TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE Flavio Jozef, MD, PhD “Mais notável ...é a dimensão, no indivíduo com transtorno borderline, de seu amplo e persistente ódio, ódio este que persiste e guia uma pessoa que, superficialmente, aparenta ser socializada e integrada a maior parte do tempo.” Malmquist, Carl P. “Homicide, a psychiatric perspective”, 1996. Personalidade “Soma de inúmeras características, afetivas, físicas, intelectuais e outras, que dão a cada pessoa tanto individualidade como semelhanças aos outros indivíduos”. É relativamente estável, permanente e previsível, nas condições habituais. Aspectos da personalidade se estruturam precocemente, mas só se pode falar em personalidade definida no final da adolescência. Transtorno de Personalidade Variante de tais características, indo além da faixa encontrada na maioria das pessoas. Tais indivíduos apresentam padrões de relacionamento desajustado inflexíveis, profundamente enraizados. Seus sintomas são aloplásticos (capazes de alterar o meio) e ego-sintônicos (aceitos pelo Ego do indivíduo). • • • • • • Transtornos de Personalidade – Histórico I Séc. XIX Pinel (1809) – “mania sem delírio”. Prichard (1835) – “insanidade moral” : O desajuste moral na etiologia da Loucura. Surge a “Teoria da Degeneração” (Morel, Maudsley) : a degeneração seria um desvio, enfermo, de “tipos primitivos” puros, intactos. Fim de Século Koch (1891) , Birnbaum (1909), Grühle (1925) – personalidades psicopáticas como anormais”, em oposição às psicoses, verdadeiras enfermidades. “Inferioridade Psicopática” (Koch). Transtornos de Personalidade – Histórico II • Kurt Schneider (1923) - Sistematização As Personalidades Psicopáticas seriam desvios do protótipo, tipologias. Maneiras de ser, não diagnósticos. “Personalidades Psicopáticas são aquelas que sofrem por sua anormalidade ou fazem, devido a ela, sofrer à Sociedade”. • O tipo é a adjetivação da Psicopatia, está presente na biografia do indivíduo, não se relaciona a um processo patológico. • Vantagens “anormal” como desvio estatístico da média, retirando elemento de subjetividade; abandona concepções filosóficas e retorna à observação dos fatos; a tipologia de Schneider, apesar de provisória e inicial, influenciou todas as classificações, inclusive a DSM-IV. Transtornos de Personalidade – DSM IV • Grupo A (Excêntrico) Paranóide Esquizóide Esquizotípica • Grupo B (Dramático) Anti-Social Borderline Histriônica Narcisista ● Grupo C Evitação Dependente Obcessivo-Compulsiva (Ansioso) Transtornos de Personalidade Grupo A T.Paranóide T. Esquizóide T. Esquizotípico Prevalência do T.P.Borderline • Estudos na comunidade apontam para de 2 a 4% de indivíduos com TPB (1); • Amostras clínicas chegam a 25% (APA,2001); • 90% dos pacientes com TPB referem abuso sexual ou emocional na infância “Eu poderia lidar com todos os aborrecimentos, mentiras e incertezas, mas não podia continuar a viver com alguém que eu sentia me odiar tanto.” Ex-marido de paciente, citado por Malmquist, Carl P. “Homicide, a psychiatric perspective”, 1996, pg. 121. TPB – CARACTERÍSTICAS I ● Atitudes para com familiares, amigos e relacionamentos podem subitamente, alternar-se, de uma idealização (com grande amor e admiração) para desvalorização → desapontamento (com intensa raiva e aversão); ● Ligação imediata, idealizada, mas, na vigência de pequena separação ou conflito, oscilam para o outro extremo (com acusações); ● Altamente sensíveis à rejeição, reagindo com raiva e angústia às menores separações → “intolerância à solidão” ● Interpretação errônea de comportamentos, atitudes ou comentários; TPB – CARACTERÍSTICAS II ● Medo de abandono → dificuldades em sentir-se emocionalmente ligado a pessoas significativas fisicamente ausentes (sentimento de menos valia) ●Instabilidade, Impulsividade, “Tempestades Emocionais”; Típicamente, a raiva alterna com depressão; ● Ameaças e tentativas de suicídio, (ou mesmo de homicídio), na vigência de raiva ante vivências de abandono ou decepções; ● Micro-episódios Psicóticos com ideação paranóide; TPB – CARACTERÍSTICAS III ● Instabilidade no humor, nas relações interpessoais, autoimagem e comportamento. ● Transtornos na vida familiar, laborativa, planos a longo prazo e sentimento de identidade. ● Inicialmente concebido como quadro fronteiriço à psicose, de fato se trata de transtorno da regulação emocional. ● Auto-lesões sem intenção suicida, pensamentos, ameaças, tentativas e suicídios, nos casos mais graves (2,3). ● As ameaças e tentativas de suicídio, (ou mesmo de homicídio), podem ocorrer na vigência de raiva ante vivências de abandono ou decepções. ● Extenso uso dos serviços de Saúde Mental, (20% a 25% das internações psiquiátricas) (4) TPB – CARACTERÍSTICAS IV ● Depressão ou Transtorno Bipolar → estado de humor patológico com longa duração ( semanas ); ● TPB → intensos ataques de raiva, depressão ou ansiedade, e que podem perdurar por horas ou, no máximo, um dia (5); ● Episódios de agressão impulsiva, auto-lesão, abuso de álcool ou drogas ● Distorções cognitivas e da auto-imagem → mudanças nos objetivos de longo prazo (carreira, emprego, amizades, identidade de gênero, e valores); ● Indivíduos com TPB se vêem como fundamentalmente maus ou indignos. Podem também sentir-se profundamente incompreendidos, desrespeitados, entediados, vazios, sem idéia de quem são; ● Sintomas intensificados se há isolamento ou apoio social deficiente→ esforços desesperados para evitar a solidão; ●Parecem “desligar-se” boa parte do tempo→ estratégia de proteção. “Indivíduos com TPB mostram dificuldades características no estabelecimento de ligações, alternando subitamente uma proximidade exagerada com uma rejeição do contato, ou ainda entre os extremos de idealização e desvalorização do outro”. Newman L, Stevenson C. Parenting and Borderline Personality Disorder: Ghosts in the nursery. Clin Child Psychol and Psychiatry 2005;10(3):385-394 - pg. 386 “Suicidalidade” em TPB • 10% dos pacientes TPB efetivamente se suicidam ( Stone, 1990; Paris e cols. 1987; Paris e cols,1989; Paris e cols. 20001) • Aos 20: pico das ameaças e tentativas – Aos 30: pico dos suicídios efetivos. • 25% dos suicidas têm TPB (Lesage e cols 1994) • Auto-mutilação: fenômeno diverso da ameaça ou tentativa de suicídio: visa alívio de disforia. • Pensamentos e tentativas de suicídio visam “comunicação” e assim devem ser entendidos. Paris J. Chronic suicidality among patients with borderline personality disorder. Psichiatric Services2002;53(6):738-742 TPB - COMORBIDADE ● Comportamentos impulsivos: gastos excessivos, binge eating ou comportamento sexual de risco. ● Comorbidade com Transtornos Psiquiátricos: ▪ Transtorno Bipolar ▪ Depressão, ▪ Transtornos Ansiosos ▪ Abuso de Substâncias ▪ Outros Transtornos de Personalidade. T. P. Borderline : Caso Clínico - B., paciente do Ambulatório do ... foi atendido por sucessivos psicólogos e médicos, aos quais inicialmente elogiava muito, mas, após algum tempo, se queixava e exigia que fossem trocados. Abriu vários processos no C.R.P. e C.R.M. contra tais profissionais. Quando a Direção do Ambulatório tentou excluí-lo, passou a fazer ameaças ao Chefe do Ambulatório, pessoalmente e por telefone. Chegou a entrar em disputa corporal com o então Diretor do .... Foi estabelecido, então, que B. só poderia dar prosseguimento ao seu tratamento caso comparecesse às consultas acompanhado de um responsável. PROGNÓSTICO ● TPB são mais propensos a serem vítimas de violência, estupro e outros crimes. Isto resultaria de ambientes daninhos, impulsividade e juízos prejudicados na escolha de parceiros e estilos de vida. ● Muitos indivíduos se recuperam, tornandose aptos a levar vidas produtivas. TPB - Modelo de Lineham • Haveria no TPB uma disfunção na regulação das emoções (intensa reação a eventos estressantes), portanto uma Vulnerabilidade Emocional; • O ambiente do paciente seria Invalidante: nega, critica, pune ou responde errôneamente a reações emocionais; o indivíduo é cronicamente patologizado; ● Pacientes invalidariam suas próprias reações Lineham, 1993 Terapia Comportamental Dialética (TCD) Abordagem de Conduta Suicida 1) Terapeuta escuta, empaticamente, as vivências emocionais disfóricas relacionadas à ideação suicida (valida-as); 2) Identifica circunstâncias que levaram o paciente a vivenciar disforia; 3) Investiga possíveis soluções alternativas para os problemas subjacentes às vivências emocionais. - O contato empreendido para comunicar suicidalidade é reforçado positivamente; Atos para-suicidas (cortarse, overdose, são reforçados negativamente (perda de sessões) Paris J. Chronic suicidality among patients with borderline personality disorder. Psichiatric Services 2002;53(6):738-742 TPB – Irresponsabilidade Penal ? ● Porque a impossibilidade em controlar impulsos se daria apenas em uma determinada situação? ● Estaria, portanto, o indivíduo “autorizado” a cometer outras agressões ou impropriedades? ● Não teria então, o indivíduo, direito a indenizações, aposentadorias, etc. em ações judiciais, devido à sua incapacidade? Malmquist CP, 1996 Referências 1. Swartz M, Blazer D, George L, Winfield I. Estimating the prevalence of borderline personality disorder in the community. Journal of Personality Disorders, 1990; 4(3): 257-72. 2. Soloff PH, Lis JA, Kelly T, Cornelius J, Ulrich R. Self-mutilation and suicidal behavior in borderline personality disorder. Journal of Personality Disorders, 1994; 8(4): 257-67. 3. Gardner DL, Cowdry RW. Suicidal and parasuicidal behavior in borderline personality disorder. Psychiatric Clinics of North America, 1985; 8(2): 389-403. 4. Zanarini MC, Frankenburg FR. Treatment histories of borderline inpatients. Comprehensive Psychiatry, in press. 5. Zanarini MC, Frankenburg FR, DeLuca CJ, Hennen J, Khera GS, Gunderson JG. The pain of being borderline: dysphoric states specific to borderline personality disorder. Harvard Review of Psychiatry, 1998; 6(4): 201-7. 6. Koerner K, Linehan MM. Research on dialectical behavior therapy for patients with borderline personality disorder. Psychiatric Clinics of North America, 2000; 23(1): 151-67. 7. Siever LJ, Koenigsberg HW. The frustrating no-mans-land of borderline personality disorder. Cerebrum, The Dana Forum on Brain Science, 2000; 2(4). 8. Zanarini MC, Frankenburg. Pathways to the development of borderline personality disorder. Journal of Personality Disorders, 1997; 11(1): 93-104. 9. Zanarini MC. Childhood experiences associated with the development of borderline personality disorder. Psychiatric Clinics of North America, 2000; 23(1): 89-101. 10. Davidson RJ, Jackson DC, Kalin NH. Emotion, plasticity, context and regulation: perspectives from affective neuroscience. Psychological Bulletin, 2000; 126(6): 873-89. 11. Davidson RJ, Putnam KM, Larson CL. Dysfunction in the neural circuitry of emotion regulation - a possible prelude to violence. Science, 2000; 289(5479): 591-4. FIM