PROGRAMA DE APRIMORAMENTO PROFISSIONAL SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE COORDENADORIA DE RECURSOS HUMANOS FUNDAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ADMINISTRATIVO FUNDAP FLAVIA MENEGARI QUERIDO TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE E AVALIAÇÃO PSICODIAGNÓSTICA: ESTUDO DE CASO RIBEIRÃO PRETO 2013 QUERIDO, FLAVIA MENEGARI BIBLIOTECA CENTRAL DA USP RIBEIRÃO PRETO FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO – USP TOMBO:_________ SYSNO:________ MONOGRAFIA 2013 “TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE E AVALIAÇÃO PSICODIAGNÓSTICA: ESTUDO DE CASO” ALUNA: FLAVIA MENEGARI QUERIDO ORIENTADORA: PROFa. DRa. SONIA REGINA LOUREIRO PROGRAMA DE APRIMORAMENTO PROFISSIONAL SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE COORDENADORIA DE RECURSOS HUMANOS FUNDAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ADMINISTRATIVO FUNDAP FLAVIA MENEGARI QUERIDO TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE E AVALIAÇÃO PSICODIAGNÓSTICA: ESTUDO DE CASO Monografia apresentada Aprimoramento ao Programa de Profissional/CRH/SES-SP e FUNDAP, elaborada no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP/ Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento. Área: Psicologia – Saúde Mental Orientadora: Profa. Dra. Sonia Regina Loureiro. Supervisora Titular: Profª Drª Sonia Regina Loureiro RIBEIRÃO PRETO 2013 Querido, Flavia Menegari Transtorno de Personalidade Borderline e Avaliação Psicodiagnóstica: Estudo de Caso/ Flavia Menegari Querido. Ribeirão Preto – 2013. 92p. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Sonia Regina Loureiro Trabalho de conclusão do Programa de Aprimoramento Profissional do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo. 1. Borderline. 2. Avaliação Psicodiagnóstica. 3. Rorschach. 4. Pfister FOLHA DE APROVAÇÃO Flavia Menegari Querido Transtorno de Personalidade Borderline e Avaliação Psicodiagnóstica: Estudo de caso Monografia apresentada junto ao Programa de Aprimoramento Profissional do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo. Área: Psicologia – Saúde Mental, sob orientação da Prof.a Dr.a Sonia Regina Loureiro. Aprovado em: ___________ Banca Examinadora Psicóloga: Iara de Moura Engracia Giraldi Instituição: HCFMRP/USP Assinatura_______________________ Psicóloga: Lívia Loosli Instituição: HCFMRP/USP Assinatura_______________________ "Nos piores momentos, lembre-se: quem é capaz de sofrer intensamente, também pode ser capaz de intensa alegria." Clarice Lispector AGRADECIMENTOS À Profª Dr.ª Sonia Regina Loureiro, pela orientação e dedicação que enriqueceram não só a este trabalho, mas também a minha formação profissional e pessoal. Aos psicólogos supervisores: Iara Giraldi, Marcus Vinicius Santos, Lívia Loosli e Fernanda Marleta, pelo acolhimento e também pelo ensinamento em todo meu percurso neste aprimoramento, em que demonstraram sempre carinho e respeito em relação as minhas dificuldades, permitindo assim o meu desenvolvimento. Aos colegas de aprimoramento e dos serviços pelos quais passei, especialmente minha parceira de aprimoramento e amiga, Juliana Vieira Von Zuben, pelo carinho, pela troca de experiências e pelo apoio em momentos difíceis, que nos permitiram crescer juntas em todos os aspectos. Aos amigos e amigas que compreenderam os momentos em que estive ausente e me apoiaram em minhas dificuldades, sempre me estimulando a me desenvolver. Aos meus pais, Carlos e Dulce, e irmãos, Fernanda e Frederico, pelo apoio, investimento, confiança e compreensão que formaram a minha base de sustentação para alcançar e perseverar em meus objetivos. Em especial a minha avó, Flamina Sartori Menegari, que não pôde vivenciar esta experiência ao meu lado, mas que esteve presente dentro de mim o tempo todo como fonte de inspiração e carinho. RESUMO QUERIDO, F. M. Transtorno de Personalidade Borderline e Avaliação Psicodiagnóstica: Estudo de Caso. 2013. 92f. Monografia - Programa de Aprimoramento Profissional – Psicologia Saúde Mental – Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, 2013. O Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) configura-se como uma patologia bastante complexa quanto aos aspectos clínicos, etiológicos, curso e comorbidade, exigindo estudos que auxiliem na elucidação diagnóstica. Neste contexto, as técnicas projetivas de avaliação psicodiagnóstica podem ter uma potencial contribuição na compreensão aprofundada da organização da personalidade sob uma perspectiva psicodinâmica. Este estudo teve como objetivo caracterizar os indicadores estruturais e funcionais relativos à organização da personalidade, por meio de um estudo de caso de uma paciente com diagnóstico psicodinâmico de TPB, tendo por referência a avaliação psicodiagnóstica, por meio da entrevista clínica e dos testes projetivos: Método de Rorschach e o Teste das Pirâmides Coloridas de Pfister (TPC). Foi analisado, sob uma abordagem psicodinâmica, o caso de uma jovem paciente psiquiátrica, que por ocasião de sua internação em um Hospital-Dia, realizou a avaliação psicodiagnóstica com objetivos clínicos, junto ao Serviço de Psicologia da divisão de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP–USP). Procedeu-se a coleta individual de informações da história clínica e a aplicação das técnicas projetivas. A codificação dos testes projetivos Rorschach e TPC foi feita segundo as normas técnicas, sendo os dados comparados a norma de padronização brasileira. Para o Método de Rorschach, utilizou-se a nomenclatura francesa. Os indicadores psicodinâmicos foram categorizados segundo informações da literatura recente. Os dados acerca da historia clinica demonstraram que a paciente apresentou uma historia de vida marcada por estressores em seu ambiente familiar, com perdas precoces, além de manifestações clinicas do transtorno como intensa impulsividade, conflitos de identidade e a dificuldade na manutenção de vínculos afetivos. A avaliação por meio do Rorschach indicou conservação da capacidade cognitiva, recursos de abstração, porém com presença de vinculo frágil com a realidade, favorecido pelos sinais de invasão afetiva, de prejuízo na coordenação logica das emoções com diversos indicadores de conflitos. Com base nos indicadores psicodinâmicos identificou-se fragilidade do ego, prejuízos na identidade, indiferenciação entre mundo interno e externo, além de marcadas dificuldades nas relações de objeto, essas com indícios de agressividade e imaturidade, permeadas por angustias, apesar dos recursos para o desenvolvimento psíquico. Os dados do TPC indicaram um funcionamento marcado por prejuízos nas manifestações afetivas e na coordenação das emoções, prevalecendo um controle restritivo inibidor sobre os afetos, além de indícios de fragilidade estrutural. Os indicadores psicodinâmicos sinalizaram recursos para elaboração afetiva, nível intelectual superior e a presença de outras comorbidades como transtorno depressivo, compulsão alimentar e dissociação de personalidade, caracterizando prejuízos relacionais, descontrole impulsivo, alterações do pensamento, fragilidade de identidade e mecanismos de defesas baseados na repressão e dissociação. Conclui-se que a avaliação psicodiagnóstica contribuiu para uma compreensão mais aprofundada do caso, revelando os principais aspectos estruturais e funcionais da personalidade da paciente em questão caracterizando aspectos típicos do TPB. Destaca-se assim, a contribuição clinica do estudo para o diagnóstico e o tratamento da paciente, assim como para a compreensão de outros casos clínicos com características próximas. Mais estudos se fazem necessários para a identificação de sinais característicos do TPB, principalmente quanto ao TPC. Palavras Chave: Borderline; Avaliação Psicodiagnóstica; Rorschach; Pfister SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO......................................................................................................10 1.1. Transtorno de Personalidade....................................................................10 Aspectos Clínicos......................................................................................10 1.2 . Transtorno de Personalidade Borderline (TPB).........................................11 Aspectos Históricos...................................................................................11 Aspectos Clínicos......................................................................................13 Aspectos Psicodinâmicos..........................................................................18 1.3. Avaliação Psicodiagnóstica e transtornos diversos...................................21 Contextualização dos objetivos da avaliação psicodiagnóstica.................21 O Psicodiagnóstico de Rorschach.............................................................22 O Teste das Pirâmides Coloridas de Pfister (TPC)...................................34 2. OBJETIVO ..........................................................................................................43 3. MÉTODO..............................................................................................................43 Participante...........................................................................................................43 Instrumentos.........................................................................................................44 Procedimento.......................................................................................................44 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO...........................................................................46 4.1. Historia Clínica Psiquiátrica- Caracterização sociodemográfica, manifestações clínicas predominantes e recursos adaptativos.................................47 4.2. Avalição Psicodiagnóstica- Aspectos estruturais e funcionais da Personalidade por meio do Método de Rorschach....................................................56 4.3. Avaliação Psicodiagnóstica- Aspectos estruturais e funcionais da personalidade por meio do TPC................................................................................72 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................82 6. REFERÊNCIAS......................................................................................................85 7. APÊNDICES ..........................................................................................................88 10 1.Introdução 1.1.Transtornos de Personalidade Aspectos Clínicos A “personalidade” pode ser definida como um padrão estável e previsível do conjunto dos traços emocionais e comportamentais do individuo, sendo a sua formação influenciada tanto por aspectos ambientais e externos, pelas experiências individuais adquiridas ao longo da vida, relacionadas aos traços de personalidade que se moldam ao longo da maturação, quanto por aspectos inatos e genéticos, relacionados às tendências biológicas de temperamento (DALGALARRONDO, 2000). No interjogo entre meio e individuo é que a personalidade é formada, mantendo-se estável ao longo da vida ao mesmo tempo em que se molda de forma dinâmica, encontrando-se assim em constante desenvolvimento (DALGALARRONDO, 2000). Segundo Cloninger, Svrakic e Pryzbeck( apud GABBARD, 2006), a maneira pela qual os traços de personalidade interagem com os traços de temperamento pode ser adaptativa ou não ao individuo. Neste sentido, é a variação dos traços de caráter comparada à faixa encontrada na maioria das pessoas que define um transtorno de personalidade (KAPLAN e SADDOCK, 1993). Segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID-10) (Organização Mundial da Saúde – OMS, 1993), os transtornos da personalidade e do comportamento do adulto referem-se aos estados e tipos de comportamento clinicamente significativos, no sentido de produção de sintomas e prejuízos relacionados ao sofrimento subjetivo e ao comprometimento social, que tendem a persistir ao longo da vida de forma enraizada e duradoura e que se manifestam sob a forma de reações inflexíveis frente a situações pessoais e sociais de natureza muito variada. Tais características representam desvios extremos ou significativos das percepções, dos pensamentos, das sensações e particularmente das relações com os outros, comparadas àquelas de um indivíduo médio de uma dada cultura. 11 Tais transtornos são classificados nos códigos F60 ao F69. (Organização Mundial da Saúde – OMS, 1993). Especificamente, o código F60 refere-se aos Transtornos Específicos de Personalidade, esses são distúrbios graves da constituição caracteriológica e de comportamento do individuo, que não estão associados diretamente a uma doença, lesão cerebral ou a um outro transtorno psiquiátrico. Aparecem habitualmente durante a infância ou adolescência, persistem de modo duradouro na idade adulta, com prejuízo significativo, compreendendo vários aspectos, dentre eles angustia pessoal e desorganização social (Organização Mundial da Saúde – OMS, 1993). No presente estudo abordar-se-á especificamente o Transtorno de Personalidade Borderline. 1.2.Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) Aspectos Históricos O termo borderline se refere na língua portuguesa ao termo fronteiriço, do ponto de vista clínico está relacionado com distúrbios de personalidade que perpassam de forma fronteiriça entre o espectro da neurose e o espectro da psicose. Inicialmente, nos primeiros estudos acerca de psicopatologia, o termo borderline era utilizado para diferenciar um estado intermediário entre estes dois espectros. Até a metade do século XX este termo era associado aos quadros de esquizofrenia, especificamente a esquizofrenia pseudoneurótica, caracterizada por diversos prejuízos no funcionamento do individuo, que correspondiam a “incapacidade de planejar de forma realista, de se defender contra os impulsos primitivos e pela predominância do processo primário sobre o secundário de pensamento” (KNIGHT apud GABBARD,2006,p. 319) . Referia-se, portanto, a uma condição psicopatológica marcada por sinais e sintomas mais brandos que os da esquizofrenia clássica propriamente dita (GABBARD, 2006). Ao longo da evolução da psicopatologia, o transtorno borderline passou por diversas definições, estando associado a diversas nomeações. De modo a apresentar essas diferentes nomeações, tornar-se-á por base a listagem proposta 12 por Dalgalarrondo (1999), a qual será apresentada a seguir. O autor enumerou diversos quadros associados ao termo borderline, tais como a heboidofrenia, estudada por Kahlbaum no final do século XIX, e que se referia aos quadros psicopatológicos menos graves que são comuns a adolescentes, nos quais predominavam alterações do comportamento ético e social, além de alterações comportamentais graves e desagregação progressiva do pensamento. Outras denominações para quadros similares foram propostos nesta época como a Esquizofrenia Latente por Breuler e Rorschach e a Esquizofrenia Ambulatorial por Zilborg. A partir da metade do século XX é que o termo borderline efetivamente começou a ser usado por Stern, ao denominar as chamadas neuroses borderline, por Deutsch ao propor a denominação Personalidade “como se” e por Knight ao se referir aos Estados Borderline. Em todas estas denominações o borderline estava associado a quadros que envolviam uma personalidade que, por trás de uma aparente adequação nos relacionamentos superficiais, apresentava um grave distúrbio frente aos relacionamentos interpessoais mais significativos (DALGALARRONDO, 1999). A partir de estudos que conseguiram delimitar as características e o curso da patologia, verificou-se que o quadro borderline parecia ser bem diferente de uma esquizofrenia de fato, esta caracterizada por um curso marcado por extensa deterioração ao longo do tempo, afastando cada vez mais a síndrome borderline da esquizofrenia (GABBARD, 2006). Verifica-se que na CID-9 na classificação dos transtornos mentais o termo borderline ainda estava associado a quadros psicóticos como a Esquizofrenia Latente, ou Esquizofrenia borderline, e estava incluído na classificação diagnóstica destinada aos quadros que apresentavam características de esquizofrenia, porém sem os sintomas clássicos desta patologia (CID-9 , Organização Mundial da Saúde OMS,1979). Foi só a partir do DSM-III (APA,1980) que o termo borderline foi associado a forma como é utilizado mais atualmente, relacionado aos transtornos de personalidade. 13 Aspectos Clínicos • Critérios diagnósticos Segundo a classificação diagnóstica baseada na Classificação Internacional de Doenças (CID-10, Organização Mundial da Saúde – OMS, 1993), o transtorno de personalidade borderline (TPB) é denominado sob o código F60.3 e identificado como Transtorno de Personalidade Emocionalmente Instável. Este é caracterizado por uma tendência nítida do individuo a agir de modo a não considerar as consequências dos seus atos, apresentando humor variável, acessos de raiva e incapacidade de controle dos comportamentos impulsivos, de modo a criar conflitos em situações sociais associados a esses comportamentos impulsivos. A CID-10 distingue este transtorno em dois tipos: o tipo impulsivo, caracterizado principalmente pela instabilidade emocional e descontrole impulsivo; e o tipo borderline, caracterizado pela presença de perturbações na auto-imagem e no estabelecimento de projetos e escolhas pessoais; por sensação crônica de vazio; por relações interpessoais marcadas por elevada intensidade e instabilidade; além de tendência a apresentar comportamentos autodestrutivos, como tentativas de suicídio e auto-mutilação (Organização Mundial da Saúde -OMS,1993) • Prevalência e Etiologia O TPB tem uma prevalência de 0,7% a 1,8% da população geral, sendo estimada em populações clínicas a prevalência de 15% a 25%. A maior parte dos pacientes com TPB é constituída por mulheres, cerca de 71% a 73%. A manifestação do transtorno nos homens se apresenta de forma diferente das mulheres, na maioria dos casos, sendo que os homens diagnosticados com TPB têm maior probabilidade de apresentarem comorbidades com transtornos de abuso de substâncias e com o transtorno de personalidade anti-social. Já as mulheres diagnosticadas tendem a apresentarem comorbidades com transtornos alimentares (GABBARD, 2006). Kaplan (1993) assinalou também que pacientes com TPB podem desenvolver sintomas psicóticos transitórios, relacionados a delírios e alucinações, principalmente em situações de estresse. Alguns estudos indicam uma 14 prevalência maior de TPB em jovens e também em indivíduos com baixa escolaridade (GRANT et al., 2008). Ainda, acerca das comorbidades do TPB, três estudos específicos revisados relacionaram esta patologia a outros transtornos psiquiátricos. O estudo de Alcantara et al (2013) fez uma revisão não-sistemática acerca do Transtorno de Humor Bipolar, focalizando em aspectos históricos, de diagnóstico e das comorbidades desta patologia. Uma das categorias analisadas foi justamente a comorbidade do transtorno de humor com o TPB. Os autores referiram uma aproximação dos dois transtornos quanto a alguns sintomas comuns como a instabilidade afetiva, a impulsividade e a presença de momentos psicóticos. Referiram também a efetividade do tratamento desses transtornos com o uso de moduladores de humor, produzindo melhoras nos sintomas de humor, mas sem alteração no curso da doença. Sugeriram ainda, que muitos pacientes com TPB apresentam Episódios de Depressão unipolar ou bipolar. O estudo indicou diferenças quanto a esses dois transtornos em relação ao padrão de relacionamentos interpessoais, que nas duas patologias são deficitários, porém os indivíduos com TPB tendem a vivenciar seus relacionamentos como hostis e com risco de abandono, enquanto os pacientes com Transtorno de Humor tendem a encarar os outros como submissos e sob seu controle (ALCANTARA et al, 2003). O estudo de Soares (2010) realizou uma revisão acerca dos critérios diagnósticos e intervenções relativas aos transtornos de personalidade anti-social e borderline. Os principais achados desta revisão, naquilo que podem contribuir para este estudo de caso, serão apresentados a seguir. Os dois transtornos estão relacionados a atos de violência cometidos por esses sujeitos os quais podem estar associados à comorbidades com problemas relacionados ao uso de álcool e transtornos de humor. Os aspectos comuns desses dois transtornos são os prejuízos quanto aos relacionamentos interpessoais e na percepção de si e do ambiente, tais aspectos com características mal adaptativas, e apresentam uma etiologia comum, que remonta aos indícios de problemas comportamentais e de Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade na infância. O estudo indicou ainda, que a convivência em ambientes familiares violentos, com baixa sensibilidade 15 parental, além de psicopatologia parental relacionada à depressão, ao abuso de substancias e a condutas antissociais predispõem ao desenvolvimento destes transtornos. Especificamente, acerca do TPB, o artigo sugeriu que a impulsividade presente nesse transtorno pode ser dependente de um estado emocional negativo, sendo que a combinação entre vulnerabilidade emocional (relacionada a um baixo limiar para resposta emocional) e ao desequilíbrio afetivo (associado à inabilidade de modular as experiências emocionais) são preditoras de um comportamento impulsivo e autoprejudicial, na tentativa de regulação das emoções (SOARES, 2010). A questão da comorbidade foi também abordada no estudo de caso de Rosa e Santos (2011) que investigou o manejo clínico de uma paciente de 18 anos, com manifestações de Bulimia Nervosa associada ao TPB. Os autores referiram que a comorbidade entre estes dois transtornos interferiu substancialmente na evolução e no prognóstico da paciente. O estudo destacou como aspectos em comum destes transtornos: as dificuldades na elaboração de lutos; a presença de experiências infantis negativas combinadas com cuidados parentais deficitários; a incapacidade de reconhecer e aceitar limites; a presença de explosões emocionais; o sentimento crônico de vazio e a falta de esperança que levam ao desespero e à prática de atos impulsivos e a exposição a situações de risco; além de notório alheamento da realidade e de certo autismo e isolamento que prejudicam a elaboração adequada dos lutos. Os autores concluíram ainda que a psicoterapia, a longo prazo, tem efeitos positivos para o prognóstico dos pacientes com esta comorbidade (ROSA e SANTOS, 2011). Quanto a etiologia do TPB, o desenvolvimento deste transtorno parece ter uma etiologia multifatorial e particular, na medida que os pacientes com tal diagnóstico podem ter caminhos diversos de evolução, envolvendo diferentes graus dos fatores etiológicos (GABBARD,2006). O artigo de Eppel (2005) abordou a etiologia do TPB realizando uma revisão e reformulação do conceito de distúrbio de personalidade limítrofe à luz dos avanços da neurociência e do desenvolvimento na infância, focalizando as predisposições genéticas, os traços de personalidade, as relações de apego e a historia de abuso 16 sexual na infância. O estudo estabeleceu como hipótese norteadora que o TPB seria um distúrbio da regulação das emoções, determinado por fatores genéticos e interpessoais. O autor definiu como principal traço de personalidade deste transtorno a instabilidade afetiva ou desregulação emocional, o qual seria o principal sintoma manifesto se mantendo ao longo da vida desses pacientes, sem remissão. Segundo o autor, fatores ambientais também precisam estar presentes para que este traço, associado também à agressão impulsiva, seja considerado preditor do transtorno (EPPEL,2005). Ainda, acerca da etiologia, o artigo propôs que os pacientes com TPB possuem uma dinâmica própria de apego e separação, na medida em que buscam uma proximidade com figuras de apego, porém apresentando dificuldades com a separação dessas figuras, já que apresentam uma reação de humor negativa a essas situações. Nestes momentos, realizam esforços frenéticos para evitar a rejeição e o abandono, apresentando comportamentos clínicos como a automutilação como tentativa de restauração da homeostase afetiva. O artigo indicou ainda que a presença de abuso sexual grave na infância pode ser um aspecto favorecedor, porém não determinante, do desenvolvimento desta patologia (EPPEL,2005). • Curso e Prognostico do TPB Segundo Gabbard (2006) a maior parte das pesquisas relacionadas ao curso do TPB indicam que este possui uma evolução positiva quando comparada com outros transtornos psiquiátricos, no sentido de que, principalmente quando tratados, estes pacientes tendem a apresentarem uma remissão dos sintomas, sendo que cerca de 73,5% preenchem critérios de remissão após seis anos do inicio da doença (ZARANINI apud GABBARD, 2006). Acerca especificamente dos sintomas relacionados a tendências autodestrutivas como a auto-mutilação, o artigo de Duque e Neves (2004) traz importante contribuição. Os autores realizaram um estudo comparativo com populações prisionais com historia de comportamento de auto-mutilação e sem histórico deste comportamento, definindo como objetivo a avaliação da importância 17 das perturbações de personalidade na facilitação deste comportamento. O estudo constatou que o comportamento de auto-mutilação pôde ser fortemente associado a transtornos de personalidade como o TPB, indicando que indivíduos com tal transtorno que apresentam tais comportamentos tendem a repeti-los e a apresentarem maiores riscos de suicídio, do uso de drogas e de sintomas depressivos (DUQUE e NEVES, 2004). O curso do TPB, segundo Gunderson et al (2008), costuma ser agudo e abrupto, principalmente quando no inicio da idade adulta, e ainda, quando os pacientes atingem a melhora dos sintomas, mantém de forma duradoura essa melhora, sugerindo assim o potencial terapêutico desses pacientes quando tratados de forma adequada. Em relação ao tratamento destes pacientes, dois estudos focalizaram esta patologia especifica. O estudo de Brum (2004) com base na teoria psicanalítica, abordou as patologias do vazio, que incluem diagnósticos como o TPB e o transtorno narcisista de personalidade, além do conceito de falso self e de autismo; e utilizou do fragmento literário e de um caso clinico de uma jovem com esta patologia, para fazer a ligação entre teoria e pratica. O artigo se atentou ao fato de que pacientes com estas patologias sofrem de vazios oriundos de falhas precoces no vinculo primitivo mãe-bebê, falhas estas que ocorrem na fase de dependência absoluta. Nesta fase, a mãe deveria ser capaz de conectar-se com seu bebê, possibilitando constituir-se com ele como uma unidade, os prejuízos nesta ligação favoreceriam um funcionamento pré-verbal, com dificuldades na simbolização, características estas presentes em indivíduos com TPB. Ressaltou que no tratamento destas desenvolvimento de patologias uma a psicoterapia capacidade pode verbal, de ajudar o criação e paciente no simbolização, possibilitando um melhor prognóstico (BRUM, 2004). O outro estudo foi o de Eizirik e Fonagy (2009) que também focalizou o tratamento e as dificuldades de simbolização destes pacientes. Os autores descreveram o conceito de mentalização e sua aplicação no entendimento do desenvolvimento da psicopatologia de pacientes com TPB. Segundo os autores, a mentalização é uma atividade mental predominantemente pré-consciente que 18 capacita o indivíduo a compreender a si mesmo e aos outros em termos de estados subjetivos e processos mentais. O estudo indicou que pacientes com TPB possuem falhas na capacidade de mentalização, apresentando instabilidade ou capacidade reduzida, o que resulta em dificuldades na regulação das emoções, prejuízo na diferenciação entre mundo interno e externo, pensamento concreto, impulsividade e propensão ao acting out. Os principais fatores etiológicos associados a estas falhas seriam os traumas na infância, tais como negligencia parental, condições sociais adversas, e traumas relacionados a vinculação com cuidadores. Com relação ao tratamento e prognóstico desses pacientes referiram que à terapia de mentalização, segundo os autores, seria efetiva em tratamentos de curto e longo prazo para pacientes com TPB (EIZIRIK e FONAGY, 2009). Quanto ao prognóstico em si, Gabbard (2006) lista os principais aspectos relacionados a um mau ou bom prognóstico no TPB. Dentre os fatores relacionados a um mau prognostico encontram-se: brutalidade dos pais; maior instabilidade afetiva; pensamento mágico; impulsividade e abuso de substancias; padrões comórbidos esquizotipicos, anti-sociais ou paranóide; presença de psicopatologia materna e historia familiar de doença mental. Já os aspectos relacionados a um bom prognóstico referem-se ao alto Q.I., a ausência de traços de narcisismo e a ausência de divórcios dos pais. Aspectos Psicodinâmicos Para uma melhor compreensão dos aspectos psicodinâmicos do TPB, apresentar-se-á uma descrição do funcionamento desses indivíduos, quanto a sua identidade, pensamento, afetividade, mecanismos de defesas e a forma de relacionamento interpessoal, como aspectos estruturais e funcionais da personalidade característicos deste transtorno. Kernberg (apud GABBARD, 2006) afirma que a organização de personalidade borderline se caracteriza por manifestações não-específicas de fragilidade de ego. Tais pessoas têm dificuldade em sublimar impulsos poderosos e de utilizar sua consciência para orientar o comportamento. O mesmo autor define que esses tipos de paciente, sob a pressão de fortes afetos tendem a regredir para um pensamento 19 semelhante ao psicótico, porém, essas mudanças para o processo de pensamento primário ocorrem mantendo-se o teste de realidade geralmente intacto (KERNBERG apud GABBARD,2006). Sobre a patogênese do TPB, Gabbard (2006) vinculou esta ao esquema de desenvolvimento de Margareth Mahler ao referir-se a subfase de reaproximação. O paciente borderline está constantemente revivendo uma crise infantil precoce, temendo se separar de sua mãe e esta desaparecer, assim como ela o abandonar. Pode-se compreender, a partir desse referencial, por que os pacientes borderline adultos têm dificuldade em estarem sós e apresentam uma ansiedade constante em relação ao fato dos outros poderem abandoná-los. Parece que esses indivíduos apresentam uma falta de constância dos objetos internos, sendo incapazes de integrar os aspectos bons e ruins de si próprios e dos outros. Segundo Kernberg (apud GABBARD, 2006) esses pacientes apresentam relações objetais internalizadas de modo patológico, que acabam por prejudicar a sua identidade, sendo esta difusa e frágil. Especificamente, quanto às relações de objeto e ao estabelecimento de vínculos, apresentar-se-á dois estudos que focaram nestes aspectos em adolescentes com TPB. No estudo de Jordão e Ramires (2010a) foi realizada uma revisão de literatura, abrangente e não sistemática, sobre os vínculos afetivos de adolescentes com indicadores de personalidade borderline e seus pais/ cuidadores. Segundo os autores, as experiências traumáticas como abuso sexual e físico, a negligência (emocional, superproteção e controle excessivo por parte dos pais), as historias de prolongada separação precoces e perdas parentais foram preditoras do transtorno em adolescentes, no sentido de promover prejuízos na vinculação primaria destes indivíduos. Além disso, a presença de contexto familiar caótico, marcado por ansiedade de separação; negação da autonomia dos filhos; modelo de comunicação precário, baseado nas atuações; padrões de apego inseguros; psicopatologia parental (alcoolismo parental); assim como déficits nos fatores protetivos (talentos artísticos, desempenho escolar, habilidades) também favoreceram a manutenção deste transtorno. O estudo destacou como básico o 20 padrão de apego inseguro, desorganizado como um fator de risco para a personalidade borderline (JORDÃO e RAMIRES, 2010a). Outro estudo dos mesmos autores (JORDÃO e RAMIRES, 2010b) avaliou os vínculos de adolescentes com indicadores de personalidade borderline a partir de estudos de casos múltiplos, com o objetivo de compreender o tipo de vinculação desses sujeitos com suas figuras cuidadoras, focalizando a percepção de ambos, jovens e pais. O principal achado foi que a presença de um contexto familiar negligente, com figuras parentais desorganizadas, com pouco investimento afetivo por parte destes nos filhos, e filhos com representações parentais permeadas por controle excessivo e pouco suporte parental. Essas experiências familiares resultaram para os jovens em ressentimento e sentimentos de desamparo, associados a traços como a falta de controle de impulsos, a instabilidade afetiva, a fragilidade da identidade, o temor à solidão, as atuações e as angustias depressivas, os quais são fatores nucleares na organização borderline da personalidade na adolescência (JORDÃO e RAMIRES, 2010b). Dentre os mecanismos de defesa específicos do TPB, Kernberg (apud GABBARD, 2006) apontou a cisão como o principal, em que ocorre a separação de introjeções e afetos contraditórios, de forma a fazer com que estes pacientes apresentem alterações constantes de comportamentos e atitudes, expressas por meio da divisão das pessoas com quem se relacionam em “totalmente boas” e “totalmente más”, além de auto-imagem com uma representação de self volátil. Essa cisão parece ser complementada por outros mecanismos de defesa, presentes no TPB, como a idealização primitiva, a onipotência, a negação e a desvalorização. Outra forma de defesa marcante corresponde a uma projeção arcaica em que as representações de self e dos objetos internos dos indivíduos são projetadas nos outros, como forma de controle sobre esses, defesa essa chamada de identificação projetiva. Dada a complexidade clínica e psicodinâmica do TPB, considera-se que a avaliação psicodiagnóstica pode ser relevante para a compreensão do transtorno. 21 1.3. Avaliação Psicodiagnóstica e transtornos diversos Contextualização dos objetivos da avaliação psicodiagnóstica De acordo com Cunha (2000), a prática do psicólogo até a metade do século XX estava bastante associada à utilização de testes psicológicos. O uso deste tipo de técnica para avaliação psicológica ainda impera atualmente, restando resquícios desse modelo de atuação no trabalho do psicólogo do século XXI. Porém, a autora diferenciou o uso dessas técnicas do termo avaliação psicológica propondo que a testagem é apenas um dos recursos possíveis quando se pretende realizar uma avaliação psicológica. Mais especificamente, o psicodiagnóstico seria um tipo de avaliação psicológica, porém, mais focada nos aspectos clínicos. A autora define este processo como sendo de caráter cientifico, na medida em que parte de um levantamento prévio de hipóteses que serão confirmadas ou informadas através de passos pré-determinados e com objetivos precisos. O avaliador se utiliza de diversas técnicas e testes psicológicos, tanto para caracterizar e identificar aspectos psicodinâmicos do individuo, quanto para solucionar duvidas em relação à classificação diagnóstica e o prognóstico do paciente avaliado. Os objetivos podem ser variados, norteados sempre pelo encaminhamento do profissional solicitante, sendo que o avaliador deve construir seu plano de avaliação, escolhendo os instrumentos mais efetivos a partir dessa solicitação e das hipóteses levantadas previamente (CUNHA, 2000). Cunha (2000) enfatiza que a historia do paciente constitui um dos recursos básicos da avaliação psicodiagnóstica, sendo que permite a coleta de subsídios introdutórios que vão fundamentar o processo como um todo. Por meio da entrevista com o paciente e da consulta em seu prontuário, pode ser possível a apreensão de dados relacionados principalmente a historia clínica, com foco na historia da moléstia atual e seu curso ao longo da vida, e também a historia pessoal, que tem como objetivo a captação de uma ideia global da vida do paciente, levando-se em conta dados de seu desenvolvimento e de aspectos relevantes em sua vida, desde a gestação até o momento atual. 22 A avaliação psicodiagnóstica constitui-se então como uma integração dos dados colhidos sobre a historia de vida do paciente e os indicadores psicodinâmicos apresentados nas técnicas de avaliação psicológica escolhidas. Em relação às técnicas projetivas, Chabert (2004) refere que estas permitem um estudo do funcionamento psíquico do individuo em uma perspectiva dinâmica, no sentido de apreender as articulações psíquicas presentes e suas potencialidades de mudança. Afirma ainda, que é possível o acesso às fantasias inconscientes e do espaço psíquico próprio do individuo a partir de um estimulo ambíguo se portando como um espaço transicional entre o mundo interno e externo do paciente. Dentre as técnicas projetivas, considerando os objetivos deste estudo, abordar-se-á especificamente: o método de Rorschach e o Teste das Pirâmides Coloridas de Pfister. O Psicodiagnóstico de Rorschach O Psicodiagnóstico de Rorschach é um método projetivo que se caracteriza pela apresentação de dez cartões com borrões de tinta, constituindo um estimulo não estruturado, em que o sujeito é solicitado a fazer associações perceptivas acerca desses borrões. É uma técnica aplicável de maneira individual a indivíduos de diferentes faixas etárias, sendo importante respeitar os valores normativos propostos para cada idade, além de ser uma técnica que exige que o individuo possua capacidade verbal de comunicação. As respostas dadas são analisadas e cotadas de acordo com a localização, o determinante e o conteúdo, obedecendo um sistema interpretativo e de codificação, que no estudo em questão será a escola francesa de Rorschach (PASIAN, 2000). A partir da analise dos dados obtidos, é possível verificar indicadores relativos ao funcionamento lógico e adaptativo e também ao funcionamento afetivo, além de promover uma apreensão da estrutura de personalidade do sujeito. Chabert (1993) afirma que o método do Rorschach é um importante instrumento no que condiz a uma articulação com os diagnósticos clínicos psicopatológicos, na medida em que esta técnica projetiva favorece o conhecimento do funcionamento e da estrutura psíquica do individuo avaliado, permitindo distinguir 23 certas condutas psíquicas e/ou patológicas, a partir dos indicadores sinalizados na técnica. Acerca especificamente do TPB, por vezes referido como patologia limite, foco deste trabalho, foram identificados três estudos que associaram indicadores psicopatológicos do método de Rorschach a este perfil de funcionamento psíquico, os quais serão apresentados a seguir. Oneto, Marques e Pinheiro (2009) realizaram um estudo de caso com uma paciente de 26 anos do sexo feminino, com diagnóstico de patologia limite. O objetivo foi estudar o conceito de espaço mental na estrutura da patologia limite, a partir de uma grelha de procedimentos do Rorschach criada pelos próprios autores. Os autores definiram o conceito de espaço mental utilizando como referencia a teoria psicanalítica, a partir de Winnicott, Grotstein e Ogden (apud ONETO, MARQUES e PINHEIRO, 2009). O espaço mental seria a zona intermediaria entre a realidade psíquica interna e a realidade externa compartilhada, constituindo o espaço do simbolismo, da criatividade. Associam o conceito a termos desenvolvimentais, no sentido de que, para que o espaço mental adquira profundidade, a unidade inicial fusional mãe-bebe deveria evoluir progressivamente, via um ambiente facilitador, para uma tríade subjetiva, composta por mãe, criança e objeto transitivo, como objeto simbólico (WINNICOTT apud ONETO, MARQUES e PINHEIRO, 2009). A partir dos trabalhos de Winnicott, Grotstein e Ogden acerca deste conceito, os autores propõem identificar três tipos de espaço mental, cada um relacionado ao nível de desenvolvimento atingido pelo sujeito, referindo ainda os indicadores correspondentes no método de Rorschach a cada tipo de espaço mental, como será detalhado a seguir. O espaço mental unidimensional, ou universo do ponto, seria a forma mais rudimentar que a mente pode se apresentar estando associada a estados simbióticos de mente. Quanto ao espaço mental bidimensional, ou universo da linha, corresponde ao espaço relacionado aos estados fusionais, sendo, em termos evolutivos, de caráter intermediário, em que a mente não adquiriu ainda profundidade. O terceiro e tipo de espaço mental proposto é o espaço mental 24 tridimensional, ou universo do plano - espaço potencial, esta seria a forma mais evoluída que o espaço mental pode se apresentar, com possibilidade de representação de objeto, em que o eu e o objeto estão claramente separados. As características mais predominantes e os indicadores associados na técnica a cada tipo de espaço mental, tal como é proposto pelos autores referidos serão apresentadas sob a forma de quadros. O quadro 1 apresenta os indicadores do Rorschach relativos ao espaço mental unidimensional. Quadro 1. Indicadores do Rorschach relativos ao Espaço Mental Unidimensional, segundo Oneto, Marques e Pinheiro (2009) Espaço Mental Unidimensional Precariedade da Indicadores do Rorschach relação com a figura centração no D branco Recusa da prancha I ; Na prancha II: centração nos D vermelhos e materna Impossibilidade de Imagens de figuras humanas (H) ou animais (A) vistas numa relação representação do destrutiva, fundidas, sem distinção entre as duas. objeto Simbiose Prancha VII–presença de personagens coladas, temáticas destrutivas, temática oral. Indistinção Eu-outro, Respostas Gbl ou D Dbl, Respostas EF CF C´F realidade-fantasia Pensamento em Respostas C, C’ e E; repostas kob; imagens sem simbolismo processo primário expressas por Sg, Anat, Sex; temáticas de morte, de destruição, de deterioração Pensamento Concreto G impreciso; pouca sensibilidade ao conteúdo latente dos cartões Pensamento Tempo de latência e tempo por prancha baixo; recusas e choques Assimbólico Ausência de espaço mental em conteúdos que Tempo de latência muito baixo os possam ser elaborados Comprometimento da Dificuldade de leitura do conteúdo manifesto dos cartões; freqüência prova de realidade de respostas Ban, respostas D e respostas A muito abaixo do esperado, com A associado a respostas deterioradas (Continua) 25 (Conclusão) Quadro 1. Indicadores do Rorschach relativos ao Espaço Mental Unidimensional, segundo Oneto, Marques e Pinheiro (2009) Espaço Mental Unidimensional Predomínio Indicadores do Rorschach da Modos de apreensão: G sincréticos ou G confabulados, G fantasia contaminados; inexistentes; tendência G à contaminação– informulados; objetos numerosas bizarros, respostas Dd; determinantes C,C’ e E puros; número de respostas formais baixo; predomínio de respostas de má qualidade formal; cinestesias interpretativas (K e kob e kp); conteúdos crus; conteúdos (H) e (A) Presença do deserto psicótico Perseveração; ausência de Ban; presença de muitas recusas; tempo de latência elevado; excessiva manipulação das pranchas O quadro 2 apresenta os indicadores do Rorschach relativos ao espaço mental bidimensional. Quadro 2. Indicadores do Rorschach relativos ao Espaço Mental Bidimensional, segundo Oneto, Marques e Pinheiro (2009) Espaço Mental Bidimensional Relação de objeto Indicadores do Rorschach primária negativa ameaça, de perigo Inconsistência da Comentários que trazem relação com imagem materna como representação de inquietante, ameaçadora, ou mesmo destrutiva, persecutória Choque ou equivalente de choque na prancha I; Imagens ou temas de objeto Objeto interno Respostas D e Dd; respostas em D após respostas em G, que não concebido como traduzem um movimento de procura; respostas G Dbl ou D Dbl; ameaçador, parcial relações de intrusão- respostas F+- e respostas C e C’; temas de angústia, insegurança, vazio; conteúdos de frio, gelo, neve, em interpretações das partes brancas; conteúdos Hd e Ad Fixação a um Nas pranchas bilaterais: dar duas personagens agarradas, coladas; estado fusional Infantilização dos conteúdos; prancha IX com imagens regressivas Objeto transitivo Presença de temas de anáclise; respostas pele; respostas prótese; como objeto de excesso de reação do sujeito a pequenos aspectos sensoriais, a cor e anáclise as matizes (Continua) 26 (Conclusão) Quadro 2. Indicadores do Rorschach relativos ao Espaço Mental Bidimensional, segundo Oneto, Marques e Pinheiro (2009) Espaço Mental Bidimensional Extrema Indicadores do Rorschach dependência do precauções verbais/hesitações Pedidos de ajuda; comentários centrados na vivência subjetiva; sujeito em relação ao outro Predomínio do pólo F+ % e F+ ext% elevados; muitas respostas Ban; de realidade Predomínio do pólo Respostas Dd – imagens irreais, bizarras; Outros indicadores já de fantasia evidenciados no espaço mental unidimensional Coexistência da G vagos, G impressionistas; oscilação entre duas ou mais imagens na realidade e da mesma localização; presença de E dif fantasia Confusão entre Resposta H seguida de (H) ou A seguida de (A); imagens que pares de opostos e deformam essa mesma realidade (F-) na mesma localização ou na complementares mesma prancha; respostas G e Dd; conteúdos mais socializados e conteúdos crus. Ausência de Presença de G simples vitalidade psíquica, com pouca capacidade para pensar Precariedade da Respostas D isoladas função simbólica Rompimento da Presença de G impressionistas: G com determinantes sensoriais: pele psíquica frágil, E,C,C´ ou seja, espaço mental com buracos psíquicos Pensamento branco Omissão de D ou Dd, respostas Dbl Ausência de tridimensionalidade, da noção de perspectiva Conteúdos sem profundidade e desvitalizados 27 O quadro 3 apresenta os indicadores do Rorschach relativos ao espaço mental Tridimensional. Quadro 3. Indicadores do Rorschach relativos ao Espaço Mental Tridimensional, segundo Oneto, Marques e Pinheiro (2009) Espaço Mental Tridimensional Indicadores do Rorschach Boa qualidade com o materno Prancha I – resposta global (G) de boa qualidade formal Constituição de um objeto interno Prancha IX com imagens de vida, de bem estar, temática total com um simbolismo materno. Acesso à representação de objeto Respostas G nos cartões compactos total associados a F ou K/kan de boa qualidade formal Presença de relação de objeto total, Pranchas bilaterais/relacionais (II, III e VII) relações entre do tipo separação-individuação duas figuras humanas (obrigatoriamente no III) ou animais ( I, IV, V, VI) claramente diferenciadas, em relação de troca Diferenciação eu-outro, realidade- fantasia Predomínio Respostas de boa qualidade formal localizadas em G, D ou Dd dos processos Presença de algumas banalidades; respostas animal, secundários respostas D e respostas F+ dentro da média. Mobilização da função alfa Ausência de recusas e choques; utilização de diferentes modos de apreensão (G, D e Dd, preferencialmente nesta ordem); Presença de espaço mental em que é Gsec com boa qualidade formal; presença de Orig; possível a criatividade Possibilidade de acesso ao Respostas D elaboradas, depois de G; verbalização rica e simbólico elaborada; R elevado em relação à média Indícios de tridimensionalidade Algumas respostas Dd na presença de respostas G e D; número suficiente de respostas K; E de perspectiva; respostas originais – conteúdos culturais, históricos, artísticos, literário Presença de espaço em que são Utilização de vários modos de apreensão, numa lógica possíveis as dialéticas psicológicas de realidade e fantasia Flexibilidade e plasticidade mentais Alternância de determinantes F e K/k havendo também lugar para C e E mas com predomínio daqueles que têm um determinante conteúdos formal associado; variedade dos 28 Segundo os autores, as perturbações no processo de desenvolvimento do espaço mental do individuo favorecem prejuízos no espaço potencial. O estudo formulou a hipótese de que a patologia limite estaria associada ao espaço mental bidimensional, visto que estes indivíduos apresentam dificuldades quanto ao nível de separação-individuação, prejudicando o uso de um objeto transitivo entre realidade interna e externa. Porém, os autores reconhecem que não existem modos de funcionamento puros, podendo coexistir características de outros modos de funcionamento (ONETO, MARQUES e PINHEIRO, 2009). O estudo de Godinho, Marques e Pinheiro (2009) também focou no conceito relacionado aos fenômenos transitivos e do espaço potencial por meio de um estudo de caso de um sujeito do sexo feminino com diagnostico de perturbação borderline. Os autores realizaram uma articulação dos conceitos com os indicadores do Rorschach presentes no protocolo de avaliação, por meio da analise de cada prancha e de traços salientes do psicograma. A partir do conceito de permeabilidade do pensamento, associado à utilização de um outro, como um objeto que evidencia o contato mínimo com a realidade, a analise do Rorschach permitiu verificar, numa dimensão simbólica, a dinâmica relacional entre mundo interno e externo do sujeito, a partir da forma como este se relaciona com as imagens e as pranchas da técnica (GODINHO, MARQUES e PINHEIRO, 2009). Os autores referiram o fenômeno transitivo, conceito proposto por Winnicot, como correspondendo a uma área neutra de experiência entre sujeito e realidade externa. O sujeito sendo criativo descobrirá a sua realidade interna, através de uma forma pessoal de experienciar a realidade externa. A hipótese do estudo seria a de que o sujeito borderline possuiria um fracasso precoce quanto à fidedignidade ambiental, o que não lhe permitiria ser capaz de diferenciar seu mundo interno do mundo externo, impossibilitando a criação de um espaço potencial próprio, apresentando fracasso na possibilidade de simbolização. Além disso, esses indivíduos utilizariam o objeto como uma segunda pele mental organizadora, constituindo uma condição assimbólica perante o outro, prevalecendo uma dificuldade de se situar na área dos fenômenos transitivos, porém com possibilidade 29 de utilizar estratégias que favoreçam uma comunicação mínima com o outro (GODINHO, MARQUES e PINHEIRO, 2009). Os autores definiram três categorias de analise relacionadas aos fenômenos transitivos e de espaço potencial. A primeira categoria estaria relacionada à impossibilidade de acesso a área transitiva, constituindo a inexistência de um espaço potencial. Neste caso as principais características estariam relacionadas à indiferenciação entre mundo interno e externo, com invasão pulsional e do mundo de fantasias sobre a realidade externa e estabelecimento de relações especulares ou destrutivas. Uma categoria intermediaria seria aquela em que o sujeito atribui ao objeto externo significado de um objeto transitivo, que possui qualidades de objetos reconfortantes. Constitui, assim, um espaço pré-potencial na medida em que há uma aproximação do espaço potencial, estabelecendo um contato mínimo com o outro. Neste caso, já há uma comunicação tênue entre sujeito e realidade externa, com possibilidade de ancoragem no real, como busca de apoio no mundo externo para o alivio das angustias internas. Por fim, a ultima categoria seria a existência da um espaço potencial, com acesso à área transitiva entre realidade interna e externa e a possibilidade de dialética de separação-individuação em que há um compromisso de percepção e projeção da realidade, além do sujeito apresentar um mundo fantasmático rico, com possibilidade de conexão com a realidade externa, sem a perda das capacidades adaptativas (GODINHO, MARQUES e PINHEIRO, 2009). No quadro 4 estão sinalizados os principais indicadores do Rorschach proposto pelos autores relacionados a cada categoria dos fenômenos transitivos e de espaço potencial. Quadro 4. Indicadores do Rorschach relativos ao Espaço Potencial, segundo Godinho, Marques e Pinheiro (2009) Espaço Potencial Indicadores no Rorschach Inexistência de um espaço Respostas de simetria sem articulação entre as figuras; G% potencial - Impossibilidade de elevado, A% elevado; GDbl e Dbl associado a temáticas de acesso à área transitiva frio e hostilidade; presença de K de má qualidade formal, com característica de relação destrutiva e invasiva; (Continua) 30 (Conclusão) Quadro 4. Indicadores do Rorschach relativos ao Espaço Potencial, segundo Godinho, Marques e Pinheiro (2009) Espaço Potencial Indicadores no Rorschach (Conclusão) Inexistência de Presença de kan, kob e kp associados a conteúdos um espaço potencial - destrutivos; presença de A% elevado com conteúdos Impossibilidade de acesso à persecutórios; presença de Hd, Anat e Sg; presença de C área transitiva associado ao vermelho com conteúdos de destruição; presença de C relacionado a cor pastel e conteúdos de insegurança; presença de C´ associado a conteúdos angustiantes; E de textura associado a representações desagradáveis; ausência ou rebaixamento do H%; (H) em maioria das respostas humanas; presença de conteúdos simbólicos de valência agressiva com representações de agressividade manifestada por passividade; presença de conteúdos simbólicos de valência regressiva associados a E de textura. Espaço pré-potencial- Objeto Presença de GF- em maioria; presença de DF+; presença externo investido como de objeto transitivo aconchegantes; presença de C associado as cores pasteis; GDbl presença e de aconchegantes Dbl E e associado de textura a imagens associada a reconfortantes; presença calorosas, conteúdos de E de perspectiva. Existência de um espaço Presença de respostas simétricas com relação dinâmica potencial - Acesso à área entre os opostos; presença de K de relação de semelhança; transitiva presença de A; GF+ em maioria; presença de GDbl e Dbl; DF+ em maioria; kan,kob e kp de boa qualidade; presença de E de textura associado a representações agradáveis; presença de H; presença de (H) não constituindo a maioria de respostas humanas. Já o estudo de Rosado e Marques (2009) procurou traduzir em procedimentos de analise da narrativa do Rorschach os principais organizadores associados ao conceito de conflito antedipiano (RACAMIER apud ROSADO e MARQUES, 2009), utilizando-se de um estudo de caso de um sujeito com patologia limite, do sexo masculino. O conceito de antédipo refere-se ao processo de constituição psíquica da 31 individualidade e da objetalidade, vivenciado no seio da relação precoce intersubjetiva mãe-bebê, organizando-se em torno do conflito originário, ou seja, entre o narcisismo e a objetalidade. Este percurso pode ser ante ou anti edipiano na medida em que se resolva num ou no outro sentido do conflito originário e se permitem ou não a emergência de um verdadeiro complexo edipiano. A relação de sedução narcísica, entre mãe e bebe, inicialmente protege o bebe face a desorganização precoce, e vai sendo gradualmente substituída por um processo de diferenciação dos dois elementos da díade, promovendo assim crescimento e autonomia para a dupla. A partir daí, é que o conflito pode então ser elaborado e a sedução narcísica se desvanece, promovendo um luto originário. Já no caso da sedução narcísica mãe-bebe culminar em um processo de fortalecimento da indiferenciação e estagnação da dupla ocorre uma versão patológica deste processo em que a organização antedipiana imortaliza um domínio incestual e de recusa do real entre a dupla (ROSADO e MARQUES, 2009). Os autores formularam como hipótese que, no caso das organizações limites, há um déficit narcísico primário que compromete o processo de constituição dos processos intra e inter psíquicos, determinando uma vivencia relacional marcada por angustias de separação-intrusão face a um objeto tido como perigoso, porém narcisicamente necessário, o que seria nomeado de um percurso antedipiano denominado antédipo esvaziado. Assim, sua dinâmica psíquica oscilaria entre a clivagem objetal e a utilização de equivalentes incestuais (identificação projetiva e esvaziamento psíquico) na busca de simular a sedução narcísica perdida. Segundo os autores, a análise do Rorschach permitiu observar as capacidades e/ou dificuldades de encontro, reconhecimento, diferenciação e comunicação criativa frente ao objeto, que são indicadores fundamentais do percurso antedipiano trilhado pelo psiquismo (ROSADO e MARQUES, 2009). O estudo estabeleceu três organizadores de analise. O primeiro corresponde à geografia antedipiana, que analisa a fragilidade da constituição do Eu e as dificuldades de separação e comunicação entre eu/objeto. A fragilidade na constituição do eu refere-se à constituição de um espaço interior vazio, sem coesão e sensível, necessitando contenção e elaboração, com uma carência narcísica e a 32 presença de um luto imposto, porém não elaborado. Outra característica é a fragilidade na Ideia do eu, sendo esta o elemento mediador entre o eu e o objeto que pode garantir sua diferenciação adequada. Porém, frente ao luto imposto e não elaborado, o eu e o objeto são radicalmente separados, prejudicando uma Ideia do eu coesa e organizadora como fonte de suporte. A extrema fragilidade do eu e da Ideia do eu implicam em uma relação de objeto sendo vivida numa lógica de dependência e periculosidade, situação esta que promove oscilações que podem comprometer a manutenção das tênues fronteiras psíquicas (ROSADO e MARQUES, 2009). O segundo organizador de analise que o estudo propõe refere-se a fantasmática antedipiana e seus instrumentos de interação. A fantasmática na organização limite seria marcada pelo terror da criação e destruição pelo outro, sendo de caracterização primitiva e sem simbolismo. Quanto aos instrumentos de interação propõe que a ausência de uma proximidade qualificadora e organizadora em relação ao objeto que vá auxiliando o eu a estabelecer limites próprios são as marcas das interações e de delimitação das organizações esvaziadas (ROSADO e MARQUES, 2009). O terceiro organizador de analise refere-se à caracterização da dinâmica antedipiana, que avalia os recursos psíquicos derivados do percurso antedipiano trilhado. Segundo os autores, o percurso pode ser marcado pelo combate permanente entre o narcisismo e a objetalidade; pela presença da sombra do luto, que sugere que a periculosidade do objeto aproxima o sujeito do luto originário, porém sem as características organizadoras destes; e pela presença da sombra do incesto que se refere à dependência narcísica (ROSADO e MARQUES, 2009). No quadro 5 estão apresentados os indicadores do Rorschach propostos pelos autores para cada categoria de analise relativas a diferenciação eu-outro, segundo Rosado e Marques (2009). 33 Quadro 5. Indicadores do Rorschach relativos a Geografia Antedipiana, Instrumentos de Interação e Dinâmica Antedipiana, segundo Rosado e Marques (2009) Categorias de Analise Indicadores do Rorschach 1.Geografia Antedipiana Fragilidade na Constituição Projeção de imagens sem vitalidade em G simples nas pranchas I, do Eu IV, V e VI, culminando em uma representação frágil e desvitalizada, pouco definida, passiva e carente de suporte; sensibilidade ao branco; tentativa de se agarrar aos recortes perceptivos; presença de simetria. Fragilidade na Ideia do Eu Escassez de representações humanas; escassez de movimentos organizadores; ausência de representações relacionais marcadas por diferenciação e familiaridade em imagens humanas ou animais; atitude de estranheza que dificulta a projeção de imagens Relação de Objeto baseada Oscilação entre imagens que investem na delimitação perceptiva, na dependência e porém áridas e planas, com boa qualidade formal, mas sem periculosidade qualquer movimento ou cor ou estompage; presença de imagens que representam movimento marcados por invasão e desmoronamento de fronteiras com F-,C,C´, E ou conteúdos fragmentados; imagens sem delimitação formal definida (F+;CF.C´F,EF); excessiva sensibilidade as particularidades de cada prancha; rigidez de modos de apreensão e/ou determinantes, e/ou conteúdos. 2.Caracterização da Fantasmática e Instrumentos de Interação Fantasmática marcada pelo Imagens marcadas pelo controle perceptual, sem riqueza de temor ao contato significado; perda de delimitações e invasão sensorial; presença de K de postura de fechamento ou de K relacionais marcados pelo perigo do encontro e dificuldades de diferenciações; perda do controle formal. (Continua) 34 (Conclusão) Quadro 5. Indicadores do Rorschach relativos a Geografia Antedipiana, Instrumentos de Interação e Dinâmica Antedipiana, segundo Rosado e Marques (2009) Categorias de Analise Indicadores do Rorschach (Conclusão) 2.Caracterização da Fantasmática e Instrumentos de Interação Instrumentos de interação Projeção de imagens rígidas ou porosas; falha na delimitação que não permitem a formal; projeção de imagens que desqualificam o Eu a partir da sustentação de limite do Eu idealização do objeto ou desqualificam o objeto pelo excesso de projeção; desregulações rítmicas dos tempos de latência e dos tempos de respostas; presença de movimento de radical diferenciação e esvaziamento ou de aproximação incestuosa invasora 3.Dinâmica Antedipiana Combate permanente entre Presença de CF, C´F, EF ou C,C´ e E nas pranchas II e III; narcisismo e objetalidade presença de K, kan ou kob desorganizadoras, intensas e de má qualidade formal; ausência de K relacionais;presença de submissão perceptiva ou ao contrario, de invasão projetiva; e presença de contaminação na sequência das pranchas Sombra do Luto Produção de conteúdo de qualidades antagônicas; presença comentários e criticas que visam enaltecer o eu ou atacar o objeto Sombra do Incesto Confusão dos objetos anteriormente delimitados (identificação projetiva); presença de conteúdos esvaziados, além de restrição, rupturas e recusas Do ponto de vista psicodinâmico, verificou-se, nos três estudos identificados com foco na patologia borderline, um esforço em caracterizar a dinâmica interna da personalidade de pessoas com este transtorno por meio dos indicadores da técnica de Rorschach, ressaltando-se nesses indicadores a sua potencial contribuição para a avaliação de aspectos estruturais e funcionais de personalidade do individuo. O Teste das Pirâmides Coloridas de Pfister (TPC) O teste das Pirâmides Coloridas de Pfister (TPC) é uma técnica projetiva, baseada nas impressões subjetivas despertadas pelas cores nos indivíduos. O teste é aplicável de maneira individual, a sujeitos com idade de sete anos até idosos, 35 excluindo os casos de pessoas com deficiência na distinção de cores (VILLEMORAMARAL, 2005). A tarefa proposta consiste na solicitação da construção de pirâmides coloridas a partir de múltiplos quadrados de dez cores e diversas tonalidades. Nas instruções, o individuo é orientado a construir três pirâmides, em sequência, de maneira que fiquem bonitas sob o seu ponto de vista. A partir da instrução, são anotados os comentários do avaliado ao longo da tarefa, suas atitudes, a escolha de cada cor e o lugar em que cada quadrículo foi colocado no esquema (VILLEMOR-AMARAL, 2005). A análise do teste e suas variáveis permite uma compreensão do funcionamento afetivo do sujeito e de suas habilidades cognitivas, fornecendo dados acerca de sua dinâmica interna ao considerar a maneira de construção das pirâmides e também as escolhas de cores e tons. A técnica considera, na analise dos dados, o processo de execução, o modo de colocação dos quadrículos, os aspectos formais das pirâmides, a quantidade de cores e tons utilizados, além do agrupamento das cores em duplas e nas chamadas síndromes cromáticas (VILLEMOR-AMARAL, 2005). Na análise do protocolo, a forma como a pirâmide foi construída, ou seja o processo de organização, oferece dados acerca dos recursos cognitivos que o sujeito possui para o contato com os afetos. Conforme estudo de Villemor-Amaral e Quirino (2013), o TPC é sensível para identificar e comparar o desenvolvimento cognitivo de grupos de crianças e adolescentes principalmente, ao se considerar os aspectos formais específicos relativos a construções em formato de estruturas e tapetes. O principal achado do estudo foi que as construções de pirâmide do tipo tapete correspondem a um desenvolvimento cognitivo mais primitivo, estando mais presente em crianças, enquanto a pirâmide do tipo estrutura se refere a um nível intelectual mais diferenciado e de maior maturidade, mais predominante em adolescentes. Apontou ainda que no caso dos adolescentes, apesar de seu maior desenvolvimento cognitivo, a expressão emocional na puberdade tende a ser menos controlável e imprevisível, com sinais de instabilidade, o que é compatível, de certo modo, ao esperado para esta faixa etária (VILLERMOR-AMARAL e QUIRINO, 2013) 36 Segundo Villemor-Amaral (2005), é possível enriquecer as conclusões diagnósticas ao se utilizar esta técnica integrando os dados relativos não só ao aspecto formal da pirâmide, mas também por meio da analise das cores que compõem as pirâmides. Jacob et al (1999) contribuíram neste sentido ao realizarem um estudo focando no funcionamento afetivo de crianças com atraso escolar e ao relatarem a associação entre os aspectos afetivos e cognitivos avaliados pelo TPC. O estudo comparou o desempenho de grupos de crianças (com idade entre 6 e 12 anos) com e sem atraso escolar, sendo todas de nível intelectual médio, objetivando caracterizar os aspectos afetivos associados ao atraso escolar, por meio das técnicas do Desenho da Casa-Árvore-Pessoa (HTP) e do TPC. Verificaram que crianças com atraso escolar utilizaram precariamente seus recursos cognitivos, funcionando em um nível mais primitivo do ponto de vista evolutivo, provavelmente em função das dificuldades de ordem afetiva, manifestas enquanto imaturidade. Já as crianças sem atraso escolar, apresentaram boa capacidade elaborativa, com melhor utilização dos recursos intelectuais apresentando produção mais compatível com sua idade e com seus recursos cognitivos, apesar da presença de indícios de conflitos e de um desenvolvimento afetivo marcado por dificuldades adaptativas (JACOB et al, 1999). Outro estudo que verificou a correlação entre aspectos afetivos e cognitivos no TPC foi conduzido por Cardoso e Capitão (2006) objetivando buscar correlações entre os indicadores do TPC e do Desenho da Figura Humana (DFH). O estudo avaliou 118 crianças, com idade entre 6 e 12 anos, de ambos os sexos, com escolaridade entre pré e sexta série. Os autores relataram que, apesar de em numero reduzido, as correlações identificadas evidenciaram alguns indicadores emocionais e cognitivos em ambos os instrumentos que avaliam os mesmos traços de personalidade, evidenciando a validade convergente entre o TPC e o DFH (CARDOSO e CAPITÃO, 2006). Dado os objetivos do presente estudo serão apresentados e explicitados somente os indicadores relativos ao TPC. Acerca dos indicadores emocionais, os referidos autores sugeriram, quanto às comparações das cores utilizadas em relação às normas, os seguintes achados: a 37 cor verde rebaixada, como indicador de sentimentos de insegurança, retraimento e inadequação, sinalizando dificuldades de adaptação ao ambiente; a cor cinza elevada, indicando tendência oposicionista e retraimento defensivo; a frequência elevada da cor laranja, como sugestiva de estado psíquico de domínio e onipotência, associada à conduta mais atuadora, à ansiedade e preocupação com alguma parte do corpo; a cor preta elevada, como indicativo de falta de identidade e perseveração, além de temor de impulsos que possam levar a uma desestruturação interna; e, por fim, a cor azul diminuída, como sugestiva de falta de controle e adaptação (CARDOSO e CAPITÃO, 2006). Em relação ao agrupamento de cores em duplas em comparação às normas, o estudo de Cardoso e Capitão (2006) sugeriu os seguintes indicadores: presença da dupla preto e laranja, estando ambas elevadas, como indicativo de utilização de defesas de repressão frente a situações de angustia, a fim de manter o equilíbrio psicológico; e a dupla de cores cinza e amarelo estando elevadas que representariam dificuldades na expressão afetiva. Acerca das síndromes cromáticas, o estudo sugeriu como principais indicadores: a síndrome fria (soma das cores azul, verde e violeta) quando elevada, como indicio de sobrecarga de ansiedade que pode favorecer ruptura do equilíbrio e quando rebaixada como sinal de diminuição de tensões e ansiedades principalmente quando relacionada ao rebaixamento da cor violeta; já a presença da síndrome de dinamismo (relacionada a elevação das cores verde, amarelo e marrom) seria indicio de sensação de sobrecarga associada ao exagero de manifestações estereotipadas, além de sentimento de inadequação social; a elevação da síndrome de estimulo (associada a soma das cores vermelho, amarelo e laranja) foi considerada como indicadora de imaturidade severa, intensa ansiedade de castração, além de egocentrismo e desadaptação; e a síndrome normal (soma das cores azul, vermelho e verde) quando rebaixada em relação a norma como indicador de sentimento de culpa e inadequação, com dificuldade de expressão de sentimentos; a elevação da síndrome incolor (soma das cores preto, branco e cinza) como indicio de fuga afetiva para manter equilíbrio, além de associação entre agressividade expressa e a falta de inibição dos impulsos, e equilíbrio psíquico frágil. Destacou ainda um ultimo 38 indicador afetivo que associa a presença da síndrome de estimulo elevada juntamente com a frequência elevada da cor cinza como indicador de conduta de retraimento em razão da necessidade de defesa contra os afetos (CARDOSO e CAPITÃO, 2006). Em relação aos indicadores cognitivos do TPC, Cardoso e Capitão (2006), sugeriram, em seu estudo, que a presença do indicador tapete com inicio de ordem esteve associado a um menor nível intelectual no grupo de crianças pesquisadas. Já os indicadores relativos a pirâmide dos tipos formação em camada multicromática e estrutura simétrica foram associados a aspectos cognitivos mais elaborados. Com base nos achados do estudo, consideraram a presença de desempenho cognitivo e funcionamento afetivo como uma integração imprescindível, ao se analisar os dados do TPC. Visto que esta técnica é não verbal e de fácil aplicação, Villemor-Amaral (2005) afirma que este instrumento possa ser rico e útil no diagnostico diferencial em psicopatologia. Em recente revisão da literatura, Silva e Cardoso (2012) realizaram um levantamento de pesquisas relacionadas ao TPC na base de dados da Biblioteca Virtual de Saúde. Com base na revisão, as autoras relataram que nos últimos 12 anos a maior parte dos estudos encontrados com TPC foram relacionados à aplicação deste em contextos específicos, com objetivo de caracterização psicodinâmica e também em estudos de validação, mais especificamente de comparação entre grupos de pessoas com transtorno psiquiátrico e outro grupo de pessoas, sem diagnostico prévio. Relataram que o foco da produção cientifica recente foi na diferenciação e elucidação dos diagnósticos psicopatológicos, sinalizando que o TPC pode ser sensível para a avaliação de indicadores funcionais do individuo (SILVA e CARDOSO, 2012). Sobre populações especificas, verificaram artigos recentes relacionados ao uso do TPC para avaliar psicopatologias. No estudo de Villemor-Amaral, Silva e Primi (2004), a psicopatologia estudada foi o alcoolismo. Os autores realizaram um estudo comparativo entre um grupo de pessoas diagnosticadas como alcoolistas e outro grupo de pessoas sem queixa psiquiátrica, a partir de aplicações individuais do TPC e, somente no caso do grupo clinico foi utilizada a SCID-I com o objetivo de 39 confirmação diagnóstica. O principal achado do estudo referiu-se ao uso das cores vermelha, violeta, verde e azul. Verificaram no grupo dos alcoolistas a frequência elevada da cor vermelha, como indicador de traços de excitação afetiva, impulsividade e voracidade que resultam na busca de alivio de angustia interna, por meio do álcool, como uma forma de contenção dessas angustias e de satisfação imediata (VILLERMOR-AMARAL, SILVA e PRIMI, 2004). O estudo propôs, ainda, como um dos principais indicadores, a constância absoluta que se refere à utilização de uma mesma cor nas três pirâmides construídas. No caso dos alcoolistas, o estudo sugeriu a presença da constância absoluta da cor violeta, como indicadora de aspectos relativos à ansiedade, insegurança, insatisfação interna, inquietação, fácil perturbação e imprevisibilidade de atitudes. O individuo alcoolista buscaria amparo e proteção no uso de álcool, por meio da atuação, em detrimento da elaboração das vivencias afetivas. Verificaram também a constância absoluta das cores verde e azul, porém os autores não sugeriram interpretações especificas que justificassem a associação dessas cores às características dos alcoolistas, sendo que elas foram indicadas no estudo por apresentarem diferenças significativas em relação ao grupo de não-alcoolistas (VILLERMOR-AMARAL, SILVA e PRIMI, 2004). Um outro estudo, de Villemor-Amaral et al. (2004) investigou o desempenho no TPC de pacientes com depressão a partir de um estudo comparativo entre uma amostra clinica composta por sujeitos que apresentaram pelo menos um episodio depressivo, classificado de acordo com o DSM-IV, e uma amostra normativa composta por sujeitos não-pacientes, adultos. Quando comparados os dois grupos, constataram que o grupo de pacientes com depressão apresentou a elevação da cor verde, a presença da constância absoluta da cor violeta, as pirâmides do tipo formação cortada e as do tipo formações tendendo a estrutura. A elevada frequência da cor verde foi sugerida como indicadora de elevação da ansiedade associada ao acúmulo ou sobrecarga de estimulação interna, impregnada de emoções que sufocam o indivíduo, enfraquecendo e rompendo o controle homeostático. O estudo associou estes dados como sendo corroborados pela presença de constância absoluta da cor violeta nesses pacientes, indicando aspectos de ansiedade e 40 tensão, além do desejo de alcançar algo que parece inacessível. Segundo os autores, os pacientes deprimidos apresentaram sintomas de ansiedade e um pensamento fixado na ideia de realização de um desejo irrealizável. Quanto ao aspecto formal, verificaram que pacientes com depressão obtiveram valores significativos de pirâmides com formações cortadas ou decepadas (pirâmides nas quais há o uso do branco em uma camada) o que revela dificuldades de relacionamento e contato social, sendo possível considerar as pirâmides cortadas como indicadores desse déficit relacional. Outro tipo de aspecto formal que apareceu como significativo nestes pacientes foi a formação que tende a estrutura, sendo que corresponde a um nível médio de maturidade emocional com tendência a se estruturar. Isto se justifica já que o estudo sugeriu que, do ponto de vista psicanalítico, a depressão tem origem em estágios mais evoluídos do desenvolvimento psíquico, apresentando um maior nível de estruturação do eu, apesar de não atingir os estágios mais diferenciados de amadurecimento, representados pelas pirâmides do tipo estrutura. (VILLEMOR-AMARAL et al.,2004). A contribuição do TPC para o diagnostico da esquizofrenia foi estudada por Villemor-Amaral et al (2005) comparando pacientes que apresentavam diagnostico de esquizofrenia, segundo o DSM-IV, e uma amostra normativa composta por nãopacientes, sendo ambos os grupos de adultos. O principal achado deste estudo foi relacionado ao aspecto formal das pirâmides, sendo que os pacientes esquizofrênicos apresentaram com maior frequência a pirâmide do tipo tapete furado e desequilibrado. Este indicador estaria associado a um funcionamento cindido e com o pensamento com indícios de dissociação, fragmentação, pouca coesão, além de desagregação da estrutura de personalidade. Os autores encontraram alterações quanto à constância absoluta das cores vermelha e marrom. Em relação à constância absoluta da cor vermelha, o estudo sugeriu que este indicador, juntamente com presença de pirâmide do tipo tapete furado e desequilibrado, foi sugestiva de indicio de impulsividade, sem a devida contenção, com dificuldades de adaptação à realidade, hipersensibilidade e labilidade. A constância absoluta da cor marrom foi sugerida como indicio de regressão, ao se associar em dupla com a constância absoluta da cor vermelha (VILLEMOR-AMARAL et al.,2005). 41 Machado et al (2008) analisou os indícios de compulsão alimentar em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, por meio de um estudo prospectivo, avaliando-os antes da cirurgia e pelo menos dois anos após a operação, por meio da aplicação individual do TPC e de entrevista semi-estruturada. Os indicadores obtidos foram divididos entre aqueles relativos ao TPC e aqueles relativos às categorias de analise da entrevista, sendo que para fins desse estudo serão relatados somente os indicadores do TPC. Relataram a presença da dupla de cores preto e marrom, sendo que a elevação da frequência das duas cores em relação à norma foi considerada um indicador de risco de compulsão, associado aos aspectos de rigidez e inflexibilidade mental e à falta de recursos para lidar com conflitos. A alteração da frequência da cor azul foi verificada neste estudo como um indicador importante de capacidade de controle e adaptação, sendo que sua elevação estaria relacionada a alto controle e rigidez sobre os afetos, sugerindo risco de compulsão, e seu rebaixamento associado a prejuízo na capacidade de controle, sugerindo risco de descontrole impulsivo. A elevada frequência da cor vermelha foi apontada como um indicador de atitude agressiva e impulsiva. O estudo verificou, ainda, como um indicador importante a presença de pirâmides do tipo estrutura , como indicio de boa capacidade emocional ao lidar com situações conflitivas, sugestivo de estabilidade emocional (MACHADO et al, 2008) Outro estudo a ser relatado é o de Faria (2008) que verificou a contribuição da utilização do TPC para a avaliação de pacientes com transtorno dissociativo de identidade, por meio de um estudo de caso, com uma paciente de sexo feminino, de 47 anos. Os principais achados quanto aos indicadores de personalidade múltipla no TPC referiram-se a aspectos formais e afetivos. Nos aspectos formais verificou a presença de pirâmides do tipo decepada, indicando fragilidade estrutural e alterações de pensamento; estrutura em manto, relacionada a perturbações provenientes de dissociação e manejos defensivos; formação em camada monocromática, indicadora de inibição e retraimento; e estrutura em escada, associada a conflitos emocionais. 42 Quanto aos indicadores emocionais, o referido autor sinalizou a ausência da cor laranja como indicador de enfraquecimento estrutural e dissociação; a elevação das cores azul, vermelho, cinza e violeta, como indício de perturbações na esfera afetiva; a elevação das cores azul, preta e branca como indicadores de introversão, repressão e tendência à perda de contato com a realidade; a síndrome cromática esbranquiçada como indicadora de enfraquecimento estrutural da personalidade; a elevação das síndromes fria e de contraste como sinal de ansiedade e esquiva ao contato, mantendo atitude fria e distante em relação ao mundo exterior; a fórmula cromática restrita e instável, associada a sentimentos de instabilidade controlados por mecanismos inibitórios; e a variação cromática baixa, como indicio de sentimentos de insegurança e inibição. Em relação a indicadores adaptativos sugeriu: a presença de pirâmides do tipo mosaico, associado à inteligência e sensibilidade artística; a presença de pirâmides do tipo estrutura simétrica, relacionada à capacidade cognitiva diferenciada; além do indicador formula cromática restrita e flexível, como característica de cautela e inibição, porém com capacidade de adaptação ao ambiente (FARIA, 2008). Analisando os estudos identificados relativos ao TPC, verificou-se que adotaram um conjunto de indicadores específicos com o objetivo de fornecer uma compreensão mais aprofundada da dinâmica interna de pessoas com transtornos psiquiátricos. Nesse contexto destaca-se como justificativa para o presente estudo a necessidade de melhor compreensão dos aspectos característicos do TPB quanto aos indicadores de personalidade. Considerando a diversidade de manifestações clinicas e psicodinâmicas, próprias do TPB, identificar as peculiaridades do nível de organização da personalidade desses pacientes pode contribuir para ampliar a compreensão sobre os aspectos estruturais e funcionais de suas capacidades e dificuldades adaptativas. Sob esta perspectiva as técnicas projetivas podem favorecer a identificação de características que permitem a compreensão psicodinâmica desse funcionamento. Potencialmente, o método de Rorschach e o 43 TPC, respectivamente avaliam aspectos predominantemente estruturais e funcionais da personalidade, podendo fornecer indicadores que contribuem para uma avaliação psicodinâmica mais completa. A escolha da metodologia de estudo de caso pode favorecer esta compreensão, dada à possibilidade de integração de diferentes indicadores advindos de diferentes fontes e de diversos momentos do desenvolvimento do participante. Deste modo, justifica-se a proposição do presente estudo que tem como questão norteadora a avaliação psicodinâmica de aspectos estruturais e funcionais da personalidade de uma paciente diagnosticada como portadora do TPB. 2. OBJETIVO Caracterizar os indicadores estruturais e funcionais relativos à organização da personalidade, por meio de um estudo de caso, de uma paciente jovem, com diagnóstico psicodinâmico de TPB, tendo por referência a avaliação psicodiagnóstica, por meio da entrevista clínica e dos testes projetivos Rorschach e TPC. 3. MÉTODO Adotou-se como delineamento a metodologia de estudo de caso, integrando dados de diferentes fontes, interpretados a luz dos indicadores normativos das técnicas e da abordagem psicodinâmica. Participante Para o presente estudo, será considerada a analise dos protocolos de uma avaliação psicodiagnóstica realizada, a partir de objetivos clínicos, com uma jovem atendida junto ao Serviço de Psicologia da divisão de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP–USP), por ocasião de sua internação psiquiátrica junto ao Hospital-Dia. Com o intuito de preservar a identidade da paciente será utilizado nome fictício. A paciente em questão será nomeada aqui como Clarice. Trata-se de uma jovem, de 18 anos, solteira, 44 estudante, sendo que cursava o 3º ano do ensino médio no momento da avaliação. Clarice é filha adotiva, tendo duas irmãs mais velhas, filhas de sua mãe adotiva com o pai adotivo, sendo este falecido há 11 anos, vítima de um infarto. Instrumentos Foram utilizados os seguintes instrumentos: • Entrevista clínica psiquiátrica e coleta de informações do prontuário médico da paciente, junto ao HCFMRP-USP, abrangendo dados acerca da Historia da Moléstia Atual, Antecedentes Pessoais e Psiquiátricos da paciente. • Psicodiagnóstico de Rorschach, a partir da aplicação, codificação e interpretação dos indicadores realizada de acordo com as recomendações técnicas da Escola Francesa (TRAUBENBERG, 1998) e para comparação considerou-se a padronização brasileira de Pasian (2000). • Teste das Pirâmides Coloridas de Pfister (TPC), aplicado, codificado e interpretado segundo as normas de padronização brasileira propostas por Villemor-Amaral (2005) Procedimento No período da avaliação a paciente encontrava-se internada na unidade de semi-internação Hospital-Dia Psiquiátrico do HCFMRP-USP, sendo que a avaliação foi solicitada pelo psiquiatra que a acompanhava, com objetivos clínicos e a fim de esclarecimento diagnóstico. Antes do inicio da avaliação, foram esclarecidos para a paciente os objetivos desta, levando-se em consideração os princípios éticos recomendados quanto ao sigilo e a utilização do material posteriormente para pesquisa. O processo de avaliação foi iniciado somente após o consentimento livre da paciente. Procedeu-se a coleta de informações da história clínica e a aplicação e codificação dos testes projetivos Rorschach e TPC, seguindo as normas técnicas vigentes. Para a coleta foram realizadas sessões individuais por psicóloga treinada para a aplicação das técnicas especificas de avaliação utilizadas no estudo. Os dados obtidos foram avaliados e codificados pela profissional, e posteriormente, de 45 forma independente, foram codificados por outros dois psicólogos treinados. Para este estudo, a analise do material foi realizada considerando a codificação de consenso entre os três avaliadores. Para a interpretação e integração dos dados utilizou-se como referencial teórico a abordagem psicodinâmica. Os dados foram agrupados da seguinte maneira: • Historia Clínica Psiquiátrica: manifestações e caracterizações da doença; aspectos estruturais e adaptativos; momentos de crise e de menor dificuldade; estressores presentes ao longo da vida e indicadores psicopatológicos familiares. • Psicodiagnóstico de Rorschach, especificando as categorias: 1 - Funcionamento lógico e adaptativo, agrupando: a) produção: número de respostas absolutas (R), respostas adicionais (Rad), denegações (Den), recusas (Rec), respostas movimento humano (∑K), parcial humano (kp), animal (kan) e objeto (kob); b) aspectos relativos ao controle lógico: porcentagem de respostas forma (F%), porcentagem de resposta forma bem vista (F+%), porcentagem de resposta forma bem vista associadas a outros determinantes (F+ext%); número de respostas com tendência posição (Pos); adaptação ao real, por meio dos tipos de percepção global (G%), detalhe (D%) e pequeno detalhe (Dd%); e da porcentagem de resposta animal (A%) e de resposta banalidades (Ban%); 2 – Funcionamento afetivo, agrupando: a) tipos de vivências: 1ª. Formula (T.R.I. - ∑K : ∑Cp), 2ª.Formula– Vivências Latentes (∑k : ∑Ep) e 3ª. Formula (No de R das Pranchas VIII, IX e X); R b) controle geral, por meio da porcentagem de resposta forma (F%) e específico, porcentagem de respostas forma associadas à cor, estompagem e movimento (FC: CF+C, FE: EF+E, ∑K: ∑k); c) Formula de Angústia, por meio de (Hd+Sx+Anat≥ 12%); R 46 3-Integração dos indicadores relativos à categorização dos aspectos estruturais e funcionais de personalidade, tendo por base as proposições da literatura (Apêndice A). • TPC, levando-se em consideração os indicadores relativos a: 1-Funcionamento lógico: a) produção: o ritmo de trabalho, o modo de execução das pirâmides, os aspectos formais e fórmula cromática, constância absoluta, síndromes e cores. 2-Funcionamento Afetivo: a) organização do funcionamento da personalidade, por meio das síndromes normal (Az%+Vm%+Vd%), estímulo (Vm%+Am%+La%), fria (Az%+Vd%+Vi%) e incolor (Pr%+Br%+Ci%). b) manifestações afetivas, por meio da porcentagem de cores na média (n), aumentadas (↑) e diminuídas (↓). 3-Integração dos indicadores, tendo por referência a literatura, utilizados para a categorização dos indicadores estruturais e funcionais de personalidade (Apêndice B). Para a análise dos dados do estudo de caso, apresentar-se-á separadamente as informações advindas da historia clínica psiquiátrica e das técnicas projetivas Rorschach e TPC. Os dados serão apresentados e discutidos de modo concomitante. 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os dados obtidos serão apresentados em três tópicos, a saber, o primeiro relativo a historia clínica psiquiátrica, manifestações clínicas e recursos adaptativos; no segundo tópico serão apresentados os indicadores relativos à avaliação psicodiagnóstica por meio do método de Rorschach destacando aspectos estruturais e funcionais; e no terceiro tópico serão apresentados os dados relativos a avaliação psicodiagnóstica por meio do TPC, abordando aspectos estruturais e funcionais da personalidade. Finalizar-se-á o tópico integrando as informações das três fontes de dados, tendo por suporte a literatura. 47 4.1. Historia Clinica Psiquiátrica- Caracterização sociodemografica, Manifestações clinicas predominantes e Recursos adaptativos. Na tabela 1 são apresentados os dados relativos ao perfil sociodemográfico da paciente avaliada e as principais manifestações clinicas relativas aos sintomas e aos recursos adaptativos. Tabela 1: Caracterização sociodemográfica e das manifestações clínicas psiquiátricas predominantes, além dos dados relacionados aos aspectos adaptativos sinalizados na historia de vida da paciente Caracterização Clarice, 18 anos, 2º grau incompleto; adotada com um sociodemográfica dia de vida; possui duas irmãs mais velhas filhas de sua mãe adotiva;Pai adotivo faleceu por infarto há 11 anos. Manifestações clínicas Quadro atual: predominantes • período da avaliação psicodiagnóstica: internada no Hospital-dia com objetivo de melhora no controle de impulsos; há um mês da internação atual: internada em hospital psiquiátrico devido a ideação suicida, sintomas ansiosos, conflitos familiares e uso irregular da medicação. Alta com melhora da ideação suicida e da ansiedade social. • há dois meses da internação atual: internada em enfermaria psiquiátrica devido a tentativa de suicídio com uso de medicamentos psicotrópicos. Pensamentos de morte e de heteroagressão, idéias supervalorizadas. Teve alta com remissão dos sintomas depressivos. Manteve instabilidade afetiva, sentimento de vazio, automutilações. (Continua) 48 (Continuação) Tabela 1: Caracterização sociodemográfica e das manifestações clinicas psiquiátricas predominantes, além dos dados relacionados aos aspectos adaptativos sinalizados na historia de vida da paciente (Continuação) • há três meses da internação atual: Após viagem e Manifestações clinicas conflitos com namorada: sintomas de tristeza intensa, predominantes anedonia, perda de apetite; piora do rendimento escolar; pensamento suicida. • há quatro meses da internação atual: Tentativa de suicídio com uso de medicações após novo conflito com a namorada. • há seis meses da internação atual: Tentativa de suicídio com uso de medicações após tentativa de suicídio da namorada; Tratada com psicotrópicos e com psicoterapia. Manteve irritabilidade, instabilidade emocional; idéias suicidas flutuantes, sentimentos de desesperança; perda de funcionalidade na escola; comportamentos de auto-mutilação; alucinação auditiva. Manifestações prévias: • Infância (Até os 12 anos de idade): episódios de compulsão alimentar e comportamento purgativo aos 7 anos; ganho de peso; agressividade, ansiedade, mitomania, comportamento opositor,enurese noturna. • Adolescência (dos 12 aos 18 anos): isolamento social, ansiedade em situações sociais; uso regular de tabaco aos 15 anos; uso pontual de maconha e cocaína aos 15 anos; uso abusivo de álcool; episodio depressivo após término de relacionamento homoafetivo; pensamentos de morte; sentimento crônico de vazio. (Continua) 49 (Continuação) Tabela 1: Caracterização sociodemográfica e das manifestações clinicas psiquiátricas predominantes, além dos dados relacionados aos aspectos adaptativos sinalizados na historia de vida da paciente (Continuação)Manifestações Aspectos Estruturais clínicas predominantes Traços de agressividade, ansiedade, isolamento afetivo e social; descontrole de impulsos; busca de alívio de angústia por meio de comportamentos externalizantes; sentimento crônico de vazio, instabilidade afetiva; relacionamentos afetivos marcados por instabilidade e ambivalência; poucas amizades; relação conflitiva com a mãe adotiva Aspectos adaptativos • Paciente com bom rendimento escolar na infância e adolescência. • Após tratamento psicoterápico não apresentou dificuldades quanto à funcionalidade (14 aos 17 anos). • Trabalhou por dois anos (16 aos 18 anos) como secretária. • Na adolescência participou de projeto social na escola. • Bom relacionamento com as irmãs. Momentos de crise • 7 anos: morte do pai, episódios de compulsão alimentar e comportamento purgativo. • 9 anos: Conflitos com a mãe adotiva (agressões verbais e físicas) e comportamento opositor e mitômano. Tratamento psicoterápico. • 15 anos: relacionamento homoafetivo conflitos com a mãe adotiva. (Continua) e 50 (Conclusão) Tabela 1: Caracterização sociodemográfica e das manifestações clinicas psiquiátricas predominantes, além dos dados relacionados aos aspectos adaptativos sinalizados na historia de vida da paciente Estressores ao longo • Um dia de vida: adotada. da vida • Aos 7 anos: Falecimento do pai adotivo; dificuldades financeiras da família • Aos 9 anos: Mãe adotiva com “depressão”, não tratada. • Aos 12 anos: Mãe adotiva com dependência de álcool, por um ano. • Aos 15 anos: Termino de relacionamento homoafetivo conflitivo • Aos 17 anos: Relacionamento homoafetivo conflitivo além de conflitos familiares. Indicadores psicopatológicos familiares • Mãe adotiva: Episodio Depressivo Maior e Dependência de álcool. • Dois tios maternos biológicos com transtorno mental. Trata-se de uma paciente jovem, com escolaridade de 2º grau completo, adotada com um dia de vida, que reside com a mãe adotiva e duas irmãs mais velhas, estas filhas de sua mãe adotiva, seu pai adotivo faleceu há 11 anos. A paciente conhece a família de origem, mas não mantem contato com a mesma. No período da avaliação, a paciente encontrava-se internada em uma unidade de semi-internação psiquiátrica com o objetivo terapêutico de melhora do controle de impulsos. Previamente, verificou-se que a paciente passou por duas internações de caráter integral em unidades psiquiátricas (há três meses e há dois meses, respectivamente, da internação atual) devido à tentativa e ideação suicida recorrente, além de apresentar sintomas depressivos, ansiosos, comportamento de automutilação, ideias supervalorizadas, ideias de heteroagressão, dificuldades de 51 adesão ao tratamento psicofarmacológico, mantendo instabilidade afetiva e dificuldades no relacionamento com familiares. Anteriormente a estas internações, desde cerca de seis meses da internação atual, a paciente mantinha sintomas depressivos graves como anedonia e perda de apetite, com perda de funcionalidade, piora do rendimento escolar, tristeza intensa, automutilação, ideação suicida, além de cerca de duas tentativas de suicídio com uso de medicamentos (há quatro meses e seis meses, respectivamente, da internação atual). A paciente manteve sintomas como irritabilidade, instabilidade afetiva e sintomas psicóticos associados a alucinações auditivas. Verificou-se que a paciente apresentava piora desses sintomas principalmente após conflitos de relacionamento com parceira homoafetiva. Verificou-se que desde a infância a paciente apresentava dificuldades expressas por meio de prejuízos no controle de impulsos associados aos indicadores de transtorno alimentar, de agressividade e de dificuldades de relacionamento. Na adolescência, estas dificuldades se acentuaram, apresentando uso abusivo de álcool, pensamentos de morte após término de relacionamento homoafetivo, com queixa de sentimento crônico de vazio e tendência a isolar-se socialmente e com indicadores de ansiedade. No entanto, apesar das dificuldades a paciente manteve certa adaptação funcional na infância e adolescência, dado este corroborado por seu bom desempenho escolar indicado em sua historia clínica. Ao longo de sua historia de vida, a paciente apresentou momentos de crise e diversos estressores psicossociais. Como primeiro estressor pode-se citar a adoção com um dia de vida, não tendo tido mais contato com sua mãe biológica. Aos 7 anos de vida, seu pai adotivo faleceu devido a um infarto, o que culminou com dificuldades financeiras por parte da família da paciente. Neste momento Clarice manifestou dificuldades de controle de impulsos e passou a apresentar episódios de compulsão alimentar e comportamento purgativo. Aos 9 anos de idade, a mãe adotiva da paciente apresentou historia de depressão, não tratada, e neste período Clarice apresentou diversos conflitos com a mãe, culminando com manifestação de agressividade por parte das duas, período este em que a paciente apresentou ainda comportamento opositor e mitômano. 52 Aos 12 anos de idade da paciente, a mãe adotiva apresentou dependência de álcool, por cerca de um ano. Aos 15 anos, Clarice iniciou relacionamento homoafetivo, este marcado por instabilidade, assim como seu relacionamento homoafetivo iniciado aos 17 anos, que culminou com posteriores conflitos familiares e com o inicio de seu tratamento psiquiátrico propriamente dito, a partir das internações e tentativas de suicídio, em concomitância aos conflitos neste relacionamento. Acerca dos indicadores psicopatológicos familiares, além das patologias da mãe adotiva citadas anteriormente (Episódio Depressivo Maior e Dependência de Álcool), a historia referiu ainda dois tios, por parte de sua mãe biológica, com transtorno psiquiátrico não especificado. Assim, pode-se dizer que Clarice apresentou manifestações predominantemente associadas a traços de agressividade, com episódios de descontrole de impulsos, além de ansiedade, instabilidade afetiva, sentimentos crônicos de vazio, isolamento afetivo e social, apresentando busca de alivio da angustia por meio de comportamentos externalizantes. Outro aspecto verificado foram as dificuldades associadas aos seus relacionamentos afetivos, marcados por instabilidade e sentimentos de ambivalência, busca de pouco contato social, além de marcados conflitos com a mãe adotiva. Os dados relativos a caracterização sociodemografica são sugestivos do perfil característico do TPB, tal como relatado na literatura, no que diz respeito a presença prevalente em mulheres (GABBARD, 2006) jovens (GRANT et al, 2008), com início na infância e adolescência e persistência de modo duradouro na idade adulta, segundo a CID-10 (Organização Mundial da Saúde – OMS, 1993). Constatou-se ainda que a paciente estudada apresentou, em sua historia clínica, sintomas típicos dos critérios diagnósticos vigentes na CID-10 (Organização Mundial da Saúde – OMS, 1993) que associam TPB a características pessoais como dificuldade no controle de impulsos, instabilidade afetiva, angústia pessoal, relações interpessoais marcadas por elevada instabilidade e comportamento autodestrutivo, sinalizadas pela paciente ao longo do período relatado de inicio das crises. Destaca-se que as várias tentativas de suicídio referidas e os comportamentos de automutilação, presentes em sua historia corroboram com o 53 relato de Duque e Neves (2004) que afirmaram que pacientes com perturbação limite que apresentam este tipo de comportamento tendem a repeti-lo ao longo da vida e a apresentarem maiores riscos de novas tentativas de suicídio, falando a favor do TPB como facilitador deste comportamento. Outro dado que concorda com a literatura vigente está relacionado à comorbidade entre TPB e Transtorno de Humor Bipolar (ALCANTARA et al, 2003), observou-se que a paciente apresentou sintomas típicos de um episodio depressivo maior no ano relativo às internações psiquiátricas. Foi possível verificar também os sintomas comuns das duas patologias na paciente estudada como a instabilidade afetiva, a impulsividade, padrões de relacionamentos deficitários, além da presença de momentos psicóticos (ALCANTARA et al, 2003). A presença de sintomas psicóticos em pacientes com TPB também foi referida por Kaplan (1993) e Kernberg (apud GABBARD, 2006). A piora dos sintomas apresentados pela paciente após conflitos de relacionamento com parceira homoafetiva é um outro ponto a ser discutido. A paciente pareceu apresentar uma reação de humor negativo à separação e aos conflitos em seu relacionamento, e, como o proposto por Eppel (2005), tais indicadores sinalizam, por parte dos portadores de TPB, esforços frenéticos para evitar a rejeição e abandono, a partir da manifestação de comportamentos como a automutilação numa tentativa de restauração da homeostase afetiva, episódios estes frequentes na historia da paciente. Verificou-se como predominante na organização da personalidade da paciente estudada o traço de desregulação emocional, ou instabilidade afetiva, sintoma este que pouco remitiu na historia clínica. Tal característica foi corroborada por Eppel (2005) e por Soares (2010), acerca da impulsividade relacionada a um estado emocional negativo. A combinação entre vulnerabilidade emocional e desequilíbrio afetivo, manifestados também pela paciente, acabam sendo precursoras de comportamentos impulsivos e auto prejudiciais, como os sinalizados na historia clínica de Clarice. Ao se analisar as queixas relatadas na historia clínica da paciente verificou-se sintomas relacionados a um transtorno alimentar quando tinha 7 anos, o que vai ao 54 encontro da literatura quanto à comorbidade com TPB (GABBARD, 2006; ROSA e SANTOS,2011). Além disso, Rosa e Santos (2011) indicaram características especificas de pacientes com esta comorbidade apresentadas por Clarice, como as dificuldades na elaboração de lutos; a incapacidade de reconhecer e aceitar limites; a presença de explosões emocionais; a referencia a sentimento crônico de vazio e a falta de esperança que levam à prática de atos impulsivos e à exposição a situações de risco; além de notório alheamento da realidade e isolamento social. Além disso, a paciente sinalizou uso abusivo de álcool, que também é relatado na literatura como frequente em pacientes com TPB (DUQUE e NEVES, 2004; GABBARD, 2006; SOARES, 2010). Foi possível verificar ainda que a paciente apresentou em sua historia clínica diversos fatores etiológicos de acordo com a literatura que são favorecedores do desenvolvimento do TPB o que sugere, conforme proposto por Gabbard (2006), uma etiologia multifatorial e particular, comum a pacientes com TPB. A paciente em questão apresentou perdas precoces e problemas relacionados à vinculação com figuras de apego, e, conforme proposto por Eizirik e Fonagy (2009) e Jordão e Ramires (2010a), estes são fatores preditores importantes na manutenção do TPB, na medida em que promovem prejuízos na vinculação primária desses indivíduos, favorecendo fragilidade e instabilidade vinculares, características marcadas nos relacionamentos de Clarice. Estes prejuízos favorecem uma introjeção patológica de relações objetais, prejudicando também o desenvolvimento de uma identidade coesa e adequada, características psicodinâmicas típicas destes pacientes, conforme Kernberg (apud GABBARD, 2006), e sinalizadas também por esta paciente. A referência na historia à adoção com poucos dias de vida e à perda precoce do pai também foi sugestiva de dificuldades quanto às situações vinculares o que, conforme Brum (2004), favorece o desenvolvimento de sensação de vazio profundo nos pacientes com TPB, prejudicando a capacidade de simbolização e favorecendo comportamentos impulsivos e de acting out, características essas associadas ao TPB por diversos autores (ROSA e SANTOS, 2011; SOARES,2010; EIZIRIK e FONAGY, 2009; KERNBERG apud GABBARD,2006) e também presentes na historia clínica da paciente. 55 Outros fatores etiológicos sugeridos pela literatura como contexto familiar caótico, sendo este marcado por modelo de comunicação precário baseado nas atuações e por figuras parentais desorganizadas; padrões de apego inseguros; e psicopatologia parental (JORDÃO e RAMIRES, 2010a; JORDÃO e RAMIRES, 2010b; SOARES, 2010) também se fizeram presentes na historia clínica da paciente. Estes fatores podem ter favorecido uma falta de constância objetal que parece promover dificuldades de relacionamentos em que predominam ansiedade nos contatos, reação emocional negativa ao risco de abandono, instabilidade e ambivalência nos contatos interpessoais, características também sinalizadas pela paciente. Apesar dos diversos momentos de crise sinalizados em sua historia clínica, verificou-se que a paciente respondeu bem ao tratamento psicoterápico recebido no inicio de sua adolescência, e também não apresentou dificuldades quanto a sua funcionalidade. Estes dados são concordantes com a literatura, na medida em que esta propõe que pacientes com TPB, quando tratados corretamente, apresentam uma evolução positiva (GABBARD, 2006), sinalizando o potencial terapêutico desses indivíduos (GUNDERSON et al., 2008). Além disso, a psicoterapia foi apontada como uma forma de tratamento eficaz e associada a um bom prognóstico em pacientes com TPB, conforme os estudos de Rosa e Santos (2011), Brum (2004) e Eizirik e Fonagy (2009). Constataram-se então aspectos adaptativos de Clarice em sua historia de vida ao apresentar bom relacionamento com as irmãs, além de bom rendimento escolar, com envolvimento em projetos sociais e em atividade laboral, sendo esta mantida por cerca de dois anos. Na historia relatada, a presença de bom desempenho escolar apresentado pela paciente pode ser visto como um fator protetivo na evolução da patologia, conforme proposto por Gabbard (2006) e Jordão e Ramires (2010a). 56 4.2 Avalição Psicodiagnóstica- Aspectos Estruturais e Funcionais da Personalidade por meio do Método de Rorschach Na discussão dos dados relativos ao funcionamento lógico e adaptativo à realidade e ao funcionamento afetivo apresentar-se-á os significados dos indicadores conforme propostos por Traubenberg (1998), nesse sentido tal referencia será apresentada apenas uma vez ao iniciar a discussão, embora seja essa a base tomada por norteadora, com relação ao significado de todos os índices do método de Rorschach. Na tabela 2, são apresentados os indicadores relacionados ao funcionamento lógico e adaptativo a realidade presentes no método de Rorschach, tendo por referencia as comparações com os dados normativos de Pasian (2000). Tabela 2-Indicadores relativos ao funcionamento lógico e adaptativo à realidade, segundo o método do Rorschach Indicadores Dados Obtidos Produção R 21 ↑ Rad 1 Deneg 0n Rec 0n ∑K 1K+ kp 1 kp + kan 4 kan + 3 kan - kob 0 Controle lógico F% 14% ↓↓ F+% 100% ↑↑ F+ext% 57% ↓ Pos 3 (Continua) 57 (Conclusão) Tabela 2-Indicadores relativos ao funcionamento lógico e adaptativo à realidade, segundo o método do Rorschach Indicadores Dados Obtidos Adaptação ao real G% 47% n D% 24% ↓ Dd% 29% ↑↑ A% 57% n Ban% 19% ↓ ↑- Elevado em relação à norma; ↓-Diminuído em relação à norma; n-dentro do valor normativo. Por meio dos dados obtidos, verifica-se que, em relação à sua produção a paciente apresentou produtividade acima do esperado para seu grupo de referencia ao apresentar o indicador R (frequência de respostas) elevado que, de acordo com a escola francesa (TRAUBENBERG,1998) indica boa capacidade associativa e verbal, além de necessidade de expressão e desejo de cooperação. Apresentou ainda uma resposta adicional (Rad), além de ausência de denegações (Den) e recusas (Rec). Estes dados indicam ausência de processos inibitórios e repressivos intensos influenciando a sua produção, apesar da presença de uma resposta adicional. Quanto aos determinantes relacionados a respostas associadas a movimento humano, sinalizou a presença de um determinante de grande cinestesia (K) com qualidade formal positiva e uma resposta de pequena cinestesia relacionada a movimento de parte de humano (kp), sendo esta também de qualidade formal positiva. Em relação aos determinantes associados a movimento animal (kan), apresentou quatro respostas de qualidade formal positiva e três respostas de qualidade formal negativa. Não apresentou indicador de movimento próprio de objeto (kob). A presença de resposta com determinante grande cinestesia (K) indica capacidade criativa e inteligência diferenciada. Já as pequenas cinestesias (k) quando numerosas, como neste caso, representam dinamismo interno e potencial cognitivo, porém também sinalizam predomínio de elementos fantasmáticos infantis impedindo uma apreensão integral da realidade objetiva. Apesar disso, a maioria 58 das repostas cinestésicas foram classificadas com qualidade formal positiva, indicando adaptação preservada à realidade objetiva. A respeito do controle lógico, indicou baixo investimento racional no vínculo com a realidade, o que é associado ao indicador F% rebaixado. A presença de F% abaixo da norma, como indicador da influencia dos aspectos afetivos sobre o uso da lógica na apreensão da realidade, indica uma forma mais espontânea de contato com o real, sendo esta forma mais afetiva e pouco intelectualizada. A paciente sinalizou, quanto ao indicador de precisão do pensamento (F+%) um valor elevado em relação ao seu grupo de referência o que sugere boa capacidade de precisão do pensamento na analise da realidade, porém com indícios de pensamento rígido e tentativa de controle lógico sobre os afetos. Apresentou, ao se considerar o indicador relacionado à integração razão e afeto na percepção da realidade (F+Ext%) um valor abaixo da norma, o que indica que ao integrar razão e afeto apresenta dificuldades em coordenar os elementos lógicos, sendo estes contaminados pelos impulsos. Sinalizou ainda a presença de respostas Pos, indicador este associado à restrição na integração razão e afeto. Verificou-se, em relação aos indicadores de adaptação ao real, especificamente os associados aos modos de apreensão da realidade, que a paciente apresentou um G% dentro da norma, um D% abaixo da norma e um Dd% elevado em relação ao seu grupo de referência. Esses dados indicam boa capacidade de abstração e de integração e síntese do real (G% na média), além de possibilidade de se atentar as minúcias, com indícios de se ligar à realidade, majoritariamente, de forma mais detalhista e minuciosa (Dd% elevado). O indicador D% refere-se à capacidade de diferenciação afetiva, uma discriminação mais precisa do conceito de si e o rebaixamento deste indicador em relação à norma seria um indício de desinteresse pelo real, pelo concreto. A paciente sinalizou então riqueza associativa, podendo apreender a realidade de formas diversas. Quanto ao indicador de automatismo do pensamento (A%), a paciente apresentou um valor dentro do seu grupo de referência, o que, segundo a escola francesa, indica uma estereotipia e conformismos do pensamento adequados e favorecedores de um pensar adaptado ao coletivo. Sinalizou, em relação à 59 capacidade de compartilhamento de ideias com a coletividade, um rebaixamento do indicador específico Ban%. Este indicador refere-se à capacidade de adaptação intelectual à realidade, e o rebaixamento em relação à norma estaria associado a uma falta de contato com a realidade objetiva, desinteresse pelo real e atitude opositora a este. Analisando-se os indicadores presentes na produção do Rorschach, em relação ao funcionamento lógico e adaptativo à realidade pode-se dizer que a paciente sinalizou capacidade produtiva adequada, com indícios de habilidades associativas. Apresentou indícios de capacidade cognitiva aparentemente preservada, com recursos de abstração, inteligência, esforços adaptativos e diversidade no modo de apreensão do real. No entanto sinalizou ligar-se a realidade majoritariamente por meio da apreensão dos detalhes da mesma, com uma forma de pensar invadida por impulsos afetivos. Assim, parece perder a capacidade lógica frente às situações de mobilização afetiva o que pode prejudicar seu vínculo com a realidade, podendo ocasionar particularização do pensamento e prejuízos da qualidade lógica investida, onde a realidade interna pode prevalecer sobre a externa, propiciando vivências de conflitos internos. Na tabela 3, são apresentados os indicadores relacionados ao funcionamento afetivo presentes no método de Rorschach, tendo por referencia as comparações com os dados normativos de Pasian (2000). Tabela 3-Indicadores relativos ao funcionamento afetivo, segundo o método do Rorschach. Indicadores Dados Obtidos Tipos de vivencias: TRI 1:4,5 Extratensivo Dilatado TL 8:3,5 Introversivo Dilatado (Continua) 60 (Conclusão) Tabela 3-Indicadores relativos ao funcionamento afetivo, segundo o método do Rorschach. Indicadores Dados Obtidos (Continuação) Tipos de Vivencias: 3ª Formula 28% Introversivo TRI X TL (Manifestações atuais) Conflitivo TRI X 3ª Formula (Recursos afetivos) Conflitivo Controle Geral da afetividade: F% 14% ↓↓ Controle específico da afetividade: FC: CF+C 1: 4 FE: EF+E 2:2 ∑K: ∑k 1:8 Formula de Angustia 12% n ↑- Elevado em relação à norma; ↓-Diminuído em relação à norma; n-dentro do valor normativo. Como já referido utilizar-se-á o referencial da escola francesa TRAUBENBERG (1998) para a analise dos significados de todos os indicadores. Acerca do tipo de vivência afetiva, especificamente em relação à maneira de expressar-se afetivamente de forma habitual a partir da formula do T.R.I., a paciente apresentou uma vivencia extratensiva dos afetos. Esta estaria relacionada, segundo a escola francesa, a uma abertura para manifestações das emoções diretamente para o meio externo, vivenciando-as de maneira intensa, tendendo a apresentar sensibilidade aos estímulos ambientais e a reagir a estes diretamente no ambiente 61 (TRAUBENBERG, 1998). Tal tendência impulsiva se fez presente por ter apresentado numero elevado de respostas associadas ao determinante cor (C) em detrimento de respostas de grande cinestesia (K). O T.R.I. corresponde ao Tipo de Ressonância Intima que se refere a maneira pelo qual o individuo experimenta os acontecimentos e seus ecos na sua vida psíquica. O tipo extratensivo dilatado indica dominação do sujeito por cargas afetivas, faltando-lhe recuos na apreciação da realidade objetiva, podendo apreendê-la de forma espontânea, além de sinalizar labilidade afetiva, com certa ponderação na expressão dessas necessidades afetivas. Indicou recursos disponíveis e não amadurecidos para a vivência dos afetos, indicadores esses associados a fórmula T.L., caracterizada por recursos de posicionamento reflexivo frente às vivencias emocionais, não plenamente desenvolvidos, para elaboração dos afetos, ou seja, possibilidade de uma vivencia introversiva. Apresentou assim, um elevado numero de respostas pequena cinestesia (k) em comparação a respostas associadas ao determinante estompage (E), o que, dado a extensão dos valores de respostas pequena cinestesia, sugere fuga para fantasia e fechamento em si. A partir do indicador 3ª Fórmula foi possível verificar que a paciente sinalizou vivencia introversiva frente a situações novas. Segundo a escola francesa, a 3ª formula corresponde à vivência afetiva interna atual, ou seja, a paciente estudada indicou uma reatividade afetiva ao ambiente com características de um fechamento sobre si e de reflexão sobre os afetos. Ao comparar a fórmula afetiva relacionada à maneira habitual de vivencia afetiva com aquela relacionada aos recursos afetivos disponíveis (T.R.I. X T.L.), e também com a vivência atual dos afetos (T.R.I. X 3ªFórmula), verificou-se a presença de conflitos. Apresentou direção oposta da vivencia habitual dos afetos em relação aos recursos afetivos disponíveis e também em relação à maneira atual de vivenciar seus afetos. Sinalizou então, uma maneira habitual de vivenciar os afetos marcada pela extratensividade que não condiz com seus recursos internos de introversidade, o que indica imaturidade afetiva. Apresentou ainda conflito quanto a vivencia atual dos afetos, em que indicou um maior fechamento sobre si frente a 62 uma situação nova, o que sugere conflitos internos intensos quanto a vivencia dos afetos, sinalizadores de angustia interna. Sobre o controle geral de sua afetividade, considerando-se o indicador associado ao uso de recursos lógicos no controle dos afetos (F%), a paciente apresentou valor rebaixado em relação ao grupo de referencia, indicando controle insuficiente da afetividade geral, o que sugere que seu funcionamento afetivo predomina sobre o racional, indicando transbordamento afetivo. Acerca do controle específico dos afetos, considerando-se os sinais de integração entre recursos lógicos e manifestações afetivas a partir do indicador da proporção FC:CF + C, a paciente apresentou valores do conjunto CF+C superiores aos valores de FC. Sinalizou então, integração inadequada, com características de manifestações afetivas expressas por pouca contenção racional, o que indica que ao incluir elementos afetivos na percepção da realidade, apresenta contaminação do controle lógico pelas vivências afetivas, sinalizando impulsividade e instabilidade afetiva. Quanto ao indicador de controle específico da angústia, relacionado à proporção FE:EF + E, verificou-se a igualdade entre os valores. Segundo a escola francesa, estes indicadores sugerem a existência de recursos para o controle da angustia dado pela presença de FE, em que há um controle lógico da angústia, porém com sinais de possibilidade de emergência de elementos ansiosos que a razão pode não conter, dados pela presença de respostas EF e E, que indicam uma afetividade mais ansiosa, pouco precisa, e com pouca contenção lógica. Outro indicador relacionado à vivência de angústia refere-se à Fórmula de Angústia em que a paciente apresentou valor dentro da norma, o que sugere ausência de vivências de angústia na ocasião da avaliação. Neste sentido, as manifestações de angústia não se fizeram presentes pelos indicadores habituais, estando provavelmente deslocadas para manifestações defensivas. Quanto aos indícios relacionados ao potencial imaginativo e de dinamismo interno verificados a partir da proporção das grandes e pequenas cinestesias (∑K: ∑k), a paciente apresentou indícios de dinamismo psíquico interno associado a presença de respostas cinestesia, porém com elevado número de respostas 63 pequena sinestesia (k) em comparação com respostas de grande cinestesia (K), caracterizando potencial imaginativo não plenamente desenvolvido. Este dado sugere também uma falha específica no controle interno das emoções, sinalizando imaturidade afetiva, apesar dos indícios de recursos de elaboração dos afetos não plenamente desenvolvidos e de forte sensibilidade, sugeridos pelo número elevado de pequenas cinestesias (k). A partir desses dados, pode-se dizer que a paciente apresentou então falhas tanto no controle geral da afetividade quanto no controle específico, indicando prejuízos na coordenação de impulsos, favorecendo um transbordamento das emoções e a instabilidade afetiva. A seguir são apresentados os indicadores relacionados aos aspectos estruturais e funcionais de personalidade apresentados pela paciente no método de Rorschach, tendo por referencial a abordagem psicodinâmica. Tabela 4- Indicadores estruturais e funcionais de personalidade de acordo com a literatura. Categorias * Indicadores no Rorschach 1)Espaço Mental Unidimensional Indistinção realidade – Presença de respostas EF e CF fantasia Pensamento assimbólico Tempo de latência baixo; presença de choque Comprometimento da prova Ban% e D% muito abaixo do esperado de realidade Predomínio da fantasia Respostas de má qualidade formal; Dd% elevado; resposta E puro; F% rebaixado em relação à norma. Pensamento típico de Temáticas de morte e de destruição nas respostas; processo primário presença de conteúdos de Sg e Anat 2)Espaço Mental Bidimensional Relação de objeto primária Presença de equivalente de choque na prancha I; negativa imagens ou temas de ameaça, de perigo (Continua) 64 (Continuação)Tabela 4- Indicadores estruturais e funcionais de personalidade de acordo com a literatura. Categorias * Indicadores no Rorschach (Continuação) 2)Espaço Mental Bidimensional Objeto interno parcial Presença de respostas Dd; respostas em D após respostas em G Fixação a um estado Infantilização dos conteúdos fusional Coexistência da realidade e Oscilação entre duas ou mais imagens na mesma da fantasia localização; presença de E difuso Ausência de vitalidade Presença de maioria das respostas G sendo G psíquica simples 3)Espaço Mental Tridimensional Acesso à representação de Presença de respostas G nas pranchas compactas objeto total (I, IV, V, VI) associados a F ou K/kan de boa qualidade. Espaço mental onde é Presença de respostas Gsec com boa qualidade possível a criatividade formal; Espaço onde são possíveis Utilização dialéticas psicológicas obedecendo a uma lógica. Flexibilidade e plasticidade Alternância de determinantes F e K/k havendo mentais também lugar para C e E, porém com predomínio daqueles de que vários têm modos um de apreensão, determinante formal associado; variedade dos conteúdos 4) Impossibilidade de Presença de C linha associado a conteúdos acesso à área transitiva ameaçadores, angustiantes, desvitalizantes; H% entre realidade externa e rebaixado ou ausente; presença de Hd, Anat e Sg; interna conteúdos simbólicos de caráter agressivo manifestado por passividade (Continua) 65 (Conclusão)Tabela 4- Indicadores estruturais e funcionais de personalidade de acordo com a literatura. Categorias * Indicadores no Rorschach 5) Acesso a área Presença de GF+ em maioria; presença de DF+ em transitiva entre realidade maioria: presença de K+, kan+ e kp+; presença de A; interna e externa. 6) Fragilidade na Projeção de imagens sem vitalidade em G simples nas constituição do Eu pranchas I, IV, V e VI, culminando em uma representação frágil e desvitalizada, pouco definida; tentativa de se agarrar aos recortes perceptivos. 7) Fragilidade na Ideia do Escassez de representações humanas; ausência de Eu representações relacionais marcadas por diferenciação e familiaridade em imagens humanas ou animais. 8) Relação de objeto Imagens sem delimitação formal definida; baseada na dependência e periculosidade 9) Fantasmática marcada Perda de delimitações e invasão sensorial; presença de pelo temor ao contato K de postura de fechamento; perda do controle formal 10) Indicadores de Presença de CF nas pranchas II e III combate entre Narcisismo e Objetalidade 11)Indicadores de Presença de comentários atacando o objeto projetado Sombra do Luto *Categorias 1 a 3 relativas a Oneto, Marques e Pinheiro (2009) Categorias 4 e 5 relativas a Godinho, Marques e Pinheiro (2009) Categorias 6 a 11 relativas a Rosado e Marques (2009) Os indicadores psicodinâmicos do método do Rorschach compilados a partir da literatura foram divididos em 11 categorias, de acordo com as classificações 66 propostas pelos três artigos consultados. Na descrição da tabela serão exemplificadas as categorias de respostas que correspondem aos indicadores específicos apresentados na tabela. Verificou-se, especificamente em relação aos indicadores de Oneto, Marques e Pinheiro (2009) relacionados às categorias de 1 a 3, que a paciente avaliada apresentou indicadores incluídos nas diversas categorias. Os autores diferenciam as categorias de acordo com tipo de espaço mental sinalizado, por meio dos indicadores obtidos no método do Rorschach. Especificamente em relação à categoria denominada como presença de Espaço Mental Unidimensional, esta foi dividida em cinco subcategorias. Na primeira subcategoria, relacionada aos sinais sugestivos de indistinção da realidade e fantasia, a paciente apresentou indicadores como a presença de respostas de inadequação da integração entre razão e afeto (respostas com determinantes EF e CF, sendo uma resposta EF e quatro CF); e ainda indicadores na subcategoria relacionada ao pensamento assimbólico, com a presença de tempo de latência reduzido e de reação de choque frente às pranchas (nas pranchas I, II e VI); na subcategoria comprometimento da prova da realidade notou-se a presença do modo de apreensão D% rebaixado e de Ban% também rebaixado em relação à norma. Verificou-se indicadores na subcategoria relacionada ao predomínio da fantasia sobre a realidade, a partir da presença de respostas de má qualidade formal (sendo nove respostas em seu protocolo), presença de modo de apreensão Dd% elevado, indicou F% rebaixado em relação à norma, além resposta E puro (resposta “neblina” na prancha IV). Indicou ainda sinais relacionados à subcategoria pensamento típico de processo primário, como a presença de respostas com temática de morte e de destruição (resposta “morcego machucado” e “borboleta danificada” na prancha I; “árvore com galhos mortos” na prancha IV; “borboletas com asas falhadas” na prancha V; e “pulmão de fumante” na prancha X), além de presença de conteúdos de Sg e Anat (resposta adicional “sangue” na prancha III e resposta “pulmão de fumante” na prancha X). 67 Em relação a categoria relacionada à presença de Espaço Mental Bidimensional, esta foi dividida em cinco subcategorias nas quais a paciente apresentou indicadores. Primeiramente indicou relação de objeto primário de caráter negativa, já que sinalizou em seu protocolo presença de equivalente de choque na prancha I, além de respostas associadas a imagens ou conteúdos de ameaça ou perigo (ilustradas pelas respostas “morcego machucado” e “borboleta danificada” na prancha I;“pessoas meio sérias olhando uma para a outra”, “sangue escorrendo de pessoas mortas” na prancha III; e “animais protegendo uma casa” na prancha VIII). Apresentou indicadores incluídos na subcategoria relacionada à presença de objeto interno parcial ao apresentar respostas de modo de apreensão Dd, além de respostas D após respostas G (nas pranchas I e III). Denotou sinais de fixação a um estado fusional, com indicadores em seu protocolo como a infantilização dos conteúdos (“patinhas”, “corpinho” e “garrinhas” na prancha I; “anteninha”, “corpinho”, “patinhas” e “pontinhos” na prancha II; “patinhas”, “anteninhas” e “cabecinha” na prancha V; “fiapinhos” na prancha VI; “coelhinhos”, “patinhas”, “voltinhas” na prancha VII; “veadinhos” e “chifrinhos” na prancha IX; “amarelinho”, “bonitinho”, “pontinha”, “quietinhos”, “verdinha”, e “perninhas” na prancha X). Indicou sinais de possibilidade de coexistência da realidade e da fantasia, a partir de indicadores como a oscilação entre duas ou mais imagens nas mesmas localizações das pranchas (como “morcego” e “borboleta” na prancha I; “morcego”, “borboleta” e “formiga” na prancha V), e a presença de resposta com determinante E difuso (como na resposta “neblina” na prancha IV). Apresentou, ainda, indicadores relacionados à subcategoria denominada ausência de vitalidade psíquica, como a presença da maioria das respostas de modo de apreensão sendo predominantemente G simples (seis respostas em seu protocolo). Quanto à categoria relativa à presença de Espaço Mental Tridimensional esta foi dividida em quatro subcategorias nas quais a paciente também apresentou indicadores. Quanto a possibilidade de acesso a representação de objeto total apresentou respostas de modo de apreensão G nas pranchas compactas ( I, V e VI) associados a determinantes F ou K/kan de boa qualidade (respostas “morcego,” “borboleta” e “besouro” na prancha I; “morcego” na prancha V; “flor querendo brotar” 68 na prancha VI ). Com relação à criatividade, apresentou respostas de modo de apreensão G, sendo estes secundários e com boa qualidade formal (apresentou uma resposta nessa categoria). Em relação à subcategoria relativa à possibilidade de espaços em que são possíveis as dialéticas psicológicas, apresentou a utilização de diversos modos de apreensão que obedecem a uma lógica de apreensão associada a sequencia G, D, Dd (nas pranchas I, III, VI, VII e X). Como indicadores de flexibilidade e plasticidade mental, apresentou alternância de respostas com determinantes F e K/k havendo também lugar para C e E, porém com predomínio daqueles que têm um determinante formal associado, no caso, predomínio de FC,CF,FE,EF. Outro indicador presente foi a variedade dos conteúdos em seu protocolo, já que além da presença de conteúdos associados a categoria animal e humano, apresentou também conteúdos como Anat (“pulmão” na prancha X), Obj (“espantalho” na prancha VI), Arq (“casa” na prancha VIII), Bot (“arvore” na prancha IV; “flor” na prancha VI) e Frag (“neblina” na prancha IV). A paciente sinalizou, então, indicadores nas três categorias, com predomínio da categoria relativa ao Espaço Mental Bidimensional. Estes dados vão ao encontro da literatura (ONETO, MARQUES e PINHEIRO, 2009) que reconhece este tipo de espaço mental como típico de pacientes com TPB, além de indicar que não existem modos de funcionamento puros, podendo coexistir características de outros modos de funcionamento, como ocorreu neste caso. A paciente apresentou indícios de aproximação e distanciamento da realidade, com possibilidade de indiscriminação entre o real e a fantasia, em que a realidade interna pode prevalecer à externa, possibilitando assim um funcionamento mais primitivo de personalidade em que predomina um espaço mental unidimensional. Segundo os indicadores sugeridos por Oneto, Marques e Pinheiro (2009) a paciente parece estabelecer relações de objetos parciais, com tendência a caráter fusional e negativo, prejudicando o estabelecimento de vínculos reais e adaptados tal como o significado atribuído às características do espaço mental bidimensional. Apesar de apresentar um nível de estruturação de personalidade que permeia a perda da distinção realidade e fantasia, associada ao estabelecimento de relações 69 de objetos marcadas por imaturidade e agressividade, a paciente apresentou também indícios sugestivos de recursos quanto à possibilidade de estabelecer um espaço mental tridimensional, em que há possibilidade de capacidade criativa e plasticidade psíquica, que podem favorecer um acesso a relações de objetos mais amadurecidas e também permitir uma aproximação maior da realidade. Em relação às categorias de indicadores enumeradas como 4 e 5 sugeridos pelo estudo de Godinho, Marques e Pinheiro (2009) relativos à dinâmica interna relacional do individuo, a partir de indicadores do Rorschach, pode-se dizer que a paciente apresentou sinais em ambas as categorias, com exceção da categoria espaço pré-potencial . Apresentou indicadores sugestivos de uma dinâmica relacional marcada pela Impossibilidade de Acesso à Área transitiva entre Realidade Interna e Externa. Esta categoria é classificada de acordo com a apresentação de sinais como a presença do determinante C linha associado a conteúdos ameaçadores, angustiantes e desvitalizantes (resposta “morcego machucado” associado à cor escura na prancha I); a presença de indicadores como o H% rebaixado; presença de conteúdos como Hd (“rosto de pessoas” na prancha VII), Anat (“pulmão” na prancha X) e Sg (resposta adicional “sangue” na prancha III), além de conteúdos simbólicos de caráter agressivo manifestados por passividade (como as respostas “morcego machucado” e “borboleta danificada” na prancha I; e resposta adicional “sangue escorrendo” na prancha III). Apresentou, contudo, recursos para Acesso à Área de Transição entre a Realidade Interna e Externa, expressos por meio da presença de respostas de modo de apreensão G associadas a determinantes F de boa qualidade formal (seis respostas em seu protocolo); respostas de modo de apreensão D associadas a determinante F de boa qualidade (três respostas em seu protocolo); respostas de determinante K com qualidade formal positiva (uma resposta); respostas de determinantes kan e kp com qualidade formal de caráter positivo (cinco respostas), além da presença de respostas de conteúdo A (nove respostas). Assim, em relação às categorias propostas por Godinho, Marques e Pinheiro (2009), observou-se o predomínio de indicadores de dificuldade de transição entre a realidade interna e 70 externa em detrimento de indicadores de possibilidade de uma dinâmica adequada entre o mundo interno e externo. A paciente indicou dificuldades na criação de um espaço potencial próprio visto que sua realidade interna e seu mundo fantasmático parecem prevalecer sobre a realidade externa, apresentando indicadores de invasão afetiva na sua percepção e no estabelecimento da relação com o real. No entanto, indicou tentativa de aproximação do real, com recursos para estabelecer um contato mínimo com a realidade, com possibilidade de compromisso entre esta e o mundo imaginário, tendo este características ricas e com possibilidades adaptativas. Porém, esta ligação com a realidade parece ser frágil já que tende a deixar-se invadir pelo mundo fantasmático, refletindo o caráter destrutivo e invasivo da relação, com precariedade na simbolização, revelando uma permeabilidade de pensamento que permite tanto manter uma ausência de limite claro entre sujeito e objeto, quanto manter um contato mínimo com o outro. Assim, verifica-se no caso analisado uma concordância quanto à proposição de Godinho, Marques e Pinheiro (2009) acerca dos pacientes com TPB, já que a paciente sinalizou este fracasso na criação de um espaço potencial próprio, além de dificuldades quanto a se situar na área dos fenômenos transitivos, o que são características típicas destes pacientes. Referente às categorias enumeradas de 6 a 11 propostas no estudo de Rosado e Marques (2009), em relação ao seu Percurso Antédipiano, apresentou sinais sugestivos de Fragilidade na Constituição do Eu. Os indicadores categorizados foram relacionados à projeção de imagens sem vitalidade em modos de apreensão G simples nas pranchas I, IV, V e VI, culminando em uma representação frágil e desvitalizada, pouco definida (como as respostas “morcego machucado”, “borboleta com asa danificada” na prancha I; “árvore com galhos mortos” na prancha IV; “borboleta com rasgos nas asas” na prancha V; e “espantalho” na prancha VI), além de indicadores de tentativa de se agarrar aos recortes perceptivos, ao fornecer respostas associadas à forma do conteúdo projetado (sendo 11 respostas em seu protocolo nas categorias F, FC,CF,FE,EF). Os indicadores de Fragilidade na Constituição do Eu expressos pela paciente vão ao encontro das afirmativas de Rosado e Marques (2009) quanto à patologia 71 limite, ao afirmarem que há uma carência narcísica nestes pacientes, o que promove dificuldades na elaboração do luto originário e na criação de um espaço interno coeso e unificado. No caso de Clarice, verificou-se a constituição de um espaço interior vazio, carente de coesão, em perigo permanente face a quaisquer movimentações que, a partir do interior ou do exterior, exigem contenção e elaboração. Com relação à categoria Fragilidade na Ideia do Eu, apresentou escassez de representações humanas em seu protocolo (baixo H%); além da ausência de representações relacionais marcadas por diferenciação e familiaridade em imagens humanas ou animais. Associado às dificuldades de elaboração do luto originário, Rosado e Marques (2009) propõem que os pacientes com TPB apresentam dificuldades no elemento mediador entre o Eu e o Objeto, entre o interno e o externo, dificultando uma relação dinâmica e adequada entre o intrapsíquico e o meio externo, o que também pode ser identificado no caso analisado. Apresentou indícios sugestivos de que a Relação de Objeto está marcada pela dependência e periculosidade, em função da presença de imagens sem delimitação formal definida (cinco respostas com determinantes CF e EF). Assim, como apresentou fragilidade nas instancias anteriores (Fragilidade na Constituição do Eu e Fragilidade na Ideia do Eu), as relações de objetos também se apresentaram de maneira frágil. Rosado e Marques (2009) afirmaram que a partir desses prejuízos ocorrem oscilações nas relações de objetos, sendo que o individuo passa a vivencia-las ora como perigosas, ora como de extrema dependência, e no caso analisado, constatou-se que a paciente utiliza esses dois movimentos em simultâneo, com uma tentativa falha de afastamento do Objeto, resultando em perda dos limites psíquicos. Quanto à Caracterização da Representação Fantasmática apresentou indicadores sugestivos de contatos marcados pelo temor. Apresentou indicadores do Rorschach relacionados à perda de delimitações e invasão sensorial associadas à presença de resposta com determinantes sem caráter formal (como resposta com determinante estompage, E, na prancha IV- resposta “neblina”); a presença de resposta com determinante K de postura de fechamento (como a resposta “pessoas 72 curvadas” na prancha III), além da perda do controle formal associada à presença de respostas com determinantes CF e EF (cinco respostas em seu protocolo). De acordo com Rosado e Marques (2009) a fantasmática caracterizada pelo terror de criação e da destruição pelo outro compromete também a capacidade criadora do Eu. Neste sentido, Clarice apresentou indícios que sugeriram um fechamento sobre si, desamparo e busca de afastamento do Objeto, além de indicarem que a aproximação do Objeto pode promover uma invasão incestual por este, marcando o temor de contato. Em relação aos indicadores sugestivos de uma dinâmica marcada pelo Combate entre o Narcisismo e a Objetalidade, verificou-se a presença de determinante CF nos cartões II e III. Este indicador denota mais uma vez os movimentos contrários do antédipo esvaziado, conforme proposto por Rosado e Marques (2009), que indicam ausência de uma diferenciação eficiente entre Eu e Objeto, face à carência de interioridade plena e também do prejuízo na comunicação entre mundo interno e mundo externo. Quanto à categoria de indicadores de uma dinâmica relacionada à Sombra do Luto apresentou como indicador a presença de comentários atacando o objeto projetado (atribuição de características aos conteúdos projetados como “machucado”, “rasgada”, “danificado” na prancha I; “ta dificultando a visão” na prancha IV; “falhadas” na prancha V; “confusão” na prancha X). Esta categoria traz como significado a periculosidade do Objeto, que incita movimentos mais próximos da lógica do luto, mas sem essas suas capacidades organizadoras, promovendo clivagens objetais (ROSADO e MARQUES, 2009). No protocolo da paciente verificou-se um movimento de desvalorização do Objeto como forma de combate à invasão afetiva temida. 4.3. Avaliação Psicodiagnóstica- Aspectos estruturais e funcionais da personalidade por meio do TPC Na discussão dos dados relativos aos aspectos formais, às síndromes cromáticas e às cores específicas do TPC apresentar-se-ão os significados dos indicadores, conforme propostos por Villemor-Amaral (2005), nesse sentido tal 73 referencia será apresentada apenas uma vez ao iniciar a discussão, embora seja o conteúdo de referencia. Na tabela 5, são descritos os indicadores relacionados aos aspectos formais obtidos a partir do TPC, comparativamente às normas de Villemor-Amaral (2005). Tabela 5-Indicadores relativos aos aspectos formais, segundo o TPC. Indicadores Dados Obtidos Tempo 6´04´´ Modo de execução Desordenado Modo de colocação Tendência a ascendente direta Tipos de pirâmides I-Tendência à estrutura em manto II-Formação em camada monotonal decepada III-Formação em camada multicromática Fórmula Cromática 0:3:1:6 – restrita e instável Constância Absoluta 0 Verificou-se que a paciente apresentou um tempo de execução da tarefa de seis minutos e quatro segundos, abordando os estímulos com um modo de execução desordenado, com uma variação constante no modo de construção das pirâmides. Esta maneira de organização da forma de trabalho apresentada pela paciente frente à tarefa, sinalizou, de acordo com Villemor-Amaral (2005), ansiedade e displicência no manejo da atividade. Por outro lado, quanto ao modo de colocação com tendência a ser ascendente direta, tal indicador sugere um maior nível de maturidade, além de uma forma de execução adequada ao esperado à sua faixa etária. 74 Quanto ao tipo de pirâmides construídas, apresentou na primeira pirâmide a construção do tipo tendência à estrutura em manto. A construção da pirâmide em estrutura refere-se a um nível intelectual superior, com maior possibilidade de controle racional sobre os afetos, caracterizando uma forma mais elaborada. O tipo de estrutura em manto, como no caso avaliado, tem o seu significado relacionado a indícios de utilização de defesas de fechamento e repressão no contato com as emoções. Na segunda pirâmide construída, Clarice realizou uma construção do tipo formação em camada monotonal decepada. As pirâmides do tipo formação referemse a organizações intermediarias do ponto de vista de maturidade cognitiva. Por ser do tipo específico de camada, verifica-se um nível não satisfatoriamente amadurecido no trato com as emoções, com indícios de personalidade em formação, lábil e instável, além de caracterizar inibição e retraimento por ser do tipo monotonal. A presença de pirâmide decepada é um indicador, segundo a autora tomada como referencia, de fragilidade estrutural e prováveis alterações de pensamento. Na terceira pirâmide, a paciente também construiu uma pirâmide do tipo formação em camada, porém esta sendo uma camada multicromatica, o que indica também um não amadurecimento no trato com as emoções, além de labilidade e vulnerabilidade afetiva. Em relação à fórmula cromática, a paciente apresentou uma fórmula do tipo restrita e instável, com nenhuma cor no algarismo de constância absoluta (C.A.), três cores no algarismo de constância relativa (C.R.), uma cor no algarismo de variabilidade (V) e seis cores no algarismo de ausência (Aus). Destaca-se assim a ausência de qualquer cor que tenha preenchido o critério para a constância absoluta, ou seja, o uso de uma mesma cor nas três pirâmides. A fórmula cromática corresponde à avaliação do grau de abertura aos estímulos e de estabilidade na escolha das cores na construção das pirâmides, indicando a forma como a pessoa reage ao ambiente. O tipo de fórmula indicado pela paciente (restrita e instável) corresponde a sinais de restrição e fechamento para o contato com os estímulos, além de sentimento de instabilidade controlado por mecanismos inibitórios que restringem o contato do individuo com o meio. 75 Na tabela 6, são apresentados os indicadores relativos as síndromes obtidas no TPC. Tabela 6- Indicadores relativos aos aspectos relacionados à organização do funcionamento da personalidade, segundo o TPC Indicadores Dados Obtidos Síndrome normal 40% ↓ Síndrome do estímulo 0% ↓↓ Síndrome fria 40% n Síndrome incolor 60% ↑↑ ↑- Elevado em relação à norma; ↓-Diminuído em relação à norma; n-Dentro do valor normativo. As síndromes cromáticas representam um conjunto de cores que revelam um significado próprio enquanto conjunto. No caso avaliado, verificou-se que, quanto à síndrome normal, relacionada à soma das cores azul, vermelho e verde, a paciente apresentou rebaixamento, em relação à norma. A síndrome normal esta associada à capacidade de adaptação à realidade, à estabilidade e ao equilíbrio emocional, e o rebaixamento desta em relação a norma indica inadequação na adaptação ao real, com dificuldades quanto à estabilidade emocional. Quanto à síndrome do estímulo, associada à soma das cores vermelha, amarelo e laranja, a paciente também apresentou alterações nesta síndrome, estando rebaixada em relação à norma. Esta síndrome refere-se à capacidade de extroversão e de contato social do sujeito e a alteração dessa em relação à norma sugere então presença de dificuldades quanto à adaptação sócio-afetiva. Já na síndrome fria, relacionada à soma das cores azul, verde e violeta, apresentou resultado dentro da normalidade, o que sugere recursos para elaboração afetiva. Na síndrome incolor, expressa pela soma das cores preto, cinza e branco e relacionada à capacidade de repressão dos afetos, os valores mostraram-se acima 76 do esperado em relação à norma, indicando fuga de situações afetivas, como recurso para manter sua estrutura psíquica preservada, sinalizando assim fragilidade estrutural. Destaca-se ainda que quanto mais o aumento desta síndrome for em decorrência da elevação da cor preta, como no caso avaliado, mais presente é a função repressora. As alterações nas síndromes estão influenciadas pela presença exagerada de cores específicas (cores preta, azul e branca) ou pela diminuição (cor verde) ou ausência de uma cor (cores vermelha, amarela, laranja, marrom, violeta e cinza), sendo importante observar a distribuição das cores dentro de cada síndrome para se considerar o seu significado. No caso avaliado, a paciente apresentou alterações significativas em todas as cores, como apresentado a seguir. Na tabela 7, são apresentados os indicadores relativos às cores específicas, obtidos por meio do TPC. Tabela 7-Indicadores relativos às cores específicas, segundo o TPC. Indicadores Dados obtidos Cores relacionadas às manifestações afetivas Vermelho Ausente Amarelo Ausente Laranja Ausente Cores relacionadas ao controle afetivo Azul 36% ↑↑ Verde 4% ↓↓ Preto 47% ↑↑ Marrom Ausente (Continua) 77 (Conclusão)Tabela 7-Indicadores relativos às cores específicas, segundo o TPC. Indicadores Dados obtidos Cores Intermediarias Violeta Ausente Cinza Ausente Branco 13% ↑ ↑- Elevado em relação à norma; ↓-Diminuído em relação à norma; n-Dentro do valor normativo. Em relação às cores utilizadas nas construções das pirâmides, estas foram categorizadas em três tipos: as cores relacionadas às manifestações afetivas, as relacionadas ao controle afetivo e as cores intermediárias. Quanto às cores relacionadas às manifestações afetivas, vermelha, amarela e laranja, todas estavam ausentes, caracterizando prejuízos quanto às manifestações afetivas. Estas alterações sugerem que Clarice apresentou sinais de uma vivencia afetiva restrita, com pouca manifestação. Indicou, então, sinais de retraimento repressivo, labilidade estrutural, dificuldade de descarga emocional, relacionados à ausência da cor vermelha; além de dificuldades em canalizar e expressar os afetos de forma adaptada, relacionadas à ausência da cor amarela; com sinais de inibição e passividade, relacionados à ausência da cor laranja. Quanto às cores relacionadas ao controle afetivo (azul, verde, preta e marrom) a paciente também apresentou alterações na frequência de todas cores. Especificamente com a cor azul há uma significativa elevação em relação à norma, esta cor está relacionada à capacidade de controle e adaptação afetiva e sua elevação indica uma constrição dos afetos, com o uso maciço de estereotipia e controle racional, culminando com pouca espontaneidade no contato com as emoções, além de sentimentos de incapacidade frente à necessidade de controle dos afetos. 78 A cor verde apresentou-se muito rebaixada em relação ao seu grupo de referência, o que sugere retraimento social, pouco investimento em contatos interpessoais, insensibilidade emocional, favorecendo angústia nas relações, além de dificuldades na adaptação sócio-afetiva com prejuízos na introjeção de normas sociais. A cor preta apresentou-se com elevação em relação à norma, indicando utilização maciça do controle repressor sobre os afetos, como busca de manutenção do equilíbrio psíquico. Apresentou ainda a ausência da cor marrom, associada aos mecanismos mais primitivos de controle dos impulsos, relacionado à descarga afetiva e a extroversão, sendo que sua ausência indica prejuízo no controle primitivo dos sentimentos, com indícios de falta de energia na dinâmica interna da personalidade. Assim, a paciente apresentou alterações em todos os mecanismos de manutenção dos afetos, sugerindo um funcionamento com prejuízo da coordenação adequada destes, funcionando de maneira majoritária por meio do controle inibitório e repressivo na busca de controle sobre os afetos. Já sobre as cores ditas intermediárias, neste conjunto (violeta, cinza e branca), a paciente apresentou ausência das cores violeta e cinza. A cor violeta é associada aos sentimentos de tensão, angústia e ansiedade, e sua ausência é sugestiva de possibilidade de negação dos impulsos e da ansiedade, dificultando a elaboração de conflitos e o equilíbrio da personalidade. Já a ausência da cor cinza indica retraimento defensivo. A paciente apresentou a cor branca como a única presente dentre as cores intermediárias, com um valor elevado em relação à norma. O significado desta cor está associado à fragilidade estrutural e instabilidade afetiva. No caso avaliado, a elevação da cor branca pode ser vista como um indicador de vulnerabilidade e ausência de mecanismos suficientes de controle, além de indicar perda de contato com a realidade e de atuação dos impulsos sobre o meio. Na tabela 8, são apresentados os indicadores relacionados aos aspectos estruturais e funcionais de personalidade sinalizados pela paciente no TPC tendo por referência a abordagem psicodinâmica. 79 Tabela 8- Indicadores estruturais e funcionais de personalidade de acordo com a literatura. Categorias* Indicadores no TPC 1)Relativo a indicadores Presença de pirâmide com formação cortada ou de Depressão decepada; presença de pirâmide com formações que tendem à estrutura 2) Relativo a Alta frequência da cor preta; alta frequência da cor azul; indicadores de presença de pirâmide em estrutura Compulsão Alimentar 3)Relativo a indicadores Ausência de indicadores de Alcoolismo 4)Relativo a indicadores Presença de pirâmide decepada; pirâmide em estrutura de aspectos em manto; pirâmide em camada monocromática; dissociativos de variação cromática baixa; fórmula cromática restrita e personalidade instável; ausência de cor laranja; elevação das cores preta, azul e branca 5)Relativo a indicadores Síndrome incolor elevada; síndrome normal rebaixada; emocionais alta frequência da cor preta; baixa frequência da cor verde 6)Relativo a indicadores Presença de pirâmide do tipo formação em camada cognitivos adaptativos multicromática *Categoria 1 relativa a Villemor-Amaral et al. (2004) Categoria 2 relativa a Machado et al.(2008) Categoria 3 relativa a Vilemor-Amaral, Silva e Primi (2003) Categoria 4 relativa a Faria (2008) Categorias 5 e 6 relativas a Cardoso e Capitão (2006) 80 Os indicadores psicodinâmicos do TPC foram agrupados em seis categorias tendo por referência cada um dos estudos revisados. Em relação aos indicadores propostos por Villemor Amaral et al. (2004) relacionados ao funcionamento depressivo descritos aqui na categoria de número 1, verificou-se indicadores sugestivos de um funcionamento próximo a esta dinâmica, a partir da presença de pirâmide do tipo formação cortada ou decepada e a presença de pirâmide do tipo formação que tende a estrutura. De acordo com os autores, a formação decepada refere-se à dificuldades de relacionamento e contato social, sendo indicadora de déficit relacional, e associam este indicador ao quadro depressivo pelo fato de ser alta a incidência de dificuldade de relacionamento e de enfrentamento de situações sociais entre pacientes com queixa de depressão. Quanto às formações que tendem a estrutura, Villemor Amaral et al. (2004) associam este indicador ao funcionamento típico da depressão, sendo que essas formações correspondem a um nível médio de maturidade emocional em vias de estruturação, o que é coerente com um funcionamento de maior nível de integração e estruturação do Eu, como nos pacientes deprimidos. Assim, pode-se dizer que a paciente avaliada apresentou sinais de funcionamento depressivo associados aos indicadores de funcionamento prejudicado quanto ao enfrentamento de situações sociais, além de apresentar um maior nível de integração e percepção dos afetos do ponto de vista evolutivo do desenvolvimento psíquico, de acordo com as teorias psicanalíticas. A categoria enumerada como 2 refere-se aos indicadores propostos por Machado et al (2008) quanto aos indícios de Compulsão Alimentar. Verificou-se o indicador relacionado a alta incidência da cor preta. Apesar de no referido estudo os autores considerarem a cor preta associada à cor marrom como a dupla relacionada à avaliação do risco de compulsão, neste caso analisado será considerado exclusivamente a presença isolada de somente um desses indicadores (cor preta) como sugestivo de rigidez e inflexibilidade mental, como também é proposto pelos autores. Assim, pode-se sugerir que a paciente, ao apresentar ao menos um desses indicadores, sinalizou risco de compulsão, além de prejuízo no trato com os conflitos afetivos. Outro indicador, segundo os autores, associado à compulsão alimentar que 81 foi sinalizado no protocolo analisado foi a cor azul elevada. Esta cor está relacionada à capacidade de controle e adaptação, sendo sua elevação indicio de um controle rígido sobre os afetos (MACHADO et al, 2008). Sobre os indicadores relacionados aos aspectos formais, a paciente apresentou, como indicador sugerido pelo estudo, pirâmide do tipo estrutura. Segundo Machado et al (2008), pacientes com compulsão alimentar que apresentavam uma boa capacidade emocional para lidar com situações conflitivas, associada à presença de pirâmide com construção do tipo estrutura, apresentavam melhor prognóstico quanto à diminuição da compulsão após cirurgia bariátrica. No caso avaliado, verificou-se que a paciente apresentou indícios de estabilidade emocional que podem contribuir e diminuir o efeito dos indicadores relacionados ao descontrole de impulsos identificados em seu protocolo. Ao considerar-se a categoria 3, relacionada ao estudo de Vilemor-Amaral, Silva e Primi (2003) que avaliou os indicadores no TPC em paciente alcoolistas, no caso avaliado não foram identificados os indicadores sugeridos em seu protocolo, apesar dos relatos, em sua historia clínica, do uso abusivo de álcool. Acerca da categoria 4, relativa aos indicadores do TPC proposto por Faria (2008) relativos a sinais sugestivos de aspectos dissociativos de personalidade, esta foi a categoria com maior presença de indicadores, tanto em relação ao aspecto formal, quanto ao funcionamento afetivo. Os sinais relativos aos aspectos formais apresentados foram a presença de pirâmide do tipo decepada; de pirâmide do tipo estrutura em manto; e de pirâmide do tipo camada monocromática. Segundo o autor, estes indicadores sugerem concomitantemente: fragilidade estrutural e alterações de pensamento; perturbações provenientes de dissociação e manejos defensivos; além de sinais de inibição e retraimento (FARIA, 2008). Já aqueles relacionados aos aspectos de funcionamento afetivo, relativos às síndromes e cores, foram expressos por meio da variação cromática baixa, sinalizando sentimentos de insegurança e inibição; a presença de fórmula cromática restrita e instável, indicando sentimentos de instabilidade controlados por mecanismos inibitórios; a ausência de cor laranja, como indicador de enfraquecimento estrutural e dissociação; a elevada frequência das cores preta, azul 82 e branca, indicando introversão, repressão e tendência à perda de contato com a realidade (FARIA, 2008). Assim, pode-se dizer que a paciente apresentou sinais indicativos de um funcionamento psíquico com aspectos dissociativos de identidade, prevalecendo características como a fragilidade egóica, os mecanismos de defesas baseados na repressão e dissociação, além de indícios de alterações de pensamento. Quanto aos indicadores propostos no estudo de Cardoso e Capitão (2006), relacionados à correlação entre indicadores emocionais e cognitivos entre o TPC e o Desenho da Figura Humana, estes foram divididos em duas categorias. Na categoria 5, relativa aos indicadores emocionais do TPC, verificou-se a presença de: síndrome incolor elevada, indicando equilíbrio psíquico frágil ; a síndrome normal rebaixada, indicador de sentimento de culpa e inadequação, com dificuldade de expressão de sentimentos; elevada frequência da cor preta, que sugere falta de identidade e perseveração, além de temor de impulsos que possam levar a uma desestruturação interna; e a baixa frequência da cor verde, indicando sentimentos de insegurança, retraimento e inadequação, sinalizando dificuldades de adaptação ao ambiente (CARDOSO e CAPITÃO, 2006). Na categoria 6, relativa aos indicadores cognitivos adaptativos do TPC, no caso avaliado foi identificado um único indicador relacionado à presença de pirâmide do tipo formação em camada multicromática, que segundo os autores, é sugestiva de aspectos cognitivos mais elaborados (CARDOSO e CAPITÃO, 2006) 5.CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base em um estudo de caso objetivou-se caracterizar os indicadores estruturais e funcionais relativos à organização da personalidade de uma paciente com diagnóstico de TPB, por meio da análise dos principais aspectos clínicos da historia de vida, da avaliação psicodiagnóstica com o método de Rorschach e com o TPC focalizando os indicadores psicodinâmicos. A historia clínica da paciente apontou para uma diversidade de manifestações clínicas, associadas a estressores psicossociais que acompanharam o seu desenvolvimento, evidenciando a complexidade do TPB quanto aos aspectos 83 clínicos, etiológicos e relativos ao curso do transtorno. Desde a infância, a paciente estudada apresentou características de dificuldades relacionadas ao trato com as emoções, à identidade e aos relacionamentos interpessoais, sendo estes marcados por intensos conflitos e fragilidades nos vínculos, denotando assim problemas precoces quanto à organização de sua personalidade. Apesar dos estressores ambientais relatados, como as perdas precoces e a presença de psicopatologia parental, a paciente, mesmo com muitas dificuldades de relacionamento, apresentou recursos adaptativos ao exercer atividade laboral, com bons recursos cognitivos ao apresentar desempenho escolar acima da média, além de potencial terapêutico, com resposta positiva à psicoterapia, no início da adolescência. Como uma forma de contribuir para a compreensão da instalação e do desenvolvimento deste transtorno, além das informações da historia clínica da paciente, este estudo agregou dados advindos das técnicas projetivas, visando um entendimento mais aprofundado dos aspectos estruturais e funcionais de personalidade. No caso em questão, especificamente em relação ao método do Rorschach, este contribuiu para identificar indicadores relativos à preservação de sua capacidade lógica, com um pensar marcado pela abstração, além de diversidade na maneira de apreender a realidade. No entanto, denotou particularização do pensamento e perda do vínculo com a realidade, em momentos de mobilização afetiva, sendo a vivencia afetiva marcada por conflitos em sua expressão, funcionando de forma ora aberta ao meio, ora com intenso fechamento sobre si, denotando dificuldades na coordenação lógica dos afetos e a presença de invasão afetiva. Com base nos indicadores psicodinâmicos apresentou como principais características estruturais e funcionais por meio do método do Rorschach a fragilidade egóica e o prejuízo na diferenciação entre mundo interno e externo, em que a fantasia se sobrepõe à realidade, apesar dos recursos sinalizados quanto a uma tentativa de aproximação ao real, sendo que esta parece falhar e favorecer uma desestruturação psíquica. Além disso, suas relações de objeto são marcadas pela 84 clivagem objetal, permeadas por angústia e agressividade, assumindo um caráter imaturo e fusional. Em relação ao TPC, esta técnica contribuiu no sentido de fornecer dados acerca de uma compreensão das principais características funcionais e estruturais do TPB, embora não tenha sido identificado nenhum estudo específico sobre os indicadores do TPC em pacientes com TPB. Os indicadores psicodinâmicos sinalizaram recursos para elaboração afetiva, nível intelectual superior e a presença de outras comorbidades como transtorno depressivo, compulsão alimentar e dissociação de personalidade, caracterizando prejuízos relacionais, descontrole impulsivo, alterações do pensamento, fragilidade de identidade e mecanismos de defesas baseados na repressão e dissociação. Sintetizando, a partir dos dados do TPC, pode-se dizer que, apesar da presença de indícios de um nível intelectual superior em relação a sua faixa etária, a paciente apresentou prejuízos nas manifestações afetivas, com sinais de dificuldades na expressão e elaboração dos afetos, indícios de instabilidade e vulnerabilidade ao entrar em contato com as emoções, além de angústia frente ao contato interpessoal, tendendo a exercer um controle restritivo e inibidor das emoções, por meio do fechamento aos contatos, na tentativa de preservar sua frágil estrutura de personalidade. Conclui-se que o estudo de caso, integrando informações de fontes diversas, favoreceu uma compreensão mais aprofundada das características do TPB, permitindo a elucidação diagnóstica e a compreensão da dinâmica interna da personalidade da paciente, o que pode favorecer uma melhor orientação terapêutica. Destaca-se assim, a contribuição clínica de tal avaliação psicológica para o diagnóstico e o tratamento da paciente. Considera-se que o conjunto de indicadores utilizados na avaliação tem uma aplicação mais ampla no contexto clínico, contribuindo para a compreensão de outros casos clínicos com características de transtorno de personalidade, mais especificamente de TPB. Mais estudos se fazem necessários para a identificação de sinais característicos do TPB, principalmente quanto ao TPC. 85 6.REFERÊNCIAS ALCANTARA, I. et al . Avanços no diagnóstico do transtorno do humor bipolar. Rev. Psiquiatr RS, Porto Alegre, v.25(suplemento 1): p. 22-32, abr. 2003 . 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Categorias * Indicadores no Rorschach 1)Espaço Mental Unidimensional Indistinção realidade – Presença de respostas GDbl ou D Dbl; respostas EF, fantasia CF e C’ F Pensamento assimbólico Tempo de latência baixo; recusas e choque da Respostas Ban, respostas D e respostas A muito Comprometimento prova de realidade abaixo do esperado Predomínio da fantasia Respostas de má qualidade formal; Dd% elevado; Respostas E e C puros; F% baixo Pensamento típico de Temáticas de morte, de destruição; presença de Sg; presença de Anat processo primário 2)Espaço Mental Bidimensional Relação de objeto Presença de choque ou equivalente de choque na primária negativa prancha I; imagens ou temas de ameaça, de perigo Objeto interno parcial Presença de respostas D e Dd; respostas em D após respostas em G Fixação fusional a um estado Respostas coladas nos pranchas bilaterais; infantilização dos conteúdos; imagens regressivas na prancha IX (Continua) 89 (Continuação) Apêndice A- Indicadores estruturais e funcionais relativos ao Método do Rorschach tendo por base a literatura. Categorias * Indicadores no Rorschach (Continuação) 2)Espaço Mental Bidimensional da Presença de G vagos, G impressionistas; oscilação Coexistência realidade e da fantasia entre duas ou mais imagens na mesma localização; presença de E difuso. Ausência de vitalidade Presença de maioria das respostas G sendo G simples psíquica 3)Espaço Mental Tridimensional Acesso à representação Presença de respostas G nas pranchas compactas ( I, IV, V, VI) associados a F ou K/kan de boa qualidade de objeto total Espaço mental onde é Presença de respostas Gsec com boa qualidade formal; presença de Orig possível a criatividade Espaço onde possíveis são Utilização de vários modos de apreensão, obedecendo a dialéticas uma logica. psicológicas Flexibilidade plasticidade mentais e Alternância de determinantes F e K/k havendo também lugar para C e E ,mas com predomínio daqueles que têm um determinante formal associado; variedade dos conteúdos. 4) Impossibilidade de Presença de simetria; G elevado; GF-;DF-; GDbl e Dbl; acesso a área transitiva K-; K associado a conteúdos destrutivos; C vermelho entre realidade externa associado a imagens de destruição, desintegração; C e interna puro relacionado a conteúdos de insegurança, falta de equilíbrio; C linha associado a conteúdos ameaçadores, angustiantes, conteúdos desvitalizantes; desagradáveis, Etext pouco associado contentores; elevado; (Continua) a A% 90 (Continuação) Apêndice A- Indicadores estruturais e funcionais relativos ao Método do Rorschach tendo por base a literatura. Categorias * Indicadores no Rorschach (Continuação) H% rebaixado ou ausente; presença de (H) quando 4) Impossibilidade de constitui maioria das respostas H; presença de Hd, Anat acesso a área transitiva e Sg; conteúdos simbólicos de caráter agressivo entre realidade externa manifestado por passividade; e interna 5) Acesso valência regressiva área Presença de GF+ em maioria; Presença de DF+ em a entre maioria: presença de GDbl e Dbl com qualidade formal transitiva realidade conteúdos simbólicos de interna externa. e positiva; presença de K+, kan+, kob+, kp+; C puro relacionado a conteúdos aconchegantes; Etext quando associado a conteúdos satisfatórios; Etrid ; presença de A; presença de H associado a imagem humana definida; presença de (H) quando não é maioria das respostas humanas; conteúdos simbólicos de caráter agressivo associados a conteúdos cortantes, explosivos; conteúdos simbólicos de valência regressiva associados a conteúdos de suporte e ao E text 6) Fragilidade constituição do Eu na Projeção de imagens sem vitalidade em G simples nas pranchas I, IV, V e VI, culminando em uma representação frágil e desvitalizada, pouco definida; tentativa de se agarrar aos recortes perceptivos 7) Fragilidade na Ideia Escassez de representações humanas; ausência de do Eu representações relacionais marcadas por diferenciação e familiaridade em imagens humanas ou animais (Continua) 91 (Conclusão) Apêndice A- Indicadores estruturais e funcionais relativos ao Método do Rorschach tendo por base a literatura. Categorias * Indicadores no Rorschach 8) Relação de objeto Imagens delimitação formal definida (F+- na ;CF;C´F;EF); excessiva sensibilidade as particularidades baseada dependência e de cada cartão; repetição incessante (rigidez de modos de apreensão e/ou determinantes, e/ou conteúdos) periculosidade 9) sem Fantasmática Perda de delimitações e invasão sensorial; presença de marcada pelo temor ao K de postura de fechamento, K relacionais marcados contato pelo perigo do encontro e dificuldades de diferenciações; perda do controle formal. 10) Indicadores combate Narcisismo de Presença de CF nas pranchas II e III ; presença de entre contaminação na sequência das pranchas; presença de e submissão perceptiva, ou ao contrario, de invasão projetiva Objetalidade 11)Indicadores de Produção de conteúdo de qualidades antagônicas; Sombra do Luto presença comentários e criticas que visam enaltecer o eu ou atacar o objeto *Categorias 1 a 3 relativas a Oneto, Marques e Pinheiro (2009) Categorias 4 e 5 relativas a Godinho, Marques e Pinheiro (2009) Categorias 6 a 11 relativas a Rosado e Marques (2009) Apêndice B- Indicadores estruturais e funcionais relativos do TPC tendo por base a literatura. Categorias* Indicadores no TPC 1)Relativo a indicadores Presença de elevação da frequência da cor verde; de Depressão Presença de constância absoluta da cor violeta; presença de pirâmide com formação cortada ou decepada; presença de pirâmide com formações que tendem a estrutura (Continua) 92 (Continuação) Apêndice B- Indicadores estruturais e funcionais relativos do TPC tendo por base a literatura. Categorias* Indicadores no TPC 2) Relativo a Alta frequência da dupla de cores preta e marrom; baixa indicadores de ou alta frequência da cor azul; alta frequência da cor Compulsão Alimentar vermelha; presença de pirâmide em Estrutura 3)Relativo a indicadores Alta frequência da cor vermelha; presença de constância de Alcoolismo absoluta das cores violeta, verde e azul 4)Relativo a indicadores Presença de pirâmide decepada; pirâmide em estrutura de aspectos em manto; pirâmide em camada monocromatica; pirâmide dissociativos de em estrutura em escada; variação cromática baixa; personalidade presença de elevação da síndrome fria e da síndrome de contraste; formula cromática restrita e instável; presença de variação da síndrome cromática esbranquiçada; ausência de cor laranja; elevação das cores preta, azul e branca; elevação das cores azul, vermelho, cinza e violeta 5)Relativo a indicadores Síndrome fria elevada; síndrome de dinamismo elevada; emocionais síndrome incolor elevada; síndrome normal rebaixada; síndrome do estimulo elevada; alta frequência da cor preta; alta frequência da cor laranja; baixa frequência da cor verde; alta frequência da cor cinza; baixa frequência da cor azul; alta frequência da dupla laranja e preta; alta frequência da dupla amarela e cinza 6)Relativo a indicadores Presença de tapete com início de ordem; presença de cognitivos adaptativos formação em camada multicromatica; presença de estrutura simétrica *Categoria 1 relativa a Villemor-Amaral et al (2004); categoria 2 relativa a Machado et al (2008); categoria 3 relativa a Vilemor-Amaral, Silva e Primi (2003); categoria 4 relativa a Faria (2008); categorias 5 e 6 relativas a Cardoso e Capitão (2006)