VII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio Claro - SP, 07 a 10 de Julho de 2013 A necessidade iminente do controle social no licenciamento ambiental Kamilla Santos da Silva Assistente Social FAPESE Projeto de Pesquisa e Desenvolvimento Social do PEAC [email protected] Calliane Millena Santos dos Reis Estudante de Graduação em Serviço Social Universidade Federal de Sergipe [email protected] Carlos Frederico Bernardo Loureiro Doutor em Serviço Social Universidade Federal do Rio de Janeiro - Faculdade de Educação Elaine Souza da Silva Assistente Social FAPESE Projeto de Pesquisa e Desenvolvimento Social do PEAC [email protected] Gyselle Freitas Santos Estudante de Graduação em Serviço Social Universidade Federal de Sergipe [email protected] Luany de Souza Estudante de Graduação em Serviço Social Universidade Federal de Sergipe [email protected] Nailsa Maria Souza Araújo Doutora em Serviço Social Coordenadora do PPDS/UFS/PEAC Universidade Federal de Sergipe [email protected] Resumo O presente artigo apresenta uma breve discussão acerca da urgência do controle social nos processos de licenciamento ambiental, por meio da educação ambiental. A proposta temática aparece como objeto de preocupação no decurso das atividades do Projeto de Pesquisa e Desenvolvimento Social – PPDS, do Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras – PEAC, junto ao Conselho Gestor do programa. O trabalho comprometeu-se em compreender, enquanto mediação essencial, o contexto que conforma o controle social na formação sócio-histórica brasileira, a fim de elencar elementos que subsidiassem a reflexão acerca dos instrumentos de controle social no licenciamento ambiental com ênfase na estratégia conselhista, que mesmo enfrentando problemáticas se configura como importante espaço de discussão, formação, fortalecimento político e autocontrole das ações. Palavras-Chave: Controle Social. Licenciamento Ambiental. Programas de Educação Ambiental. Abstract: This article presents a brief discussion about the urgency of social control in the processes of environmental licensing, through environmental education. The proposed theme 1 Realização: Unesp campus Rio Claro e campus Botucatu, USP Ribeirão Preto e UFSCar appears as an object of concern in the course of the activities of the Research Project and Social Development - PPDS, the Environmental Education Program in Coastal Communities PEAC, by the Management Council of the program. The work undertaken in understanding while mediating essential context that shapes social control in shaping socio-historical Brazilian in order to list the elements that gave support reflection on the instruments of social control in the environmental licensing with an emphasis on strategy councilist, even facing problems configures itself as an important forum for discussion, education, political empowerment and self-control actions. Keywords: Social Control. Environmental Licensing. Environmental Education Programs. 1) INTRODUÇÃO O presente trabalho analisa o contexto que conforma a necessidade do controle social no licenciamento ambiental, em processos de educação ambiental, segundo as normativas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em face da cultura antidemocrática ainda presente em nossa formação sócio-histórica, mesmo após o marco institucionalizado da Constituição de 1988. Esta problematização aparece através da experiência vivenciada no Projeto de Pesquisa e Desenvolvimento Social – PPDS, do Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras - PEAC1, junto ao Conselho Gestor do programa2. O referido conselho é um órgão de deliberação colegiado do PEAC, tendo caráter deliberativo, regulador, consultivo e fiscalizador das ações de compensação e mitigação do referido Programa. Este se constitui em uma exigência da Coordenação Geral de Petróleo e Gás - CGPEG/IBAMA, a fim de que a PETROBRAS continue operando na Bacia Sedimentar de Sergipe/Alagoas, constituindo-se, desse modo, em uma condicionante para a manutenção, renovação e emissão das licenças ambientais das atividades marítimas de exploração e produção da empresa. Foi criado como meio para garantir a participação coletiva em uma instância política relevante, sendo ao mesmo tempo processo formativo, nos moldes metodológicos da educação popular, e instrumento político de organização e intervenção social. Em termos do tema em análise, é possível afirmar que foi a partir da constituição de 1988 que o controle social foi instituído, em meio à conjuntura vigente da ordem burguesa, tendo em vista à participação da população nas decisões políticas do país, enquanto exercício 1 O referido projeto é executado pelo Departamento de Serviço Social – DSS - da Universidade Federal de Sergipe (UFS) - no âmbito do Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras – PEAC, criado para atender as condicionantes específicas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA em educação ambiental, mitigando e compensando os impactos ambientais que afetam as comunidades da área de abrangência dos empreendimentos marítimos da Petrobras – Unidade de Operações de Exploração e Produção de Sergipe e Alagoas (UO-SEAL). 2 Criado em 2009 para atender as condicionantes da Coordenação Geral de Petróleo e Gás (CGPEG/IBAMA) a fim de que a PETROBRAS continue operando na Bacia de Sergipe/Alagoas, de acordo com primeiro artigo do Estatuto do Conselho Gestor do PEAC (2011), este é um órgão de deliberação colegiada do Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras (PEAC), instituído no âmbito do Processo IBAMA Nº 02022002216/07, para assumir um caráter deliberativo, regulador, consultivo e fiscalizador do referido Programa. 2 de democracia direta. Esta foi concebida e instituída basicamente por meio dos conselhos, conferências, audiências publicas, que se estabelecem como espaços onde a sociedade civil tem a oportunidade de tomar conhecimento sobre as políticas públicas e participar da formulação, implementação e fiscalização das mesmas. Por entender a relevância da participação popular nos processos decisórios no contexto do capitalismo contemporâneo, em especial, no caso das políticas ambientais, no licenciamento ambiental, enquanto instrumento de Estado, o texto visa contribuir com a análise da relevância do controle social enquanto alargamento da estratégia de participação no âmbito dos Programas de Educação Ambiental - PEAs. Entendemos que é candente na sociedade a urgência por mecanismos de controle social e que estes se constituam também em espaços de debates de temas gerais da vida social, bem como de enfrentamento da ordem vigente, em suas relações de expropriação e dominação. Dessa forma, o trabalho, estabelecendo o recorte dentro dessa temática, comprometeuse em compreender, enquanto mediação essencial, o contexto que conforma o controle social na nossa formação sócio-histórica e demonstrar que esse mecanismo político deve ser adotado no âmbito da educação ambiental inserida e normatizada no licenciamento ambiental federal pelo IBAMA, a fim de identificar os nexos entre a democracia e a vida social. 2) PROGRAMA DE EDUCAÇÃO COSTEIRAS – PEAC AMBIENTAL COM COMUNIDADES O Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras – PEAC se estabelece como condicionante de licenciamento ambiental na Unidade de Operações de Sergipe-Alagoas - UO/SEAL, da PETROBRAS, abrangendo 12 municípios: 10 da costa sergipana e 2 da costa baiana. O PEAC, atualmente, desenvolve projetos que buscam mitigar os impactos e compensar as perdas das comunidades costeiras atingidas, ambiental e socialmente, pelas atividades da PETROBRAS. Vem sendo desenvolvido na costa sergipana desde 1999 e ao longo de sua trajetória foi executado por várias empresas, através de contratos. A frequente substituição dessas empresas executoras se deu fundamentalmente pelo fato de não atenderem, em suas atividades, as diretrizes pedagógicas determinadas pelo órgão licenciador, o que causou inúmeras descontinuidades nas atividades do programa. Muitos problemas foram causados por essa descontinuidade, o principal deles foi o descrédito do Programa perante os comunitários, que tinham a impressão de que a cada nova empresa contratada, o processo era reiniciado e eram desconsideradas as atividades realizadas anteriormente. No ano de 2009 foi firmado um convênio entre a PETROBRAS e o Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Sergipe - DSS/UFS, que desde então desenvolve o Projeto de Pesquisa e Desenvolvimento Social do PEAC – PPDS. Inicialmente foi desenvolvido através da técnica de “pesquisa-ação”, que é um “procedimento de natureza exploratória cujos resultados podem contribuir para a formulação de objetivos, de reivindicações e de outros meios de ação, assim como pode ser orientada para o contexto da tomada de decisões” (THIOLLENT,1982 apud VVA, AND, p. 04), estratégia que deu um salto qualitativo no trabalho desenvolvido dentro do programa. Assim como está estabelecido nas diretrizes pedagógicas do IBAMA, a equipe adota como referencial teórico-metodológico os princípios de uma educação ambiental crítica, que visa como finalidade última, um novo modo de relação social e, em consequência, um novo modo de relação dos seres humanos com a natureza, que possa enfrentar e superar os 3 mecanismos de expropriação e os danos ambientais causados pelo modo de produção capitalista, a fim de permitir uma vida social e ecologicamente mais justa. Os integrantes da equipe entendem que a educação ambiental é, antes de tudo, uma ação que requer posicionamento político claro, baseada em uma abordagem dialógica, centrada na explicitação dos conflitos ambientais, em que os sujeitos do processo educativo, ao apropriar-se do conhecimento elaborado coletivamente, possam questionar as bases da problemática socioambiental3. As atividades do PPDS estão divididas entre: extensão e formação política, pesquisa, comunicação e produção de conhecimento. Dentre elas, para fins do artigo, destacamos a criação e assessoramento do Conselho Gestor do programa, iniciativa pioneira nos programas de educação ambiental no país. A constituição do Conselho Gestor do PEAC, embora se desenhasse como possibilidade de efetiva participação da população na definição das estratégias do Programa, impôs um conjunto de desafios, dentre os quais destacamos: a superação do ceticismo e o envolvimento das comunidades no processo de organização e discussão política; a produção de conhecimentos acerca da realidade local, tendo em vista a insuficiência de reflexões e de sistematizações sobre as fases pretéritas do Programa e de sua relação com as comunidades afetadas; e a socialização de conhecimentos acerca da problemática ambiental, em especial no tocante à legislação brasileira, o papel do Estado e as possibilidades da educação ambiental (VVA, 2010). O Conselho Gestor é formado por 26 representantes comunitários, moradores da área de abrangência do programa, que se reúnem mensalmente para discutir e deliberar ações de compensação e mitigação desenvolvidas pelo programa. Mesmo enfrentando dificuldades, que vêm se ajustando ao logo dos três anos de sua criação, o mesmo se estabelece como importante ferramenta de controle social, onde os comunitários se identificam se sentem representados e podem levar suas sugestões e reivindicações de forma direta à empresa e ao órgão licenciador. 3) AS PREMISSAS HISTÓRICAS DO CONTROLE SOCIAL NO CASO BRASILEIRO Em face da contraditória estrutura capitalista e do Estado burguês, a trajetória e desenvolvimento do controle social na sociedade brasileira são marcados por uma cultura excludente e não participativa da sociedade nos processos decisórios. Como assinala Avritzer (2009, p. 27): O Brasil foi, até os anos 1980, um país com baixa propensão participativa, fenômeno esse ligado às formas verticais de organização da sociabilidade política, tais como a concentração do poder na propriedade da terra e a proliferação do clientelismo no interior do sistema político na maior parte do século XX. 3 De acordo com Silva (2010), essa é uma vertente da educação ambiental que pode ser classificada como crítica e emancipatória. 4 A década de 1980 é marcada por uma série de particularidades acerca do futuro da estrutura política do país, momento em que se configura um período de transição entre o regime de ditadura militar e o regime de Estado democrático. Essa transformação é fruto de um complexo de fenômenos contraditórios que envolvem os descontentamentos de frações da classe burguesa, o agravamento das expressões da “questão social” e a luta dos movimentos sociais contra a ditadura, em busca da conquista da democracia. A ascensão dos movimentos sociais propiciou o reconhecimento das reivindicações da classe trabalhadora, possibilitando certa visibilidade nas discussões presentes nas esferas públicas decorrentes das suas próprias manifestações. Eles promoveram uma mudança histórica na esfera pública. Antes o que existia era a verticalização do poder, ou seja, as decisões políticas que diziam respeito a toda sociedade ficavam restritas a uma minoria, especificamente, alguns partidos políticos e a elite dominante. Eram decisões tomadas de “cima para baixo”, bem ao gosto do padrão de “revolução pelo alto” que é base da particularidade da formação sócio-histórica brasileira. Destarte, após duas décadas de regime militar ditatorial emergiram reações da sociedade, em virtude das amarras autoritárias do poder vigente. Essas reações clamavam pelo estabelecimento dos padrões democráticos de convívio social, o que supunha o fim do autoritarismo vigente durante os anos de 1964 a 1985. De acordo com Behring (2008, p.130): Percebe-se que o ritmo da adesão brasileira às orientações conservadoras esteve bastante condicionado, de um lado, ao processo da transição democrática – mais uma vez fortemente controlado pelas elites para evitar a constituição de uma vontade popular radicalizada (Sader, 1990: 1), configurando o que O’Donnel denominou como “transição transada” (1987) e Fernandes chamou de uma transição conservadora sem ousadias e turbulências (1986: 18-9); e de outro, à resistência ao desmonte de uma estrutura produtiva de ossatura sólida construída no período substitutivo de importações, mantendo-se, evidentemente, a heteronomia como marca estrutural, identificada por Fernandes. Em 1988, com promulgação da Constituição Federal, dá-se a sistematização dos direitos reivindicados pela classe trabalhadora. Está Constituição Federal torna-se um marco na história da luta de classe da sociedade brasileira, uma vez que legitima e efetiva alguns dos direitos e princípios fundamentais, dentre os quais estão a participação popular e a descentralização político-administrativa, como mecanismos de intervenção na dinâmica do Estado burguês e a possibilidade, ainda que parcial, de conquistas de direitos sociais que respeitem a dignidade da vida humana. Tal transição democrática sofreu fortes pressões das frações de classe dominantes, sempre resistentes, na experiência brasileira, à incorporação dos sujeitos políticos nos processos decisórios sobre os rumos e destinos da vida nacional. No entanto, foi visível a grande participação dos trabalhadores e movimentos sociais nesse processo. A Constituição traz em seu corpo teórico mecanismos que possibilitam a inserção da população nas decisões políticas (conselhos, comitês, audiências públicas, referendos populares, plebiscitos, conferências setoriais etc.), e é nesse contexto que o termo controle social passou a ser usado pelos movimentos sociais para designar a possibilidade da 5 participação da sociedade civil nos momentos de deliberação e construção das políticas sociais, com a perspectiva de que a sociedade civil possa criar espaços representativos para atuar nas definições e decisões, em busca de políticas públicas, legitimadas no âmbito do Estado, como forma de universalizarem direitos e conquistas sociais, dentre elas as ambientais. O significado mais amplo de controle social mantém um elo entre a democracia representativa e a participativa. O cidadão, além de votar em um representante, deseja acompanhar ativamente as ações que estão sendo feitas; anseia um espaço que possibilite o debate entre o Estado e a sociedade. Há articulação entre o interesse da sociedade civil e os do Estado; existe a partilha de poder entre essas duas esferas políticas, aspirando à promoção de um espaço que defenda o interesse público, a troca de informações, o monitoramento da política pública, o acompanhamento do processo como um todo. A população participa ativamente das discussões, acompanhamento, deliberações, avaliação e fiscalização de determinadas políticas públicas. Contudo, cabe mencionar que nem sempre o conceito de controle social está vinculado à participação popular. Existem diferentes perspectivas de controle social que “coexistem num dado contexto político, social e econômico sendo que um deles detém a hegemonia sobre os demais” (CALVI, 2008), e uma delas está vinculada à classe dominante, conforme sinaliza Mészáros (2002, apud Calvi, 2008, p.11), Tendo como um de seus pontos de partida o conceito de “controle social”, mostra-nos que, nos dias de hoje, esse conceito permanece como mecanismo vital para a manutenção do “Sistema Sociometabolico do Capital” em sua face mais globalizada. Este sistema é uma construção sócio-historica que permanece estruturada na divisão social hierarquizada do trabalho sob o domino do capital. Isso demonstra que o controle social é funcional ao sistema capitalista, quando assume o papel de regular as relações sociais sendo, assim, “resultado histórico das relações humanas engendradas pelas forças políticas, econômicas e sociais de determinadas sociedades” (CALVI, 2008, p. 12). Essa regulação tem se dado por intermédio do aprofundamento do caráter aparentemente democrático e participativo de espaços públicos instituídos, que reproduzem um discurso ideológico de conciliação de classe ou mesmo de supressão da existência destas, reduzindo a participação à vontade cidadã e individual. Assim, as formas clássicas de representação dos trabalhadores em sindicatos e movimentos sociais são desprezadas, sendo substituídas por ONGs, entidades filantrópicas, redes e grupos voluntários que adotam um discurso ético e humanista abstrato, pois não enfrentam nem encaram as contradições mais agudas do capitalismo e seu movimento de reprodução da desigualdade e da acumulação crescente de riquezas, com base na exploração intensa da natureza e do trabalho. Pautar esta consideração é oportuno, pois há várias pesquisas recentes que explicitam esse tipo de uso da educação ambiental em torno da lógica da parceria público-privado, da responsabilidade social, desconsiderando as contradições e conflitos sociais e servindo a um padrão de controle social funcional à reprodução das relações sociais tal qual interessa ao capital. Aparecem como mais democráticas e plurais, mas relativizam lutas sociais e acomodam reivindicações históricas dos trabalhadores aos ditames do mercado e ao processo de refuncionalização do Estado, na ampliação dos interesses privados sobre os públicos 6 (SERRÃO e LOUREIRO, 2012; LAMOSA, SERRÃO, KAPLAN e LOUREIRO, 2012; LAMOSA e LOUREIRO, 2012; D’AVILA e LOUREIRO, 2012). Contudo, as amarras burocráticas nas instituições também devem ser consideradas. As conquistas e garantias de direitos políticos através das lutas dos movimentos sociais têm sido atacadas, em prol dos interesses econômicos do grande capital, que almeja desregulamentar as garantias constitucionais dos cidadãos. Somando-se aos fatores já mencionados, também podemos destacar o paternalismo e o assistencialismo, que impedem o desenvolvimento das condições objetivas do cidadão, a materialização da sua cidadania e o seu exercício democrático. O sujeito não é visto como cidadão de direito, mas como uma pessoa que necessita de ajuda e caridade, desconsiderando-se, assim, as lutas pelo reconhecimento do próprio cidadão e de suas garantias constitucionais. Com isso, no capitalismo é essencial a busca pela real democracia participativa e o protagonismo dos atores sociais na tomada de decisões que visem à melhoria das condições de vida da população, a fim de eliminar “o poder invisível da classe dominante” (BEHRING e BOSCHETTI, 2006, p. 180-181). Essa é, portanto, uma forma de luta política e de instituição de processos educativo/formativos, no interior da organização e intervenção em espaços públicos, compatível com as premissas da educação popular que inspira a educação ambiental crítica, praticada e exigida no âmbito do licenciamento ambiental federal (QUINTAS, 2013; LOUREIRO, 2009). 4) O LICENCIAMENTO E SUAS FERRAMENTAS DE CONTROLE SOCIAL A gestão do meio ambiente é de responsabilidade do Estado e segundo Quintas e Gualda (1995 apud UEMA, 2009, p. 41) No Brasil, o Estado é o principal mediador no processo de gestão ambiental. Nesse processo de mediação ele é responsável pelo ordenamento e pelo controle do uso dos recursos ambientais e detém poderes que lhe permitem criar mecanismos econômicos e fiscais, obrigar a reparação de danos causados ao meio ambiente e muitas outras ações inerentes à sua função fiscalizadora. Assim, o poder público estabelece padrões de qualidade ambiental, avalia impactos ambientais, licencia e revisa atividades efetiva e potencialmente poluidoras, disciplina a ocupação do território e o uso de recursos naturais, cria e gerencia áreas protegidas, obriga a recuperação do dano ambiental pelo agente causador, promove o cumprimento de sua função mediadora. Buscando esses padrões de qualidade ambiental, o Estado licencia empreendimentos que são potenciais poluidores do ambiente. O licenciamento ambiental é um instrumento de administração pública que se insere na gestão da Política Nacional do Meio Ambiente. É por meio dessa ferramenta que os órgãos responsáveis pelo controle das atividades econômicas (celulose, petróleo, mineração, hidrelétrica, etc.) que exploram os recursos naturais, (portanto, o patrimônio público natural posto na cadeia produtiva) autorizam e regulam empresas que são potencialmente ou de fato poluidoras a utilizarem tais recursos, de uma forma que a 7 mesma compense ou mitigue o impacto ambiental (contemplando seus efeitos sociais) por ela ocasionado. O licenciamento pauta suas exigências no arcabouço legal, na análise dos riscos e na avaliação dos impactos ambientais oriundos da atividade de petróleo. Os riscos e os impactos são consequências das características dos empreendimentos e das características socioambientais dos locais em que serão instalados (SERRÃO, VALTER e VICENTE, 2009, p. 4). Considera-se impacto ambiental, de acordo com a Resolução do CONAMA 01/1986, em seu Art. 1º [...] qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II - as atividades sociais e econômicas; III - a biota; IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V - a qualidade dos recursos ambientais. O órgão competente, em nível federal, para a execução do licenciamento ambiental é o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA Dentro deste, o setor responsável diretamente pelo processo do licenciamento é a Diretoria do Licenciamento Ambiental - DILIC, que responde pelas atividades de coordenação, controle, supervisão, normatização, monitoramento, execução e orientação para a execução das ações referentes ao licenciamento ambiental, realizando também procedimentos de qualificação, organização e automação das metodologias de licenciamento ambiental. Em seu interior, existem algumas coordenações, dentre estas a Coordenação Geral de Petróleo e Gás (CGPEG), responsável por acompanhar e licenciar as atividades de exploração e produção de petróleo e gás off-shore. O licenciamento, dentro dos limites de um Estado burguês e das relações econômicas capitalistas, enquanto instrumento de gestão pública articulado com outros aparatos instrumentais da política ambiental, possui a finalidade de garantir o crescimento econômico sustentável, assegurando também o desenvolvimento social, cultural e biótico do planeta. O processo de liberação da licença está configurado por três etapas interdependentes, que segundo a Resolução do CONAMA 237/97 são: LP (licença prévia); LI (licença instalação) e LO (licença operação). Essas etapas se configuram diferentemente, no entanto, tem uma finalidade em comum que é a análise do nível de impacto que o empreendimento irá causar naquele bioma. Para subsidiar a etapa de Licença Prévia, é encaminhado ao IBAMA, pela empresa, o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental - EIA/RIMA. A segunda etapa do licenciamento é a licença de instalação: o empreendedor elabora o Plano Básico Ambiental - PBA, que detalha os programas ambientais necessários para a minimização dos impactos negativos e maximização dos impactos positivos, identificados quando da elaboração do EIA. E na última, a licença de operação, o empreendedor elabora um conjunto de relatórios descrevendo a implantação dos programas ambientais e medidas mitigadoras previstas nas etapas de LP e LI. Enquanto tiver operação, esses relatórios servem para avaliar se as LOs poderão ou não ser renovadas, em conformidade com as exigências legais da política ambiental brasileira. 8 É justamente nessa etapa da LO que são implementados os Programas de Educação Ambiental – PEAs. Segundo a Nota Técnica 01/2010 – CGPEG/DILIC/IBAMA, documento que orienta e normatiza a implementação dos programas no licenciamento de petróleo e gás marítimo, os PEAs se constituem em “um conjunto de linhas de ação que se articulam a partir de um mesmo referencial teórico-metodológico para a promoção de processos educativos voltados ao desenvolvimento da gestão ambiental compartilhada de caráter regional” (p. 3). Em termos gerais, essa normativa exige que os programas de educação ambiental, com base em diagnóstico participativo e construção com os sujeitos do processo educativo, estabeleçam ações que envolvem organização, mobilização e formação comunitária, intervenção coletiva para acessar e obter políticas públicas, participação nos espaços públicos da gestão ambiental, ações de fortalecimento das atividades econômicas e culturais tradicionais e de demais grupos sociais vulneráveis aos impactos dos empreendimentos licenciados. No licenciamento ambiental a legislação brasileira impõe algumas ferramentas de participação e controle social, com o objetivo de promover uma participação efetiva dos sujeitos civis no processo de liberação desses empreendimentos. A ferramenta que mais se destaca são as audiências públicas, que se caracterizam como espaços para a identificação de possíveis impactos ambientais, nos EIA/RIMA. A comunicação, ou seja, a transmissão das informações deve primar pela veracidade e buscar alcançar a compreensão do heterogêneo público alvo da audiência. Cabe ao órgão público gerir este processo e fazer com que as considerações colocadas pelo público, quando pertinentes, sejam agregadas e se necessário, orientem mudanças na proposta ou nas medidas mitigadoras e/ou compensatórias contribuindo para minimizar os impactos (GOULART e AMARAL, 2009, p. 10). No entanto, a audiência pública não possui um caráter deliberativo e, em grande parte dos casos, são pouco divulgadas e possuem baixa presença popular com capacidade de intervenção qualificada, uma vez que são desconhecidos os aspectos básicos do empreendimento a ser licenciado, o que por consequência torna a participação da sociedade civil nesses espaços inativa e/ou insuficiente. Estas ocorrem em um contexto em que a multiplicidade de interesses subjacentes aos empreendimentos alinha, num mesmo espaço de disputa, atores sociais bastante diversos, portadores de diferentes racionalidades e com distintas capacidades de intervenção (UEMA, 2009, p. 51). Todavia, como apontado por Uema (op. cit.), a experiência demonstra que as audiência publicas são espaços importantes, se bem preparados e se conduzidos de forma a instigar negociações no que se refere a compensação e mitigação entre os grupos afetados. Dentro do licenciamento destacam-se os Programas de Educação Ambiental - PEAs, como dito anteriormente, que são exigidos pelo IBAMA como condicionante de licença para o inicio ou continuação da exploração dos recursos naturais de ordem pública, como importantes espaços de controle social sobre os recursos naturais, pois a participação social é parte fundante e indispensável dentro desses programas. De acordo com o IBAMA, os PEAs devem desenvolver ações de educação ambiental com base no que está estabelecido na Política de Educação Ambiental, na IN 02/2012, e no caso em particular do que compete à CGPEG, à NT 01/2010. Estes instrumentos normativos, em particular os estabelecidos pelo IBAMA, exigem uma educação ambiental crítica, 9 buscando uma participação qualificada dos grupos sociais em condições de vulnerabilidade socioambiental, baseada nos princípios da educação popular, para a qual os saberes das comunidades são de fundamental importância para as atividades desenvolvidas dentro do programa. A educação ambiental no licenciamento federal significa fundamentalmente estabelecer, sob o controle do Estado e com a participação popular, processos sociais, políticoinstitucionais e práticas educativas que fortaleçam a participação dos sujeitos e grupos em espaços públicos, o controle social das políticas públicas e a reversão das assimetrias no uso e apropriação de recursos naturais. São nestes processos instituídos junto aos instrumentos da política ambiental que as práticas educativas podem promover a participação do cidadão coletivamente organizado na gestão dos usos e nas decisões que afetam a qualidade ambiental e o padrão de desenvolvimento do país. Isso significa favorecer o direito democrático de atuação na elaboração e execução de políticas públicas que interferem no ambiente e no acompanhamento de empreendimentos que alteram propriedades do território em que se vive (QUINTAS, 2000 e 2004). A experiência observada no PEAC indica que os programas de educação ambiental junto aos grupos sociais tradicionais e vulneráveis têm permitido ampliar a cultura cidadã e democrática, amadurecendo as relações institucionais, a transparência na execução das condicionantes de licença ambiental, a capacidade coletiva de reivindicação de direitos e acesso a políticas públicas, e a organização social de base. Isso, mesmo que feito após a liberação da LI, tem um efeito recursivo. Ou seja, nos casos posteriores de pedido de novas licenças para exploração de petróleo, os grupos sociais antes pouco preparados e mobilizados para intervir nas audiências públicas passam a também tomar parte nesses espaços, em um processo social de participação que reforça o controle social nos instrumentos da política ambiental brasileira. 5) CONSIDERAÇÕES FINAIS Em face do exposto destacamos a importância da institucionalização do controle social nos PEAs, visto que são fundamentalmente programas de caráter coletivo, que visam a participação qualificada dos atores sociais envolvidos na gestão pública do meio ambiente, qualificando essa participação nas audiências públicas, nos conselhos municipais de meio ambiente, na gestão de unidades de conservação e na formulação de planos diretores, por exemplo. Apesar de todas as contradições do Estado burguês e dos limites de um instrumento de regulação das relações público-privado, como é o licenciamento ambiental, a vinculação entre controle social e educação ambiental crítica na execução dos programas de educação ambiental tem propiciado avanços em termos de organização social de base, poder de reivindicação e intervenção de grupos sociais vulneráveis e conquista de direitos. Para, além disso, destacamos também a implementação de estratégia conselhista no interior dos programas de educação ambiental, que mesmo enfrentando inúmeras problemáticas, como exposto no texto, aparece como importante espaço de discussão, formação, fortalecimento político e autocontrole das ações executadas. Em última instância, os conselhos de programas inseridos no licenciamento são estratégias coletivas, de autonomia e aprendizagem conjunta, possibilitando que os atores sociais envolvidos se enxerguem enquanto parte do processo e compreendam a importância da participação na tomada de decisões, principalmente no que se refere à gestão publica do meio ambiente. Possibilita ainda 10 a intervenção no âmbito de outras políticas publicas, gerando aos grupos sociais um reconhecimento enquanto sujeitos de direito e com isso uma atitude crítica diante da sociedade. REFERÊNCIAS AVRITZER, L (org.). Experiências nacionais de participação social. São Paulo: Cortez, 2009. BEHRING, E. R. Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. São Paulo: Cortez, 2008. BRASIL. RESOLUÇÃO CONAMA Nº 001, de 23 de janeiro de 1986. Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res86/res0186.html. Acessado em 09 de Fevereiro de 2013. _______. NOTA TÉCNICA CGPEG/DILIC/IBAMA Nº 01/10. 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