrevem a si
mesmos como estando bem, mas na maior parte do tempo (com frequência por
meses) sentem-se cansados e deprimidos; tudo é um esforço e nada é desfrutável.
Eles se preocupam e se queixam, dormem mal e sentem-se inadequados, mas são
usualmente capazes de lidar com as exigências básicas do dia-a-dia. A distimia,
portanto, tem muito em comum com os conceitos de neurose depressiva e depressão
neurótica.
Observa-se que os transtornos de humor são evidentes quando se trata de suicídio,
principalmente a depressão, que assola todo o mundo como uma pandemia desde meados do
século passado. Fawcett et al. (1987 apud PIETRO; TAVARES, 2005, p. 150) ressaltam que:
[...] a taxa de suicídio entre depressivos é maior do que entre outros grupos
diagnósticos psiquiátricos (3,5-4,5 vezes) e muito superiores à incidência na
população geral (22-36 vezes). Os autores afirmam que pacientes com
distúrbio afetivo maior que cometem suicídio mostram características clínicas
significativamente diferentes de pacientes com o mesmo diagnóstico que não
tiram a própria vida. Destacam-se, entre tais características, intensos
sentimentos de desesperança, perda da reatividade do humor e história de
poucas amizades na adolescência. Há evidências de que a população de
pacientes deprimidos que tenta suicídio teve poucos episódios anteriores de
depressão maior (menos de três episódios).
Nota-se que a morte por suicídio passou a ocupar a terceira posição entre as causas mais
frequentes de falecimento na população de 15 a 44 anos de idade, em alguns países, como no
Japão e nos países da Europa. O grupo de maior risco, tradicionalmente, é o idoso do sexo
masculino. Contudo, os índices de suicídio têm aumentado entre pessoas jovens. Atualmente,
os jovens representam o grupo de maior risco em 30 países. (OMS, 2000 apud PIETRO;
TAVARES, 2005)
O DSM-IV (2000), na seção relativa aos Transtornos do Humor, inclui aqueles transtornos
que têm como propriedade predominante uma perturbação de humor, sendo de grande
interesse o Transtorno Depressivo Maior. O episódio depressivo maior apresenta como
características do episódio as citadas a seguir:
30
A característica essencial de um Episódio Depressivo Maior é um período mínimo
de duas semanas, durante as quais há um humor deprimido ou perda de interesse ou
prazer por quase todas as atividades. Em crianças e adolescentes, o humor pode ser
irritável ao invés de triste. O indivíduo também deve experimentar pelo menos
quatro sintomas adicionais, extraídos de uma lista que inclui: alterações no apetite
ou peso, no sono e atividade psicomotora; diminuição da energia; sentimentos de
desvalia ou culpa; dificuldade para pensar, concentrar-se ou tomar decisões, ou
pensamentos recorrentes sobre morte ou ideação suicida, planos ou tentativas de
suicídio. (DSM-IV, 2000, p. 306)
Um diagnóstico de Episódio Depressivo Maior não é feito se os sintomas satisfazem
os critérios para um Episódio Misto (Critério B). Um episódio Misto é caracterizado
pela ocorrência de sintomas de um Episódio Maníaco e de um Episódio Depressivo
Maior, quase todos os dias por pelo menos uma semana. (DSM-IV, 2000, p. 308)
O grau de prejuízo associado com um Episódio Depressivo Maior varia, mas mesmo
nos casos leves deve haver um sofrimento clinicamente significativo ou alguma
interferência no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes
(Critérios B). Se o prejuízo é severo, a pessoa pode perder a capacidade de funcionar
social ou profissionalmente. Em casos extremos, pode haver incapacidade de exercer
os mínimos cuidados pessoais (por ex., alimentar-se ou vestir-se) ou de manter uma
higiene pessoal mínima. (DSM-IV, 2000, p. 308)
De acordo com o DSM-IV (2000, p. 325), as características descritivas são:
O Transtorno Depressivo Maior está associado com uma alta mortalidade. Os
indivíduos com Transtorno Depressivo Maior severo que morrem por suicídio
chegam a 15%. Evidências epidemiológicas também sugerem que o índice de
mortalidade em indivíduos com mais de 55 anos com Transtorno Depressivo Maior
pode ser maior. Os indivíduos vistos em contextos médicos gerais, aqueles com
Transtorno Depressivo Maior têm mais dor e doença física e uma redução do
funcionamento físico, social e de papéis.
O curso do Transtorno Depressivo Maior se apresenta, em conformidade com o DSM-IV
(2000, p. 326), da seguinte maneira:
O Transtorno Depressivo Maior pode começar em qualquer idade, situando-se uma
média em torno dos 25 anos. Dados epidemiológicos sugerem que a idade de início
está abaixando para aqueles nascidos mais recentemente. O curso do Transtorno
Depressivo Maior, Recorrente, é uma variável. Alguns indivíduos têm episódios
isolados, separados por muitos anos sem quaisquer sintomas depressivos, enquanto
outros têm agrupamentos de episódios e outros, ainda, têm episódios
progressivamente frequentes à medida que envelhecem. Algumas evidências sugerem
31
que os períodos de remissão em geral duram mais tempo no curso inicial do
transtorno.
[...]
Os episódios de Transtorno Depressivo Maior frequentemente se seguem a um
estressor psicossocial severo, como a morte de um ente querido ou divórcio. Os
estudos sugerem que eventos psicossociais (estressores) podem exercer um papel mais
significativo na precipitação do primeiro ou segundo episódio de Transtorno
Depressivo Maior e ter um papel menor no inicio de episódios subsequentes.
Condições médicas gerais crônicas e Dependência de Substância (particularmente de
Álcool ou Cocaína) podem contribuir para o início ou exacerbação do Transtorno
Depressivo Maior.
Os critérios para 296.2x Transtorno Depressivo Maior, Episódio Único, são:
A. Presença de um único Episódio Depressivo Maior.
B. O Episódio Depressivo Maior não é melhor explicado por um Transtorno
Esquizoafetivo nem está sobreposto a Esquizofrenia, Transtorno
Esquizofreniforme, Transtorno Delirante ou Transtorno Psicótico sem outra
Especificação.
C.
Jamais houve um Episódio Maníaco, um Episódio Misto ou um Episódio
Hipomaníaco. (DSM-IV, 2000, p. 328)
Segundo o DSM-IV (2000, p. 328), os critérios para 296.3x Transtorno Depressivo Maior,
Recorrente, são:
A. Presença de dois ou mais Episódios Depressivos Maiores.
B. Os Episódios Depressivos Maiores não são melhor explicados por Transtorno
Esquizoafetivo nem está sobreposto a Esquizofrenia, Transtorno
Esquizofreniforme, Transtorno Delirante ou Transtorno Psicótico Sem Outra
Especificação.
C. Jamais houve um Episódio Maníaco, um Episódio Misto ou um Episódio
Hipomaníaco.
Os especificadores de Gravidade/Psicótico/de Remissão, aplicados ao Episódio Depressivo
Maior, para DSM-IV (2000, p. 360), são:
32
.x1-Leve: Poucos sintomas (se existem) excedendo aqueles exigidos para o
diagnóstico, e os sintomas resultam apenas em pequeno prejuízo no funcionamento
ocupacional, em atividades sociais habituais ou relacionamento com outros.
.x2-Moderado: Sintomas de prejuízo funcional entre “leve” e “severo”.
.x3-Severo Sem Aspectos Psicóticos: Diversos sintomas excedendo aqueles
necessários para fazer o diagnóstico e os sintomas que interferem acentuadamente
no funcionamento ocupacional, em atividades habituais ou relacionamentos com
outros.
.x4-Severo com Aspectos Psicóticos: Delírios ou alucinações. Se possível,
especificar se os aspectos psicóticos são congruentes ou incongruentes com o
humor.
Aspectos Psicóticos Congruentes com o Humor: Delírios ou alucinações cujo
conteúdo é inteiramente coerente com os temas depressivos típicos de inadequação
pessoal, culpa, doença, morte, niilismo ou punição merecida.
Aspectos Psicóticos Incongruentes com o Humor: Delírios ou alucinações cujo
conteúdo não envolve os temas depressivos típicos de inadequação pessoal, culpa,
doença, morte, niilismo ou punição merecida. Estão incluídos sintomas tais como
delírios persecutórios (não diretamente relacionados aos temas depressivos),
inserção de pensamentos, irradiação de pensamentos e delírios de controle.
.x5-Em Remissão Parcial: Presença de sintomas de um Episódio Depressivo Maior,
porém não são satisfeitos todos os critérios ou existe um período sem quaisquer
sintomas significativos de Episódio Depressivo Maior que dura menos de dois
meses após o término de um Episódio Depressivo Maior. (Se o Episódio Depressivo
Maior esteve sobreposto a um Transtorno Distímico, o diagnóstico isolado de
Transtorno Distímico é dado apenas quando não mais são satisfeitos todos os
critérios para um Episodio Depressivo Maior).
.x6-Em Remissão Completa: Durante os últimos dois meses, ausência de sinais ou
sintomas significativos da perturbação.
.x0-Inespecificado.
Sendo possível também aplicar ao Episódio Depressivo Maior os especificadores com
Características Catatônicas, com Características Melancólicas, com Características Atípicas,
com início no Pós-Parto. Porém, é maior o interesse sobre o Episódio Depressivo Maior com
Características Melancólicas, apresentado abaixo:
A característica essencial de um Episódio Depressivo Maior, Com Características
Melancólicas, é a perda de interesses ou prazer por todas ou quase todas as
atividades ou falta de reatividade a estímulos habitualmente agradáveis. O humor
depressivo do indivíduo não melhora, mesmo temporariamente, quando alguma
coisa boa coisa acontece (Critério A). Além disso, pelo menos três dos seguintes
sintomas estão presentes: uma qualidade distinta de humor depressivo, depressão
regularmente pior pela manhã, despertar muito cedo pela manhã, retardo ou agitação
psicomotora, anorexia ou perda de peso significativa, ou culpa excessiva ou
inadequada (Critério B). (DSM-IV, 2000, p. 365)
33
3.2 EPISÓDIO DEPRESSIVO GRAVE E MELANCOLIA
Segundo Greenberg, Stiglin e Finkelstein (1993a); Murray e Lopez (1996); Pincus e Pettit
(2001) (apud MATOS, 2006), a depressão vem sendo considerada uma epidemia, devido ao
aumento do número de casos em todo o mundo. Apesar disso, na maioria das vezes, o
transtorno depressivo não é diagnosticado, comprometendo a qualidade de vida dos pacientes
em função da cronicidade do quadro.
Na melancolia, estado que hoje se denomina depressão, Freud (1996 apud BAPTISTA, 2004)
distinguiu os seguintes aspectos: desânimo profundo, cessação do interesse para o mundo
externo, perda da capacidade de amar, inibição de toda atividade e diminuição dos
sentimentos de autoestima. Um componente constitucional deve contribuir para a formação
dos sintomas, porque as mesmas causas podem produzir luto em alguns indivíduos e, em
outros, melancolia. Nessa última, a pessoa tenta anular a perda, mas a agrava pela introjeção,
que é o mecanismo psíquico usado para instalar o objeto dentro de seu próprio ego.
Entretanto, ao perder o objeto amado, o sujeito pode estar consciente de quem ele perdeu, mas
não tem notícia do que ele perdeu. Segundo Klein, (1947 apud MATOS, 2006), o quadro da
depressão melancólica vem acompanhado por ideação de suicídio, pelas idéias de culpa e de
ruína, e pelas distorções senso-perceptivas-corporais da realidade externa. A incorporação e a
introjeção são os protótipos da identificação, que ocorrem no quadro, e são vividas como uma
ação corporal de ingerir, devorar e guardar dentro de si. Para Matos (2006, p. 178):
[...] Na depressão melancólica o paciente não reage aos estímulos positivos que
procedem do meio externo. Ao contrário, há uma tendência da piora do quadro pelo
desenvolvimento ou agravamento subsequente de ideias de culpa e de ruína. Na
prática clínica, observa–se que o paciente sofre e se sente desmoralizado por não
poder corresponder à expectativa dos parentes e amigos, que o estimulam a reagir.
Isso faz aumentar, nele, a certeza de não merecer o amor dessas pessoas, bem como
do afastamento e da perda desses objetos. A convicção que se abate é de tal ordem
que podem surgir ideias delirantes. O isolamento do paciente e a sua
impermeabilidade, ao meio externo, se solidificam e as manifestações de carinho e
apreço não mais o atingem, culminando por dirimir qualquer esperança de vida. Os
profissionais envolvidos no tratamento experimentam um difícil sentimento de
impotência frente ao quadro.
34
As tentativas de suicídio e o suicídio podem ocorrer também devido à melancolia por causa da
perda, principalmente a conjugal, que leva o indivíduo ao luto do objeto perdido e à
depressão.
Melancolia ou depressão grave ocorrem em pessoas com uma disposição patológica,
quando os mesmos sintomas do luto normal vêm acompanhados de um
rebaixamento da autoestima, com auto recriminação e expectativas de punição. Nem
sempre é claro aquilo que foi perdido, pode não ter havido uma morte concreta.
Ocorre, segundo Freud, um empobrecimento do Ego, que se torna vazio, desprezível
com necessidade de ser castigado. Parece, neste caso, que o prazer é derivado da
situação de sofrimento. Há sentimentos ambivalentes e muita culpa. O ódio que
deveria ser dirigido ao outro que abandonou, volta-se para dentro, num caso mais
extremo há o suicídio, quando o indivíduo, ao tentar destruir esta parte negativa,
destrói o todo. (BROMBERG et al., 1996, p. 16-17)
Está ligado a um estado geral de extrema depressão, de tristeza exagerada, que faz
com que o doente já não aprecie sadiamente as relações que tem com ele as pessoas
e as coisas que o cercam. Não sente nenhuma atração pelos prazeres; enxerga tudo
sombrio. A vida lhe parece aborrecida ou dolorosa. (DURKHEIM, 2000, p. 41)
O doente se mata para fugir de um perigo ou de uma vergonha imaginários, ou para obedecer
a uma ordem misteriosa que recebeu de cima, etc.
Segundo Freud (1996 apud BAPTISTA, 2004), o rebaixamento da autoestima é uma condição
exclusiva da melancolia. Tal fato se dá como consequência do movimento da libido,
anteriormente ligada ao objeto perdido, mas que, por um processo semelhante, perde sua
mobilidade e, em vez de investir em outros objetos, é transformado em identificação com o
objeto perdido. O que se observa, então, é que as auto-injúrias e os auto-ataques são, na
realidade, dirigidos ao objeto, que desaba sobre o ego como uma sombra. O suicida então não
estaria matando-se; seu alvo seria outro objeto que, por estar introjetado e identificado em seu
próprio ego, teria suas ações destrutivas voltadas para ele mesmo.
35
Os pacientes melancólicos se comportam como se, de fato, fossem os objetos de investimento
perdidos. Com isso, o ego passa a ser sentido como um objeto mau, tornando-se uma vítima
do superego. (JACOBSON, 1971 apud BAPTISTA, 2004)
As crenças irracionais e as atitudes disfuncionais, relacionadas aos aspectos depressivos e
suicidas, aumentam a possibilidade de suicídio, já que pacientes depressivos e suicidas
tenderiam a distorcer a realidade, de acordo com as falhas cognitivas. (MARIS, 2002 apud
BAPTISTA, 2004)
Nesse contexto, a melancolia é um transtorno psicológico em que o indivíduo perde o desejo
de viver. Manifestando-se de várias formas, é um estado de depressão sem causa definida, em
que o indivíduo apresenta muita ambivalência em relação ao objeto, amando-o e odiando-o
simultaneamente. Pessoas tomadas pela melancolia falam de si próprias como sendo inúteis,
incapazes de fazer algo bom, tanto para elas quanto para o outro. Sendo caracterizado um
transtorno psíquico muito sério, a melancolia deve ser tratada com bastante cuidado e cautela.
36
4 AUTÓPSIA PSICOLÓGICA EM CASOS DE SUICÍDIO
A partir da organização de informações obtidas pela autópsia psicológica, serão apresentados,
a seguir, dois casos ilustrativos de pessoas que cometeram suicídio. Trata-se de casos reais;
por isso, a importância da autópsia psicológica na pesquisa de sintomas que sinalizam o
suicídio, para que se possa identificar e avaliar indivíduos que também correm risco de se
matar. A entrevista semi-estruturada é um meio de compreensão do contexto de risco de
suicídio.
Segundo Halm e Marks et al. (apud RODRIGUES, 2009), a técnica e a investigação usadas
neste capítulo serão o método retrospectivo ou autópsia psicológica. Nele, serão enumerados
dados acerca das variadas formas de suicídio, o que possibilita compreender os fatores
estatisticamente ligados à depressão grave. É de fundamental relevância levantar a história
atual e pregressa dos comportamentos suicidas, incluindo ideações, atuações autodestrutivas e
aspectos correlacionados.
Tavares (2000a apud RODRIGUES, 2009), coloca que um dos instrumentos mais usados
pelos profissionais de saúde é a entrevista clínica, a qual favorece, de forma ampla,
informações sobre tentativas de suicídio e sobre seus riscos, permitindo uma análise da
presença e da associação de fatores de risco e proteção ao suicídio.
De acordo com Cunha (2000), a autópsia psicológica foi desenvolvida, no final da década de
1950, nos Estados Unidos, no Centro de Prevenção de Suicídio (CPS). O programa visava
prevenir futuramente o comportamento suicida, utilizando o método de autópsia psicológica, e
estabelecer a intencionalidade de sua ação, esclarecendo as causas da morte. Assim, a
avaliação retrospectiva pode ser eficaz, pois:
Esta análise retrospectiva tem possibilitado identificar comunicações prévias da
intenção de se matar do falecido. Sabe-se, assim, que 75% (LITMAN, 1996) ou 90%
(SHEIDMAN, 1994) dos casos comunicam previamente a intenção suicida a
37
familiares e amigos, o que demonstra que, num significativo número de casos, o
suicídio não é resultado de um ato repentino e impulsivo, e sim de um plano
premeditado, desenvolvido gradativamente. (CUNHA, 2000, p. 196-197)
A avaliação retrospectiva possibilita então, observar pistas diretas ou indiretas
relacionadas àquele comportamento letal que estava por vir, permitindo, através do
método que se convencionou chamar autópsia psicológica, compreender os aspectos
psicológicos de uma morte específica, esclarecendo o modo da morte, refletindo a
intenção letal ou não do falecido. (CUNHA, 2000, p. 197)
Nesse contexto, a função do psicólogo é a de coletar dados, através da autópsia psicológica,
para diferenciar a morte por suicídio, compreender a intenção de autodestruição e comprovar
a natureza psicológica da ação. A autópsia psicológica se configura como uma estratégia de
avaliação retrospectiva, que tem como finalidade reconstruir a biografia da pessoa falecida
por meio de entrevista com terceiros (cônjuges, filhos, pais, amigos, professores, médicos,
etc.) e da análise de documentos (pessoais, policiais, acadêmicos, hospitalares, auto da
necropsia, etc.). (CUNHA, 2000)
Existem quatro questões básicas a serem respondidas na autópsia psicológica: “Por quê?”,
“Como?”, “De quê?” e “ O quê?”. E há quatro constructos subjacentes à estratégia da autópsia
psicológica: motivação, intencionalidade, letalidade e precipitadores e/ou estressores.
A motivação poderá ser compreendida pela identificação das razões psicológicas
para morrer, enraizadas na conduta, no pensamento, no estilo de vida e na
personalidade como um todo. A avaliação do grau de lucidez, ou seja, do papel
consciente do próprio indivíduo, no planejamento, na preparação e na objetivação da
ação autodestrutiva, estabelecerá a intenção do sujeito. O grau de letalidade será
medido através da identificação da escolha do método. Os preciptadores e/ou
estressores são os fatos ou circunstâncias que acionaram o último empurrão para o
suicídio. (CUNHA, 2000, p. 197-198)
Para Durkheim (1982 apud PONCE, 2008, p. 14), o termo suicídio se refere a todas as causas
de morte causadas por uma ação da própria vítima, com a ciência do resultado. Além disso, há
uma série de fatores precipitantes relacionados ao suicídio, como problemas domésticos,
perda do emprego, dificuldades financeiras e legais, doenças crônicas e alcoolismo.
(KLERMAN, 1987; PIRKOLA et al., 2000 apud PONCE, 2008, p. 14)
38
A OMS (apud RODRIGUES, 2009), ratifica que a depressão é um preditor particularmente
significativo entre os idosos e os adolescentes. Estima-se que cerca de 50% das pessoas que
morrem por suicídio possuem, ao menos, uma tentativa prévia. Aqueles que têm história de
tentativa, tendem a fazer uma inusitada letal nas seguintes.
Já Batistoni (2010), traz à tona a ideia de que o aumento da vulnerabilidade à depressão e a
diminuição da resiliência física na velhice guardam relação próxima com doenças,
incapacidade física, isolamento social, eventos estressantes e diminuição no senso de bemestar. Dessa maneira, as tentativas de suicídio entre idosos tendem a ser mais letais, pois eles
são pessoas que apresentam maior vulnerabilidade física, maior acesso a medicamentos e são
mais isolados socialmente. Além disso, são menos propensos a tomarem decisões impulsivas.
(KUTCHER; CHIHIL, 2007 apud RODRIGUES, 2009)
Sob o mesmo ponto de vista, a OMS (apud RODRIGUES, 2009) alerta que os índices de
suicídios têm tendência a aumentar com o envelhecimento, ainda mais quando associado a
doenças físicas, que causam comprometimento funcional e cognitivo, dependência de
terceiros; agravam o quadro depressivo; e maximizam o risco de suicídio. A incapacidade
física, o isolamento social, as grandes mudanças em regras ou condições sociais, a
aposentadoria e a depressão (gerando grande sentimento de desvalia), geralmente não
diagnosticados, podem aumentar a probabilidade de suicídio.
Estudos como o de Mann et al. (1996 apud PONCE, 2008, p. 14),
Demonstram que juntamente com a intoxicação alcoólica logo antes, as tentativas de
suicídios de alcoólatras deprimidos apresentam impulsividade e aumento de
consumo de álcool na véspera, encontram uma relação dose-resposta, na qual quanto
maior o consumo de álcool, maior a prevalência de comportamentos suicidas.
39
O uso abusivo do álcool ou sua dependência pode acarretar uma reação desinibida que facilita
a hostilidade e os impulsos suicidas (FREMOUW; COLS, 1990; MELEIRO, 1997 apud
RODRIGUES, 2009). O consumo de álcool está relacionado a 50% das mortes por suicídio,
principalmente durante os estágios mais avançados da depressão, nos quais o alcoólatra fica
com o humor deprimido.
A vivência de perdas reais ou imaginárias, como por exemplo, a morte de um ente querido, é
um estressor que pode também desencadear ou intensificar a vivência de um quadro
depressivo e, em muitos casos, o suicídio. (MELEIRO, 1997; TAVARES; COLS, 2007 apud
RODRIGUES, 2009)
A comunicação suicida pode ocorrer de maneira direta ou indireta e inclui expressões de
desesperança e intolerância à dor física e emocional. Essa comunicação pode ser verbal ou
não-verbal, como por meio de aquisição de objetos que configuram métodos de suicídio. É
importante ficar alerta a esses indícios, os quais podem chegar a uma tentativa letal.
(WASSERMAN, 2001; MELEIRO, 1997 apud RODRIGUES, 2009)
O uso do método para suicidar está ligado à aceitação cultural, à letalidade e à fantasia da
morte. No Brasil, o método mais usado é o enforcamento, para ambos os sexos, seguido por
arma de fogo e por ingestão de pesticida. (OMS, 2006 apud RODRIGUES, 2009)
Segundo Hasley e Cols (2008 apud RODRIGUES, 2009), vêm se expandindo os
conhecimentos acerca dos fatores relacionados ao risco de suicídio; porém, os modelos
desenvolvidos, até hoje, para avaliar esses fatores e para prever o suicídio, possuem grandes
limitações – e isso quando são usados.
Em Maringá (PR), considerando o período de 1978 a 1998, o enforcamento foi o
método mais empregado por ambos os sexos. No que se refere às taxas de tentativas
de suicídio, destaca-se que muitas tentativas podem não chegar ao atendimento
hospitalar por serem de baixo grau de letalidade. (PORDEUS, 2009, p. 1738)
40
As taxas de suicídio são maiores no sexo masculino em todos os países da América
Latina, oscilando entre 6 e 10 por 100.000 no sexo masculino e 2 a 4 por 100.000 no
sexo feminino. Diferenças entre os sexos apontam que os homens cometem mais
suicídio; entretanto, as tentativas são mais comuns entre as mulheres, como
demonstrados na literatura. (PORDEUS, 2009, p. 1737)
Um dos principais fatores de risco para suicídio é a história de uma ou mais
tentativas de suicídio não-fatais. Pesquisas já identificaram que a chance de suicídio
aumenta quando há mais de uma tentativa anterior e acrescentaram que a tendência à
repetição, nos dois anos seguintes à tentativa, é mais frequente entre os jovens. Estes
achados reforçam a necessidade de acompanhamento psicológico das vítimas em
anos subsequentes à ocorrência. (PORDEUS, 2009, p. 1737)
A maioria das pessoas que comete suicídio apresenta um transtorno mental diagnosticável,
sendo os transtornos de humor os mais comuns. Dentre eles, está a depressão grave, chegando
ao quadro melancólico. Esses pacientes devem ter um monitoramento constante,
principalmente no início do tratamento. (OMS, 2000 apud RODRIGUES, 2009)
4.1 ANÁLISE DOS ESTUDOS DE CASOS
Em cada caso será feita uma observação da história de comportamento suicida e dos
elementos que compõem o risco de suicídio. Espera-se que a apresentação desses casos possa
contribuir para a compreensão do contexto de risco do suicídio, para o planejamento
terapêutico e para a intervenção em estado de depressão grave.
Serão apresentados dois relatos de caso de pessoas que se suicidaram, cujas informações
foram obtidas com seus familiares. Pode-se observar e analisar a utilidade e a relevância da
escuta e do acolhimento na prevenção do contexto de risco do suicídio, no planejamento
terapêutico e na intervenção em crise. O processo de escolha de informações se baseia na
literatura obtida, juntamente aos relatos dos familiares.
A mudança de comportamento do suicidado, antes do suicídio, foi bastante enfatizado pelos
familiares, sendo citados ainda o isolamento e a tristeza profunda como uma das mudanças
41
comportamentais identificadas. Nos dois casos, houve várias tentativas anteriores ao suicídio.
Vale destacar que ambos ocorreram em residências próprias.
4.1.1 Caso ilustrativo 1:
Dados da filha do suicidado
Nome: H. F.
Sexo: Feminino
Estado Civil: Casada
Profissão: Serviços Gerais
Cidade (de residência): Santo Antônio/Barra de São Francisco
Dados do suicidado
Nome: C. F.
Sexo: Masculino
Idade: 63 anos
Estado Civil: Casado
No de filhos: 8 filhos
Profissão: Lavrador/Aposentado
Cidade (de residência): Santo Antônio/Barra de São Francisco
Naturalidade: Vila Pavão
Religião: Luterana, descendente de Alemão; depois frequentou a Igreja Católica; depois parou
de ir à Igreja; apenas ouvia a “missa no rádio”, em casa.
Tentativas de suicídio: Houve muitas tentativas de suicídio, usando cordas e arame para
enforcar-se (C. F. amarrava as cordas em um arame, para a sustentação do corpo, pois como o
mesmo relatava aos filhos, a corda sozinha não era suficiente para o feito). Na última
tentativa, alcançou a morte, usando esse método.
42
Relato do caso: A família de C. F., de origem alemã, tem como diferencial a introspecção e
demonstra pouco carinho uns com os outros. Todos os irmãos de C. F. são alcoólatras. C. F.
aprendeu a escrever apenas seu nome. Desde jovem, dizia que gostaria de se suicidar. Sempre
foi depressivo, mas isso nunca foi diagnosticado por nenhum profissional. A esposa de C. F.
relata que sua cunhada (irmã de C. F.) também cometeu suicídio, quando ainda na juventude,
por ser mãe solteira. Aos oito meses de gestação, ela diluiu pedra de anil em água e tomou a
solução, o que acarretou a morte de seu bebê e posteriormente, a sua – um ano após. A família
culpou C. F. pela morte da irmã, uma vez que a pedra de anil pertencia a ele. Após esse
acontecimento, C. F. mudou seu comportamento e passou a se isolar, apresentando
sentimentos de desvalia. Dizia e repetia sempre: “Antes morrer do que ter de passar a vida
acamado”. Falava que sua rotina era muito amarga e que não deseja viver. Apresentou
comunicação suicida desde quando se casou com a mãe de H. F, aos 20 anos de idade. Falava
com frequência em suicídio. Comprava cordas, mas a família as jogava fora para que não se
repetissem as tentativas de morte.
C. F. era hipertenso; usava remédios regularmente; bebia muito; e chegou até a sofrer um
acidente, porque estava em estado de alcoolismo elevado. Era muito agressivo, deprimido e
tinha poucos amigos. Falava que, às vezes, “a cabeça ficava cheia de pensamentos ruins” e
que não conseguia dormir. Tentou abusar sexualmente de todas as suas filhas. No entanto, não
se sabe se tentou abusar dos meninos, pois nenhum deles conversou com as irmãs sobre tal
fato. Sua filha H. F. sofreu tentativas de abuso do pai, desde criança, mas, aos 11 anos,
conseguiu ir trabalhar e morar na casa de outra família. H. F. disse que sempre que seu pai a
olhava, fazia-o com “olhos de desejo”. Ela relatou que vivia uma rotina difícil, de fuga dos
assédios do pai.
Alguns meses antes do suicídio, C. F. deixou indícios de que iria se matar. Vendeu suas terras
para ir morar perto de sua filha, pois ele e sua esposa precisavam de cuidados. Ele sempre
afirmava que sua esposa iria mudar para outro bairro e que ele iria para outro lugar
(insinuando um suicídio). Comprou material de construção e falou que era para seu túmulo.
Foi à missa com a família e lá se despediu dos seus amigos, dizendo que “seria a última vez
que iria à Igreja”. A família desacreditou deste aviso. Só hoje, depois do ocorrido, puderam
observar que de tratou de uma despedida. No dia do suicídio (10 de fevereiro de 2007), C. F.
43
comprou muitos pães e salame, dizendo que a família iria comê-los naquele final de semana
(segundo a irmã, em cidade de interior, é comum, em velórios, a família do falecido servir pão
com salame às pessoas). Abraçou os netos, o que chamou muita atenção, pois nunca foi
carinhoso com os mesmos. A esposa saiu, ficando em casa H. F. e seu irmão. A filha fez a
faxina nos cômodos e foi limpar o quintal. Enquanto isso, o pai, sozinho dentro de casa,
enforcou-se com corda, dentro de seu quarto. Quando sua esposa retornou e deparou-se com a
cena, tentou se matar também, sendo acalmada imediatamente pela filha. Depois de certo
tempo, essa tentativa se repetiu.
A filha, que estava com a mãe, no dia do suicídio, tornou-se uma pessoa muito ansiosa. H. F.
não expressa nenhum sentimento de dor ao falar da morte do pai.
Com base nos elementos descritos acima, pode-se verificar que eventos de vida, ao longo do
desenvolvimento da estrutura de C. F., parecem ter provocado vulnerabilidade, gerando
intolerância aos sentimentos de frustração e embotamento. C. F. possuía uma rede social
quase escassa e pouco interesse em aprofundar suas relações interpessoais. Com recursos
internos inadequados para lidar com estressores, vivenciou conflitos familiares, os quais
provocaram sentimentos de vergonha e desesperança. O conjunto de fatores de risco e o
transtorno de humor de C. F. desencadearam ideações suicidas persistentes.
O comportamento suicida de C. F. está relacionado a um processo depressivo grave, sem
tratamento e com falta de recursos internos para lidar com estressores. Essas dificuldades
parecem ter sido agravadas por conflitos e por uma dinâmica familiar afetiva distante,
gerando, assim, dificuldades interpessoais e isolamento.
C. F. não realizou nenhum processo terapêutico e nem fez uso de medicamentos, pois se
negava a procurar um profissional que o auxiliasse. Sempre se recusou o tratamento com
Psicólogo, ou Psiquiatra, agravando assim, ainda mais seu quadro depressivo. Caso tivesse
recebido assistência Psicológica e/ou Psiquiátrica poderia ter tido uma prevenção.
44
Esta entrevista retrospectiva forneceu muitas informações sobre a vida de C. F. e sobre os
motivos para que o mesmo cometesse o suicídio, ligados à depressão grave, iniciada pela
morte de sua irmã e experienciada até seu último dia de vida.
4.1.2 Caso ilustrativo 2:
Dados do esposo da suicidada
Nome: J. F. A.
Sexo: Masculino
Estado Civil: Viúvo
N° de filhos: 7 filhos
Profissão: Lavrador/Aposentado
Cidade (de residência): Santo Antônio/Barra de São Francisco
Dados da suicidada
Nome: M. R. de A.
Sexo: Feminino
Idade: 60 anos
Estado Civil: Casada/há 41 anos
No de filhos: 7 filhos
Profissão: Lavradora/Aposentada
Cidade (de residência): Guararema/Nova Venécia
Naturalidade: Vargem Alegre/Barra de São Francisco
Religião: Católica, descendente de alemão
Tentativas de suicídio: Houve muitas tentativas de suicídio, usando corda, faca, remédio e um
pedaço de edredom (tipo de cobertor, colcha). M. R. de A. alcançou seu objetivo de suicídio
apenas com o edredom.
45
Relato do caso: A família de M. R. de A. contou para o esposo que, desde adolescente, a
mesma falava em se suicidar. Casou-se aos 22 anos. Segundo o marido, viviam muito bem,
tendo, às vezes, uns momentos de “nervosismo”, mas nada fora do normal. M. R. de A. não
sabia ler nem escrever; aprendeu apenas a escrever seu nome. Ficou aproximadamente oito
anos falando em suicídio e o marido sempre escondeu os objetos com os quais ela tentava se
suicidar, buscando protegê-la. Nesse período, ficou sem trabalhar, o que aumentou seu
sentimento de desvalia. A data em que M. R. de A. tentou suicídio corresponde ao início de
sua doença nos olhos (catarata). Foi perdendo sua visão de forma gradativa, ao ponto de não
enxergar mais. Além disso, teve seus netos recolhidos pelo Conselho Tutelar. Por não ter
possuído condições de cuidar deles e por ter ficado distante dos mesmos, agravou-se seu
estado de saúde.
M. R. de A. levantava no meio da noite para limpar a casa. Isso incomodava ao marido, que
logo a levou ao neurologista. Em sua consulta, realizou o eletroencefalograma, obtendo
resultando negativo para doença neurológica. Foi encaminhada para o psiquiatra, na alegação
de que estava com depressão. O médico prescreveu Domatril (50 cap. de 20 mm), dizendo ser
o remédio para os “nervos”. M. R. de A. também fazia uso de medicamento para controlar a
pressão arterial. Não havendo mudanças e melhoras em seu comportamento, o marido levou-a
em outro psiquiatra, na cidade de Governador Valadares, o qual a recomendou como
medicação: Diazepan, Dromatil e Rivotril. Ela fez revisões a cada dois meses. Após os
medicamentos, apresentou um quadro de sono mais estável; porém, ainda se manifestava a
tristeza.
O marido alega que antes de a esposa se casar com ele, nunca havia fumado. Após alguns
anos juntos passou a fumar com intensidade, principalmente nos momentos de desequilíbrio
emocional. M. R. de A. se tornou uma pessoa agressiva. No entanto, durante sua última
semana de vida, ela nem sequer fumou; alimentou-se muito mal e só permanecia deitada,
chegando a atingir um quadro melancólico extremo.
No dia em que M. R. de A. se suicidou (30 de novembro de 2010), acordou junto ao marido.
O mesmo saiu para trabalhar, em Barra de São Francisco. Ela acordou, fez café, despediu-se
46
do esposo (que saíra para trabalhar), tomou banho, penteou os cabelos e depois amarrou o
edredom no caibro da casa. Colocou-o em seu pescoço, ajoelhou-se e forçou o corpo para
baixo, até chegar à morte.
A filha do casal chegou a casa, porém, a mãe já estava morta. Os vizinhos chamaram a
polícia. Na certidão de óbito de M. R. de A., estava o seguinte relato em motivo de morte:
anexia cerebral, insuficiência respiratória aguda e ação externa na região cervical.
Através das informações que o esposo de M. R. de A. forneceu, verifica-se que eventos de
vida, relacionados a problemas de saúde, provocaram uma vulnerabilidade, que gerou uma
intolerância aos sentimentos de frustração e agressividade. Quando M. R. de A. iniciou o
tratamento para os olhos, teve diminuído seu ciclo social, ficando cada vez mais deprimida e
com sentimentos de desvalia, principalmente após perder a visão. Vivenciou também conflitos
em relação à família, o qual se sentiu impossibilitada de resolver, aumentando seu sentimento
de desesperança e fraqueza diante desses acontecimentos. A depressão grave e o conjunto de
fatores de risco indicavam ideação suicida persistente. Sem um tratamento terapêutico
adequado e com a falta de recursos internos para lidar com tanta angústia, tais dificuldades
agravaram, ao ponto de M. R. de A., em sua última semana de vida, não conseguir expressar
nada mais que seu desejo de morte, sem nenhuma reação agressiva. Sem qualquer
acompanhamento psicoterapêutico, não desenvolveu mecanismos de defesas para aceitar suas
perdas.
Segundo Rodrigues (2009), a avaliação do risco de suicídio é um grande desafio no contexto
da saúde pública e, para que ocorram essa prevenção e manejo da crise suicida, os
profissionais da área da saúde, que possuem posição privilegiada para identificar sinais de
alerta, têm bastante responsabilidade. Acredita-se que deveriam ser proficientes nessa prática
e deveriam colocar, em sua rotina, a avaliação básica de fatores de risco e de proteção, como
no caso de M. R. de A., que sempre mostrou um quadro de depressão grave e cogitou ideia de
suicídio frequentemente.
47
Em conformidade com o marido de M. R. de A., o psiquiatra nunca pediu um
acompanhamento psicológico de sua paciente, o que se acredita que seria de grande ajuda.
Entende-se, a partir desses relatos, que a depressão grave, seguida de suicídio, é um assunto
social de grande relevância para a saúde pública e necessita ser encarado no planejamento das
ações do SUS e em todos os níveis de gestão. Apesar das elevadas taxas de suicídio, no
Brasil, é possível enfrentá-las em suas especificidades e em seus significados, tratando-as
como parte do conjunto das novas formas de adoecimento, associadas às condições e ao estilo
de vida.
48
5 O PAPEL DO PSICÓLOGO NA PREVENÇÃO DE CASOS DE SUICÍDIO
O profissional de psicologia deve estar atento à questão do suicídio, pois pode exercer um
papel fundamental na sua compreensão e na sua prevenção, tanto como um agente
desmistificador, quanto no espaço terapêutico, onde o suicida expressa sua dor e conduz-se ao
autoextermínio.
Cardoso (IV, p. 7), em uma entrevista a Revista Psique, afirma que:
No caso do suicídio, o termo “prevenção” adquire um significado diferente, porque
não se trata de um processo preventivo qualquer. A trajetória inclui a identificação
de sinais verbais e não-verbais sutis que já indicam certa gravidade no quadro de
quem os expressa e é preciso agir rapidamente. Ou seja, não se trata de evitar uma
“doença” antes que ela apareça, e sim de estancar um processo já em evolução.
Sabe-se que uma das características pessoais do suicida são o isolamento e a dificuldade de
expressar os sentimentos que lhe causam dor. Baptista (2004, p. 13-14) cita tais traços
pessoais:
Algumas características pessoais (dificuldades interpessoais) também podem estar
diretamente ligadas ao aumento de chance de um ato suicida, como, por exemplo,
dificuldade em fazer amigos, crueldade frequente dos amigos para com o indivíduo,
dificuldade em dividir aspectos da vida com os amigos, raiva ou discussão frequente
com os pares, isolamento/ solidão, falta de amigos próximos, ou relacionamentos
pobres (superficiais).
[...] inabilidade do grupo com tentativa em pedir auxílio, o que significaria que as
pessoas que tentam suicídio também podem apresentar uma grande dificuldade em
dividir seus problemas com outras pessoas, que poderiam auxiliá-las no
solucionamento destes.
Cardoso (IV, p. 7), na Revista Psiqué, descreve a importância de o doente falar aquilo que o
incomoda:
49
Como ajudar nesses casos? Se aproximando da pessoa, conversando abertamente e a
encaminhando a um tratamento adequado. De início, o indicado é tentar entender
onde dói, o que incomoda, o porquê do indivíduo não enxergar outras saídas. Em
seguida, procure ampliar suas percepções, apontando para opções que ele não
consegue ver.
No Brasil, o trabalho do Centro de Valorização da Vida, CVV, merece todos os
méritos pela boa iniciativa de salvar vidas. Trata-se de uma equipe de voluntários
que atende de forma sigilosa pessoas que geralmente não têm os que ouçam ou não
se sentem à vontade para conversar com amigos e familiares. A entidade está
espalhada por todo Brasil. No ano passado, o CVV recebeu 1.120.226 ligações em
todo território nacional.
O Manual para Profissionais da Saúde em Atenção Primária (DEPARTAMENTO DE
SAÚDE MENTAL, 2000, p. 14-15) faz recomendações em relação ao contato do profissional
com o paciente, em caso de tentativa de suicídio:
O contato inicial com o suicida é muito importante. Frequentemente o contato
ocorre numa clínica, casa ou espaço público, onde pode ser difícil ter uma conversa
particular.
1. O primeiro passo é achar um lugar adequado onde uma conversa tranquila possa
ser mantida com privacidade razoável.
2. O próximo passo é reservar o tempo necessário. Pessoas com ideação suicida
usualmente necessitam de mais tempo para deixarem de se achar um fardo e precisase estar preparado mentalmente para lhes dar atenção.
3. A tarefa mais importante é ouvi-las efetivamente. Conseguir esse contato e ouvir
é por si só o maior passo para reduzir o nível de desespero suicida.
Como se comunicar:
pessoa (empatia); Dar mensagens não-verbais de aceitação e respeito;
respeito pelas opiniões e valores da pessoa; Conversar honestamente e com
autenticidade; Mostrar sua preocupação, c
sentimentos da pessoa.
Como não se comunicar:
coloca numa posição de inferioridade; Fazer comentários invasivos e pouco claros;
Fazer pergunta indiscreta. Uma abordagem calma, aberta, de aceitação e de nãojulgamento é fundamental para facilitar a comunicação.
A melhor maneira de saber se uma pessoa tem pensamentos suicidas é perguntá-la, ao
contrário do que se acredita. Porém, segundo o Manual para Profissionais da Saúde em
Atenção Primária (DEPARTAMENTO DE SAÚDE MENTAL, 2000, p. 18), há uma forma
adequada de se fazer isso:
50
Como perguntar?
Não é fácil perguntar para uma pessoa sobre sua ideação suicida. Ajuda se você
chegar no tópico gradualmente. Algumas questões úteis são: Você se sente triste?
mais a pena ser vivida? Você sente como se estivesse cometendo suicídio?
Quando perguntar?
Quando a pessoa tem o sentimento de estar sendo compreendida; Quando a pessoa
está confortável falando sobre seus sentimentos; Quando a pessoa está falando sobre
sentimentos negativos de solidão, desamparo, etc.
O que perguntar?
1.
Descobrir se a pessoa tem um plano definido para cometer suicídio: Você fez
algum plano para acabar com sua vida? Você tem uma idéia de como você vai fazêlo?
2.
Descobrir se a pessoa tem os meios para se matar: Você tem pílulas, uma
arma, inseticida, ou ou
3.
Descobrir se a pessoa fixou uma data: Você decidiu quando você planeja
ê está planejando fazê-lo?
Dentre os principais distúrbios apresentados e/ou assistidos em ambulatórios de
especialidades médicas, que recebem assistência psicológica, encontra-se a depressão.
Sabendo que pessoas deprimidas são suicidas em potencial, o psicólogo deve estar atento a
esse grupo de pacientes. (BAPTISTA, 2004)
Baptista (2004, p. 127, 130) descreve como o profissional da psicologia deve atuar no cenário
hospitalar, onde são recebidos pacientes com sintomas de depressão e com tentativas de
suicídio:
Desde a inserção do psicólogo em saúde geral e especial em hospitais gerais
brasileiros na década de 60, Gorayeb (2001) ressalta que não existiam ainda
modelos claros para serem seguidos. O autor recomenda que, em ambientes
médicos, o psicólogo deve efetuar uma análise das relações funcionais do ambiente
e das demandas que são esperadas do psicólogo pela equipe de saúde e pacientes.
[...] Recomendam que o profissional de Psicologia reconheça a doença física em
questão e rotina do tratamento, com objetivo de ser o interlocutor entre a equipe de
saúde e o paciente. Chamam a atenção para na maior parte das vezes a atuação ser
voltada para alívio dos sintomas.
A psicologia da saúde e a psiquiatria de ligação podem implementar serviços bem
estruturados e eficazes para o acompanhamento de paciente com sintomas de
depressão e tentativas de suicídio (BAPTISTA; DIAS, 2003). Da mesma forma, os
profissionais de saúde dos diferentes ambientes médicos, em hospital geral, devem
ter clareza dos pacientes que apresentam maiores fatores de risco para suicídio e
priorizar atendimentos diferenciais para tais casos.
51
O Manual para Profissionais da Saúde em Atenção Primária ((DEPARTAMENTO DE
SAÚDE MENTAL, 2000, p. 7-8) também traz dados sobre a relação da depressão e o uso de
álcool com o suicídio:
Depressão é o diagnóstico mais comum em suicídios consumados. Todos sentem-se
deprimidos, tristes, solitários e instáveis de tempos em tempos, mas marcadamente
esses sentimentos passam. Contudo, quando os sentimentos são persistentes e
interferem na vida normal, usual da pessoa, eles tornam-se sentimentos depressivos
e levam a um de transtorno depressivo.
Cerca de um terço dos casos de suicídio estão ligados à dependência do álcool; 10%
das pessoas dependentes de álcool terminam sua vida pelo suicídio; no momento do
ato suicida, muitos se apresentam sob a influência do álcool.
Segundo Nunes (1988) apud Baptista (2004, p. 129):
[...] os profissionais de saúde mental devem criar serviços de emergência nos
hospitais gerais, com intervenção e tratamento específico, dentro de uma visão
completa de homem, ou seja, levando-se em considerações os aspectos bioquímicos,
psicológicos e sociais.
Baptista (2004, p. 127) ainda afirma que:
Sem sombra de dúvidas, uma atuação para o alívio ou resolução dos sintomas em
tais contextos faz-se importante, sobretudo os sintomas afetivos (tristeza, desalento,
labilidade emocional entre outros), pelo profissional de Psicologia. Porém, uma
atuação precisa sobre os sintomas cognitivos (expectativas negativas, indecisão,
culpabilidade), além de sintomas comportamentais/motivacionais (passividades,
esquiva, déficits, perda da motivação etc.), deve ser orientada junto ao paciente,
familiares e equipe de saúde para prevenção da piora do quadro, além de uma
intervenção focal imediata em quadro depressivos.
52
5.1 Prevenção
Segundo Grandin et al. (2001 apud BAPTISTA, 2004), o suicídio é um problema sério e
complexo de saúde pública e, apenas nos últimos anos, é que os profissionais vêm estudando
e compreendendo melhor esse fenômeno.
Maris, Berman e Maltsberger (BAPTISTA, 2004, p. 19), citam características e condições que
funcionariam
como
predispositores
interacionais
(psiquiátricos,
biológico-genéticos,
psicológicos, sociais, econômicos e culturais) nos casos de suicídio:
Na prevenção primária, algumas características seriam: ter historia de depressão ou
esquizofrenia, história de suicídio na família, ter tido pais punitivos, viver em um
ambiente de violência social. Na prevenção secundária: ingestão de álcool e abuso
de drogas, transtorno depressivo, impulsividade, inflexibilidade cognitiva, idéias de
suicídio, isolamento, separação/perturbação conjugal, problemas no trabalho. O
último nível aponta as seguintes características: tratamento hospitalar, já ter tido
uma tentativa de suicídio, episódio depressivo, baixas metabólito de serotonina,
excesso de consumo de álcool, problemas de saúde, desesperança, perda de pessoas
queridas, aposentadoria. Tais características podem auxiliar os profissionais de
saúde no diagnóstico precoce de suicidas em potencial.
Maris (2002 apud BAPTISTA, 2004) relata que a prevenção de suicídio deveria abarcar
outras áreas diretamente relacionadas com a saúde mental, como, por exemplo, equidade
social, redução de pobreza nos países, redução de violência, quer social quer dentro das
próprias famílias, além de programas de promoção de saúde física, como exercícios e dietas.
De acordo com Tavares et al. (2004, p. 234), não existe, no Brasil, uma ação coordenada,
coerente, integrada e hierárquica das iniciativas em Saúde Mental, muito menos na área de
prevenção das tentativas de suicídio. De modo que:
Grande parte do que conduz à ineficácia em Saúde Mental se refere aos problemas
de organização do trabalho, da falta de integração dos diversos serviços e da
informação, e da falta de uma organização hierárquica das ações com base nas
53
noções de risco e eficácia. A prevenção do suicídio ainda não é prioridade, ou
mesmo consta das políticas institucionais brasileiras.
Tavares et al. (2004) descrevem que o Programa de Saúde Mental, Intervenção em Crise e
Prevenção do Suicídio foi criado com o objetivo de pesquisar e implementar novas estratégias
em Saúde Mental, oferecendo estruturas de apoio e de intervenção que privilegiam a
prevenção com grupos de risco e a atuação nos momentos de crise com risco, de
autoextermínio. O referido programa, em 1999, passou a oferecer serviços de apoio à crise,
com o acolhimento de pacientes e de suas famílias, após tentativa de suicídio, em prontosocorro da rede pública do Distrito Federal.
Tavares et.al. (2004, p. 234-235) propõem, no Programa de Saúde Mental, Intervenção em
Crise e Prevenção do Suicídio, a prevenção, que ocorre em três estágios: prevenção primária,
secundária e terciária:
Na prevenção primária intervêm-se antes que o problema esteja configurado, evitando
assim que haja o risco de acontecer. É a forma de prevenção mais abrangente, com a
meta de atingir a população geral, elegendo focos de ação prioritários que são
abordados por lideranças ou agentes multiplicadores que, devidamente treinados,
atuam como veículos das ações preventivas. A prevenção primária se fundamenta nas
perspectivas de educação, informação e formação de consciência, e presta-se mais
facilmente às abordagens comunitárias e em grupos.
Ainda em conformidade com Tavares et al. (2004, p. 235-238):
O foco dessa vertente do trabalho deve facilitar o acesso da população mais
desfavorecida, instrumentalizando pequenas comunidades, prefeituras, organismos
governamentais e não governamentais para formarem lideranças e agentes locais de
saúde capazes de criarem estruturas de apoio em suas comunidades de origem. Uma
estratégia dessa ordem é a criação de oficinas de saúde e de grupos de apoio, de autoajuda, e multifamiliares. Podem-se incentivar lideranças naturais na comunidade e
oferecer treinamento como forma de ampliar o alcance das ações em Saúde Mental.
Nas escolas está um dos grupos de alto risco: os adolescentes e os adultos jovens. E
lá, a atuação preventiva deve ser prioridade. O risco de morte de jovens em transição
(entre 15 e 25 anos) não está relacionado a questões médicas ou biológicas, e sim a
comportamentos de risco, que são a fonte dos problemas mais graves que colocam em
risco estes jovens.
54
Um dos meios de prevenção primária de grande eficácia trata-se do controle de acesso
ao método, ou seja, medidas que tornam mais difícil o acesso aos métodos letais. Por
exemplo, reduzindo e controlando o porte de armas, controlando a venda de venenos e
pesticidas ou impedindo ou dificultando o acesso a lugares altos.
O risco de suicídio é cinco vezes maior em residências onde existem armas de fogo.
Profissionais que têm acesso a métodos letais (policiais e as forças armadas; médicos,
inclusive estudantes; pessoas nas fazendas, etc.) estão mais vulneráveis ao risco.
A prevenção secundária é assim chamada por atuar em situações nas quais estão presentes
indicadores de risco de médio e longo prazo, que requerem atenção:
Visa a prevenir o aumento do risco, quando o risco já se encontra configurado; visa
também prevenir suas conseqüências mais danosas pela intervenção que busca
reduzir o impacto de características reconhecidas de risco e aumentar a influência de
fatores de proteção relevantes. Pessoas alvo de modelos de prevenção secundária são
consideradas de maior risco, em comparação às pessoas alvo de prevenção primária,
por terem vulnerabilidades ou características associadas ao risco já identificadas
(TAVARES et al., 2004, p. 238-239)
Na prevenção secundária, o risco é reconhecido e almeja-se a prevenção de danos. Por
exemplo, jovens com depressão, que experimentam drogas ou que vivem em situações de
violência ou de conflitos intensos, irão exigir alguma forma de acompanhamento e apoio.
(TAVARES et al., 2004)
De acordo com Tavares et. al (2004, p. 248, 252), entende-se por prevenção terciária todo tipo
de tratamento empregado para reverter uma condição ou um quadro mórbido instalado, de
natureza biológica ou psicológica.
Em relação ao suicídio, a prevenção terciária está voltada para situações nas quais o
sujeito identificado está em risco, que pode ser iminente, de curto, médio ou longo
prazo. Referem-se ao tratamento de casos de risco iminente ou de curto prazo como
intervenção em crise (IC). E nela, visam, em primeiro lugar, prevenir as
conseqüências mais danosas do risco para, em um segundo momento, encaminhar o
sujeito para aprimorar sua capacidade de enfrentamento das dificuldades e de
superação das vulnerabilidades que compõem o risco de médio ou longo prazo
(psicoterapia).
Para caso dos pacientes de Saúde Mental é importante que a equipe de atendimento
tenha treinamento adequado para o diagnóstico e tratamento do risco,
55
principalmente do risco de curto prazo e para o efetivo encaminhamento do paciente
para tratamento da vulnerabilidade que o predispôs à tentativa. Ainda nas tentativas
de suicídio, é importante que exista uma equipe de transição de cuidados, para
acolher e avaliar o paciente enquanto ele recebe os primeiros cuidados médicos e
para garantir o seu efetivo atendimento na rede de Saúde Mental.
Segundo Tavares et. al 2004 pessoas que, em função de seu exercício profissional, estão em
contato cotidiano com populações de risco, deveriam ser capacitadas para lidar com esse
público.
Professores, profissionais de saúde, policiais, agentes prisionais, entre outros, estão
diretamente em contato com populações de risco. A atuação destes como agentes de
prevenção potencializa e amplia a abrangência do trabalho de profissionais
especializados. O treinamento deve focalizar a identificação, a organização de ações
locais de apoio e o encaminhamento da população em risco, visando evitar o
desenvolvimento da fase crítica da crise, onde as respostas das pessoas são, em
geral, desadaptativas e de graves conseqüências. (p.254)
Ao considerar o fenômeno do suicídio como um grave problema de saúde pública, que afeta
toda a sociedade e que pode ser prevenido, a Portaria n.2 2.5421GM, de 22 de dezembro de
2005 (MINISTÉRIO DA SAÚDE), institui Grupo de Trabalho, com o objetivo de elaborar e
de implantar a Estratégia Nacional de Prevenção ao Suicídio. No âmbito do Ministério da
Saúde, essa estratégia, com a participação de outras instituições, resolve:
No Art. I ~ Instituir, no âmbito do Ministério da Saúde, Grupo de Trabalho com o
objetivo de elaborar e implantar a Estratégia Nacional de Prevenção ao Suicídio.
Art. 2 ~ Definir que o Grupo de Trabalho de que trata o artigo l ~ desta Portaria será
representado pelas instituições/órgãos a seguir relacionados e atuará sob a
coordenação da Secretaria de Atenção à Saúde/Departamento de Ações
Programáticas Estratégicas -Área Técnica de Saúde Mental. Sendo que no Art. 32
Estabelecer que o Grupo de Trabalho terá 60 (sessenta) dias, a contar da publicação
desta Portaria, para apresentar proposta para implantação da Estratégia Nacional de
Prevenção ao Suicídio.
A portaria N~ 1.876, de 14 de agosto de 2006 (MINISTÉRIO DA SAÚDE), institui Diretrizes
Nacionais para Prevenção do Suicídio. Tal portaria desenvolve estratégias de promoção de
qualidade de vida, de educação, de proteção e de recuperação da saúde, e de prevenção de
danos. E estratégias de informação, de comunicação e de sensibilização da sociedade de que o
56
suicídio é um problema de saúde pública, que pode ser prevenido. Também organiza linha de
cuidados integrais (promoção, prevenção, tratamento e recuperação), em todos os níveis de
atenção, garantindo o acesso às diferentes modalidades terapêuticas. Além disso, fomenta e
executa projetos estratégicos, fundamentados em estudos de custo-efetividade, eficácia e
qualidade, bem como em processos de organização da rede de atenção e intervenções, nos
casos de tentativas de suicídio.
Sendo o psicólogo um profissional que atua juntamente com as equipes multidisciplinares,
recebe a problemática do paciente potencialmente suicida, oferecendo uma escuta
especializada. De acordo com o Programa de Saúde Mental, Intervenção em Crise e
Prevenção do Suicídio e com a Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio, pode-se
trabalhar com esses pacientes a fim de promover qualidade de vida para todos.
57
6 CONCLUSÃO
A partir da análise dos estudos de caso e da revisão de literatura, evidenciou-se a influência
que o episódio depressivo grave exerce sobre o indivíduo. Fatores religiosos; posição social;
fracasso pessoal, profissional, escolar; alcoolismo; uso abusivo de drogas maximizam a
predisposição à depressão, mas, ainda assim, sem motivo ou causa única, o episódio
depressivo, aqui em destaque, é um dos mais sérios agravantes ao suicídio.
Segundo a OMS, estima-se que mais de 10.000 pessoas ao dia recorrem à prática suicida
como mecanismo de tirar a vida, de maneira voluntária, alcançando seu objetivo somente a
décima parte delas. Um dos componentes centrais de quase todos os suicídios é a depressão
em estado grave. Acredita-se que uma de cada quatro pessoas, que sofrem de depressão
profunda, pratica uma tentativa de suicídio. A depressão é um transtorno que se apresenta em
qualquer idade e tem como característica a sensação de tristeza, a qual resulta ao sujeito um
decaimento emocional significativo.
A depressão, iniciada como uma sensação de tristeza, transforma-se em doença física e
psicológica, afetando pensamentos, sentimentos e comportamentos. É um transtorno que
ocasiona modificações comportamentais ao convencimento do menor valor que o indivíduo
tem, como pessoa, ou à racionalização equivocada diante das magistrais possibilidades que
tem na vida.
O suicídio por motivo de depressão grave não costuma ser espontâneo ou impulsivo. No
episódio depressivo grave, o suicídio costuma ser elaborado em detalhes, com escolha do
meio de se matar, hora e local do ato. A maior parte dos suicidados por tal tipo de depressão,
deixam cartas com conteúdos de despedidas, pedidos de desculpas, explicação, entre outros. É
algo premeditado, e consciente.
58
A partir do momento em que a depressão afeta a vida do indivíduo, o mesmo terá de possuir
os meios necessários para poder continuar suas atividades diárias, buscando formas de não se
comprometer ainda mais, para que possa ser evitado o ato do suicídio. Quando o indivíduo
começa a exprimir vontades que o levarão à morte, deve-se levá-lo a sério, pois é grande o
número daqueles que acabam cumprindo esse propósito. Sinais de isolamento, busca de
solidão, tristezas, melancolias, que condizem com prantos frequentes, são mostras exteriores
da existência desse padecimento. Para tal, o atendimento psicológico é de tamanha
importância.
O tratamento de pacientes suicidas exige profunda compreensão de suas motivações básicas e
variadas. Portanto, o profissional deve ser bastante competente e capacitado, profundamente
ligado ao seu eixo. O ato suicida pode também despertar, no terapeuta, seu próprio desejo de
morte.
59
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