UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO ÁLVARO VINÍCIUS DE MORAES BARBOSA DUARTE CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: UM OLHAR SOBRE O TRABALHO COM A ANÁLISE LINGUÍSTICA Recife 2014 ÁLVARO VINÍCIUS DE MORAES BARBOSA DUARTE CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: UM OLHAR SOBRE O TRABALHO COM A ANÁLISE LINGUÍSTICA Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre em educação Orientadora: Profª Drª Maria Lúcia Ferreira de Figueirêdo Barbosa. Recife 2014 Catalogação na fonte Bibliotecária Andréia Alcântara, CRB-4/1460 D812c Duarte, Álvaro Vinicius de Moraes Barbosa. Concepções de linguagem e ensino de língua portuguesa: um olhar sobre o trabalho com a análise linguística / Álvaro Vinícius de Moraes Barbosa Duarte. – Recife: O autor, 2014. 169 f. ; 30 cm. Orientadora: Maria Lúcia Ferreira de Figueirêdo Barbosa. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco, CE. Programa de Pós-graduação em Educação, 2014. Inclui Referências, Apêndices e Anexos. 1. Língua portuguesa - Ensino. 2. Linguística. 3. UFPE - Pósgraduação. I. Barbosa, Maria Lúcia Ferreira de Figueirêdo. II. Título. 469.07 CDD (22. ed.) UFPE (CE2014-33) UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ÁLVARO VINÍCIUS DE MORAES BARBOSA DUARTE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO TÍTULO: CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: UM OLHAR SOBRE O TRABALHO COM A ANÁLISE LINGUÍSTICA COMISSÃO EXAMINADORA _____________________________________________ Profª. Drª. Maria Lúcia Ferreira de Figueiredo Barbosa 1ª Examinadora/Presidente _____________________________________________ Profª. Drª. Elizabeth Marcuschi 2ª Examinadora _____________________________________________ Profª. Drª. Lívia Suassuna 3ª Examinadora MENÇÃO DE APROVAÇÃO: APROVADO Recife, 09 de abril de 2014. DEDICATÓRIA A Deus, à minha família e aos meus amigos, que sempre me apoiaram, incondicionalmente. AGRADECIMENTOS Esse foi um dos momentos mais esperado por mim, o momento no qual poderia externar minha enorme gratidão a todos que me ajudaram a chegar até aqui. Então, vamos lá! Sem sombra de dúvidas, meus primeiros agradecimentos vão para o meu Senhor Deus, que me acolheu nos braços desde o dia que eu cheguei aqui neste mundo e até os dias de hoje me protegeu de todo o mal. A Ele, toda honra e toda Glória. Em segundo lugar, aos meus pais, que sempre foram meus grandes parceiros e incentivadores e que são seres que sempre me mostram o caminho do amor, do respeito e da dignidade, mesmo vivendo neste mundo cruel e difícil. Eles que sempre foram exemplos de respeito e de honestidade, tanto pra mim quanto pra minha irmã, a quem também agradeço os anos de convivência que sempre tivemos. À minha família: tios, tias, primos, que sempre me apoiaram e incentivaram muito. Meus tios, quase todos professores, sempre foram referência e exemplos de sucesso para mim. Desde criança convivo com todos e vejo como eles são felizes na profissão que escolheram. A todos os meus amigos e companheiros de jornada. Amigos da igreja, das escolas por onde eu passei nesses anos de trabalho, amigos que moram um pouco distante. A todos que um dia cruzaram meu caminho, meu muito obrigado. Queria fazer uns agradecimentos especiais a algumas pessoas que me ajudaram muito no período do curso de mestrado. Queria iniciar agradecendo à minha eterna gestora Marília Patrícia Oliveira, que me incentivou e se emocionou com todos os momentos do mestrado, desde a seleção até hoje o dia da defesa. Serei eternamente grato pelo carinho e apoio que ela sempre me deu. Aos meus amigos e grandes professores Ruy Parahyba e César Romero, que foram importantíssimos na minha aprovação na seleção do mestrado. Sou imensamente grato a vocês dois. Aos meus companheiros de turma e de vida Deyvid Souza, Flávia Santana e Nathália Késsia, pela atenção e convivência nesse período do curso. Um agradecimento todo especial à minha orientadora Maria Lúcia Barbosa, pela imensa sabedoria com que conduziu as orientações e principalmente a calma que sempre teve em meio às minhas agitações. Outra pessoa fundamental nesse processo foi a professora Lívia Suassuna, que desde a graduação acompanhou um pouco da minha trajetória e foi fundamental ao me incentivar a fazer a seleção do mestrado. Também esteve na banca de seleção, de qualificação e na defesa da dissertação. Também quero agradecer ao Programa de Pós-graduação do Centro de Educação da UFPE e aos professores desse Centro por me proporcionarem a oportunidade de realizar o curso de mestrado. Para finalizar, quero agradecer à Secretaria de Educação do estado de Pernambuco e a Secretaria Municipal de Paulista pelas licenças concedidas e pelo apoio ao profissional que sou. Hoje posso voltar à sala de aula dessas redes com muito mais conhecimento e vontade de fazer um trabalho melhor. RESUMO A presente pesquisa teve como objetivo analisar as relações que se estabelecem entre as concepções de linguagem do professor de Língua Portuguesa e sua prática de ensino de análise linguística. Para atingirmos tal objetivo, buscamos analisar as concepções de linguagem e a prática de ensino de análise linguística presentes nos materiais didáticos utilizados durante o período de observação e dos documentos oficiais (Parâmetros para a Educação básica do estado de Pernambuco e diário de classe do professor) que prescrevem/orientam a prática de ensino do professor da Rede Estadual de Ensino; analisar as concepções de língua, gramática e ensino de língua do professor e o que ele conseguiu efetivar em relação à prática de análise linguística; e entender como o professor articula em seu fazer pedagógico, os “conhecimentos teóricos” e os conhecimentos dos “saberes em ação”, em relação á prática de análise linguística. Para a realização do presente trabalho, desenvolvemos uma pesquisa qualitativa, utilizando a metodologia do paradigma indiciário e três instrumentos de coleta de dados: análise documental, entrevista e observação. A fim de entenderemos as relações que se estabelecem entre concepções de linguagem e prática de análise linguística, observamos a prática de duas professoras da Rede Estadual de Ensino de Pernambuco, bem como as entrevistamos. As docentes ministravam aulas no 6º e no 9º anos do ensino fundamental na cidade de Olinda. Como base teórica, nos apoiamos nos pressupostos de Bakhtin ([1929-1930] 2010), TRAVAGLIA ([1996] 2006), GERALDI ([1984] 2003a), MARCUSCHI (2007) e SALOMÃO (1999), autores que tratam sobre as concepções de linguagem. Sobre o ensino de gramática e prática de análise linguística nos apoiamos nas ideias de TRAVAGLIA ([1996] 2006), GERALDI ([1984] 2003a), BEZERRA e REINALDO (2013), SUASSUNA (2012), entre outros. Como resultados, notamos que cada professora, ao seu modo, desempenhou diferentes trabalhos em relação à prática de análise linguística. Uma das docentes desenvolveu, em quase todos os momentos do período de observação, um trabalho que articulava os três eixos de ensino (leitura, produção e análise linguística), partindo do trabalho com sequências de atividades baseada no estudo de um gênero textual. Nessas sequências, observamos que o trabalho com a análise linguística partiu tanto do eixo da leitura, quanto do eixo de produção de texto. Em relação à produção, verificamos que a prática de análise linguística se deu tanto antes como após o trabalho com esse eixo, principalmente com as reflexões oriundas da reescrita dos textos produzidos pelos alunos. Já a outra professora, em quase todo o período de observação, desenvolveu um trabalho com o eixo de eixo de análise linguística a partir da leitura, principalmente com a exploração de questões – seja de materiais elaborados pela professora ou do livro didático – e que tais reflexões se voltaram para o entendimento do processo coesivo do texto enquanto unidade de sentido. Concluímos que não existe uma linearidade entre a concepção de linguagem que norteia o trabalho de cada docente e sua prática em relação ao ensino de análise linguística. Entre o domínio da teoria e a efetivação da prática de ensino há muitas variáveis. Essas variáveis podem estar relacionadas às escolhas didáticas do professor, às condições oferecidas pelas Redes de Ensino ou por outras condições diversas. Pensamos que novas pesquisas podem ser importantes para tentar descobrir esses meandros que se apresentam entre a prática do professor e o seu conhecimento teórico. Palavras-chave: Ensino de Língua Portuguesa, Concepções de linguagem, Análise Linguística, Relação teoria e prática. ABSTRACT This research has aimed to analyze the established associations between the conceptions on language of Portuguese teachers and their teaching practice of linguistic analysis. In order to achieve such goal, we have pursuit to analyze the conceptions of language and the practice of teaching language analysis that are present in the instructional materials used during the observational period and through official documents (Parameters for Basic Education of the State of Pernambuco and teacher’s class report) that prescribe or guide the teaching practice of teachers in State Schools; Analyzing the conceptions of language, grammar and language teaching from teachers and the things they could bring about in relation to the practice of linguistic analysis; Understanding how the teacher articulates their pedagogical ways of doing the "theoretical knowledge" and the cognizance of "knowledge in action", in relation to the practice of linguistic analysis. In order to carry out this work, we have developed the means for a qualitative research, using the evidential paradigm methodology and three instruments for data collection: documental analysis, interview, and observation. To get the understanding of the established relations between concepts of language and practice of linguistic analysis, we have observed the practice of two teachers from State Schools of Pernambuco, we also have interviewed them. The teachers taught classes in the sixth and the ninth grades of elementary school in the city of Olinda. As theoretical basis, we rely on the assumptions of BAKHTIN ([1929-1930] 2010), TRAVAGLIA ([1996] 2006), GERALDI ([1984] 2003a), MARCUSCHI (2007), and SOLOMÃO (1999), authors who deal with conceptions of language. About grammar teaching and practice of linguistic analysis, we rely on the ideas of TRAVAGLIA ([1996] 2006), GERALDI ([1984] 2003a), BEZERRA & REINALDO (2013), SUASSUNA (2012), among others. As a result, we noticed that each teacher, in a personal way, performed different tasks in relation to the practice of linguistic analysis. One of the teachers developed in almost every moment of the observational period, a task which articulated the three axes of education (reading, production, and linguistic analysis), beginning the work with sequences of activities based on the study of a text genre. In these sequences, we have noticed that the work with linguistic analysis has resulted from both the axis of reading as well as the axis of text production. Regarding the production, we have noticed that the practice of linguistic analysis was done both before and after working with this axis, mainly with reflections from rewriting the texts produced by the students. On the other hand, the other teacher, in almost the entire observational period, had developed a task with the shaft axis of linguistic analysis from reading, mainly with exploring questions – whether by the materials the teacher had prepared or by the textbook – and that such thoughts turned to the understanding of the cohesive process of the text as a unit of meaning. We conclude that there is no linearity between the conception of language that guides the work of individual teachers and their practice in relation to teaching linguistic analysis. There are many variables between the domain of the theory and the effectuation of teaching practice. These variables may be related to didactic choices made by the teacher, the conditions offered by Education Teaching Networks, or other various conditions. We infer that further research can be important to attempt finding out these intricacies which arise in between the teachers’ practice and their theoretical knowledge. Keywords: Portuguese Language Teaching, Conceptions of Language, Linguistic Analysis, Theory and Practice Relation. LISTA DE QUADROS Quadro 1: Os saberes dos professores...................................................................................44 Quadro 2: Objetivos e instrumentos de análise....................................................................62 Quadro 3 – Conteúdos planejados pela Professora A ........................................................77 Quadro 4 – Conteúdos planejados pela Professora B......................................................... 81 Quadro 5 – Temas de análise linguística e os gêneros trabalhados pela Professora A.... 86 Quadro 6 – Síntese dos dias de aula da PA.......................................................................... 88 Quadro 7 – Temas de análise linguística e os textos trabalhados pela Professora B..... 111 Quadro 8 – Síntese dos dias de aula da PB........................................................................ 113 LISTA DE SIGLAS AL: Análise linguística GT: Gramática tradicional GRE: Gerência Regional de Ensino PA: Professora A PB: Professora B LD: Livro didático EA: Expectativa de Aprendizagem A: Refere-se a vários alunos que se expressam ao mesmo tempo na interação na sala. A1: Aluno que inicia uma interação na sala de aula. A2: Aluno que da sequência à fala do A1. A3: Designa o terceiro aluno que toma o turno da fala na interação. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................13 1. CAPÍTULO 1 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.........................................................20 1.1 Concepções de linguagem...........................................................................................20 1.2 O trabalho com os gêneros e os eixos de ensino........................................................27 1.3 Ensino de gramática e prática de análise linguística................................................28 1.3.1 Ensino de gramática....................................................................................................29 1.3.2 Prática de análise linguística......................................................................................33 1.4 Práticas docentes e construção de conhecimento.......................................................39 1.5 O que dizem as pesquisas que tratam sobre as concepções de linguagem..............47 2. CAPÍTULO 2 - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS......................................53 2.1 Abordagem investigativa – A pesquisa qualitativa.......................................................53 2.2 Escolha das escolas e dos sujeitos...................................................................................54 2.2.1 A Professora A................................................................................................................58 2.2.2 A Professora B................................................................................................................58 2.2.3 Descrição do ambiente escolar .....................................................................................59 2.3 Instrumentos de coletas de dados...................................................................................59 2.3.1 Entrevistas .....................................................................................................,.............59 2.3.2 Observação ..................................................................................................................61 2.3.3 Análise documental......................................................................................................62 3. 3.1 CAPÍTULO 3 – ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS.............................65 O que revelam os documentos oficiais e o planejamento das professoras?............66 3.1.1 Sobre os documentos oficiais......................................................................................66 3.1.2 O que dizem os parâmetros sobre as concepções de linguagem............................. 68 3.1.3 O que dizem os parâmetros sobre análise linguística............................................. 70 3.2 Conteúdos sistematizados pelos Parâmetros e planejamento das docentes............ 73 3.2.1 Professora A........................................................................................................... 74 3.2.2 Professora B................................................................................................................... 79 3.3 Análise das aulas e das entrevistas ..............................................................................85 3.3.1 A professora A (PA)...................................................................................................... 86 3.3.1.1 As concepções de língua e de gramática da professora e o como se deu o trabalho com a Análise linguística.................................................................................................86 3.3.1.2 A análise linguística e a sequência de atividades com o gênero lenda urbana..... 89 3.3.1.3 A análise linguística e a sequência de atividades com o gênero receita culinária ............................................................................................................................................96 3.3.1.4 Mais algumas considerações sobre as aulas da Professora A................................108 3.3.2 A Professora B (PB)................................................................................................. 110 3.3.2.1 As concepções de língua e de gramática da professora e o como se deu o trabalho com a Análise Linguística...................................................................................................110 3.3.2.2 Primeira parte das aulas da PB...............................................................................113 3.3.2.3 Segunda parte das aulas da PB................................................................................123 3.3.2.4 Mais algumas considerações sobre as aulas da Professora B................................134 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................137 APÊNDICES..........................................................................................................................140 APÊNDICE A – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS.......................................................140 APÊNDICE B – ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO ............................................................141 ANEXOS................................................................................................................................142 Anexos Professora A............................................................................................................ 142 Anexos Professora B.............................................................................................................153 REFERÊNCIAS....................................................................................................................164 13 INTRODUÇÃO A partir do conhecimento de que a língua é uma prática social, em plena mutação, somos desafiados, dentro das nossas salas de aula, a trabalhar com esse “ser” que a cada momento se renova. Ensinar língua ou, melhor dizendo, ensinar linguagem é uma difícil tarefa que é atribuída às escolas e principalmente aos professores de Língua Portuguesa. Mas, afinal, o que seria trabalhar com a linguagem? Podemos tentar responder a essa pergunta a partir de um questionamento feito por Leite (1984, 2003, p. 19): “Em que medida e em que sentido podemos ensinar a língua materna a pessoas que a utilizam com todo o domínio necessário para se expressar e se comunicar na sua vida cotidiana?” Questionamentos como esse nos fazem refletir sobre dois pontos importantes em relação ao ensino de língua. O primeiro diz respeito a “o que” ensinar e o segundo, ao “como” ensinar. Esses pontos vêm apresentando mudanças do ponto de vista teórico-metodológico com o passar dos anos, principalmente com os avanços dos estudos da ciência da linguagem e da área de didática do ensino de língua. Partindo do pressuposto da existência dessas mudanças mencionadas acima, podemos afirmar que nem sempre o ensino de língua na escola apresentou-se como se nos apresenta hoje. Felizmente, muitas mudanças vêm ocorrendo e isso se deve não só ao caráter camaleônico da língua, mas, também, às contribuições que a linguística, como ciência da linguagem, nos traz. A linguística, a partir dos avanços em seus estudos, principalmente com os aportes da Sociolinguística, da Análise do Discurso, entre outras, vem contribuindo para as mudanças que ocorrem nos paradigmas de ensino de língua, na educação básica no nosso país. Neste sentido, Ilari afirma que: A lingüística é uma ciência teórica e descritiva, e sua função primária não é produzir orientações metodológicas destinadas ao ensino. Mas para muitos professores do ensino fundamental e médio, compreender a fundo o que é a língua é um problema importante, e as idéias que os lingüistas foram elaborando em perspectiva teórica acabaram por ter repercussões mais ou menos profundas sobre todas as práticas pedagógicas cuja matéria prima é a linguagem. (ILARI, 1994, p. 12). Dentre essas mudanças, podemos destacar a entrada dos textos na sala de aula. Esse objeto de ensino vem tomando cada dia mais espaço nas aulas de Língua Portuguesa, sendo trabalhado a partir de diferentes perspectivas. 14 O texto, inicialmente usado como pretexto para o ensino de gramática, tornou-se, com o passar o tempo, modelo de comunicação e hoje é visto como um objeto de uso da linguagem, a partir de uma postura sociointeracionista, trabalhado na perspectiva dos gêneros textuais, forma como os textos se materializam no uso da linguagem, na interação entre os sujeitos. Podemos encontrar nos PCN de Língua Portuguesa referências ao uso do texto como objeto de ensino de língua. Segundo esse documento: uma prática constante de escuta de texto orais e leitura de textos escritos e de produção de textos orais e escritos, deve permitir, por meio de análise e reflexão sobre múltiplos aspectos envolvidos, a expansão e construção de instrumentos que propiciem ao aluno, progressivamente, ampliar sua competência discursiva. (BRASIL, 1998, p. 27). Dentre as mudanças ocorridas com a entrada do texto na sala de aula, agora visto em seus diferentes gêneros, merece destaque a prática de análise linguística, uma nova perspectiva de estudo que ultrapassa os limites da gramática normativa, levando em conta os aspectos linguísticos em um sentido mais amplo de uso da linguagem, em articulação com a prática de leitura e de produção de texto. Desse modo, a prática de AL vem se revelando uma importante dimensão de ensino de língua, contribuindo para desenvolver no aluno sua capacidade de reflexão sobre o uso da linguagem em suas produções escritas e orais e em sua habilidade de compreender enunciados (BEZERRA; REINALDO, 2013; GERALDI, 1991, 2003c; MENDONÇA, 2006). Sobre o desenvolvimento teórico da linguística que desencadeou nas reflexões da análise linguística como nova perspectiva de ensino, Ilari também destaca as contribuições dos estudos linguísticos, quando comenta que: De todas as práticas escolares, a que foi mais questionada no contexto criado pela lingüística, foi a velha prática do ensino gramatical. Entre outras coisas, lembrou-se que os verdadeiros objetos lingüísticos com que lidamos no diaa-dia são sempre textos, nunca sentenças isoladas, e observou-se (com razão) que as gramáticas têm muito pouco a dizer sobre esses objetos. (ILARI, 1994, p.12). Apesar dessa afirmação de Ilari (1994) ter sido feita há 20 anos, ainda encontramos, segundo Duarte (2010), professores que não se deram conta das mudanças teóricometodológicas do ensino de língua e que ainda refletem, em sala de aula, o tradicional ensino da gramática normativa, talvez por terem tido uma formação mais tradicionalista ou em 15 épocas nas quais não havia, nos cursos de licenciaturas ou de formações continuadas, discussões baseadas na perspectiva sociointeracionista de ensino. Nessa prática tradicionalista, ainda realizada por alguns professores, o aluno muitas vezes não vê utilidade e aplicabilidade naquilo que é estudado na sala de aula e passa a ter a ideia de que a língua é algo que não faz parte da sua realidade, por isso, muitas vezes, sente-se um “estrangeiro” dentro da sua própria língua materna, ou no dizer de Geraldi (2010, p. 114), “a língua a aprender se torna estrangeira (ou estrangeira de sua própria língua se torna a grande maioria dos falantes)”. Sobre esse assunto, já na década de 1980, Geraldi afirmava que: o mais caótico da atual situação do ensino de língua portuguesa em escolas de primeiro grau consiste precisamente no ensino, para alunos que nem sequer dominam a variedade culta, de uma metalinguagem de análise dessa variedade – com exercícios contínuos de descrição gramatical, estudo de regras e hipóteses de análise de problemas que mesmo especialistas não estão seguros de como resolver. (GERALDI, 1984, 2003a p. 45). Também encontramos, segundo Bastos e Suassuna (2011), professores que estão passando por um processo de apropriação dos conhecimentos advindos das contribuições teóricas para o ensino de língua. Esses professores, segundo as autoras supracitadas, “ainda não conseguem consubstanciar, de modo significativo, essas novas propostas metodológicas” (BASTOS, 2011; SUASSUNA, 2011, p. 181). Quando nos referimos, em parágrafos anteriores, a “o que” ensinar, pretendemos tocar em um ponto chave na discussão sobre o ensino de língua: as concepções de linguagem que norteiam o trabalho do professor. Nesse sentido, Geraldi (1991, 2003c) afirma, ao discorrer sobre a formação dos professores que devemos também nos preocupar com “o que ensinar”, fazendo referência à visão que os docentes têm a respeito do conceito de língua. E Possenti (1984, 2003) afirma, categoricamente, que “para que o ensino mude, não basta remendar alguns aspectos. No caso específico do ensino de português, nada será resolvido se não mudar a concepção de língua e de ensino de língua na escola”. (POSSENTI, 1984, 2003.p.32-33) Esses autores, principalmente Geraldi (1984, 2003a), dão uma especial atenção ao tema das concepções de linguagem, atribuindo a elas um papel importante na discussão sobre a postura a ser adotada pelo professor em relação à prática de AL. Geraldi (1984, 2003a, p. 41) estabelece uma correspondência entre as três concepções de linguagem elencadas em sua obra (língua como expressão do pensamento, língua como instrumento de comunicação e 16 língua como forma de interação) e grandes correntes de estudos linguísticos: a gramática tradicional, o estruturalismo, o transformacionalismo e a linguística da enunciação. Nessa discussão sobre concepções de linguagem e ensino de língua, mais especificamente quando nos referimos à prática de AL, parece importante chamar atenção para o debate do que entendemos por conhecimento teórico e o conhecimento prático do professor. Entre o conhecimento teórico e a efetivação da prática de ensino de língua há um grande caminho no qual alguns passos ainda são desconhecidos por nós. Por esse motivo, partimos da ideia de que não há uma relação tão linear entre o domínio do conhecimento teórico do professor e o desenvolvimento de sua prática. Sobre essa discussão, Signorini (2007), afirma que questões relativas ao ensino de língua não estão relacionadas apenas às questões: epistemológicas, ou seja, às diferenças nos modos de se conhecer e compreender a língua e seu funcionamento. Os componentes sócio-políticos e ideológicos são fundamentais, principalmente porque nunca se apresentam por inteiro e desvencilhados das histórias e condições locais de organização no país e na região (SIGNORINI, 2007, p. 8). A partir do debate entre as concepções de linguagem como conhecimento teórico, e a prática de AL como conhecimento prático, propomos uma discussão sobre as relações que se estabelecem entre a teoria e prática. Essa pesquisa nasceu da inquietação de seu autor ao participar de inúmeras formações continuadas realizadas pela rede estadual de ensino, reuniões pedagógicas da área de Língua Portuguesa e, principalmente, da convivência com professores da Rede Estadual de Ensino de Pernambuco durante a realização do curso de Especialização em Língua Portuguesa, custeado pelo Governo do Estado de Pernambuco para os professores da rede, como prática de valorização da formação continuada dos docentes. Em constante diálogo com esses docentes, percebia-se um enorme anseio em conhecer novas práticas de ensino de língua, principalmente no que dizia respeito a modelos de aulas que pudessem estimular o aluno e tornar a prática mais efetiva. Sobre essa discussão, Possenti (1984, 2003, p. 32) afirma que: Frequentemente, pesquisadores são chamados para falar a professores, na esperança de que aqueles apresentem um programa de ensino que funcione. Em certas circunstâncias, espera-se que tal programa funcione sem qualquer 17 outra mudança na escola e nos professores. Espera-se que os especialistas tragam propostas “práticas”. (POSSENTI, 1984, 2003, p. 32). Durante o referido curso de especialização, os professores buscavam insistentemente “receitas” práticas de aula, principalmente no que dizia respeito ao ensino de AL, e o que se percebia, na realidade, era a presença de uma grande variedade de concepções, seja de texto, de gramática e principalmente de língua. Nesse cenário de discussões acerca das relações entre o trabalho com a AL e as concepções de linguagem, podemos trazer para o debate alguns importantes trabalhos que tratam sobre essa temática. Dentre essas pesquisas podemos destacar Goulart (2010), que buscou entender como a AL pode ser tomada como ferramenta na abordagem de textos sob a perspectiva dos gêneros discursivos em um Livro Didático. Sobre o ensino de gramática e a prática de AL, podemos destacar o trabalho de Silva (2009), no qual a pesquisadora buscou perceber como os professores estão lidando com as diferentes propostas de ensino de língua hoje disponíveis. As duas pesquisas citadas nos parágrafos anteriores serão discutidas em uma seção posterior, onde faremos um levantamento sobre alguns trabalhos que tratam sobre a temática abordada na presente pesquisa. Apesar da existência de importantes e pertinentes trabalhos sobre as concepções de linguagem e a prática de AL, como os citados acima, a presente pesquisa se justifica pela necessidade de novos estudos, pois essa discussão ainda está muito presente no discurso do professor, suscitando muitas dúvidas e debates sobre a linguagem em perspectiva didática. É importante argumentar que os trabalhos existentes sobre a temática em foco retratam realidades específicas, muitas vezes, analisando práticas de dois ou três professores, com focos de pesquisa direcionados. Por esse motivo, analisar novas práticas, com novos olhares sobre o objeto de pesquisa, é um movimento importante para produção de conhecimentos sobre a prática de ensino. Além dessas justificativas, são necessários novos estudos sobre o tema por estarmos em outro momento histórico, pois partimos do pressuposto de que a produção de conhecimento está acontecendo em uma velocidade cada vez maior e isso acarreta novas necessidades de se rever algumas práticas de ensino. Ao buscar ampliar o debate sobre as concepções de linguagem e a prática de ensino de língua materna é que se justifica a importância do presente trabalho de pesquisa, no qual buscaremos entender as relações que se estabelecem entre a concepção de linguagem do professor e sua prática com a AL. Ao tentar entender essas relações, poderemos compreender 18 alguns mecanismos relacionados à prática docente e o seu fazer didático, ou seja, como o professor, no seu dia a dia, consegue articular seus conhecimentos teóricos acerca do objeto língua/linguagem à sua prática. Tais esclarecimentos podem trazer também algumas contribuições de ordem prática, pois, a partir dos estudos de caso dos sujeitos observados, poderemos levantar algumas reflexões que poderão contribuir para uma discussão mais ampla sobre os programas de formação de professores (inicial e continuada). Entendemos que a teoria é determinante da prática, mas não sabemos até que ponto se dá essa determinação. Nesse sentido, ao falarmos sobre concepções de linguagem e prática de ensino de língua, especificamente da prática de AL, concordamos com Geraldi (1984, 2003a) e Possenti (1984, 2003), quando esses autores dizem que a adoção de determinada concepção influencia a prática de ensino de língua, mas não sabemos até que ponto esse posicionamento teórico é realmente determinante da prática. Baseados nas ideias levantadas no parágrafo anterior, partimos de alguns questionamentos que nos parecem importantes: em que medida um professor que entende a linguagem como forma de interação realizará um trabalho que condiz com essa concepção? Como se efetivaria o trabalho com a análise linguística de um professor que toma/ reflete a linguagem a partir de certo posicionamento teórico? Que tipos de relações se estabelecem entre o conhecimento teórico que o docente tem e a sua prática de ensino? Em vista do exposto, a partir da análise da prática de ensino de língua na educação básica nas escolas públicas, esta pesquisa tem como objetivo geral analisar as relações entre as concepções de linguagem e a prática de ensino de análise linguística. Esta pesquisa também apresenta os seguintes objetivos específicos: 1. Analisar as concepções de linguagem e a proposta de prática de ensino de análise linguística presentes nos documentos oficiais da Rede Estadual de ensino e como elas se apresentam também nos materiais didáticos utilizados pelos professores durante o período de observação. 2. Evidenciar as concepções de língua e de ensino de língua do professor, de gramática e o que ele consegue efetivar em relação à prática de análise linguística. 3. Verificar como o professor articula, em seu fazer pedagógico, os “conhecimentos teóricos” e os conhecimentos dos “saberes em ação”, em relação à prática de análise linguística. 19 Para uma melhor leitura do todo desse trabalho, dividimos a dissertação em capítulos, os quais foram organizados da seguinte maneira: No primeiro capítulo, apresentaremos as ideias que subsidiaram as análises e discussão dos resultados da pesquisa. Discorremos sobre as concepções de linguagem que no percurso histórico sustentaram as diversas práticas de ensino de língua e de gramática. Embora não seja objetivo específico da presente pesquisa analisar o uso dos gêneros textuais, não poderíamos deixar de mencioná-los em nossa fundamentação, pois o ensino, segundo as novas perspectivas, deve contemplar o trabalho com os gêneros em sala de aula. Também é importante mencioná-los porque, ao tratarmos sobre a prática de AL, não poderíamos imaginar o ensino de reflexão sobre a língua sem uma articulação entre os eixos de leitura e produção de texto (gênero). Sobre o processo de reflexão sobre a língua, propomos uma discussão sobre o que se entende por ensino gramatical e prática de AL, bem como os conceitos envolvidos nesses processos. Também apresentamos na fundamentação teórica uma discussão sobre os conhecimentos teóricos e práticos do professor e, por fim, colocamos em debate o que algumas importantes pesquisas revelam sobre a temática em discussão. O segundo capítulo será dedicado à descrição dos procedimentos medotológicos que orientaram a pesquisa, no que se refere à escolha dos sujeitos, aos procedimentos de coleta de dados e aos procedimentos de análise. Nesse sentido, a pesquisa teve um enfoque qualitativo, pois buscamos entender algumas relações que se estabelecem no processo de ensinoaprendizagem de língua materna. Para isso, utilizamos o paradigma indiciário como tipo de pesquisa qualitativa, que nos permitiu buscar alguns indícios na prática e no discurso dos docentes observados através dos estudos de caso. Para a coleta de dados e posteriores discussões sobre eles, foram utilizados três instrumentos de coleta: análise documental, entrevista e observação. O uso desses instrumentos foi fundamental para criar uma visão mais ampla sobre os dados. No terceiro capítulo traremos a análise e discussão dos resultados da pesquisa, ou seja, nessa parte da dissertação esclareceremos quais as relações que se estabeleceram entre as concepções de linguagem do professor e a sua prática com a análise linguística. E por fim, após a análise e discussões dos dados, levantaremos algumas considerações finais, dentre as quais percebemos que não há uma relação tão linear entre um determinado posicionamento teórico adotado pelo professor e a efetivação do seu trabalho com a AL. 20 CAPÍTULO 1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Embora o termo “Linguística” só tenha começado a ser usado com mais frequência no discurso acadêmico em meados do século XIX para enfatizar a diferença entre uma abordagem mais inovadora dos estudos da língua e os estudos tradicionais ligados à filologia, já poderíamos encontrar antes dessa época alguns trabalhos que se referiam a estudos linguísticos e que traziam cunhado o nome “Linguística” em algum momento. Mas atribui-se a Ferdinand de Saussure o mérito de tornar a língua um objeto de estudo científico. A partir do que foi exposto acima, concordamos com Weedwood (2002) quando a autora afirma que “as pessoas vêm estudando a linguagem desde a invenção da escrita e que os estudos da língua com finalidades práticas precederam ao processo de reflexão da análise científica” (WEEDWOOD, 2002, p.17). Além das contribuições de Saussure para o desenvolvimento da linguística geral como ciência da linguagem e definição do conceito de língua, podemos destacar as contribuições de Mikhail Bakhtin, que, além de discutir as teorias saussurianas, propôs novas ideias acerca da definição do objeto língua/linguagem. E hoje, com o avanço da linguística, podemos contar com as contribuições de novos campos de estudos da linguagem, como por exemplo, a Análise do Discurso, a Linguística Textual, a Sociolinguística, a Linguística Cognitiva, para o processo de ensino-aprendizagem de língua. Partindo-se das discussões iniciadas acima, quando falamos sobre as contribuições da linguística e de alguns teóricos para o estudo da linguagem, passaremos, no tópico seguinte, a discorrer sobre as concepções de língua defendidas por alguns autores, fazendo uma contextualização histórica e relacionando essas concepções ao ensino de Língua Portuguesa. 1.1 Concepções de linguagem Saussure (1916, 2006) e Bakhtin1 (1929, 2010) apresentaram diferentes concepções acerca da definição de língua e de linguagem. Para Saussure, em primeiro lugar, haveria uma distinção clara entre as definições dos termos “língua” e “linguagem”, distinção essa que o 1 Faremos, no presente trabalho, referência a Bakhtin como autor de “Marxismo e Filosofia da Linguagem”, embora saibamos que há discussões e comprovações da autoria de Valentin Voloshinov. Há, inclusive, novas edições que já trazem Voloshinov como autor da obra supracitada. 21 levou a se dedicar ao estudo do conceito de língua, colocando de lado a linguagem, pois para esse autor Tomada em seu todo, a linguagem é multiforme e heteróclita; o cavaleiro de diferentes domínios, ao mesmo tempo física, fisiológica e psíquica, ela pertence além disso ao domínio individual e ao domínio social; não se deixa classificar em nenhuma categoria de fatos humanos, pois não se sabe como inferir sua unidade. A língua, ao contrário, é um todo por si e um princípio de classificação. Desde que lhe demos o primeiro lugar entre os fatos da linguagem, introduzimos uma ordem natural num conjunto que não se presta a nenhuma outra classificação. (SAUSSURE, 1916, 2006, p.17 - grifos nossos). Já para Bakhtin (1929, 2010, p. 128), “a língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta”. Sendo muito mais do que um código, ela é essencialmente social, pois está diretamente ligada às condições concretas de uso. Nesse sentido a linguagem configura-se fruto de reflexões científicas extremamente articuladas com a realidade social. Trazendo a discussão para o campo do ensino, muitos autores tratam sobre as definições do que é a linguagem e suas aplicações na prática pedagógica do ensino de língua. Entre esses autores podemos destacar as contribuições de Soares (1998); Travaglia (1996, 2006); Geraldi (1984, 2003a), que trazem a definição de três concepções de linguagem que podem ser norteadoras do ensino da linguagem. Segundo Geraldi (1984, 2003a), a prática pedagógica do professor de língua está intimamente ligada à concepção de linguagem que o mesmo adota. Ao adotar a concepção de língua como expressão do pensamento, o docente enfocará a gramática normativa/prescritiva como ponto principal do processo de ensino-aprendizagem e isso será percebido em seu trabalho pedagógico. É importante destacar que, segundo Geraldi (1984, 2003a, p. 41), “essa concepção ilumina, basicamente, os estudos tradicionais. Se concebermos a linguagem como tal, somos levados a afirmações – correntes – de que pessoas que não conseguem se expressar porque não pensam”. Nessa perspectiva, a aula de língua é confundida com aula de gramática. Privilegia-se o trabalho com a forma em detrimento do uso. A memorização das estruturas é o principal objetivo do ensino de língua, pois se entende que, quanto maior o armazenamento de estruturas linguísticas, mais o aluno terá facilidade de expressar-se por escrito e oralmente. Segundo Ramires (1994, p. 3), “essa concepção ilumina, desse modo, a prática tradicional daqueles professores de língua materna que a centram em atividades linguísticas isoladas do contexto das relações sociais mais amplas”. Podemos destacar também, segundo essa 22 concepção, o prestígio que se dá ao domínio da norma padrão, que é o grande objetivo do ensino de língua nas escolas. Essa variedade da língua é tida como único modelo correto de realização linguística, excluindo todas as outras. Esse modo de pensar gera um grande preconceito em relação ao modo de falar daqueles que não dominam ou não usam essa variedade, estigmatizando a língua das pessoas menos favorecidas econômica e linguisticamente. O estudo do texto, dentro dessa concepção de língua, frequentemente, restringe-se ao entendimento de estruturas gramaticais. Os textos são lidos e logo em seguida é trabalhada, por exemplo, a quantidade de substantivos ou certas construções gramaticais corretas ou incorretas nele encontradas e quando muito se pede para refazer – reescrever um fragmento – o objetivo é a correção gramatical. Não se exploram aspectos comunicativos do texto e o trabalho com a compreensão textual, quando existe, restringe-se à compreensão literal dos sentidos. Podemos relacionar essa primeira concepção de linguagem ao que Bakhtin (1929, 2010) denominou de subjetivismo idealista. Ao discorrer sobre a definição do objeto da filosofia da linguagem e da linguística geral, Bakhtin elenca duas orientações de pensamento filosófico-linguístico, as quais nomeia de “subjetivismo idealista” e “objetivismo abstrato”. No que diz respeito à primeira orientação, a linguagem está relacionada ao psiquismo individual. As posições fundamentais da primeira tendência, quanto à língua, podem ser sintetizadas nas quatro seguintes proposições: 1. A língua é uma atividade, um processo criativo ininterrupto de construção (“energia”), que se materializa sob a forma de atos individuais de fala. 2. As leis da criação lingüística são essencialmente as leis da psicologia individual. 3. A criação lingüística é uma criação significativa, análoga à criação artística. 4. A língua, enquanto produto acabado (“ergon”), enquanto sistema estável (léxico, gramática, fonética), apresenta-se como um depósito inerte, tal como a lava fria da criação lingüística, abstratamente construída pelos lingüistas com vistas à sua aquisição prática como instrumento pronto para ser usado. (BAKHTIN, 1929, 2010, p. 74- 75). A partir das posições fundamentais da primeira tendência apresentada logo acima, percebe-se a relação da primeira concepção de linguagem elencada por Geraldi e o subjetivismo idealista, a partir do momento em que ambas definem a linguagem como 23 resultado de uma atividade psíquica, ou seja, a linguagem é o reflexo (expressão) do pensamento. Já a segunda vertente, o objetivismo abstrato, está mais próxima da concepção de linguagem como instrumento de comunicação. Nessa tendência, considera-se que: O indivíduo recebe da comunidade linguística um sistema já constituído, e qualquer mudança no interior deste sistema ultrapassa os limites de sua consciência individual. O ato individual de emissão de todo e qualquer som só se torna ato lingüístico na medida em que se ligue a um sistema lingüístico imutável (num determinado momento de sua história) e peremptório para o indivíduo. (BAKHTIN, 1929, 2010, p.81). Nessa perspectiva, a linguagem é vista como um código pronto, à disposição dos usuários, que a usarão como mero instrumento de comunicação, que lhes permitirá uma troca de mensagem entre si. Em comparação à primeira vertente, podemos elencar e comparar os fundamentos do objetivismo abstrato, que são o oposto do subjetivismo idealista. 1. A língua é um sistema estável, imutável, de formas lingüísticas submetidas a uma norma fornecida tal qual à consciência individual e peremptória para esta. 2. As leis da língua são essencialmente leis lingüísticas específicas, que estabelecem ligações entre os signos lingüísticos no interior de um sistema fechado. Estas leis são objetivas relativamente a toda consciência subjetiva. 3. As ligações lingüísticas específicas nada têm a ver com valores ideológicos (artísticos, cognitivos ou outros). Não se encontra, na base dos fatos lingüísticos, nenhum motor ideológico. Entre a palavra e seu sentido não existe vínculo natural e compreensível para a consciência, nem vínculo artístico. 4. Os atos individuais de fala constituem, do ponto de vista da língua; simples refrações ou variações fortuitas ou mesmo deformações das formas normativas. Mas são justamente estes atos individuais de fala que explicam a mudança histórica das formas da língua; enquanto tal, a mudança é, do ponto de vista do sistema, irracional e mesmo desprovida de sentido. Entre o sistema da língua e sua história não existe nem vínculo nem afinidade de motivos. Eles são estranhos entre si. (BAKHTIN, 1929, 2010, p. 86). Ao discorrer sobre o objetivismo abstrato, Bakhtin coloca Ferdinand de Saussure como o mais brilhante representante dessa tendência, pois este “deu a todas as idéias da segunda orientação uma clareza e uma precisão admiráveis” (BAKHTIN, 1929, 2010, p.87). Ao se falar da concepção de linguagem como instrumento de comunicação, vemos, que nessa época, o Brasil vivia um momento de desenvolvimento econômico e a educação 24 estava voltada à inserção das pessoas no mercado de trabalho. Nesse período, os objetivos de ensino eram (...) pragmáticos e utilitários: trata-se de desenvolver e aperfeiçoar os comportamentos do aluno como emissor-codificador e como recebedordecodificador de mensagens, pela utilização e compreensão de códigos diversos – verbais e não verbais. Ou seja: já não se trata mais de levar ao conhecimento do sistema linguístico – ao saber a respeito da língua – mas ao desenvolvimento das habilidades de expressão e compreensão das mensagens – ao uso da língua. (SOARES, 1998, p. 57). A ideia de língua como instrumento de comunicação e dos falantes como emissores e receptores de mensagens mudou fortemente os rumos do ensino de língua. Já que o objetivo era a comunicação, o foco no estudo sistemático da gramática normativa foi deixado em segundo plano em detrimento do objetivo prático e comunicativo da linguagem. Largamente trabalhada nos livros didáticos, a teoria da comunicação, juntamente com as famosas funções da linguagem, atribuía à comunicação funções específicas e definidas. Por exemplo, ao cumprimentar uma pessoa na rua e perguntar-lhe a hora, a comunicação, nessa situação, desempenharia uma função informativa, referencial, pois o seu objetivo seria basicamente a obtenção de informações a respeito da hora. Essa maneira de analisar o uso da linguagem não leva em conta que frequentemente utilizamos jogos e mascaramos as nossas verdadeiras intenções ao utilizar a língua. Na verdade, além dessa óbvia intenção de saber as horas, poderia estar por trás o objetivo de um simples estabelecimento de uma conversa, algo que utilizamos como um pretexto para chamar a atenção de alguém com quem desejaríamos estabelecer um contato, além de outras intenções possíveis. Através desse simples exemplo, pode-se perceber que a linguagem não é tão transparente e direta como se pensava; que o sentido das palavras e das expressões não está contido nelas mesmas, mas, sim, que se dá num jogo de interação entre os interlocutores. Após ter analisado as propriedades das duas vertentes, Bakhtin elenca algumas críticas sobre essas tendências. Sobre o objetivismo abstrato, sua principal crítica é que, ao dizer que a língua é imutável e estática, essa vertente coloca a língua fora do fluxo da comunicação verbal. Segundo Bakhtin, “os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar” (BAKHTIN, 1929, 2010, p.11). Há um desprezo do caráter social e ideológico que comporta a atividade de linguagem, da realidade viva e dinâmica que essa atividade desenvolve na vida dos sujeitos. 25 Sobre o subjetivismo idealista, Bakhtin afirma que essa orientação apresenta uma simples e grosseira definição sobre a expressão: “tudo aquilo que, tendo se formado e determinado de alguma maneira no psiquismo do indivíduo, exterioriza-se objetivamente para outrem com a ajuda de algum código de signos exteriores” (BAKHTIN, 1929, 2010, p.115). Segundo essas ideias, o ambiente externo, o fator social, da mesma forma que no objetivismo abstrato, não é levado em conta como fator determinante da atividade de linguagem. Após analisar as concepções das duas vertentes, Bakhtin conclui que: a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. (BAKHTIN, 1929, 2010, p.126). (grifos nossos). Para Bakhtin, a atividade de linguagem é essencialmente social, ideológica e dialógica e não pode ser desvinculada das relações sociais. Filiado ideologicamente à concepção bakhtiniana de linguagem, Geraldi (1984, 2003a) coloca em discussão uma terceira concepção, que é aquela na qual a língua é uma forma de interação social. Nessa concepção, entende-se que o dialogismo é o princípio constitutivo da linguagem. Não existe discurso sem interação e essa interação só é possível na relação dialógica que se estabelece entre os sujeitos. Segundo Brait (2005, p.95), “o dialogismo diz respeito às relações que se estabelecem entre o eu e o outro nos processos discursivos instaurados historicamente pelos sujeitos, que, por sua vez, se instauram e são instaurados por esse discurso”. Nesse sentido o trabalho privilegia os papeis sociais dos interactantes, pois essa concepção “situa a linguagem como o lugar de constituição de relações sociais, onde os falantes se tornam sujeitos.” (GERALDI, 1984, 2003a, p.41) A maneira de ver a linguagem como fenômeno de interação muda radicalmente os paradigmas teóricos de ensino de língua. Já que o foco é a interação, a enunciação entre os interlocutores, passa-se a valorizar a relação autor-texto-leitor. Pressupõe-se que o leitor não é mais só um decodificador das informações presentes no texto, mas alguém que acrescenta a elas sentidos que já fazem parte do seu conhecimento de mundo, ou seja, o processo de leitura, nessa concepção, é a interação entre as informações presentes no texto e aquelas que 26 cada leitor traz como conhecimento prévio. Os processos de leitura e produção textual não estão mais voltados para a emissão e recepção de mensagens diretas e definidas, mas, sim, para um processo de construção de sentido que leva em conta, por exemplo, pressupostos, intenções implícitas entre outros mecanismos de construção textual. A linguagem oral passa a ser amplamente valorizada nessa concepção, já que não se interage somente através da escrita, mas, principalmente, através da oralidade. Propomos também, nesta pesquisa, baseados nas ideias da linguística cognitiva, a ampliação da terceira concepção de linguagem apresentada acima, baseando-nos nas contribuições de Marcuschi (2007, 2008); Salomão (1999), quando esses autores tratam a linguagem como forma de cognição situada. Salomão (1999) aponta a visão sócio-cognitiva da linguagem como alternativa para solucionar a dicotomia existente entre a dimensão social da linguagem e a visão Chomskyana de capacidade inata da linguagem. Para autora, “é necessário postular a linguagem como operadora da conceptualização socialmente localizada através da atuação de um sujeito cognitivo, em uma situação real, que produz significados como construções mentais, a serem sancionadas no fluxo interativo.” (SALOMÃO, 1991, p.64). Marcuschi (2007), ao relacionar a atividade linguística à cognição, admite o caráter mental da língua, chegando a afirmar que a produção linguística seria uma tradução de informações e representações em estruturas linguísticas, mas não acredita que as línguas sejam simples sistemas de representações mentais. Sobre esse aspecto, o autor admite que “sendo a linguagem uma faculdade humana, a língua será sempre uma forma específica de ação e cognição situada e não um simples sistema de representação de segunda ordem”. (MARCUSCHI, 2007. p.38) e nos levanta um questionamento, que coloca em xeque a ideia de que a linguagem é pura expressão do pensamento. “será que representamos mentalmente nossos enunciados já prontos e depois os produzimos lingüisticamente ou vamos produzindo e representando-os concomitantemente? Se isso é uma ação simultânea, qual o papel do contexto e da cultura nesse processo”?(MARCUSCHI, 2007. p.37) Sobre esse questionamento, o autor assume a seguinte postura em relação à definição de linguagem: “Tomamos a expressão ‘linguagem’ para designar uma habilidade (faculdade) humana que constitui os sujeitos como seres sociais, históricos e cognitivos” (MARCUSCHI, 2007. p. 38). Ainda, para esse autor, a “língua é muito mais do que uma simples mediadora do 27 conhecimento e muito mais do que um instrumento de comunicação ou modo de interação humana. A língua é constitutiva de nosso conhecimento”. (MARCUSCHI, 2007. p.63) Marcuschi (2008) vê a língua como uma prática sociointerativa de base cognitiva e histórica, ratificando que essa posição toma a língua como uma atividade sociohistórica, uma atividade cognitiva e atividade sociointerativa. Na realidade, contempla a língua em seu aspecto sistêmico, mas observa-a em seu funcionamento social, cognitivo e histórico, predominando a ideia de que o sentido se produz situadamente e que a língua é um fenômeno encorpado e não abstrato e autônomo. (MARCUSCHI, 2008. p.60). Ao definir a linguagem como evento sociocognitivo e histórico, Marcuschi (2007) afirma que “o uso social da língua tem efetivamente um papel relevante na construção do conhecimento” (MARCUSCHI, 2007. p. 61). A partir dessa afirmação, levantamos os seguintes questionamentos: como a linguagem atua como um instrumento de construção de conhecimentos? Como essa construção se da no dia a dia da interação entre os sujeitos e também no processo de ensino-aprendizagem da linguagem nas aulas de Língua Portuguesa? 1.2 Trabalho com os gêneros textuais e os eixos de ensino Tomando como referencial a ideia da linguagem como construção de conhecimento, entendemos que a essa dimensão cognitiva e dialógica deve estar presente no processo de ensino-aprendizagem da língua em sala de aula, desde uma interação oral até o trabalho com textos escritos. Este trabalho precisa estar materializado nos gêneros textuais, que “são entidades sociodiscursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação discursiva.” (MARCUSCHI, 2005, p. 19). Neste sentido, o uso dos gêneros como objeto de ensino da língua permitiria ao professor o desenvolvimento de um trabalho com os eixos de leitura, produção e AL, voltados ao desenvolvimento das habilidades linguísticas específicas (desenvolvimento da leitura, produção e reflexões sobre a língua). Dentre as muitas perspectivas de trabalho com os gêneros, tomaremos como base o conceito de Marcuschi (2005) ao compreender que os gêneros são a materialização linguística dos textos que circulam na sociedade. Para este autor, os gêneros são: 1. Realizações lingüísticas concretas definidas por propriedades sóciocomunicativas; 28 2. Constituem textos empiricamente realizados cumprindo funções em situações comunicativas; 3. Sua nomeação abrange um conjunto aberto e praticamente ilimitado de designações concretas determinadas pelo canal, estilo, conteúdo, composição e função; (MARCUSCHI 2005, p. 23). Essa concepção de gênero está diretamente ligada ao que Reinaldo e Bezerra (2010) chamam de perspectiva de gênero como retórica. Nessa linha de entendimento, o gênero não é mais visto na perspectiva formalista, que toma a forma como ponto principal da análise. Embora mantenha o foco nos traços textuais do gênero, já o considera como uma prática comunicativa, sendo resposta a situações, com objetivos e propósitos comunicativos. Encontramos nos PCN de Língua Portuguesa, em várias partes do texto, referência ao trabalho com os gêneros textuais, como podemos verificar no trecho abaixo, retirado do documento. Nessa perspectiva, é necessário contemplar, nas atividades de ensino, a diversidade de textos e gêneros, e não apenas em função de sua relevância social, mas também pelo fato de que textos pertencentes a diferentes gêneros são organizados de diferentes formas. A compreensão oral e escrita, bem como a produção oral e escrita de textos pertencentes a diversos gêneros, supõem o desenvolvimento de diversas capacidades que devem ser enfocadas nas situações de ensino. É preciso abandonar a crença na existência de um gênero prototípico que permitiria ensinar todos os gêneros em circulação social. (BRASIL, 1998. p.23-24). Segundo o trecho acima, retirado dos PCN de língua portuguesa, o ensino deve privilegiar atividades de práticas de linguagem, e para tanto, os gêneros textuais são importantes elementos nessas práticas. Após ter discutido sobre o uso dos gêneros textuais como importante ferramenta no ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa, passaremos, no tópico seguinte, a revisitar os conceitos de gramática e de seu ensino, bem como o que a literatura da área nos diz acerca do trabalho com a AL. 1.3 Ensino de gramática e prática de análise linguística Partindo do objetivo geral proposto no início do texto, escolhemos fazer um recorte no processo de investigação da prática de ensino de língua dos professores. Nesse sentido, como 29 já foi dito anteriormente, escolhemos analisar o eixo de prática de AL, relacionando-o com as concepções de linguagem apresentadas anteriormente. A partir desse recorte, cabem-nos alguns questionamentos: O que constitui o trabalho com a AL? Quais as relações entre AL e o ensino gramatical? Para tentarmos responder a essas questões e a outras que poderão aparecer nas análises, faz-se necessário revisitar o que alguns autores nos trazem a respeito do ensino de gramática e da prática de AL. 1.3.1 Ensino de gramática Falar sobre o ensino gramatical nas escolas de educação básica gera certa polêmica, principalmente a partir da ascensão de algumas contribuições advindas da Linguística Aplicada, que colocaram o ensino sistemático da Gramática Tradicional (GT) em xeque. Ao se depararem com novas ideias sobre o ensino gramatical, seja através de leituras de revistas pedagógicas, formações ou outras formas de apropriação de saberes, muitos professores se sentiram desnorteados em relação à pertinência ou não da presença da gramática nas aulas de Língua Portuguesa. Segundo Soares (2006, p. 95), “o professor vive um conflito: ou manter a prática secular do ensino da gramática normativa ou aventurar-se numa renovação desse ensino”. É preciso deixar claro que, como afirmam Possenti (1996); Travaglia (1996, 2006), é função da escola o ensino da norma padrão da língua e que esse direito não pode ser negado ao aluno. Nesse sentido, em nenhum momento se propôs que a gramática fosse “abolida” da sala de aula, mas foi colocada em discussão a forma com a qual se conduzia os estudos gramaticais. Seguindo a lógica do parágrafo anterior, dialogando com as ideias de alguns autores, entendemos que o debate sobre a presença gramática na escola tem sido “o calcanhar de Aquiles” das discussões do processo de ensino-aprendizagem de língua. Temos que admitir que o ensino de gramática apresenta-se problemático e tem sido desenvolvido de diferentes modos, dependendo muito de cada rede de ensino e principalmente de cada professor em sua prática individual. Sobre esse assunto, Travaglia, (1996, 2006, p. 101) afirma que “dentre as muitas práticas de ensino, a gramática é a que tem sido a mais questionada”. 30 Antes de prosseguirmos com a discussão sobre o ensino de gramática, cabe-nos uma importante questão: quando nos referimos ao ensino, de que tipo de gramática estamos falando? Travaglia (1996, 2006), antes de discutir o ensino de gramática na escola, resgata historicamente algumas concepções sobre esse objeto de ensino. Para o autor, há basicamente três sentidos /concepções para o termo “gramática”. A primeira delas é a chamada gramática normativa, que segundo o autor “é concebida como um manual com regras de bom uso da língua a serem seguidas por aqueles que querem se expressar adequadamente”. (TRAVAGLIA, 1996, 2006, p. 24). Nesse sentido, saber gramática é dominar e utilizar as suas regras. Segundo as ideias desse autor, há uma íntima ligação entre esse tipo de gramática e a primeira concepção de linguagem que entende a língua como expressão do pensamento. De acordo com Travaglia (1996, 2006), o trabalho como esse tipo de gramática é o mais recorrente nas escolas de educação básica, ocorrendo assim uma prática de ensino prescritivo, o qual “objetiva levar o aluno a substituir seus próprios padrões de atividades linguísticas considerados errados/ inaceitáveis” (TRAVAGLIA, 1996, 2006, p. 24). É justamente essa prática excludente e preconceituosa, que visa ao objetivo principal de fazer com que o aluno conheça o maior número de regras gramaticais, que as novas perspectivas de ensino combatem. Práticas que não levam o aluno ao uso da língua em suas diversas situações de interação. A segunda concepção de gramática é a que o autor chama de gramática descritiva. Esse tipo, diferentemente da primeira, não estabelece uma regra única a ser seguida pelos falantes, mas faz uma descrição sobre o modo de funcionamento da língua. Esse tipo de gramática é, segundo Travaglia (1996, 2006. p. 27), “um sistema de noções mediante as quais se descrevem os fatos de uma língua, permitindo associar a cada expressão dessa língua, descrição estrutural e estabelecer suas regras de uso, de modo a separar o que é gramatical do que não é gramatical”. A partir dessa concepção, como já foi dito, não se estabelece uma única forma correta, mas sim formas realizáveis no funcionamento da língua, trabalhando mais com os conceitos de estruturas gramaticais e agramaticais, ao invés de estruturas gramaticalmente corretas e incorretas. Fazendo a mesma relação que fizemos entre a gramática normativa e o ensino prescritivo, a adoção do tipo descritivo leva a um ensino no qual se “objetiva mostrar como determinada língua em particular funciona”. (TRAVAGLIA, 1996, 2006, p. 39). 31 Partindo dessa ideia, saber gramática significa “ser capaz de distinguir, nas expressões de uma língua, as categorias, as funções e as relações que entram em sua construção, descrevendo com elas sua estrutura interna e avaliando sua gramaticalidade”. (TRAVAGLIA, 1996, 2006, p. 27). Podemos relacionar esse tipo de gramática, baseado nas ideias do autor supracitado, com a concepção de linguagem que vê a língua como código, quando este autor afirma que: as correntes linguísticas que dão base a esse tipo de gramática têm em comum o fato de proporem uma homogeneidade do sistema linguístico, abstraindo a língua de seu contexto, ou seja, elas trabalham com um sistema formal abstrato que regularia o uso que se tem em cada variedade. (TRAVAGLIA, 1996, 2006, p. 28). O terceiro tipo de gramática, que está mais ligada à concepção de língua como interação, é a chamada gramática internalizada. Esse tipo considera que a língua é “um conjunto de variedades utilizadas por uma sociedade de acordo com o exigido pela situação de interação comunicativa em que o usuário da língua está engajado” (TRAVAGLIA, 1996, 2006, p. 28). Essa perspectiva amplia largamente os horizontes de alcance dos estudos gramaticais. Não se estudam mais as regras corretas, excluindo todas as demais, nem se elegem formas realizáveis na língua, mas leva-se em conta a linguagem em funcionamento na interação entre os sujeitos. Essa visão poderá possibilitar uma prática de ensino mais abrangente, não excluindo o estudo da norma padrão, mas verificando em que situações essa variedade da língua seria mais adequada, dando-se importância às outras inúmeras formas de usos linguísticos. Após ter apresentado esses três tipos de gramática, uma pergunta ainda nos deixa curiosos: em relação à prática de ensino, seriam esses três tipos apresentados excludentes? Travaglia (1996, 2006) diz que não, afirmando que tudo dependerá dos objetivos de ensino do professor, da realidade e da necessidade da turma, entre outros aspectos. Ao adotar a perspectiva interacionista de ensino (trabalhar com o conceito de gramática internalizada), nada impede o professor de realizar um estudo descritivo ou até normativo do sistema linguístico, que conduza o aluno, através dos meios possíveis, a atingir os objetivos estabelecidos pelo professor. Percebe-se, a partir das ideias dos parágrafos anteriores, que Travaglia (1996, 2006) já chamava a atenção para a não exclusividade do ensino de um tipo de gramática nas aulas de língua. O autor deixa claro, em vários momentos de sua obra, que o professor pode realizar 32 um trabalho que utilize mais de um tipo de gramática, de acordo com a necessidade e os objetivos de ensino. Após ter apresentado os tipos de gramática, pretendemos discorrer sobre os objetivos de ensino que norteiam o trabalho com a gramática na escola e para isso sentimos a necessidade de voltarmos à pergunta feita logo no início da introdução deste trabalho (“Em que medida e em que sentido podemos ensinar a língua materna a pessoas que a utilizam com todo o domínio necessário para se expressar e se comunicar na sua vida cotidiana?”). Em uma mesma direção, Travaglia (1996, 2006, p. 17) levanta esse mesmo questionamento, ao discutir sobre o ensino da gramática, trazendo-nos algumas respostas como ponto de reflexão. Para este autor, o ensino gramatical visa a: 1. Desenvolver a competência comunicativa dos usuários da língua. 2. Levar o aluno a dominar a norma culta ou língua padrão e ensinar a variedade escrita da língua. 3. Levar o aluno ao conhecimento da instituição linguística. 4. Propor a ensinar ao aluno a pensar, a raciocinar. Ensinar o raciocínio, o modo de pensar científico. Analisando mais atentamente as quatro respostas acima, dadas por Travaglia, podemos fazer um paralelo entre esses objetivos de ensino da gramática e as concepções de linguagem que podem estar na base dessas diferentes práticas. Qual seria a concepção de linguagem de um professor que diz que ensina gramática para “levar o aluno a dominar a norma culta ou língua padrão e ensinar a variedade escrita da língua”? Como debatido anteriormente, um professor que toma a linguagem como expressão do pensamento, tenderia a focar o ensino das regras da gramática normativa como centro do processo de ensino de língua, conforme ideia defendida por alguns autores. (GERALDI, 1984, 2003a; RAMIRES, 1994). E o que pensar de um docente que diz que o ensino gramatical deve “levar o aluno ao conhecimento da instituição linguística”? Qual o objetivo em se conhecer a língua? Vê-se nessa afirmativa um sentido mais prático (comunicativo) do uso da linguagem. A língua como código à disposição de seus usuários que podem lançar mão de certas estruturas previamente conhecidas para fins comunicativos. E quando se prioriza o ensino da gramática como forma de “desenvolver a competência comunicativa dos usuários da língua”? Percebe-se aqui que a língua não é mais vista como uma expressão do pensamento nem como uma forma de comunicação, mas sim 33 forma de interação. Sendo assim, o objetivo do ensino da gramática é o desenvolvimento de habilidades comunicativas dos sujeitos na interação. É importante deixar claro que quando o autor fala em desenvolver a competência comunicativa está fazendo referência ao uso da língua em contexto social, seja através da produção de texto escrito ou oral, desenvolvendo “a capacidade do usuário em empregar adequadamente a língua nas diversas situações de comunicação”. (TRAVAGLIA, 1996, 2006, p. 17). Ainda em relação aos quatro objetivos, outros autores já nos chamam a atenção para a ideia de que o ensino gramatical pode colaborar para o desenvolvimento de habilidades cognitivas. Entre esses autores podemos citar Perini (1986 apud Travaglia, 1996, 2006, p. 224), quando atribui ao ensino gramatical um objetivo que ultrapassa as fronteiras linguísticas ao afirmar que “a gramática tem enormes possibilidades como instrumento de formação intelectual por permitir desenvolver habilidades de observação, de raciocínio, de levantamento de hipóteses e argumentação”. Essa breve exposição nos deu uma luz para entendermos melhor a que tipo (s) de gramática estamos nos referindo quando lançamos o debate sobre a pertinência ou não dessa prática de ensino, mas ainda nos resta a dúvida em relação à definição do conceito de AL e sua relação como o ensino gramatical. 1.3.2 Prática de Análise Linguística Nesse ponto de nossa discussão, tentaremos responder às duas questões que propusemos no item 2.3. Para reavivar a mente do leitor, trazemos novamente as ditas questões: O que constitui o trabalho com análise linguística? Quais as relações entre análise linguística e o ensino gramatical? Inicialmente, podemos esclarecer a origem do termo “Análise Linguística” (AL), já que no tópico anterior discutimos sobre o ensino gramatical. O termo “análise linguística” foi cunhado por João Wanderley Geraldi em 1981, porém só ganhou mais notoriedade no meio acadêmico em 1984 2 quando o autor publicou o artigo intitulado “Unidades básicas do ensino de português”, que está presente no livro “O 2 Alguns autores, como por exemplo, Mendonça (2006), atribuem o ano de 1984 como data na qual Geraldi utilizou pela primeira vez o termo “análise linguística”. Já Suassuna (2012) esclarece essa dúvida temporal, afirmando que o termo “análise linguística” apareceu nos debates sobre o ensino de Português em 1981, quando o professor João Wanderley Geraldi, da UNICAMP, publicou o texto Subsídios metodológicos para o ensino de Língua Portuguesa. 34 texto na sala de aula”. Desde então muitos teóricos passaram a usar esse termo em suas obras e muitas redes de ensino o adotaram em suas concepções e documentos oficiais que regulam o ensino de língua. Respondendo primeiramente à segunda pergunta, sobre a diferença entre o ensino gramatical e a prática de análise linguística, podemos afirmar que a AL vem ampliar a perspectiva de alcance dos estudos gramaticais. A expressão “análise linguística” proposta por Geraldi (1984, 2003a) e por Travaglia (1996, 2006) vem substituir a nomenclatura “ensino gramatical”, mas essa substituição não tem um caráter só de troca de nomes, a mudança está principalmente na perspectiva de trabalho com a língua. O ensino gramatical, durante muito tempo, privilegiou o trabalho centrado no estudo das regras da GT, desvinculando-se da leitura e da produção do texto. A expressão sugerida por Geraldi nos traz a ideia de um trabalho mais amplo em relação aos estudos acerca da linguagem. Estudar a linguagem não se resume só ao conhecer as regras, mas, principalmente, ao saber usá-las com adequação, estabelecendo um processo de reflexão sobre o uso das estruturas da língua. Não estamos afirmando que a AL não inclua o conhecer as regras, mas esse “conhecer” é uma das posturas que podemos ter em relação à prática de ensino da língua. Não é o propósito de Geraldi, em suas obras que versam sobre essa temática, propor o abandono dos estudos da gramática normativa, mas o autor nos traz a ideia de que a forma como essas regras eram (são) estudadas deveria (deve) mudar. Essa mudança diz respeito diretamente à forma como essas regras se articulam ao texto, entendendo que as normas gramaticais servem, entre outras coisas, para a construção do discurso (oral e escrito) e como ferramenta para a leitura. Bezerra e Reinaldo (2013) afirmam que a GT não deixa de ser uma forma de AL, mas essa forma mostrou-se insuficiente quando o texto passou a ser objeto de ensino de língua. Nesse sentido, como alternativa, Geraldi (1984, 2003a) propôs a AL, vista por esse autor como alternativa para levar o aluno a reflexões sobre a língua e, consequentemente, ao domínio da norma padrão e ao desenvolvimento da habilidade de escrita. Segundo Bezerra e Reinaldo (2013), a GT não se preocupa somente com nomenclaturas e classificações. Há também descrições sobre a língua, mas a perspectiva prescritivista se sobrepõe ao caráter do uso dos registros da língua. Ainda sobre a comparação entre ensino gramatical e AL, entendemos que não se trata exatamente de uma substituição de um termo pelo outro, mas também não podemos afirmar que eles se opõem totalmente. Mendonça (2006) ratifica essa ideia quando afirma que a AL 35 “engloba, entre outros aspectos, os estudos gramaticais, mas num paradigma diferente, na medida em que os objetivos a serem alcançados são outros”. (MENDONÇA, 2006 p. 206). Agora tratando especificamente sobre a AL, é importante destacar, segundo Bezerra e Reinaldo (2013), que essa expressão circula no meio acadêmico brasileiro apontando para dois diferentes focos de estudos linguísticos: um mais voltado para a descrição dos fatos linguísticos e o outro com objetivo mais pedagógico. Relacionando-se a prática de AL com o trabalho com os gêneros textuais, percebe-se que o primeiro foco (a descrição linguística) contribui para a descrição e caracterização do gênero como texto, “ora focado na identificação de pistas que atendem às exigências das situações comunicativas (gênero como ação retórica) ora como subsídio para a descrição do uso do gênero como prática social”. (REINALDO; BEZERRA, 2012, p. 7). Nesse sentido, a expressão “análise linguística” era empregada como sinônimo de “descrição linguística”. Já na década de 1980, quando a linguística passa a se preocupar com questões de ensino de língua materna, o uso da expressão “análise linguística” se sobrepõe ao termo “descrição linguística”. Neste sentido, a AL se propõe a objetivos didáticos, foco que particularmente interessa à presente pesquisa. Sobre a AL como foco de ensino de língua, podemos destacar as contribuições de Geraldi (1984, 2003a), que se tornou um grande nome na produção de conhecimentos sobre a AL como um eixo de ensino de Língua Portuguesa. Embora Geraldi não falasse, à época, em trabalhos na perspectiva dos gêneros textuais, ele propôs um trabalho baseado em textos, articulando as três práticas de ensino, as quais denominou leitura, produção textual e análise linguística. Em relação a este último, o autor diz que Com a expressão ‘análise linguística’ pretendo referir precisamente este conjunto de atividades que tomam uma das características da linguagem como seu objeto: o fato de ela poder remeter a si própria, ou seja, com a linguagem não só falamos sobre o mundo ou sobre nossa relação com as coisas, mas também falamos sobre como falamos. (GERALDI, 2003c, 1991, p.191-192). Geraldi (1984, 2003a), em uma fase de reflexão ainda inicial, mas imensamente significativa sobre a temática da prática de análise linguística, propõe orientações gerais sobre o desenvolvimento da então recente prática. Dentre essas orientações podemos destacar alguns importantes trechos: 36 1. A análise linguística que se pretende partirá não do texto “bem escritinho”, do bom autor selecionado pelo “fazedor de livros didáticos”. Ao contrário, o ensino gramatical somente tem sentido para auxiliar o aluno. 2. A preparação das aulas práticas de análise linguística será a própria leitura dos textos produzidos pelos alunos nas aulas de produção de textos. 3. Para cada aula de prática de análise linguística, o professor deverá selecionar apenas um problema. 4. Fundamenta essa prática o princípio: “partir do erro para a própria correção” (GERALDI, 2003a, 1984, p.74). Em 1984, Geraldi lançou essa importante proposta de se trabalhar as reflexões sobre a língua a partir da produção escrita do aluno, levando os próprios autores do texto (os alunos) a realizarem uma auto-reflexão sobre os textos produzidos. Em 1996, Geraldi (1996, 2009), propõe também um trabalho com a AL em articulação como o eixo de leitura, afirmando que “a reflexão linguística, terceira prática apontada, se dá concomitantemente à leitura, quando esta deixa de ser mecânica para se tornar construção de uma compreensão de sentidos veiculados pelo texto”(GERALDI, 1996, 2009, p.62). Ao partirmos do processo de reescrita dos textos dos alunos, como nos sugere Geraldi, também podemos pensar em utilizar esses textos como fonte para selecionar futuras reflexões linguísticas a serem trabalhadas pelo professor em sala de aula, dentro dos momentos em que o docente propõe a prática de AL. Essa ideia é levantada por Andrade, Seal e Leal (2012), quando as autoras, ao discorrerem sobre o processo de revisão de textos de crianças das séries iniciais, afirmam que “é importante ressaltar que, com base na avaliação dos textos das crianças e de suas revisões, é possível selecionar conteúdos a serem enfocados em outras atividades nesse eixo de ensino” (ANDRADE; SEAL; LEAL, 2012, p. 88). Concordamos com as autoras e acrescentamos também que, ao partir da revisão dos textso dos alunos, poderemos identificar pontos já trabalhados em sala de aula. Porém, no decorrer do processo, podemos detectar também outras habilidades, relativas aos usos da língua, que precisam ser desenvolvidas pelos alunos. Neste caso, seria necessário, a depender da situação, recorrer a uma sistematização específica. Sobre o processo de reescrita dos textos dos alunos, Suassuna (2012) ratifica a importância dessa proposta, mas afirma que não “devemos promover a AL apenas a partir de suas (dos alunos) produções; o mesmo movimento vale para textos de leitura e para a modalidade oral da língua”. (SUASSUNA, 2012, p. 24). Também, ao planejar o trabalho com um determinado gênero textual, o professor poderá prever alguns aspectos linguísticos que poderiam merecer a atenção de uma reflexão prévia ao momento de produção textual, já que alguns gêneros, no dizer de Bakhtin, são 37 relativamente estáveis e podem já antecipar alguns pontos de reflexão linguística que poderiam ser úteis aos alunos no momento da leitura e da produção do gênero em questão. Nesse sentido, não precisaríamos deixar que os alunos cometessem certos “erros” que seriam previsíveis na produção de um determinado gênero para podermos levantar reflexões sobre esses “erros”. Ainda tratando sobre a articulação entre a AL e a produção textual, Morais e Silva (2007) afirmam que, além do movimento de partir da reescritura do texto dos alunos a AL (...)pode acontecer tanto durante como em continuidade aos momentos iniciais da produção de texto. No primeiro caso, trata-se de reflexões acerca do uso de conhecimentos linguísticos diversos – como pontuação, paragrafação, coesão, concordância, entre outros – que o docente pode ir desenvolvendo com os alunos durante a escrita da versão inicial de um texto. Nessas ocasiões o professor estará colaborando, na realidade, na reflexão durante o processo de produção mesmo do texto (geração e seleção de ideias, registro e revisão em processo). (MORAES; SILVA, 2007, p. 148). Já Bezerra e Reinaldo (2013) trazem uma discussão entre a articulação da prática de AL com o eixo de leitura, propondo “uma análise linguística voltada para o estudo do funcionamento linguístico-textual e enunciativa do gênero” (BEZERRA; REINALDO, 2013, p. 67). As autoras apresentam propostas de AL partindo da leitura, chegando a discussões sobre aspectos da língua, antes de passar ao momento de produção de texto. Vemos, a partir da contribuição de vários autores, que a AL pode se dar em todos os momentos do processo de ensino-aprendizagem da língua, e pode também apresentar-se através de momentos formais de sistematização de regras, como afirmam Geraldi (1984, 2003b)3 e Suassuna (2012)4 Ampliando as discussões sobre a temática, Geraldi (1991, 2003c) propõe uma distinção para compreender a proposta de trabalho com a AL. Para este autor existem ações que se fazem com a linguagem, ações que se fazem sobre a linguagem e as ações da linguagem. 3 “O objetivo essencial da análise linguística é a reescrita do texto do aluno, isso não exclui, obviamente, a possibilidade de nessas aulas o professor organizar atividades sobre o tema escolhido, mostrando com essas atividades os aspectos sistemáticos da língua portuguesa” (Geraldi 1984, 2003b, p. 74). 4 Refletindo de modo sistemático e consciente, produzindo teorias com base em situações diversificadas de emprego de linguagem, o aluno vai progressivamente construindo um corpo de conhecimentos amplo e consistente que lhe assegura autonomia e capacidade de lidar com a linguagem em situações novas. (SUASSUNA, 2012, p.18) 38 As ações com a linguagem ou atividades linguísticas correspondem ao uso diário da linguagem no processo interlocutivo. Dizem respeito às atividades de compreender os enunciados e de se fazer compreender ao seu interlocutor. Embora esse tipo de atividade não trate especificamente do ensino sistemático da língua na sala de aula, configura-se um elemento fundamental no processo interlocutivo entre os sujeitos. Essas ações realizadas com a linguagem podem alterar relações que se estabelecem entre os sujeitos, já que através das atividades com a linguagem buscamos convencer nossos interlocutores de nosso ponto de vista e buscamos, principalmente, atingir os nossos objetivos. Em relação às ações que se fazem sobre a linguagem, ou atividades epilinguísticas, são aquelas que, “também presentes nos processos interacionais, e neles detectáveis, resultam de uma reflexão que toma os próprios recursos expressivos como seu objeto” Geraldi (1991, 2003c, p. 23). Tanto as ações linguísticas quanto as epilinguísticas significam “trabalho” em relação ao uso da linguagem e têm presentes os sujeitos interlocutores, mas algumas diferenças podem ser estabelecidas entre elas. As ações com a linguagem (ações linguísticas) visam clarear, o quanto possível, o tipo de ato que se está praticando, isso porque diferentes atos respondem a diferentes condições e produzem diferentes compromissos entre os interlocutores. (...) As ações sobre a linguagem (ações epilinguísticas), ainda que tenham presente o interlocutor, tomam como seu objeto os próprios recursos linguísticos e obviamente também visam ao interlocutor e à produção de sentido. O caminho privilegiado, mas não único, das ações sobre a linguagem são os recursos expressivos para as quais a atenção do outro é chamada. (GERALDI, 1991, 2003c, p. 42). Nesse sentido, a realização de atividades epilinguísticas no processo de ensinoaprendizagem da língua pressupõe que o professor chame a atenção do aluno para o uso e o reconhecimento das mais variadas estratégias discursivas utilizadas no texto (gêneros orais e escritos) e o efeito de sentido que elas podem causar. A partir do momento em que se realizam atividades sobre a linguagem, somos desafiados a criar novas estratégias do dizer, utilizando os recursos da língua, manejando desde aspectos gramaticais a aspectos externos à gramática, como por exemplo, aspectos culturais. Neste sentido, as ações sobre a linguagem são, muitas vezes, responsáveis “por deslocamentos no sistema de referências, pela construção de novas formas de representação 39 do mundo (...) e pela construção de sentidos novos para recursos gramaticalizados”. (GERALDI, 1991, 2003c, p. 43). Como, por exemplo, dar conta dos implícitos, pressupostos, efeitos de sentidos causados pelo uso de sinais gráficos, metáforas entre outros aspectos, partindo de estudos gramaticais? Nesse sentido, as reflexões epilinguísticas possibilitam ao professor trabalhar esses aspectos em uma perspectiva interativa, criando condições para que o aluno desenvolva o conhecimento através do uso da linguagem. Já as ações da linguagem ou atividades metalinguísticas “são aquelas que tomam a linguagem como objeto não mais enquanto reflexão vinculada ao processo interativo, mas, conscientemente, constroem uma metalinguagem sistemática com a qual falam sobre a língua”. (GERALDI, 1991, 2003c, p.25). Sobre essas três ações, Bezerra e Reinaldo (2013) afirmam que deve haver um equilíbrio entre essas práticas, com o objeto de garantir ao aprendiz o uso da língua e o saber sobre ela. Geraldi (1991, 2003c) atribui às atividades epilinguísticas um maior destaque, a partir do momento que afirma que o desenvolvimento desse tipo de atividade configura-se “condição para a busca significativa de outras reflexões sobre a linguagem”. (GERALDI, 1991, 2003, p. 192). O autor ainda afirma que “para que as atividades metalinguísticas tenham alguma significância, é preciso que as atividades epilinguísticas as tenham antecedido”. Nesse debate, acreditamos que essas três ações (linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas) devem estar presentes na sala de aula. Assim como discutimos sobre os tipos de gramática e concordamos com Travaglia que esses não são excludentes e que dependem das necessidades e objetivos de ensino, também cremos que as três ações linguísticas são pertinentes e necessárias ao processo de ensino-aprendizagem de língua. Após a discussão sobre o ensino da gramática e a prática de AL, fica claro que essa última engloba a primeira, criando uma nova perspectiva e objetivos distintos. Portanto, foi necessário, ao tratarmos da temática do ensino de AL, discorrermos sobre o ensino da gramática. 1.4 Práticas docentes e construção de conhecimento Ao analisarmos o trabalho com a AL, relacionando-a com as concepções de linguagem e suas influências na prática pedagógica, parece-nos necessário abrir uma discussão sobre as 40 práticas docentes e a construção do conhecimento teórico e prático do professor para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem. Nessa discussão sobre conhecimento teórico e prática docente, concordamos com Tardif (2012), quando o autor afirma que: o saber dos professores é plural, compósito, heterogêneo, porque envolve, no próprio exercício do trabalho, conhecimentos e um saber-fazer bastante diversos, provenientes de fontes variadas e, provavelmente, de natureza diferente. (TARDIF, 2012, p. 18). Para esse autor, os saberes docentes são formados a partir de diferentes lugares e relações. Os saberes docentes, assim, seriam compostos por: 1. Saberes pedagógicos; 2. Saberes disciplinares; 3. Saberes curriculares; 4. Saberes experienciais. Os primeiros – saberes pedagógicos – segundo o autor, são “o conjunto de saberes transmitidos pelas instituições de formação de professores.” (TARDIF, 2012, p. 36). São os conhecimentos técnicos advindos das ciências da educação que dão suporte à prática do professor. Os saberes disciplinares são aqueles que correspondem “aos diversos campos do conhecimento, aos saberes de que dispõe a nossa sociedade, tais como se encontram hoje integrados nas universidades, sob a forma de disciplina.” (TARDIF, 2012, p. 38). São aqueles correspondentes aos saberes das disciplinas escolares (Língua Portuguesa, Matemática, Física) estudados nos cursos de formação e amplamente valorizados pela comunidade escolar. Os saberes curriculares dizem respeito ao recorte feito pelo currículo de determinada instituição, ou seja, que tipos de conhecimentos foram selecionados para serem privilegiados como modelo para a formação dos alunos, bem como os métodos e objetivos selecionados para consolidar a sua aprendizagem. Nos saberes curriculares também são demarcadas, além dos métodos e objetivos de ensino, as concepções teóricas que embasam o processo de ensino-aprendizagem. Tardif (2012), afirma que esse tipo de conhecimento não pertence aos professores, pois eles não são responsáveis, na maioria das vezes, pela sua elaboração, ou seja, os currículos escolares normalmente são “impostos” aos docentes e esses têm o objetivo de 41 conhecê-los e usá-los em sua prática como uma ferramenta que embasa seu trabalho. Mesmo não sendo um conhecimento próprio do professor, o saber curricular faz parte de sua prática e é importante para ajudar o docente a organizar o seu trabalho, através do seu planejamento de ensino. E, finalmente, os saberes experienciais. Esse tipo de saber é próprio da experiência da prática docente e relaciona-se principalmente com as habilidades para desenvolver certas práticas, compreender em que momentos seriam mais adequados a execução de determinadas tarefas, ou seja, é um tipo de conhecimento que está intimamente ligado à experiência. Sobre esse último tipo de conhecimento, alguns autores, como por exemplo, Chartier (2007); Tardif (2012); Signorini (2007) chamam a atenção para a sua importância dentro da prática pedagógica. A última autora afirma que Os saberes próprios da prática diferem do conhecimento disciplinar ou teórico, que passa a ser um dos recursos de que pode lançar mão o sujeito envolvido nas práticas. (...) não está no conhecimento disciplinar ou teórico a causa necessária e suficiente de suas ações no contexto das práticas institucionais. (SIGNORINI, 2007. p. 215). Tardif (2012, p. 53), afirma que “a prática da profissão não favorece apenas o desenvolvimento de certezas ‘experienciais’, mas permite também uma avaliação dos outros saberes, através de sua retradução em função das condições limitadoras da experiência.” Chartier (2007) e Tardif (2012) trabalham com os conceitos de “coerência pragmática” e de “coerência teórica”. Para o último autor o professor não possui uma só e única ‘concepção’ de sua prática, mas várias concepções que utiliza em sua prática, em função, ao mesmo tempo, de sua realidade cotidiana e biográfica e de suas necessidades, recursos e limitações. Se os saberes dos professores possuem uma certa coerência, não se trata de uma coerência teórica nem conceitual, mas pragmática e biográfica: assim como as ferramentas de um artesão, eles fazem parte da mesma caixa de ferramentas, pois o artesão que os adotou ou adaptou pode precisar deles em seu trabalho (TARDIF, 2012, p. .65). Chartier (2007) também chama a atenção para a importância da “coerência pragmática” em comparação à “coerência teórica”. Para esta autora, a coerência teórica está ligada aos conhecimentos teóricos produzidos em uma determinada área, ou seja, os discursos acadêmicos que deveriam servir de referência para a prática docente. Já a coerência pragmática se relaciona às estratégias do fazer didático do dia a dia do docente, ao se deparar com os objetivos e problemas práticos do processo de ensino-aprendizagem. 42 Trazendo essa discussão para o foco de nossa pesquisa, poderíamos nos questionar sobre o que um professor de Língua Portuguesa poderia fazer em uma turma na qual ele sentisse necessidade de sistematizar didaticamente um determinado assunto gramatical? Será que juntamente com reflexões sobre a língua, de forma articulada com o texto, o professor não poderia também lançar mão de reflexões metalinguísticas? Sobre essa questão, Chartier (2007) mostra os resultados de sua pesquisa na qual a autora realizou um estudo de caso que buscou saber como uma professora das séries iniciais poderia teorizar reflexivamente sua prática profissional em relação à aprendizagem da escrita de crianças no último ano da educação infantil. A partir desse estudo, a autora percebeu que a professora muita vezes apresentou, do ponto de vista teórico, atividades que apresentaram modelos incompatíveis, aparentando à primeira vista uma incoerência (teórica) entre essas atividades. Mas, ao lançar um olhar a partir do que Chartier chama de “ponto de vista dos saberes em ação”, havia uma forte coerência pragmática entre as atividades e sequências realizadas pela professora. Segundo a autora “Florence (a professora observada) sabia aonde ia e essa segurança lhe possibilitava assumir uma grande calma diante dos múltiplos incidentes que cruzavam o cotidiano, mas que não faziam se desviar do seu caminho.” (CHARTIER, 2007, p. 198). Nesse ponto concordamos com a autora e ampliamos a discussão para a prática de ensino de professores do ensino fundamental e médio. Esses professores podem, em sua prática de ensino de língua, desenvolver diferentes atividades que aparentemente não seguem uma mesma lógica teórica, mas que em certos momentos sejam necessárias para uma efetiva aprendizagem de seus alunos. Um professor que adote, implícita ou explicitamente, uma determinada concepção de linguagem, poderá realizar algum tipo de atividade que não esteja teoricamente filiada a tal concepção. O que pensar de um professor que realizasse tais procedimentos? Será que ele estaria necessariamente realizando um trabalho desarticulado? Seguindo a discussão proposta nos parágrafos anteriores, parece-nos interessante voltarmos a Silva (2009), trabalho citado na parte introdutória da presente dissertação, quando a autora chama a atenção para o trabalho de um dos docentes que compuseram o quadro dos sujeitos de sua pesquisa. Essa professora levantou uma discussão ao falar sobre o ensino da gramática tradicional. Para essa docente, contrariando alguns discursos teóricos de que a gramática tem de estar atrelada ao texto – proposta da AL– poderia haver momentos específicos de estudo de regras ou nomenclaturas. A entrevistada referiu-se a esses momentos como se fossem o “abrir de parênteses” para a explicitação de algum conteúdo gramatical. 43 Pensando mais detalhadamente na afirmação da professora, fica-nos a questão: será que a professora, que segundo os resultados da pesquisa, demonstrou ser conhecedora das novas orientações sobre a prática de AL, tanto em seu discurso quanto em várias das atividades analisadas, não teria a autonomia de saber em que momentos poderia sistematizar alguma regra que achasse útil a seus alunos, inclusive para uma maior compreensão de posteriores reflexões sobre a língua ou até para um processo de textualização? Qual seria o olhar do pesquisador ao se deparar com uma situação como a descrita acima? Será que essa professora seria julgada como uma docente que está em processo de transição entre a aquisição das novas teorias de ensino, mas com constantes voltas ao ensino de GT? Suassuna (2012), comentando as ideias de Geraldi (1991, 2003c), ao tratar sobre a prática de AL no ensino fundamental, nos diz que as atividades devem girar em torno do ensino da língua e apenas subsidiariamente se deverá apelar para a metalinguagem, quando a descrição da língua se impõe como meio para alcançar o domínio da língua (p.22). Será que os momentos nos quais a docente focalizou o ensino de metalinguagem não foram importantes para o desenvolvimento de capacidades reflexivas que levassem os alunos a utilizar com mais adequação a linguagem em seu cotidiano e em futuras situações discursivas? Em nenhum momento levantamos a bandeira do desprezo pelo conhecimento teórico do professor para prática de ensino, principalmente quando afirmamos, em parágrafos anteriores, que o conhecimento disciplinar, o conhecimento pedagógico e o curricular fazem parte dos saberes docentes. O que na verdade queremos discutir é que, ao possuir grande conhecimento, tanto da língua quanto do seu ensino, o docente teria a autonomia de decidir o que seria melhor para a sua prática, saberia como realizar um determinado procedimento e, principalmente, saberia onde queria chegar com tal prática. Voltando à discussão sobre os tipos de saberes docentes, Tardif (2012), além de elencá-los, defende a ideia de que esses conhecimentos se organizam de formar articulada, mostrando um pluralismo do saber profissional. O quadro abaixo é útil para uma visualização desses saberes, bem como de suas fontes de aquisição e de como eles se articulam com o trabalho docente. 44 Quadro 1: Os saberes dos professores (TARDIF, 2012, p.63. Os saberes dos professores.) Observando o quadro feito por Tardif (2012), observamos que os saberes estão, na verdade, ligados a espaços específicos. No centro desse debate, encontra-se a grande separação entre o trabalho da comunidade acadêmica – produtores de conhecimentos – e os professores – transmissores desses conhecimentos. Nesse espaço entre os dois grupos, os docentes são vistos e, muitas vezes, sentem-se como não responsáveis pela produção de conhecimento ou legitimação do que é produzido pelo meio acadêmico para a prática de sala de aula, ou seja, “o corpo docente não é responsável nem pela definição e nem pela seleção dos saberes que a escola e a universidade transmitem” (TARDIF, 2012, p. 40). Ainda sobre esse debate acerca da produção do conhecimento pedagógico, Coracini (2003) afirma que há uma cadeia hierárquica na relação entre o professor-pesquisadorformador e o professor que desempenha suas funções de ensinar. O olhar do professorpesquisador está direcionado às críticas e recomendações de como deveria proceder ao processo de ensino aprendizagem. Esse posicionamento, segundo a autora, também é comum nas revistas especializadas da Linguística Aplicada. 45 Nessa discussão, levando-se em consideração os vários tipos de conhecimentos que integram os saberes docentes (pedagógicos, disciplinares, curriculares e experienciais), os professores se veem na difícil tarefa de organizar sua prática pedagógica baseando-se nos conhecimentos já (pré) estabelecidos pelos currículos das instituições e redes de ensino, pela seleção do LD e também pelo tipo de conhecimento que socialmente é cobrado pelos próprios alunos e pelos próprios pais dos alunos (comunidade escolar). Ao tentar entender como os professores lidam com toda essa gama de conhecimentos, imposições de currículo, sugestões de livros didáticos, Albuquerque (2006) analisou como os docentes da Rede Municipal do Recife estavam se apropriando das concepções oficiais de ensino de língua Portuguesa e que mudanças eles têm realizado em suas práticas devido a esse processo de apropriação de conhecimentos. Para tal, a autora entrevistou sete professoras de 3ª ou 4ª série, formadas em pedagogia ou letras, e observou a prática de duas delas. Ao analisar o discurso das professoras e observar as aulas de algumas delas, a pesquisadora chegou a algumas importantes conclusões. Uma delas é que, ao perceber a repetição no discurso das docentes de que elas seguiam a proposta do município, a autora concluiu que as professoras tinham a necessidade de afirmar que seguiam o discurso oficial, principalmente no que dizia respeito ao trabalho com os textos, um discurso, já à época5, amplamente difundido. Também foi percebido no discurso dos sujeitos, como nos afirma a própria autora, “algumas estratégias discursivas relacionadas à dicotomia tradicional/velho/errado x inovador/novo/certo” (ALBUQUERQUE, 2006, p. 67). Essas docentes tentavam negar o caráter tradicional de suas práticas, principalmente das práticas a que foram submetidas quando eram estudantes. Essa negativa e a tentativa de realizar práticas que elas mesmas consideravam “inovadoras” eram frutos do processo de apropriação por parte das professoras, através de curso de formação inicial, cursos de formação continuada, leituras pedagógicas, entre outras. Como exemplo desse caráter inovador, é que as professoras investigadas, ao afirmarem nas entrevistas que trabalhavam com jornais para ensinar a ler, demonstraram ter se apropriado do discurso atual presente nas propostas curriculares de Língua Portuguesa na necessidade de se trabalhar diferentes textos em sala de aula. Ainda mais importante que as conclusões as quais a autora chegou, pode-se destacar o olhar a partir do qual a pesquisadora se debruçou sobre a prática das professoras. Albuquerque (2006) utilizou a abordagem da construção dos saberes em ação, pois a autora não partia do 5 A coleta de dados da presente pesquisa foi realizada em 1999. 46 pressuposto de que havia uma relação tão direta entre o processo de apropriação de conhecimento e a prática pedagógica. Como resultado de tal olhar investigativo, a pesquisadora pôde entender que: o processo de apropriação por professores das prescrições oficiais relacionam-se a uma categoria específica: a da coerência pragmática. O que para os pesquisadores pode parecer contraditório (por exemplo, levar diferentes textos para a sala de aula e utilizá-los de uma única forma, para um único fim), para as professoras pode estar vinculado à essa categoria, à possibilidade real de desenvolvimento do trabalho pedagógico. (ALBUQUERQUE, 2006, p. 162). Ao se pesquisar como um determinado fenômeno relacionado ao ensino de linguagem se realiza em um ambiente escolar, o pesquisador não pode deixar de considerar a escola como “uma forma dinâmica de organização institucional, que é produzida por uma constelação de práticas sociais interrelacionadas” (SIGNORINI, 2007, p. 213). Nesse sentido, entender como os professores trabalham a prática de AL, relacionando-a com as concepções de linguagem que subjazem ao trabalho do docente não é algo tão fácil. Não podemos conceber uma prática que leve em conta só o professor como responsável por um determinado caminho que ele escolha percorrer. Sobre a prática do professor e principalmente sobre o processo de didatização, Signorini (2007) traz a ideia de que: “A didatização é, na verdade, um processo de transformação desses saberes (acadêmico-científicos) pelas práticas institucionais (desde a confecção de documentos oficiais, currículos e materiais didáticos, até o desenvolvimento de atividades em sala de aula) em função de variáveis contextuais específicas (onde e quando se dá o processo de didatização; em que condições; com que objetivo; para qual público-alvo; por quem; como etc.)”. (SIGNORINI, 2007, p. 211 – 212). A partir do que foi dito anteriormente, entendemos que muitas variáveis têm que ser levadas em consideração no momento de didatizar um determinado conhecimento. Não só os saberes docentes, mas todas as condições sociais que influenciam o trabalho do professor. 47 1.5 O que nos dizem as pesquisas que tratam sobre as concepções de linguagem e a prática de análise linguística? Ao realizar pesquisas em bancos de dados de dissertações e teses de linguística e de educação da UFPE6, UFMG7, UNICAMP8, nos últimos dez anos e de artigos científicos que relatam resultados de pesquisas sobre a temática das concepções de linguagem, encontramos alguns importantes. Algumas produções articulam as concepções ao ensino de Língua Portuguesa, como o faz Soares (2006). Nesse trabalho, o autor tomou como objeto de estudo o fazer pedagógico do professor de português do ensino médio e suas concepções de linguagem, com o objetivo de abordar a articulação/desarticulação entre um saber linguístico baseado nas teorias enunciativas e discursivas e a prática pedagógica de professores de português do ensino médio da Rede Particular do Recife. A referida pesquisa tomou como sujeitos quatro professores, que foram escolhidos através de alguns critérios: ser formados em Letras, sendo dois sujeitos formados na década de 1970 e dois na década de 1980, escolha esta justificada pelo autor como procedimento para investigar a diferença na formação dos docentes, já que entre as décadas de 70 e 80 muitas mudanças teóricas foram processadas; os professores deveriam, de alguma forma, apresentar um trabalho que priorizasse o uso do texto nas aulas; os docentes deveriam ter realizado algum curso de pós-graduação (especialização, mestrado ou doutorado). O autor da pesquisa afirma que esses critérios foram fundamentais para se observar a articulação/desarticulação entre os saberes científico-acadêmicos desses sujeitos e suas práticas pedagógicas. Os docentes escolhidos atuavam como professores de 1º, 2º, 3º anos do ensino médio e curso prévestibular, sendo um de cada série. O procedimento de coleta de dados foi realizado através de entrevista e de roda de diálogos, a partir das quais o autor pretendeu “analisar o discurso sobre as práticas para ‘extrair’ as concepções de linguagem” (SOARES, 2006, p.72). A partir da análise das entrevistas e das rodas de diálogos, a pesquisa nos traz algumas conclusões. Uma delas é que “o ensino de Língua Portuguesa, na maioria das vezes, continua dando seqüência ao estruturalismo saussuriano, a partir do momento em que trabalha a língua 6 www.pgletras.com.br http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/1 8 http://www.iel.unicamp.br/biblioteca/teses.php 7 48 como sistema fechado, superior, deixando à margem do processo (...) a interação” (SOARES, 2006, p.119). Sobre a relação entre o fazer pedagógico do professor e as discussões teóricas produzidas na academia, a pesquisa concluiu que essas discussões muitas vezes se mostravam distantes da realidade da prática escolar, deixando uma lacuna entre o que é produzido nos centros acadêmicos e o que realmente chega à sala de aula. Outra importante pesquisa, já citada na parte introdutória do presente trabalho, é Goulart (2010). Nesse trabalho, a autora teve como objetivo analisar as atividades de AL de um LD do ensino médio e ver como essas atividades se articulavam com o eixo de leitura, através do trabalho com os gêneros discursivos. Para cumprir tal objetivo, foi utilizado o modelo sociológico Bakhtiniano para analisar os dados coletados do LD, baseando-se nas categorias propostas pelo modelo supracitado: Contexto sócio-histórico, Construção Composicional, Estilo Verbal e Conteúdo Temático. A autora relaciona a prática de AL à concepção dialógica de linguagem proposta por Bakhtin, na medida em que esta entende os enunciados como objetos reais de estudos linguísticos, não colocando as orações como unidade de análise, pois as orações se configuram unidades sem sentido, que não pertencem ao fluxo real de uso da linguagem, baseada na perspectiva dialógica. Segundo a afirmação acima, é importante destacar a importância de se entender a língua como fenômeno discursivo. Nesse sentido a autora afirma que “A proposta da teoria dialógica ampara essa prática que pede por um aparato teórico discursivo, já que é impensável, por exemplo, realizar-se AL tomando como base uma noção de língua como sistema, texto como produto ou frase como unidade de ensino” (GOULART, 2010. p. 56). A autora também se ancora na concepção de língua como atividade sócio-histórica, cognitiva e sociointerativa para justificar a escolha do caminho por uma nova prática (AL). Nesse sentido, autora afirma que, Sendo uma atividade cognitiva, (a língua) envolve ―estratégias de uso do conhecimento nos momentos de interação, incluindo cálculos mentais como as inferências (VILELA E KOCH, 2001:462). Decorre de uma série de processos mentais que envolvem as estratégias, habilidades, conhecimentos, objetivos e projeções do falante sobre sua própria fala, sobre a fala de seu interlocutor e sobre a situação da qual participam. (GOULART, 2010, p. 29). 49 Outra importante conclusão a qual a pesquisadora chegou é que, na quase totalidade das atividades analisadas, a autora do LD não se utilizou de nomenclaturas gramaticais, dando mais ênfase ao processo de reflexão sobre o uso dos mecanismos linguísticos. Esse processo parece interessante, mas concordamos com Goulart (2010) quando a autora afirma que em alguns momentos seria interessante utilizar-se também de algumas nomenclaturas, já que no ensino médio os alunos podem/devem lidar com certas classificações. Em relação à abordagem dos gêneros, Goulart (2010) mostra que a autora do LD privilegiou o critério do Estilo (5 das 6 atividades), seguido pela de Construção Composicional (3 atividades), Contexto sócio-histórico (2 atividades) e Conteúdo Temático (1 atividade). Nas considerações finais, ao refletir sobre os resultados de suas análises sobre as atividades de AL do livro didático, a autora afirma que: a prática de AL não necessariamente tem que fazer referência ao gênero para se realizar, mas, tendo em vista a importância dos gêneros como organizadores das interações e mesmo como modo de ação social, essa relação se torna altamente recomendável no processo de aprendizagem. (GOULAR, 2010, p.102). Também citada na parte introdutória do presente trabalho, Silva (2009), com o objetivo de buscar entender como os professores lidam com as novas propostas de ensino de língua, no que diz respeito à GT e a prática de AL, pesquisou sobre a prática de sala de aula de dois professores da Rede Municipal de Recife. Para tanto, a pesquisa caracterizou-se como etnográfica e baseou-se no paradigma indiciário, ao justificar que, esse tipo especial de pesquisa levaria à compreensão das particularidades as quais a pesquisadora queria conhecer no trabalho dos professores, cumprindo dessa maneira o objetivo da pesquisa. Como principais resultados, Silva (2009) nos diz que há, nos professores analisados, a coexistência de diferentes perspectivas teórico-metodológicas no trabalho pedagógico do eixo da reflexão e análise sobre a língua, perspectivas essas que se delinearam mais claramente em função dos conteúdos linguísticos selecionados e trabalhados em sala de aula. A autora também afirma que uma das causas dessa variação referida no parágrafo anterior poderia ser atribuída à formação inicial e continuada dos professores. Outra poderia estar relacionada com a dificuldade sentida pelos professores em lidar com conteúdos de 50 ensino e programas curriculares pouco precisos quanto ao princípio orientador da progressão de conhecimentos escolares. E como conclusão final e proposta para a superação do problema, a autora nos aponta que ações conjuntas no âmbito acadêmico e no das políticas públicas poderiam contribuir para a superação do problema detectado na pesquisa, que se apresenta como uma problemática de natureza multifacetada. Outra pesquisa que trabalhou com as concepções de linguagem em articulação com o ensino de Língua Portuguesa foi realizada por Camillo (2007), cujo título é “Concepções de linguagem e ensino gramatical: a visão do professor”. Nesse trabalho buscou-se analisar a concepção de linguagem de professores de Língua Portuguesa e a dificuldade que eles encontram (ou não) em trabalhar com a gramática em um ensino integrado à leitura e à produção textual. Para cumprir tal objetivo, a pesquisa foi realizada, primeiramente, com alunos do 4º ano do curso de Letras e em seguida com professores já formados que pertenciam a um grupo de estudos (formação continuada) da Rede pública do Paraná. Como fundamentação teórica, o autor partiu das três concepções de linguagem elencadas por Geraldi (1984, 2003a) e das três concepções de gramática defendidas por autores como Travaglia (2006, 1996) e Possenti (1996), atribuindo a cada concepção um trabalho com um determinado tipo de gramática. O trabalho foi realizado em duas etapas. Na primeira foi realizada uma pesquisa direcionada aos alunos de graduação do curso de Letras da Universidade Estadual de Londrina. Os participantes/sujeitos responderam a um questionário de 12 questões, objetivas e subjetivas, totalizando 21 alunos. Já em um segundo momento, foi acompanhado um Grupo de Estudos de professores da Rede pública de ensino do Paraná, na cidade de Curitiba, do qual participam oito professores de Ensino Médio de diferentes escolas. Destaca-se que esse Grupo de Estudos foi realizado em todo o estado do Paraná, para todas as disciplinas do Ensino Fundamental e Médio, como prática de formação continuada em Língua Portuguesa. Para as duas fases da pesquisa, foram usados questionários com perguntas relativas à temática e especificamente na segunda fase foram feitas gravações e análise do material produzido pelos docentes participantes. Como resultados, em relação à primeira etapa, concluiu-se que a maioria dos alunos que respondeu o questionário não se julgava preparado para trabalhar com o ensino gramatical 51 numa proposta interacionista, articulando a gramática à produção de texto e à leitura; parte dos entrevistados também desconhecia as concepções sobre ensino gramatical. Ao questioná-los sobre a concepção de linguagem que seria mais produtiva para o ensino de Língua Portuguesa, 62% concordaram que a linguagem como forma ou processo de interação seria a ideal. No entanto, alguns alunos, ao justificarem as respostas, demonstraram não ter conhecimento sobre o significado dessas concepções, as quais são indispensáveis na formação docente. Outros dados quantitativos nos revelam que no Nível Médio, 81% receberam uma formação tradicional, com ênfase apenas nas regras gramaticais e na norma culta, de modo descontextualizado. Já no Nível Superior, 62% disseram que as aulas de gramática foram ministradas de forma interativa, entretanto, desses 62%, 23% assinalaram mais de uma opção. Entre os outros alunos, 19% responderam que o ensino de gramática ocorreu através de texto como pretexto para se ensinar GT, e os outros 19% mencionaram que este ensino foi de forma tradicional, com ênfase apenas nas regras gramaticais e norma culta de modo descontextualizado. Como resultado da segunda etapa da pesquisa, a qual teve como sujeitos professores já formados que realizavam um curso de formação continuada, o trabalho nos traz algumas importantes conclusões. A maioria dos professores (71%) afirmou que a concepção de linguagem mais produtiva para o ensino de língua era aquela que tomava a linguagem como perspectiva de interação. Ao justificarem a escolha da concepção de linguagem, os docentes não aprofundaram o sentido de interação através da linguagem. Sobre esse ponto, ao se analisarem as respostas dos questionários, percebeu-se que 14% não responderam o item sobre esse questionamento; 14% optaram pelas alternativas: “linguagem como expressão de pensamento” ou “como instrumento de comunicação”. Esses resultados, segundo as conclusões da pesquisa, demostraram o desconhecimento que os professores, já formados, tinham a respeito das concepções de linguagem. Outra importante pesquisa foi feita por Perfeito (2010). Com o objetivo de buscar relacionar as concepções de linguagem às teorias que lhe são subjacentes e a prática do professor, a autora fez uma análise de gravações de 20 horas-aula, em turmas de 4ª s e 8ª s nas cidades de Londrina e Maringá. Segundo a autora, essas gravações, após devida análise, puderam ser reveladoras da(s) concepção (ões) de linguagem dos professores. Da mesma forma que a pesquisa anteriormente analisada, Perfeito (2010) tomou como referencial teórico as três concepções propostas por Geraldi, (1984, 2003a) relacionando cada uma com um tipo de ensino gramatical. 52 Como conclusões, a pesquisa nos mostra que alguns professores entendiam a língua como expressão do pensamento, a partir do momento em que focalizavam um trabalho descontextualizado, partindo da leitura de alguns trechos de obras, realizando discussões acerca de aspectos gramaticais fora de uma prática discursiva. Já outra professora apresentou uma oscilação em seu trabalho com a gramática, realizando práticas, ora contextualizadas, ora não. Essa oscilação no trabalho da docente talvez se justifique, segundo a pesquisa, por ela ser uma docente que já tinha ouvido algo a respeito de gramática contextualizada, em cursos de capacitação ou na própria formação inicial (graduação), ou até em formações continuadas, mas parece ter incorporado apenas fragmentos discursivos da proposta de ensino. Ao final de uma discussão teórica e de resultados de algumas pesquisas que tratam sobre a temática em discussão e antes de passarmos ao detalhamento dos procedimentos metodológicos, parece-nos relevante fazer uma pequena síntese dos pontos discutidos até esse momento. Partimos das contribuições de Saussure (1978, 1916) e Bakhtin (1929, 2010) acerca da definição do objeto língua/ linguagem, percebendo a diferença entre as ideias de cada autor e seus distintos conceitos, relacionando o que este último autor nos deixou de contribuição para a formulação de teorias que pudessem discutir sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua. Em relação às concepções de linguagem e o ensino de Língua Portuguesa, destacamos as contribuições de Geraldi (1984, 2003a) ao discorrer sobre as três concepções de linguagem (Língua como expressão do pensamento, língua como instrumento de comunicação e como forma de interação) e também a concepção defendida por Salomão (1999) e Marcuschi (2007), que entendem que a língua é um fenômeno sociocognitivo. Como recorte metodológico, escolhemos analisar o trabalho com a prática de AL e, para fundamentar a análise dos dados coletados, discorremos sobre as definições de gramática e seu ensino, bem como os procedimentos, elencados por Geraldi (2003ª, 1984), envolvidos na prática de AL, articulada como os eixos de leitura e produção de textos, baseando-nos na perspectiva dos gêneros textuais. Por fim, levantamos algumas ideias, apoiando-nos nas discussões de Tardif (2012); Coracini (2003); Chartier (2007); Signorini (2007) sobre a construção do conhecimento e as práticas docentes, baseados na perspectiva dos “saberes em ação”. 53 Capítulo 2 Abordagem metodológica Após termos definido como objetivo geral a análise das relações entre as concepções de linguagem e a prática docente de ensino de AL e os caminhos para chegarmos a ele (objetivos específicos), e termos discutido as bases teóricas que orientaram este trabalho, passaremos a descrever o caminho metodológico que foi percorrido pela presente pesquisa. Sendo assim, neste capítulo, levando em consideração o objetivo acima mencionado, apresentaremos as escolhas feitas em relação ao tipo de enfoque investigativo, aos critérios de seleção dos sujeitos e uma breve caracterização de cada um deles, aos instrumentos de coletas de dados bem como os procedimentos que adotamos para a análise. 2.1 Abordagem investigativa – A pesquisa qualitativa Sabemos que realizar pesquisa não é uma tarefa tão simples e fácil, principalmente quando temos por objeto de análise a prática pedagógica. Afirmamos isso porque sabemos que o mundo da sala de aula é muito variado e que dificilmente podemos compreender essa multiplicidade de ações que se realizam no ambiente educativo. Pensando desta maneira, a presente pesquisa não tem por objetivos levantar dados estatísticos nem criar generalizações que pretendam representar a realidade dos professores de Língua Portuguesa. Com isso não queremos dizer que não se possa fazer pesquisa quantitativa em educação, mas em alguns casos, como o deste trabalho, a abordagem qualitativa se torna mais apropriada, pois essa abordagem Não busca enumerar ou medir eventos e, geralmente, não emprega instrumentos estatísticos para a análise de dados; seu foco de interesse é amplo e parte de uma perspectiva diferenciada da adotada pelos métodos quantitativos. Dela faz parte a obtenção de dados descritivos mediante contato direto e interativo do pesquisador com o objeto de estudo. Nas pesquisas qualitativas, é frequente que o pesquisador procure entender os fenômenos segundo a perspectiva dos participantes da situação estudada e, a partir daí, situe sua interpretação dos fenômenos estudados. (NEVES, 1996, p.1). Inserindo-se na abordagem qualitativa, a pesquisa em questão classifica-se como dois estudos de caso descritivos, que visou à descrição e análise da prática de AL, estabelecendo possíveis relações com as concepções de linguagem do professor. É importante deixar claro 54 que tentamos estabelecer critérios relativamente rígidos para a escolha dos sujeitos, pois, para atingirmos os objetivos da investigação, precisávamos de professores que tivessem uma prática específica, de acordo com o perfil que será apresentado na sequência. Por outro lado, adotamos critérios flexíveis na seleção do que foi investigado na prática dos sujeitos, já que “o estudo de caso é a estratégia escolhida ao se examinarem acontecimentos contemporâneos, mas quando não se podem manipular comportamentos relevantes” (YIN, 2005. p. 26), ou seja, pudemos prever algumas situações que encontramos no campo da pesquisa, mas não o que realmente aconteceria. Além da pouca exigência de controle sobre os eventos comportamentais no campo de pesquisa, a estratégia do estudo de caso revelou-se adequada quando buscamos responder perguntas de pesquisa que tinham um “como” ou um “por que” na base de suas questões. Ao pensarmos sobre os pressupostos teóricos que tomamos como base, concluímos que eles foram sendo revistos – ampliados ou modificados – durante o percurso da pesquisa. Isso comprova o que afirma Suassuna (2008, p. 349) quando diz que “na abordagem qualitativa, a teoria vai sendo construída e reconstruída no próprio processo de pesquisa, o mesmo se dando com as opções metodológicas, que vão sendo gradualmente explicadas e redefinidas”. Para um trabalho de pesquisa dessa natureza, não poderíamos analisar um grande número de professores e nem esperar que uma determinada amostragem pudesse refletir a realidade dos milhares de docentes da Rede Estadual de Pernambuco. Nesse sentido, não buscamos generalizações comportamentais, pois o estudo de caso tem como objetivo “expandir e generalizar teorias (generalizações analíticas) e não enumerar frequências (generalizações estatísticas)” (YIN, 2005, p. 30). Sendo assim, nossas observações pretenderam analisar casos e tentar enquadrá-los teoricamente, a partir dos critérios estabelecidos na fundamentação teórica. 2.2 Escolha das escolas e dos sujeitos Com o objetivo de analisar a relação entre as concepções de linguagem e o trabalho com a AL do professor, a pesquisa foi realizada através de entrevista, de análise documental e de observação da prática de sala de aula de professores de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Pernambuco, especificamente do ensino fundamental. Escolhemos a Rede Estadual de ensino, pois em tal rede há apenas um professor de Língua Portuguesa que deve trabalhar com todos os eixos de ensino da linguagem, 55 diferentemente de muitas redes, principalmente de escolas particulares, nas quais, geralmente, há um professor para gramática, outro para redação e, no caso do ensino médio, outro para literatura. Não é de interesse desta pesquisa analisar professores separadamente no trabalho com cada eixo de ensino da língua. Além da justificativa apresentada no parágrafo anterior, também pereceu interessante destacar que a Rede Estadual de Ensino tem realizado programas de formação continuada com seus professores, além de produzir documentos oficiais que têm por função nortear / orientar o trabalho docente. A escolha pelo ensino fundamental justifica-se por ser o nível de ensino no qual o pesquisador tem mais experiência e também por ser uma das áreas de atuação do profissional de letras. Foi analisada a prática de duas professoras de uma escola estadual da região metropolitana do Recife que dispunha de espaço físico adequado e recursos didáticotecnológicos – como por exemplo – livro didático, data show, retroprojetor, biblioteca, entre outros, que puderam auxiliar na execução das aulas de língua. Alguns procedimentos foram adotados para a escolha dos dois sujeitos que fizeram parte da presente pesquisa. O primeiro passo para tal escolha foi a busca por indicações na própria Rede Estadual. A Secretaria de Educação e as GRE contribuíram com indicações de escolas da rede que ofereciam a modalidade de ensino fundamental. Ao chegarmos às escolas, procuramos conversar com a equipe pedagógica (gestores, coordenadores e educadores de apoio) para conhecermos um pouco da realidade da instituição e buscarmos professores que pudessem compor nosso quadro de sujeitos da pesquisa. Quando nos referimos a buscar indicações da equipe pedagógica das escolas para chegarmos a nomes de professores que pudessem apresentar perfis adequados aos objetivos da pesquisa, entendemos que, mais do que qualquer pessoa, um gestor ou um coordenador de apoio, que vivencia diariamente as práticas do ambiente escolar, poderia conhecer mais efetivamente o trabalho dos professores da instituição, já que o papel da equipe pedagógica é acompanhar o trabalho dos docentes e dos demais funcionários da escola. Buscamos, através do processo de seleção de indicação das equipes pedagógicas, professores que, segundo a visão dessas equipes: Tinham disponibilidade em participar de um processo de pesquisa para a construção de um trabalho acadêmico. 56 Eram compromissados com as práticas escolares, principalmente no que diz respeito à assiduidade e à pontualidade. Utilizavam o texto como parte fundamental do processo de ensinoaprendizagem. Realizavam algum tipo de projeto voltado ao ensino da leitura ou produção de textos. Tinham uma boa relação com os alunos. Além do critério de indicação das equipes pedagógicas, buscamos professores que fossem graduados em Letras e que tivessem concluído a sua última formação (graduação ou pós-graduação – Lato sensu ou stricto sensu) no período máximo de 10 anos. Essa restrição se justifica, em primeiro lugar, pelo fato de a pesquisa não ter o objetivo de analisar os tipos de formação dos professores (tradicionalista ou sociointeracionista), evitando buscar justificativas de formação teórica para explicar diferenças entre as práticas de professores que possuíssem diferenças significativas entre épocas de formação. Em segundo lugar, buscamos sujeitos que desenvolvessem práticas de ensino que apresentassem um trabalho baseado na perspectiva dos gêneros textuais e que afirmassem articular os três eixos de ensino (leitura, produção e AL). Não estamos afirmando que profissionais com mais de dez anos de formação não poderiam apresentar um trabalho da forma como foi dita acima, mas, na verdade, tal tipo de trabalho é algo que só passou a fazer parte dos cursos de formação de professores nas últimas décadas. Desse modo, alguns profissionais com um bom tempo de formação só, talvez, tenham tido acesso a esse tipo de teoria em cursos de pós-graduação ou de formações continuadas oferecidas pelas redes de ensino. Percorrer o caminho descrito acima não foi fácil. Encontramos muitas dificuldades para acharmos professores que se enquadrassem no perfil requerido pela pesquisa. Após conseguirmos, através das GRES, as listagens das escolas estaduais que ofereciam a modalidade do Ensino Fundamental, passamos a visitar essas instituições. Partimos da indicação de duas Gerências. A GRE Metropolitana norte, responsáveis pelas escolas das cidades da região metropolitana norte (Olinda, Paulista, Abreu e Limas, Igarassu) e a GRE Norte, responsável pelas escolas do centro do Recife e de alguns bairros da região Norte da cidade. 57 Em relação às escolas da GRE Metropolitana Norte, preferimos conhecer os professores em seu ambiente escolar. Para tanto, escolhemos algumas escolas e as visitamos. Inicialmente buscamos conversar com o gestor da instituição ou algum coordenador pedagógico que pudesse nos dar algumas informações sobre os professores, para tentarmos encontrar sujeitos que se adequassem ao perfil traçado pela pesquisa. Em relação aos professores da GRE Norte, realizamos um procedimento diferente. Devido à grande quantidade de escola e de professores dessa regional e principalmente por sugestão da técnica em Língua Portuguesa da GRE, não procuramos os professores nas escolas, mas partimos de uma listagem de professores que tinha participado da elaboração dos Parâmetros para a educação básica do Estado de Pernambuco. Esse documento se baseia em uma concepção de linguagem como interação e destaca a AL como um dos eixos fundamentais para o ensino de língua, em articulação com os demais eixos. Também é importante destacar que esses parâmetros foram analisados na presente pesquisa através da análise documental. Em uma conversa com a técnica da GRE, esta afirmou que esses professores seriam, provavelmente, os que preencheriam os critérios de seleção dos sujeitos da pesquisa. Ela ainda afirmou que conhecia bem alguns docentes e que eles, além de serem autores da proposta curricular, tinham uma prática coerente com os pressupostos teóricos do documento que já estavam publicados e disponíveis a qualquer professor que o desejasse consultar no momento do processo de seleção dos sujeitos dessa pesquisa. Em relação à outra GRE, após enfrentarmos dificuldades na seleção dos docentes, adotamos o mesmo procedimento da GRE Norte, ou seja, passamos a buscar os professores pela listagem dos docentes que participaram da elaboração dos parâmetros. O fato de partirmos das listagens dos professores que participaram da elaboração dos parâmetros estaduais não substituiu os critérios de seleção dos sujeitos elencados anteriormente. Na verdade, a listagem nos permitiu partir de um número mais reduzido e específico de docentes que poderiam preencher os requesitos para serem sujeitos da presente pesquisa. Sendo assim, ao termos acesso aos professores que participaram do processo de produção dos parâmetros, lançamos mão dos critérios para a seleção dos sujeitos descrito anteriormente. Após todo esse processo de seleção, nas duas GRE, chegamos aos dois sujeitos que fizeram parte da pesquisa. Na próxima seção, passaremos a traçar um breve perfil das duas professoras que foram sujeitos da pesquisa, bem como uma sucinta descrição do ambiente escolar. Essa descrição das docentes se faz necessário, em primeiro lugar, para justificar a escolha do pesquisador por 58 cada uma delas e, principalmente, para tentarmos entender, no capítulo das análises, as relações que elas estabelecem entre o conhecimento teórico (concepções de linguagem) e sua prática de ensino (Análise linguística). 2.2.1 A Professora A (PA) A PA concluiu a graduação em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em 1996. No mesmo ano de sua formação, entrou na Rede Estadual através de concurso público e desde então, há mais de 18 anos, leciona aulas de Língua Portuguesa. Além da graduação em letras, a docente realizou dois cursos de Especialização, um em literatura e outro em leitura, análise e produção de texto na área de linguística. Em 2010 concluiu o mestrado em Educação, também pela UFPE. Na época da pesquisa, a PA lecionava em duas escolas da Rede Estadual e uma da Prefeitura de Olinda, nas modalidades de ensino fundamental e médio. Segundo relatos da entrevista, era o primeiro ano que a docente trabalhava com o ensino fundamental, sua experiência sempre foi no ensino médio. Para a pesquisa, a PA foi observada em uma turma de 6º ano de uma das escolas estaduais na qual trabalhava. Essa turma era composta por 20 alunos, dos quais 17 eram frequentes. Os estudantes eram egressos de outra escola do bairro e tinham um excelente nível de leitura e escrita, salvo alguns casos isolados. A professora tinha uma excelente relação com os alunos e isso facilitava o trabalho em sala de aula. 2.2.2 A Professora B (PB) A PB era também graduada em letras pela UFPE. Tinha especialização em linguística aplicada, com ênfase em leitura e produção de texto e mestrado em linguística pela UFPB. No ano da pesquisa, cursava o doutorado em educação. Em relação a sua experiência profissional, já lecionava aulas de Língua Portuguesa há 27 anos, sendo já aposentada da Rede privada de Ensino. Na época da pesquisa ministrava aula em uma escola Estadual na cidade de Olinda, onde tinha turmas de Ensino fundamental e médio. Segundo a própria professora, ela tinha experiência com as duas modalidades de ensino no decorrer de sua vida docente. A PB foi observada em uma turma de 9º ano da escola estadual na qual trabalhava na época da pesquisa. Essa turma era formada por apenas 12 alunos, com uma frequência média 59 de 6 por aula. Era uma turma que não apresentava problemas de disciplina, mas exigia muito da professora em relação à motivação para a participação nas atividades. 2.2.3 Descrição do ambiente escolar Antes de procedermos à descrição do ambiente escolar, é importante dizer que as duas professoras que fizeram parte da pesquisa foram observadas na mesma escola, que está localizada em um bairro da cidade de Olinda. A escola é considerada de pequeno porte e funcionava em três turnos diários. Apesar de pequena, a unidade escolar tinha uma boa organização estrutural, possuía o quadro completo de professores, biblioteca, recursos tecnológicos (data show, televisão) e salas climatizadas. A escola era considerada de difícil acesso, pois não havia linhas regulares de transporte público que atendesse à região na qual a instituição estava inserida. Por esse motivo, a maior parte dos alunos, inclusive as duas professoras, eram moradores da região. A escola também tinha um quadro completo de funcionários, principalmente no que se referia à equipe pedagógica (gestor, coordenador de apoio), que sempre colaborava com as professoras e com o pesquisador, quando precisávamos de informações sobre a escola e sobre as docentes. 2.3 Instrumentos de coletas de dados Para realização da presente pesquisa, utilizamos três instrumentos de coleta de dados: entrevista, observação e análise documental. Nas seções a seguir falaremos um pouco sobre cada um e também com qual objetivo da pesquisa eles se relacionam. 2.3.1 Entrevistas Entendemos, ao construir os objetivos da pesquisa, que a entrevista seria um instrumento fundamental para a tentativa de obter respostas às questões propostas por este trabalho, principalmente porque esse instrumento de coleta poderia nos fornecer, desde informações mais objetivas sobre o docente e o processo de ensino (tempo e tipo de formação, procedimentos de escolha de material didático, etc.), até questões mais subjetivas (crenças, concepções, etc.). Sendo assim, acreditamos ser fundamental a análise dos dados obtidos através da entrevista, pois concordamos que ela proporciona a 60 (...) possibilidade de a fala ser reveladora de condições estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos (sendo ela mesma um deles) e ao mesmo tempo ter a magia de transmitir, através de um porta-voz, as representações de grupos determinados, em condições históricas, socioeconômicas e culturais especificas. (MINAYO, 1999, p. 109-110). As entrevistas realizadas com as professoras foram do tipo semiestruturada e suas perguntas (apêndice 1) buscaram revelar, segundo o discurso dos docentes investigados, elementos que faziam parte de sua prática de ensino com a língua no contexto escolar, principalmente no que se referia ao ensino da prática de AL; Nesse tipo de entrevista, Oliveira (2010) afirma que: são apresentados tópicos, ao invés de questões fechadas e permitem respostas subjetivas, sem perder o quantitativo. É considerada a melhor forma por se utilizar das duas anteriores (estruturada e aberta). O entrevistador segue um guia de questões, mas deve estar preparado para caso a entrevista mude de caminho. (OLIVEIRA, 2010, p. 27). Esse procedimento havia sido planejado para ser executado antes do período das observações, mas com a PA isso não foi possível devido a condições de disponibilidade da docente e do pesquisador. Com essa docente, realizamos a entrevista durante o período das observações, isso justifica o fato de ela, em alguns trechos, referir-se a alguns momentos das aulas que já haviam sido observadas. Apesar disso, a entrevista foi eficaz para a obtenção de dados que foram importantes para as conclusões às quais chegamos. A entrevista foi realizada no ambiente da escola, em uma sala reservada, onde a professora pôde responder às perguntas feitas pelo pesquisador. A entrevista foi gravada e transcrita (Apêndice 3) para posterior análise. Com a PB, a entrevista foi realizada antes do início do período de observações e as condições de gravação foram as mesmas utilizadas com a PA. Muito importante também foram os depoimentos dados pelas professoras durante o período das observações. Elas, em muitas ocasiões, sem serem questionadas, vinham conversar com o pesquisador e explicar determinado procedimento que tinham adotado ou justificar a ausência de algo. Em outras situações, o pesquisador sentiu a necessidade de questionar algo observado, julgando ser necessário algum detalhamento da docente sobre o fato. Essas conversas foram riquíssimas e se davam tanto no final ou durante a aula, nos momentos em que os alunos estavam ocupados com alguma atividade. Para tanto, sempre 61 estávamos apostos para capturar essas falas através da gravação de áudio. Muitos desses depoimentos serão transcritos no capítulo das análises. Concordamos mais uma vez com Oliveira (2010), quando o autor afirma que a entrevista geralmente vem acompanhada de outros instrumentos de pesquisa, por isso também utilizamos a observação e a análise documental com instrumentos que se articularam para a obtenção de conclusões da pesquisa. Nas seções a seguir trataremos sobre esses instrumentos. 2.3.2 Observação Outro importante momento de coleta dos dados foi a observação. Não poderíamos conceber um trabalho de análise de prática de ensino sem a realização de observação de aulas. Nesta fase observamos diretamente como o professor trabalhou com a prática de AL no processo de ensino, relacionando essa prática com as concepções de linguagem que nortearam esse trabalho com a língua e em que momentos do processo de ensino aprendizagem tais concepções se mostram aparentes. É importante deixar claro que qualquer concepção só é perceptível através da análise de uma prática ou discussão acerca dela. Por isso que o cruzamento das informações colhidas nas entrevistas e a análise direta das aulas foi fundamental para a identificação das concepções de língua escolhidas/ refletidas pelos docentes. Além disso, é importante afirmar que, ao utilizar mais de um instrumento de coleta de dados, temos a possibilidade de ter acesso a informações mais completas, pois, no caso da presente pesquisa, certas concepções do professor puderam ser reveladas através do seu discurso ou através da observação de sua prática, ou seja, os instrumentos se complementaram enquanto fonte de dados. Para garantir a confiabilidade dos dados coletados, as aulas foram gravadas através de instrumento de áudio. Em relação ao período, combinamos com as docentes qual seria o melhor intervalo de tempo para a realização das observações. Chegamos à escola na segunda quinzena do mês de junho de 2013, final do segundo bimestre, e combinamos iniciar as observações na volta às aulas após o recesso escolar, que teve início na segunda quinzena do mês de julho. O período de observação se estendeu de 22 de julho de 2013 a 30 de agosto de 2013, compreendendo quase que totalmente o período de aulas do terceiro bimestre do ano letivo. Cumprindo esse período, observamos a prática das professoras durante um período no qual elas desenvolveram um trabalho com um determinado conteúdo ou sequência de atividades, vendo o processo do início ao fim. 62 Foi realizado um processo de observação que, segundo Flick (1999 apud VIANNA, 2003, p. 16-17) classificou-se como: Observação aberta: quando o observador é visível aos observados que sabem que estão sendo objeto de uma pesquisa. Observação não-participante: o observador não se envolve nas atividades do grupo sob observação e não procura ser membro desse grupo. 2.3.3 Análise documental Também foi importante analisar os Parâmetros para a educação básica do Estado de Pernambuco, observando o que eles normatizam/orientam sobre a(s) concepção (ões) de linguagem para a área de Língua Portuguesa e os conteúdos de AL sugeridos para o trabalho em cada série na qual as professoras foram observadas. Como modo de ver até que ponto as professoras se basearam nesses parâmetros, lançamos um olhar sobre os conteúdos selecionados pelos docentes, para serem trabalhados no período de observação. Esses conteúdos foram sistematizados no diário escolar, de preenchimento obrigatório de cada professor. Também analisamos o material didático utilizado pelos professores nas aulas, seja do próprio LD ou qualquer outro material que os docentes utilizaram como apoio para a execução de suas aulas, mas queremos aclarar que, não concebemos o material didático como documento, mas sim como parte integrante da prática do professor. Por esse motivo, a análise desses materiais entrou como discussão na parte de observação, ou seja, eles foram analisados como parte da aula, como parte integrante da observação da prática. É importante esclarecer que só analisamos as atividades do LD que envolveram a prática de AL e que foram utilizadas pelo professor. Abaixo apresentamos um quadro que articula cada um desses procedimentos com os objetivos da pesquisa: Objetivos 1. Analisar as concepções de linguagem e a prática Instrumentos Análise documental de ensino de análise linguística nos documentos oficiais (Parâmetros para a educação básica do Estado de Pernambuco e diário de classe) que prescrevem /orientam a prática de ensino. 2. Analisar as concepções de língua, gramática e de Observação e entrevista 63 ensino de língua do professor, e o que ele consegue efetivar em relação à prática de análise linguística. 3. Entender como o professor articula, em seu fazer Observação e entrevista pedagógico, os “conhecimentos teóricos” e os conhecimentos dos “saberes em ação”, em relação à prática de análise linguística. Quadro 2: Objetivos e instrumentos de análise Após termos procedido aos esclarecimentos sobre os instrumentos de coleta de dados da pesquisa, passaremos a discorrer sobre os procedimentos de análise do material coletado. Para a análise dos dados, tanto da entrevista quanto das observações e dos documentos, utilizaremos a metodologia do paradigma indiciário. Esse método interpretativo dos dados, segundo Suassuna (2008), pode ser considerado um tipo de pesquisa qualitativa. Sobre ele, a autora ainda nos afirma que O paradigma indiciário recupera a possibilidade de examinar pormenores e marcas individuais presentes nas várias atividades humanas, entre elas, a linguagem; permite lidar com diferenças, mais do que com semelhanças, com anormalidades, mais do que com normalidades; por fim, permite ao analista ir em busca de explicações, mais do que tentar encontrar evidências para explicações e teorias já existentes. (SUASSUNA, 2008, p. 368). Essa escolha metodológica justifica os critérios de seleção de sujeitos de nossa pesquisa, pois se pretendêssemos analisar o comportamento mais comum entre os professores da Rede Estadual de Pernambuco, teríamos que escolher uma amostragem que refletisse a maioria dos professores. Esse tipo de pesquisa levou à compreensão de particularidades, tanto no trabalho das docentes, quanto em seu discurso e também nos Parâmetros para a educação básica do Estado de Pernambuco, documento analisado pela presente pesquisa. Ratificando o que foi dito no parágrafo anterior, não é o nosso objetivo traçar categorizações e generalizações sobre a prática dos professores investigados, mas de buscar, nos detalhes observados – nos estudos de caso – explicações que pudessem nos ajudar a entender as relações entre as concepções de linguagem e a prática de AL, ajudando a responder as perguntas de pesquisas elencadas na introdução deste trabalho. Acreditamos que alguns detalhes importantes puderam nos ajudar a entender alguns processos que contribuirão para posteriores reflexões sobre a discussão acerca do processo de 64 ensino de AL. Esses detalhes puderam revelar que as relações entre concepções teóricas e prática de ensino não se dão sempre de uma maneira tão linear como se pensava e que entre o conhecimento teórico do professor e a efetivação da prática há muitas variações que podem interferir no processo de ensino-aprendizagem. 65 Capítulo 3 Análise e Discussão dos Resultados Após a exposição da base teórica que orientou a presente pesquisa (capítulo1) e a descrição do caminho metodológico adotado para atingirmos os objetivos desse trabalho (capítulo 2), passaremos a nos debruçar sobre os dados coletados. Para uma melhor organização da exposição dos resultados, dividiremos o texto em seções que serão agrupadas de acordo com os objetivos específicos delimitados na parte introdutória dessa dissertação e também com a especificidade de cada instrumento de coleta. Em alguns momentos faremos uma relação entre os objetivos e os instrumentos para tentarmos, de uma maneira mais completa, responder às perguntas de pesquisa, ou seja, podemos utilizar uma declaração do professor dada na entrevista para tentar entender certas escolhas feitas pelo docente em relação ao material didático utilizado ou até entender as razões que o levaram a ter certa postura nas aulas observadas. Entendemos que, um dos caminhos para atingirmos o objetivo geral de uma pesquisa, é tentar responder os objetivos específicos, sendo esses últimos o caminho para chegarmos ao objetivo geral. Cabe, nesse sentido, recuperar o objetivo geral proposto no presente trabalho: “analisar as relações entre as concepções de linguagem e a prática docente de ensino de análise linguística.” Para tanto, iniciaremos com a análise do documento oficial tomado como referência e o planejamento dos conteúdos de AL feito pelo docente no diário de classe (caderneta). Em seguida, passaremos a descrever e mostrar as aulas das professoras observadas, relacionando o processo de observação com as declarações dadas nas entrevistas e nas conversas informais que foram travadas com o pesquisador. Para melhor visualização e buscando facilitar o entendimento do leitor a respeito dos trechos transcritos, adotaremos os seguintes critérios: Os diálogos travados entre professor e alunos durante a aula serão postos dentro de um retângulo, em forma de quadro. As falas das entrevistas serão transcritas em forma de organização típica desse gênero, ou seja, cada fala será precedida do nome PESQUISADOR – para as perguntas – e a sigla correspondente a cada professor (PA ou PB) – para respostas e também usaremos o recurso do itálico. 66 3.1 O que revelam os documentos oficiais e o planejamento das professoras 3.1.1 Sobre os documentos oficiais Como o presente trabalho objetiva analisar a prática de ensino de professores da Rede Estadual de Pernambuco, escolhemos como documento norteador da análise os Parâmetros para a educação básica do Estado de Pernambuco, que foi publicado em 2012. Antes de passarmos à análise do que esse documento nos diz sobre as concepções de linguagem e sobre a prática de AL, julgamos interessante descrever como esses parâmetros foram construídos. A descrição do processo de construção do documento em análise ratifica a sua relevância, tanto para sua escolha para análise na presente pesquisa, quanto para a importância desse documento oficial na prática pedagógica do professor. Os Parâmetros para a educação básica do Estado de Pernambuco nasceram de uma construção coletiva. O Governo do Estado de Pernambuco realizou uma parceria com o CAED (Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação) da Universidade de Juiz de Fora - MG para a construção desse documento. Um grupo de especialista do CAED elaborou um proposta inicial, denominada de “versão 0”, que foi submetida a um grupo de especialistas do estado de Pernambuco composto por representantes das principais universidades do estado, representantes das GRE, bem como de professores da Rede Estadual. Esse grupo apreciou essa “versão 0” e propôs mudanças no documento. Como resultado dessas modificações, surgiu a “versão 1”, material esse que foi encaminhado a diversos grupos de professores da Rede Estadual, espalhados por várias regiões do estado, que tiveram a função de discutir sobre a elaboração do documento e propor mudanças. As modificações propostas pelos grupos de professores voltaram, em forma de relatórios, para o grupo de especialistas do estado de Pernambuco, que decidiram acatar ou não as sugestões dos professores e elaboraram a “versão quase final”. Essa última versão voltou para os especialistas do CAED para devidas revisões e modificações, para que se procedesse à publicação do material (versão impressa e eletrônica) para os professores da Rede. Esse material se encontra disponível no site da Secretaria de Educação de Pernambuco, bem como alguns exemplares impressos foram distribuídos nas escolas estaduais. Pensamos ser importante destacar que, por esse material estar disponível para “download” no site da Secretaria de Educação de Pernambuco9 e por terem sido distribuídas 9 http://www.educacao.pe.gov.br/portal/?pag=1&cat=36&art=1047 67 versões impressas em várias escolas, esse documento é de fácil acesso ao professor da Rede. Sem falar na divulgação que a sua publicação teve entre os docentes. O processo de construção dos Parâmetros tentou, de alguma forma, democratizar as discussões sobre a elaboração de um documento que serviria como orientação para os professores da Rede, colocando o professor como sujeito que participou do processo em diferentes grupos, seja no grupo de especialistas locais ou nos grupos das diferentes regionais. Os Parâmetros para a educação básica do Estado de Pernambuco são compostos de um livro de concepções (livro1), comum a todos os componentes curriculares, que trata sobre as concepções pedagógicas, como as questões de currículo, Projeto Político-pedagógico, etc. Esse livro não será alvo de análise da presente pesquisa, pois não temos o objetivo de discorrer sobre esses temas. O que nos interessa é o livro que trata especificamente sobre as concepções de ensino de Língua Portuguesa (livro 2) e um livro para consulta para fins de planejamento escolar ao longo dos bimestres letivos (livro 3), que foi elaborado em consonância com as concepções teóricas dos livros 1 e 2, trazendo propostas de conteúdos para o trabalho em cada série e em cada bimestre. Uma importante informação sobre os parâmetros, que nos será útil mais adiante para a compreensão das análises dos conteúdos de AL, é que esse documento trabalha com o conceito de Expectativas de Aprendizagem (EAs). Essas EAs se tornam referência do que se esperar do aluno em cada eixo de ensino e em cada tópico de um determinado eixo. Segundo os parâmetros: Com o intuito de indicar em quais etapas do processo de escolarização deve acontecer a abordagem, sistematização e consolidação das expectativas de aprendizagem (EAs) relacionadas nos Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa, em todos os eixos que compõem o documento é utilizado um sistema de cores. A legenda abaixo esclarece o sentido de cada uma das cores utilizadas. (PERNAMBUCO, 2012a, p. 16). Não cremos ser necessário maiores detalhamentos sobre essas EAs, mas é importante afirma que elas estabelecem uma gradação de cores que indica em que etapa(s) da escolarização uma determinada EA deve ser atingida parcialmente ou totalmente ou se merece uma maior ou menos intervenção pedagógica. 68 3.1.2 O que dizem os parâmetros sobre as concepções de linguagem Já na parte introdutória do livro 2, encontramos um tópico intitulado “Concepções de língua e ensino de linguagem”, onde é demarcada a concepção de linguagem que norteia a construção do documento. Segundo o texto “Esse documento traz uma proposta de trabalho escolar com a Língua Portuguesa baseada em uma concepção de linguagem como ação e interação.” (PERNAMBUCO, 2012a, p. 18). Esse posicionamento é ratificado em vários momentos do texto, principalmente ao citarem diversos autores que trabalham nessa perspectiva. Dentre esses autores o documento cita Bakhtin (1997); Geraldi (1984); Travaglia (2000); Marcuschi (2005). A construção dos parâmetros também é baseada em outros documentos oficiais, como por exemplo, as OTMs (Orientações Teórico-Metodológicas) e a BCC (Base Curricular Comum), citando a concepção de linguagem trazida por este último documento: [...] a língua somente poderá ser entendida como uma ação contextualizada e historicamente situada; sempre inserida numa situação particular de interação e, portanto, nunca inteiramente despregada das condições concretas de uma determinada prática social, não podendo, assim, ser avaliada senão em situação. (BCC 2008, p. 67 apud Pernambuco, 2012a). Ainda falando sobre a concepção de linguagem expressa nos parâmetros, nos chamou a atenção um detalhe em um dos parágrafos do documento e que pode ser revelador de algumas posturas observadas nas professoras investigadas. Segundo o documento. ao se assumir uma compreensão da língua, potencialmente, como ação e interação, não se está ignorando seu caráter sistemático, indissociável de qualquer proposta de estudo da língua. neste documento, defende-se que o conhecimento das regularidades sistêmicas da língua seja alvo de análise e reflexão. no entanto, o foco numa concepção interacionista da linguagem indica maior interesse na compreensão do funcionamento da língua do que no conhecimento do código linguístico. conforme já sinalizado, o estudo das categorias e estruturas gramaticais dá lugar ao estudo do texto, que passa a ser o objeto central das práticas de linguagem, de forma coerente com a compreensão de que a língua se realiza a partir de textos. (BCC 2008, p. 67 apud Pernambuco, 2012a, p.20 - grifo nosso). Nesse sentido, percebemos que o documento entende que uma concepção de linguagem que se diz “potencialmente” interacionista é aquela que tem como interesse principal o uso da linguagem e não descarta o estudo da estrutura da língua. Chamamos a atenção para esse detalhe porque este é um dos pontos que interessa a esta pesquisa, pois 69 pretendemos compreender as relações que se estabelecem entre o conhecimento teórico do professor e o que ele efetivamente faz em sala de aula, ou seja, como a prática de AL se articula com a concepção de linguagem defendida pelo professor. Utilizamos o termo “defendida”, pois as professoras ratificaram em seus depoimentos que o LD utilizado por elas trabalha nessa mesma concepção, além de uma delas ter participado da elaboração dos Parâmetros para a Educação básica do Estado de Pernambuco. Abaixo colocamos um dos depoimentos em que uma das professoras assume a concepção de linguagem do livro didático: PB: É. Ele trabalha naquela perspectiva de... Deixa eu te mostrar. Cada unidade... Aqui tem uma seção falando sobre as concepções teóricas. PESQUISADOR: Concepções de linguagem? PB: Aquela parte de concepções. PESQUISADOR: Esse livro assume alguma perspectiva? Ele cita alguma? PB: Não, ele não cita, mas assume a perspectiva de língua como interação. Mas assim, você vê que é tudo muito partido. Diz isso, mas na prática... Ao analisar o que os Parâmetros para a educação básica do Estado de Pernambuco trazem em relação às concepções de linguagem, percebemos um grande avanço nas contribuições teóricas, advindas do meio acadêmico, para contribuir com a prática dos professores da educação básica. Afirmamos isso, pois, por mais que tenha ocorrido uma grande participação dos professores na construção democrática do documento, as contribuições teóricas que o baseiam vieram de um grupo de acadêmicos da Universidade Federal de Juiz de Fora, que elaboraram a proposta inicial, e das universidades locais – que foram responsáveis pelas modificações. Essas contribuições chegaram aos professores em um momento de grande importância na discussão do processo de ensino-aprendizagem de linguagem, pois sabemos que uma determinada perspectiva teórica em relação à linguagem poderá ser determinante da prática. Nem sempre a linguagem foi vista a partir da perspectiva que hoje se tem e podemos até imaginar que, em tempos futuros, com o avanço e o progresso dos estudos da ciência da linguagem, outras perspectivas surjam. A partir dessa afirmação, podemos fazer um percurso temporal e ver que a língua já foi entendida como expressão do pensamento, como instrumento de comunicação, como forma de interação e hoje alguns autores já a entendem como forma de sociocognição situada. 70 O que na verdade é importante, hoje, com a publicação desses parâmetros, é a divulgação de perspectivas teóricas sugeridas pelos estudos da Linguística Aplicada ao ensino de língua que podem contribuir para ampliação do conhecimento teórico do professor da educação básica e, consequentemente, propor mudanças em sua prática pedagógica. 3.1.3 O que dizem os parâmetros sobre análise linguística Os Parâmetros, já em seu capítulo introdutório, propõem uma sistemática de trabalho com a linguagem organizada por eixos. Nesse sentido são propostos 6 eixos: 1. Apropriação do Sistema Alfabético; 2. Análise Linguística (eixo vertical); 3. Oralidade; 4. Leitura; 5. Letramento Literário; 6. Escrita (PERNAMBUCO, 2012a. p. 15) O eixo que nos interessa é o da AL que, no documento em análise, é descrito como “eixo vertical”. Essa verticalidade é justificada, inicialmente, por indicar “o deslocamento, para segundo plano, daquilo que tradicionalmente constituiu o ensino de Português nas escolas brasileiras” (PERNAMBUCO, 2012, p. 15). Colocando a AL dessa forma, o documento tenta marcar uma oposição àquele ensino gramatical que privilegia (va) o foco nos estudos das regras gramaticais, dando à AL um novo redirecionamento, pois “os estudantes são envolvidos em atividades de análise e reflexão sobre o seu uso e funcionamento em textos e contextos diversos.” (PERNAMBUCO, 2012, p. 16). Entendemos que esse material, além da função de sistematizar uma proposta de trabalho pedagógico, serve como guia de formação para os professores, já que as orientações nele contidas estabelecem propostas embasadas em teorias que a sustentam. Quando nos referimos a teorias queremos afirmar que não há só uma indicação do trabalho com a AL, mas sim toda uma discussão teórica sobre essa proposta, baseada na concepção de linguagem como interação, bem como a articulação com os outros eixos de ensino. Esse tipo de formação teórica está relacionado com o que Tardif (2012) chama conhecimento curricular, ou seja, são os saberes que foram selecionados por uma determinada instituição ou Rede de Ensino para serem efetivados na prática pedagógica. Através do estudo 71 de um documento oficial, os professores entram em contato com diferentes propostas e tendem a modificar suas práticas. Nesse sentido, entra em questão o debate sobre apropriação do conhecimento por parte dos professores ao lerem o que esse documento traz como orientação. Esses parâmetros tornam-se uma fonte de apropriação de conhecimento para os docentes, levando muitos a quererem se aprofundar mais em certos pontos e buscar novas fontes de leitura e aperfeiçoamento profissional através de cursos de formação continuada. Essa afirmação nos remete à pesquisa de Albuquerque (2006) comentada no capítulo 1 da presente dissertação, quando a autora analisou como os docentes da Rede Municipal do Recife estavam se apropriando das concepções oficiais de ensino de Língua Portuguesa e que mudanças eles tinham realizado em sua prática devido a esse processo de apropriação de conhecimentos. Lançando esse olhar de instrumento formativo docente sobre os Parâmetros, podemos entender a preocupação de tentar demarcar, desde o início do documento, a AL como eixo vertical e redirecionar sua função no ensino de Língua Portuguesa. Essa postura serve como resposta a uma tradição de ensino gramatical focada na norma culta. Além da justificativa inicial da verticalidade da AL, descrita em parágrafos anteriores, o documento também argumenta que esse eixo se caracteriza como vertical por ser um eixo que “perpassa todas as práticas de leitura, escrita e oralidade.” (PERNAMBUCO, 2012, p. 41). Em um tópico específico do documento, abre-se uma discussão sobre as atividades linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas. Baseado em Geraldi (1991, 2003c), o texto dos parâmetros ratifica a postura de se trabalhar com a gramática reflexiva, privilegiando-se as atividades epilinguísticas em relação às atividades metalinguísticas. Para o documento. As atividades epilinguísticas fazem parte do cotidiano dos falantes, que as realizam para compreender, para expressar, para construir significados. Assim, na escola, quando se introduz o processo de análise e reflexão linguística, deve-se privilegiar o ensino epilinguístico, cujo foco de atenção seria o trabalho com as atividades epilinguísticas. (PERNAMBUCO, 2012a, p. 43). Em relação aos momentos que o professor deve/pode inserir reflexões sobre a linguagem, o documento afirma que: No processo de ensino e aprendizagem da língua, na escola, a reflexão e a análise linguística devem acontecer no interior de atividades interativas 72 efetivas, na sala de aula, quer pela produção, quer pela leitura de textos orais e/ou escritos. (PERNAMBUCO, 2012a, p. 42). Ou seja, os parâmetros não defendem que a AL seria um trabalho que se realizaria em um momento específico do processo de ensino, mas que poderia se dar em articulação com os eixos de leitura, produção. Essa postura está em consonância com a proposta de alguns autores, como por exemplo, Suassuna (2010); Morais e Silva (2007) que defendem que a AL pode se dá antes, durante ou depois de qualquer trabalho com os demais eixos de ensino e que inclusive o processo de seleção de aspectos linguísticos a serem trabalhados pode ocorrer a partir da revisão dos textos dos alunos, postura defendida por Andrade, Seal e Leal (2012). Também há nos Parâmetros, em uma seção intitulada “A análise gramatical: que “gramática” ensinar?” uma importante discussão sobre a análise gramatical e o espaço da norma padrão defendida pelo documento. Nessa seção se marca bem a posição da necessidade do ensino da norma padrão na sala de aula, mas se discute como e em que momentos esse ensino se torna relevante. O trecho abaixo exemplifica o que foi dito acima: Voltada para o uso da língua em contextos interativos diversos, a prática de análise linguística proposta por estes parâmetros não deve se restringir ao estudo das gramáticas “pedagógicas” que descrevem as regularidades e prescrevem modos de falar e escrever a partir da consideração de apenas uma das variantes da língua, a “norma padrão”. Ao se defender a análise gramatical no ensino da língua, está se defendendo o estudo das regularidades da língua, compreendida a partir do fenômeno da variação. (PERNAMBUCO, 2012a, p. 45). Um ponto que acreditamos ser bastante significativo e que mostra importantes indícios na prática das professoras é a discussão proposta pelos parâmetros sobre a relação entre AL e a escolarização. Para o documento, já nos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) são ampliadas as reflexões e propõem-se a sistematização de algumas categorias gramaticais, mas sempre tendo em vista o desenvolvimento de competências de uso da língua. Sobre essa perspectiva, podemos ler nos documentos que Portanto, se os estudos classificatórios e o conhecimento da nomenclatura gramatical estão ausentes dos anos iniciais, são recomendados nos anos finais do Ensino Fundamental e, principalmente, no Ensino Médio, ainda com vistas ao desenvolvimento de habilidades discursivas. Eles não fazem sentido como um fim em si mesmo. A nomenclatura gramatical só faz sentido como conhecimento suplementar que auxilia a reflexão sobre a 73 língua por disponibilizar uma (PERNAMBUCO, 2012a, p. 51). terminologia própria da área. A partir do trecho acima, entendemos que esse documento não exclui o uso de nomenclaturas gramaticais nas aulas. Na verdade, há uma recomendação de que o conhecimento metalinguístico seja mais explorado nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, quando os alunos já devem ter consolidado certas competências linguísticas. Ainda sobre esse mesmo trecho do documento, na parte final, lemos uma afirmação que está em consonância com a proposta de Geraldi (1991, 2003c), quando o autor atribui às atividades epilinguísticas um maior destaque, colocando o desenvolvimento das atividades de reflexão sobre a linguagem como fundamental para que o aprendizado da metalinguagem tenha alguma significância. 3.2 Conteúdos sistematizados pelos Parâmetros e planejamento das docentes Após termos levantado uma discussão sobre a construção dos Parâmetros para a educação básica do Estado de Pernambuco e termos analisado como esse documento concebe a linguagem e a prática de AL, lançaremos um olhar sobre os conteúdos propostos por esse documento e realizaremos uma comparação com os conteúdos selecionados por cada professora. Queremos afirmar que as duas professoras, ao serem questionadas – ou até de maneira espontânea – referiram-se aos parâmetros como documento norteador de sua prática pedagógica. Esse posicionamento pode ser comprovado nos trechos abaixo PA: Eles perguntaram por que “Papa-figo” e não “papa-fígado”. Isso também faz parte da Análise linguística. Nesse caso é importante mostrar bem a diferença da variação linguística. Sobre esses assuntos, eu sigo os parâmetros curriculares enviados pelo próprio estado, você conhece? A PA, ao falar sobre uma das suas aulas na qual tratou sobre a temática da variação linguística, afirmou, espontaneamente, que seguia os Parâmetros Estaduais. Já a PB, além de afirmar que trabalha com os parâmetros, foi uma das docentes que participaram do grupo de professores das regionais que analisaram o material produzido pelo CAED e reescrito pelo grupo de especialistas do estado de Pernambuco. No depoimento abaixo, a docente afirmou que, em relação ao primeiro semestre de 2013, mesmo havendo participado do processo de elaboração do documento, não o usou como base, pois ainda não 74 tinha recebido, à época, o material. Mas já no segundo semestre, período correspondente à observação, o material, segundo o depoimento da docente, foi utilizado como fonte de planejamento. PESQUISADOR: E você falou nos parâmetros... PB: Porque os parâmetros curriculares estaduais foram elaborados os parâmetros curriculares estaduais, que tem essa divisão toda: Análise linguística, leitura, interpretação e produção. PESQUISADOR: Tem algo pré-estabelecido nesses parâmetros de conteúdo? PB:Tem. Tem. Tem PESQUISADOR: Você segue alguma coisa desses parâmetros? PB: Esses parâmetros a gente terminou de construir o ano passado, e..., é..., algumas coisas eu já faço, mas não fiz o meu plano em cima dele porque ele chegou agora no final do semestre. Eu to pegando agora pra organizar esse segundo semestre a partir deles. Porque, é, como foi elaborado por muitas mãos, professores que indicaram, grupos de especialistas que fizeram revisão, que, né, eu acho que é um instrumento interessante para o professor seguir. Na sequência, organizaremos os conteúdos que os Parâmetros para a Educação Básica do Estado de Pernambuco propõem e o que os professores planejaram em relação ao eixo de AL. É importante destacar que os conteúdos de AL sistematizados pelos parâmetros estão sempre em articulação com os outros eixos. Nesse sentido, ao se propor o trabalho com a leitura de um determinado gênero, também são propostos alguns conteúdo de AL a serem trabalhados especificamente nesse eixo de leitura. 3.2.1 Professora A A professora A foi observada em uma turma do 6º ano do ensino fundamental. Para o 6º ano, em relação ao 3º bimestre os parâmetros propõem o seguinte: 75 (PERNAMBUCO, 2012b, p.14) 76 (PERNAMBUCO, 2012b, p.15) 77 (PERNAMBUCO, 2012b, p.16-17) No diário de classe da PA encontramos os seguintes conteúdos planejados para o 3º bimestre: Variedades Linguísticas Ortografia Adjetivos Pátrios Pontuação Recursos gráficos (uso das aspas) Adjetivos Verbos no imperativo Recursos gráficos (uso do negrito) Advérbios Quadro 3: Conteúdos planejados pela Professora A Após visualizarmos os conteúdos dos parâmetros e do planejamento, podemos concluir que, coerentemente com seu discurso, a PA baseou-se nos conteúdos propostos pelo documento, mas realizou uma seleção do que pensou ser mais importante para seus alunos e também levou em consideração a questão do tempo hábil para o trabalho com um determinado número de assuntos. Conforme podemos comprovar a partir do depoimento abaixo: PA: A gente explora com análise de texto e nem todo conteúdo que tem de análise linguística dá pra trabalhar, a questão de tempo mesmo. Porque como você viu, eu prefiro ficar, terminar uma sequencia didática com determinado gênero e o livro ele traz, se contabilizar, dezenas de gêneros textuais. Eu saio procurando, não sigo uma ordem do livro, não saio seguindo. E nem dos parâmetros porque eles colocam muito conteúdo pra pouco tempo. 78 Alguns temas, como por exemplo, “regência nominal e verbal”, “colocação pronominal”, ficaram de fora do planejamento da docente. Essa ausência justificou-se pela falta de tempo, como podemos confirmar no depoimento acima, e provavelmente pela complexidade de alguns temas que a docente julgou não muito apropriados à série. Essa conclusão justifica-se pelo fato de a professora afirmar em alguns momentos que certos assuntos não merecem tanta atenção no 6º e no 7º ano, quando os alunos ainda têm muita dificuldade com a produção de texto. Essa afirmação pode ser justificada a partir do trecho abaixo: PA: Para eles (6º ano), não interessa saber nomenclatura e nem decorar que adjetivo é o que dá qualidade ao substantivo. Tem certos temas que não acho interessante trabalhar com eles nessa série. Eles têm que desenvolver mais a escrita e a leitura pra depois se falar em nomes. Já no ensino médio, no terceiro ano, sim, porque eles pegam questões ainda de ENEM, de Vestibular, de concurso público, que é o que eles almejam, eles ainda têm questões gramaticais. Embora a PA tenha afirmado que alguns assuntos não foram trabalhados na aula, podemos concluir que alguns deles, que se encontram recomendados nos parâmetros e que não foram sistematizados na caderneta da docente, foram trabalhados de forma não sistemática, principalmente se olharmos para a EA delimitada para cada um. Dentre esses temas, podemos citar a “sintaxe da frase” e os “verbos, advérbios e adjuntos adverbiais e as orações adverbiais”. Sobre o primeiro tema, podemos afirmar que, quando a docente trabalhou com a produção de lendas urbanas, em muitos momentos foram discutidas estratégias de “ordenar, adequadamente, os elementos de uma frase” (PERNAMBUCO, 2012b, p.16). Já quando se fala no trabalho com o segundo tema, em muitos momentos se cumpriu com o objetivo proposto pela EA delimitada para esse item de AL, conforme afirma o documento: “empregar adequadamente elementos linguísticos de tempo e espaço que se materializam o enredo em narrativas”. (PERNAMBUCO, 2012b, p.17). Em relação ao caso específico do tema de “coesão textual”, é importante observar a EA indicada para o trabalho com essa temática no 6º ano. De acordo com o documento, espera-se que o aluno aprenda a “selecionar os sinais de pontuação para estabelecer a coesão textual”. (PERNAMBUCO, 2012b, p.17). Neste sentido, a delimitação do trabalho de coesão confunde-se com o de pontuação, na verdade eles se sobrepõem. 79 3.2.2 Professora B A PB foi observada em uma turma do 9º ano do ensino fundamental. Também como a PA, a PB foi acompanhada por quase todo o 3º bimestre, portanto, também só temos uma ideia parcial da quantidade de assuntos por ela trabalhados. Seguindo o mesmo percurso feito com a PA, exporemos o que o texto oficial propõe e o planejamento da professora no diário de classe (caderneta). Abaixo, seguem as orientações de conteúdos dos parâmetros: (PERNAMBUCO, 2012b, p. 61) 80 (PERNAMBUCO, 2012b, p. 62) (PERNAMBUCO, 2012b, p. 63) 81 (PERNAMBUCO, 2012b, p. 64) No diário de classe da professora B encontramos os seguintes conteúdos planejados para o 3º bimestre: Conteúdos trabalhados pela Professora B Temática de Análise linguística Semântica das palavras Pontuação Artigos Conotação e denotação Texto em prosa e texto em versos Verbos no imperativo Funções da linguagem Definição de EU-lírico Coesão textual: uso dos pronomes para evitar repetição Pronomes demonstrativos Quadro 4: Conteúdos planejados pela Professora B 82 Após observarmos os conteúdos dos parâmetros e o planejamento da docente, podemos concluir que a PB trabalhou com vários conteúdos sugeridos pelo documento, mas inseriu inúmeros assuntos que não estavam planejados no documento. Inicialmente, queremos chamar a atenção para alguns assuntos sugeridos pelos Parâmetros para a educação básica do estado de Pernambuco propostos para o 3º bimestre do 9º ano, turma que correspondeu ao período de observação da Professora B. Diferentemente dos assuntos sistematizados para o 6º ano, mais da metade dos temas do 9º ano apresentam um caráter muito amplo, ou seja, não havia uma delimitação específica dos conteúdos a serem trabalhados. Isso pode ser percebido ao se retornar às tabelas acima. Não só a temática sugerida, mas também a EA delimitada para os temas de AL. Não julgamos esse fato positiva ou negativamente, mas queremos como isso dizer que, a partir dessas indicações amplas de alguns conteúdos, a professora, provavelmente, teve a liberdade e a autonomia de inserir novas discussões sobre a linguagem. Como por exemplo, ao tratar de coesão textual, a docente inseriu um trabalho com os pronomes demonstrativos, entendendo esses como elementos de coesão para a construção do texto. Dentro da indicação de se trabalhar com os verbos, a docente selecionou o trabalho com os verbos no imperativo – uma das sugestões dos parâmetros – a partir do trabalho com a leitura de uma letra de música que trazia o uso dos verbos nesse modo. Esses foram apenas alguns exemplos de indicações bem amplas dadas pelo documento em análise. Já outros temas nos pareceram bastante específicos, como por exemplo, “os advérbios, e locuções adverbiais, conjunções e preposições”. Para esses temas, são indicadas como EA “utilizar adequadamente verbos de ação nos tempos do modo indicativo e marcadores temporais, tais como ‘mais tarde’, ‘depois’, ‘após’, dentre outros, na construção de sequências de relato.” (PERNAMBUCO, 2012b, p. 63). Quando procedemos a essas análises, comparando o que foi proposto nos Parâmetros, o que as professoras sistematizaram no diário de classe e, de certa forma, lançamos uma visão sobre os temas trabalhados por elas, não temos o objetivo de descrever como o trabalho com a AL foi desenvolvido, pois esse objetivo será cumprido em um tópico subsequente. O que na verdade pretendemos com tudo isso é lançar um olhar mais amplo sobre as temáticas que as docentes selecionaram para o trabalho com a AL, a partir dos temas sugeridos pelos Parâmetros. Para lançarmos esse olhar sobre as escolhas das professoras, sentimos a necessidade de tentar identificar, na prática das docentes, os temas que não foram formalmente sistematizados e nem anunciados como foco de um trabalho de AL, mas que de uma forma ou 83 de outra foram trabalhados nas aulas. Nesse sentido, seria uma falha gravíssima afirmar que certos assuntos não foram alvo de reflexões em sala pelo simples fato de não terem sido formalmente anunciados ou planejados. Sobre essa questão de se realizar um trabalho com determinado tema que não foi oficialmente posto no planejamento ou utilizar uma determinada nomenclatura para um determinado assunto e realizar uma prática que aparentemente não condiz com determinada nomenclatura, Mendonça (2006b) chama a atenção para o que ela denomina de “deslocamento dos objetos de ensino”. Segundo essa autora, muitos objetos de ensino (conteúdos) são reagrupados de acordo com as necessidades e dinâmicas das relações sociais nas quais a escola está inserida. Nesse sentido, muitas reflexões linguísticas são realizadas de maneira assistemática, em articulação com o trabalho com os demais eixos ou são oficialmente planejadas com diferentes nomenclaturas. Concordamos com a autora supracitada, quando ela afirma que os reagrupamentos estão de acordo com a dinâmica das relações sociais, mas também acreditamos que certas escolhas – inclusive de nomenclaturas – são realizadas por posturas dos próprios docentes. Essas escolhas, frequentemente, partem daquilo que os professores julgam necessário à aprendizagem dos seus alunos, ou seja, os professores selecionam quais conteúdos devem ser trabalhados e que aspectos desses conteúdos devem ser privilegiados. Ainda segundo Mendonça (2006b), ao se referir às escolhas dos conteúdos a partir de indicações de currículos, a autora afirma que: A listagem clássica de conteúdos como base das propostas curriculares tem sido desprestigiada em relação à aprendizagem por situações-problema, significativas para a vida do aluno, em que competências e habilidades diversas devem ser acionadas/desenvolvidas. (MENDONÇA, 2006b, p. 1720). No caso específico das docentes que compõem os sujeitos da presente pesquisa, não podemos afirmar que elas desprestigiaram a proposta dos parâmetros, principalmente porque elas avaliaram positivamente as contribuições do documento, mas em muitos momentos houve um deslocamento dos objetos de ensino. Esses deslocamentos são claros nas análises feitas acima, quando mostramos as escolhas, mudanças de nomenclaturas, supressões e acréscimo de temas feitos pelas docentes ao se basearem nos temas sugeridos pelos Parâmetros. 84 Depois de termos uma visão dos conteúdos privilegiados pelas docentes, passaremos, na seção a seguir, a analisar como esses conteúdos foram trabalhados em sala de aula. Para cumprir esse objetivo, lançaremos mão dos dados coletados através das entrevistas, das observações, e da análise dos materiais utilizados pelas professoras no período da observação. 85 3.3 Análises das aulas e das entrevistas Nesse tópico, passaremos a analisar qual a concepção de língua e de gramática que norteia a prática das professoras e que relações essas concepções têm com o trabalho com a AL de cada docente. Para tanto, recorremos à descrição, comentários e análises de algumas aulas observadas, bem como à análise dos materiais didáticos utilizados pelas docentes e também das declarações dadas pelas professoras nas entrevistas e conversas espontâneas. Na primeira parte deste capítulo (tópicos 3.1 e 3.2), utilizamos o instrumento da análise documental para analisar a concepção de linguagem defendida pelos Parâmetros para a educação básica do Estado de Pernambuco e o que esse documento propunha como proposta para AL. Além disso, comparamos o que esses parâmetros sugeriam como conteúdos de AL e o que as docentes sistematizaram em seu diário de classe. Esse processo foi importante para tentar compreender alguns mecanismos que explicassem a escolha de determinados conteúdos e também o uso de diferentes nomenclaturas na sistematização no diário de classe. Nesta segunda parte, tópico 3.3, pretendemos fornecer um maior entendimento dos conteúdos de AL realmente trabalhados pelas professoras, os gêneros explorados e como se deu a articulação dos eixos de ensino. Na sequência, passaremos a descrever algumas aulas que nos ajudarão a responder à seguinte pergunta: Como se efetivaria o trabalho com a análise linguística de um professor que toma/ reflete a linguagem a partir de certo posicionamento teórico? Para respondê-la, buscaremos, na descrição das aulas, não necessariamente na ordem que está posta, responder os seguintes questionamentos (categorias de análise): Em que momentos da aula o professor inseriu um trabalho com prática de análise linguística? Que tipos de reflexões os professores fizeram acerca do uso da linguagem? Há uma predominância de reflexões metalinguísticas ou epilinguísticas? Que tipos de atividades (exercícios) os docentes realizaram para trabalhar as reflexões sobre a língua? Buscando relações do eixo de análise linguística com a produção de texto, o professor promoveu o processo de reescrita baseando-se em reflexões linguísticas a partir dos textos dos alunos? 86 As reflexões linguísticas realizadas pelos professores colaboraram para o processo de reconstrução do texto em relação aos aspectos linguísticos ou do conhecimento produzido pelo uso dos gêneros como prática discursiva? No decorrer de um determinado trabalho de análise linguística, que concepção (ões) de linguagem se revelou /revelaram? Para uma melhor organização do texto, em cada tópico, discorreremos, separadamente, sobre cada professora e poderemos em alguns momentos fazer algumas comparações entre elas. O mesmo caminho delimitado para a análise da PA será usado para a PB, salvo alguns pontos divergentes que possam surgir no decorrer da análise dos dados. 3.3.1 A Professora A (PA): Eles perguntaram por que papa-figo e não fígado. Isso também faz parte da análise linguística. (PA) 3.3.1.1 As concepções de língua e de gramática da professora e o como se deu o trabalho com a Análise linguística Ao concebermos AL como uma prática em articulação com a leitura e produção de texto e o uso dos gêneros como objeto de ensino, não poderíamos deixar de analisar se a PA trabalhou na perspectiva dos gêneros, quais foram explorados durante o período da observação e que temáticas de AL foram trabalhadas a partir de determinados gêneros. A tabela abaixo nos dá uma visão global dos gêneros e das temáticas de AL trabalhadas pela Professora A: Gêneros trabalhados pela Temas de análise linguística trabalhados pela Professora A Professora A Lendas urbanas Receita culinária Adjetivos pátrios Pontuação Variedades linguísticas Adjetivos (características físicas e psicológicas) Uso das aspas Pluralização dos adjetivos pátrios Ortografia Verbos no imperativo 87 Letra de música Pontuação Recursos gráficos (uso do negrito) Variedades linguísticas Reflexão entre a linguagem das receitas escritas e da receita no programa de televisão Verbos no imperativo (imperativo afirmativo e imperativo negativo) Tirinha Pontuação Verbos no imperativo Conjugação do verbo SER Quadro 5: Temas de análise linguística e os gêneros trabalhados pela Professora A Anúncio publicitário As aulas da PA foram planejadas em sequências de atividades, organizadas a partir do trabalho com um determinado gênero textual. Na tabela acima, visualizamos cinco gêneros (lendas urbanas, receitas culinárias, letra de música, tirinha e anúncio publicitário). Desses cinco, os dois primeiros foram efetivamente trabalhados em sala, com leitura de vários textos, reflexões sobre a estrutura do gênero e seus propósitos comunicativos. Os gêneros “letra de música” (Anexo 6), “tirinha” (Anexo 9) e “anúncio publicitário” (anexo 9) não foram explorados enquanto foco de análise textual. Foi realizado um trabalho com o texto e não com o gênero. Na verdade, a professora levou uma letra de música para sala e realizou um trabalho de reflexão linguística a partir dos verbos no imperativo que havia no texto. Já a tirinha e o anúncio fizeram parte dos exercícios propostos pelo LD. Para um melhor entendimento das aulas da PA, e com isso analisarmos como se efetivou o seu trabalho com a AL, descreveremos algumas aulas dessa docente, dividindo a descrição por sequências de atividades. Isso só foi possível de ser feito porque a PA organizou suas aulas em sequência a partir do trabalho com um gênero textual. Portanto, no próximo subtópico iniciaremos a análise da sequência com as lendas urbanas. Antes de iniciarmos a descrição e as análises das aulas da PA, apresentaremos abaixo um quadro com uma sucinta caracterização das aulas e uma numeração correspondente àquele dia letivo, com o intuito de orientar o leitor nas análises, principalmente nos momentos que descreveremos os diálogos travados entre a professora e os alunos, descritos no corpo da presente dissertação. Queremos esclarecer que, no caso da PA, cada dia correspondeu a duas aulas, ou seja, a docente tinha seis aulas semanais e cada dia era composto por duas aulas. Neste caso, cada espaço corresponde a um dia com duas aulas. 88 SÍNTESE DOS DIAS DE AULAS OBSERVADOS – PA Número da aula Descrição Leitura e caracterização do gênero “lenda urbana”. Leitura dos 1º DIA textos “O papa-figo” (anexo 1) e “Cumade Fulozinha” (anexo 2). Trabalho com variedades linguísticas. Continuação do trabalho com as lendas e com as variedades 2º DIA linguísticas. Discussão sobre os adjetivos pátrios, ortografia, pontuação e uso das aspas. Ainda a partir do trabalho com as lendas urbanas, a professora desenvolveu uma discussão sobre os adjetivos, plural dos 3º DIA adjetivos pátrios. Momento de produção de texto das lendas dos alunos. 4º DIA 5º DIA 6º DIA 7º DIA 8º DIA Trabalho com a ficha de pontuação (anexo 4). Reescrita da lenda. Durante o processo de reescrita do texto dos alunos, a PA chamou atenção para alguns aspectos linguísticos, tais como: ortografia, uso das aspas, pontuação. Leitura e caracterização de receitas culinárias (anexo 5). Trabalho com verbos no imperativo, variação linguística e ortografia. Trabalho com um vídeo de uma receita culinária televisiva. Comparação entre a linguagem da receita escrita e da receita da TV. Trabalho com a música “Admirável chip novo” (anexo 6) 9º DIA 10º DIA Apresentação formal dos verbos no imperativo a partir de uma atividade do LD. (anexo 7) 11º DIA Sistematização da conjugação dos verbos no imperativo afirmativo, com o auxílio do LD (anexo 7) 12º DIA Trabalho com o imperativo negativo. 13º DIA Avaliação (anexo 8) Quadro 6: Síntese dos dias de aula da PA 89 3.3.1.2 A análise linguística e a sequência de atividade com o gênero lenda urbana Para iniciar o trabalho com o gênero “Lenda Urbana” a professora dividiu os alunos em pequenos grupos e distribuiu para cada equipe uma lenda. Antes dos alunos começarem a leitura dos textos, a docente iniciou o trabalho de caracterização do gênero a partir do conhecimento prévio dos alunos. Após uma breve discussão sobre as características da lenda, cada grupo teve que contar para o restante da turma a história da lenda lida pela equipe. Dessa sequência, vamos destacar a leitura das lendas “Papa figo” (anexo 1) e “Cumade Fulozinha” (Anexo 2). Em relação à primeira, ao serem solicitados que comentassem sobre o texto, os alunos levantaram uma dúvida sobre o significado do título. A partir desse questionamento, a professora iniciou a discussão sobre ortografia e variedades linguísticas. Abaixo segue um pequeno trecho no qual a docente explicou a seus alunos o significado do título da lenda. PA: Papa de comer, figo de fígado. É como a palavra “Bebo”. Se diz “Bêbado” ou “bebo”? A1: Bêbado. Bebo é a língua dos preguiçosos. PA: Ou é o português coloquial? (1º dia) No final dessa aula, a PA, em uma conversa informal com o pesquisador, afirmou, ao se referir sobre os alunos, que: Eles perguntaram por que papa-figo e não fígado. Isso também faz parte da análise linguística. Nesse caso é importante mostrar bem a diferença da variação linguística A fala acima da PA já nos dá um indicativo de que a docente trabalha na perspectiva da AL, usando, inclusive, essa nomenclatura em vários momentos de seu discurso, não tendo como foco – e isso será comprovado em outros momentos das análises – o trabalho como a GT. Voltando à discussão sobre a sequência, como a lenda do papa-figo só foi lida por um pequeno grupo de alunos, não houve um trabalho coletivo sobre os demais aspectos linguísticos que nela poderiam ter sido trabalhados e nem houve um trabalho de leitura para o grande grupo. Em relação ao texto da “Cumade Fulozinha”, o trabalho foi diferenciado. A professora fez uma votação entre os alunos para que eles escolhessem uma das lendas para a realização de leitura e trabalho coletivos e o texto escolhido foi a lenda acima citada. Sendo assim, na aula seguinte, a professora trouxe uma fotocopia para cada aluno e procedeu à leitura da lenda. 90 A partir da leitura desse texto e das perguntas de compreensão textual (anexo 3) da lenda propostas pela professora, foram realizadas várias reflexões linguísticas. Ao se propor as questões 1 e 2, ilustradas abaixo, foi explorado o conhecimento dos adjetivos pátrios que, segundo a professora, fez parte do trabalho com a língua na unidade anterior. 1) Em que parte do Brasil podemos “encontrar” Cumade Fulozinha? 2) Se “Cumade Fulozinha” aparece nesses estados, que brasileiros podem “encontrar” essa assombração? PA: Vocês lembram, antes das férias, que nós estudamos aquelas palavras que usamos para falar das pessoas que nascem em um determinado lugar? A: Sim. PA: Quem nasce no Mato Grosso é? A1: Mato-grossense. PA: Correto. Vocês davam o nome para cada pessoa que nasce em um determinado lugar. Fizemos até uma lista desses nomes no caderno de vocês. Quem nasce em Salvador é? A1: Baiano. PA: Baiano é quem nasce na Bahia, em Salvador se chama? A2: Soteropolitano PA: Muito bem. Voltando à questão da atividade, quem nasce nesses estados é o tipo de pessoa que pode ver Cumade Fulozinha. Quem pode ver a Cumade? PA: Os pernambucanos. PA: E mais quem? A3: Os alagoenses PA. Você acha que é alagoense? Coloque aí, depois a gente vê se é alagoense. A2: E mineiro? PA: Mineiro é de Minas Gerais. (2º dia) Percebemos nesse pequeno trecho da aula que a discussão sobre o uso dos adjetivos pátrios surgiu a partir de uma questão de compreensão de texto elaborada pela professora e foi ampliada com o acréscimo de outros exemplos de uso desses adjetivos. Segundo a fala da professora no trecho acima, o trabalho sobre os adjetivos pátrios fora assunto da unidade anterior e por isso a docente não se propôs a trazer novamente uma lista nem explicações detalhadas sobre o assunto. No final da discussão, a professora retomou o texto e deu sentido àquele debate inserido na aula, quando usou o conhecimento para o melhor entendimento do texto, ou seja, saber explicitar os adjetivos pátrios referentes a quem nasce em Pernambuco e em Alagoas foi fundamental para afirmar quem eram as pessoas que poderiam “ver” a “Cumade Fulozinha”. Outro importante momento, a partir da leitura do texto, foi a discussão sobre a ortografia do nome “Cumade” e o uso das aspas. Ao elaborar as perguntas, a docente escreveu o título da lenda de duas maneiras diferentes (“Cumade Fulozinha” e Comadre Florzinha). Essa dupla grafia provocou dúvidas nos alunos que levantaram o seguinte questionamento: 91 A1: Professora, por que aqui não tem o U e aqui tem O? PA: Porque esta é a maneira como é falado CUMADE e o nome escrito é COMADRE. Quando eu escrevo da forma que se fala, eu uso as aspas, que são esses sinais aqui. (2º dia) Em outras questões da atividade (2 e 5), transcritas abaixo apareceram outras situações de uso das aspas que despertaram dúvida nos alunos. Nessas questões, as aspas foram usadas no verbo “aparecer”, que tinha o seu sentido duvidoso, pois não se sabia realmente se a “Cumade” realmente “aparecia”. 2) Se “Cumade Fulozinha” aparece nesses estados, que brasileiros podem “encontrar” essa assombração? 5) Ainda segundo a lenda, a Comadre Florzinha “aparece” em determinado lugar da cidade do Recife. Cite o local e as pessoas que confirmaram isso. PA: Quem pode comprovar que ela aparece lá em Dois Irmãos? A1: Os trabalhadores de lá. PA: Os trabalhadores de lá. E por que eu coloquei aparece dessa forma? Coloquei esses sinais aqui em cima? (A professora referiu-se às aspas) A1: Porque ela não aparece. PA: Segundo fulana, é porque ela não aparece. Por isso que eu coloquei entre aspas, porque não sabemos se ela aparece mesmo. Na verdade as pessoas veem as ações dela, mas não veem a pessoa. (2º dia) Esses foram os dois momentos nos quais a professora se referiu ao uso das aspas. Não houve uma apresentação formal do tema, no qual a docente explicou as situações em que se usam as aspas, mas apenas os dois momentos descritos acima, quando houve a necessidade de explicar aos alunos o uso desse sinal gráfico, seu nome e a sua importância para a construção de sentido do texto. Cabe também destacar, de acordo com a análise do planejamento da professora no seu diário de classe, que o uso das aspas era um assunto já previsto em seu programa de ensino, ou seja, não foi uma discussão que surgiu aleatoriamente. Também a partir da mesma lenda, a professora realizou um trabalho com os adjetivos. Em vários momentos a docente tentou evitar utilizar a nomenclatura “adjetivos” para se referir à classe gramatical que estava sendo trabalhada. Essa postura foi ratificada, quando na entrevista e nas conversas informais, a PA afirmou que o uso de nomenclatura não era importante para aos alunos que estavam no 6º ano. Sobre esse ponto, podemos citar o trecho no qual a docente, ao debater com o pesquisador sobre o uso de metalinguagem nas aulas, afirmou que: 92 Porque pra eles não interessa saber nem nomenclatura e nem decorar que adjetivo é o que dá qualidade ao substantivo. “Substantivo é o que dá nome aos seres”. Não me interessa. Porque não vai ter funcionalidade. No terceiro ano sim, porque eles pegam questões ainda de ENEM, de Vestibular, de concurso público, que é o que eles almejam, eles ainda têm questões gramaticais. No trecho da aula abaixo, podemos comprovar a postura da professora em tentar evitar o uso da metalinguagem. Somente quase no final do diálogo é que ela explicita o nome da classe gramatical. PA: Como posso descrever a Cumade Fulozinha? A1: Inaudível (Muitos respondem ao mesmo tempo) PA: Pera aí. Morena, cabelos longos. A1: Cabelos longos, negros caídos no meio das costas. A2: ágil. PA: Mas tem uma palavra antes de ágil. A1: caboclinha. PA: caboclinha ágil. A3: Olhos vivos e grandes (...). PA: Olhos bonitos, abertos. OK. Todas essas palavras são características físicas? Aquilo que a gente pode ver? Sim ou não? A1: Sim A2: Não. (...) PA: Como é que a professora de português é psicologicamente? Eu sou boa, sou ruim? A: Boa. PA: Gente, nem todas essas palavras aqui são características físicas. Tem uma que não é característica física. Qual é? A1: Malvada. (a aluna se refere a um adjetivo que não estava no texto) PA: Malvada também é. Mas dessas aqui, qual é? A psicológica é a que a gente não vê. Mas a gente sabe mais ou menos como a pessoa é. A1: Caboclinha ágil. PA: Então isso não vai entrar nessa questão porque aqui só se pede as características físicas. Da pra imaginar como Cumade Fulozinha, ela é? (a professora referia-se à questão 3, que pedia somente as características físicas da personagem) PA: Tem algum outro adjetivo aí pra ela né, outra palavrinha. (3º dia) Após analisar esse trecho da aula, percebemos que, de uma maneira simplificada, a professora traz uma definição para “adjetivos”. Mas, na verdade, a docente partiu de exemplos práticos que levaram os alunos a compreender e reconhecer o uso dessa classe gramatical a partir da leitura da lenda. Somente quase no final do diálogo, ela se referiu ao nome “adjetivos”, na tentativa de deixar o uso da metalinguagem, posterior às reflexões sobre o objeto de estudo (adjetivos). 93 Após todo o trabalho de AL em articulação com o eixo da leitura, passaremos a observar como esse trabalho se deu no eixo de produção textual. Essa maneira de organizar a análise só se tornou viável porque, como já havíamos afirmado anteriormente, o trabalho da PA foi organizado em sequências de atividades, a partir da exploração de um determinado gênero, e conseguimos visualizar claramente os momentos nos quais a docente se dedicou ao trabalho com a leitura e com a produção. Após ter passado pelo momento de leitura, caracterização do gênero e discussões linguísticas, a professora solicitou a escrita de uma lenda urbana. Os alunos, em dupla, tiveram que escolher o tema da lenda e iniciaram a escrita. A docente recolheu os textos produzidos para devida avaliação. A aula seguinte foi dedicada à reescrita das lendas dos alunos. Vamos nos deter nesse ponto, pois foi o momento, durante a produção, que a professora chamou a atenção para alguns aspectos linguísticos que não foram empregados adequadamente nos textos dos alunos, como podemos verificar no trecho da aula abaixo: PA: Verifiquei que em muitos textos não havia pontuação, não tinha vírgula. Eram textos corridos e muitas vezes eu não conseguia entender. Quando eu me referia a minha escrita eu colocava “Comadre Florzinha”. Mas como eu me referia à maneira que as pessoas chamam essa lenda folclórica eu abria aspas e colocava “Cumade fulozinha”. A primeira maneira a gente chama de formal e a segunda que as pessoas falavam a gente chama de coloquial. Se vocês quiserem manter a forma que as pessoas falam, por exemplo, em vez de “olho” falar “oio”, se você quiser que permaneça a maneira como ela fala, você tem que colocar a palavra entre aspas. Como esse texto ele é narrado por vocês, tem que utilizar o português certinho, o formal. Depois que vocês refizerem o texto, vão passar pra essa folha aqui. Nós vamos ver o que vocês têm dúvida. Se a palavra é com Z ou com S, as questões de ortografia, entre outras coisas. (5º dia) Nesse trecho a professora chama atenção para vários aspectos linguísticos que não foram adequadamente empregados pelos alunos nos textos. Ela retoma a discussão do uso das aspas para marcar a ortografia não padrão de uma determinada palavra, fato que já havia sido comentado antes da produção e consequentemente retoma também a temática das variedades linguísticas. Ainda sobre as variedades, a PA explica, de modo bem sucinto, a diferença entre a linguagem formal e a linguagem coloquial. Mas o maior objetivo da docente ao introduzir sua fala é iniciar um trabalho com os sinais de pontuação. Antes dos alunos começarem a reescrever a lenda, a professora entregou uma ficha (anexo 4 ) com o nome dos sinais de pontuação e a sistematização de seus usos. A professora chamou essa atividade de “conversinha sobre pontuação”. Ela foi lendo, juntamente com os 94 alunos, a explicação sobre o uso dos sinais de pontuação. Esse material tratou a temática de maneira bem divertida. As crianças participaram bastante e demonstraram um grande entendimento dos usos da pontuação. Isso pode ser verificado nos momentos em que eles começaram a reescrever os textos, explicitando o porquê do uso de alguns sinais no processo de reescrita. O trecho abaixo demonstra bem como a docente realizou os momentos de reflexão sobre o uso dos sinais de pontuação: PA: eu também uso o ponto final em abreviaturas. O que significa Av.? A1: Avenida. PA: Isso. Aí eu não preciso escrever o nome todo. A gente encontra muito isso naqueles classificados de jornais. E por que vocês acham que se abrevia no jornal? Quando a pessoa quer vender casa ou um apartamento e coloca tudo bem pequenininho. A1: Pra ocupar pouco espaço e ficar mais barato. (5º dia) Sobre o uso da vírgula em apostos e vocativos. PA: Aí tem dizendo assim “para separar aposto”. Vejam só, vocês conhecem o nome do diretor do colégio Estadual X.. Eu você dizer assim: “O diretor do colégio estadual X, José, chamou os pais para uma reunião ontem”. E se eu colocasse assim. “José chamou os pais para uma reunião ontem”. Quem é José? A2: O diretor PA: Agora vocês já sabem. Se eu não tivesse dito que ele era o diretor, vocês saberiam? A: Não PA: Aí eu tinha que explicar quem era ele, né? “José”, aí eu vou fazer o que depois do nome José? A: Vírgula PA: José, diretor da escola estadual X, chamou os pais para uma reunião ontem. Isso aí é esse nome estranho aí chamado de aposto. E o vocativo? O vocativo é esse chamado que damos na frase: “Menino, faz a tarefa”. (5º dia) Sobre o travessão. PA: Nas fábulas que a gente leu, num tinha um sinal que ficava antes da fala dos personagens. Que sinal é esse? A1: Travessão. PA: isso. (5º dia) Além do material utilizado pela professora apresentar os sinais de pontuação de uma maneira atrativa e sempre com exemplos de uso em situações adequadas ao entendimento dos alunos, a docente inseriu as discussões sobre os sinais de pontuação baseadas na perspectiva do uso. Isso ficou muito claro quando ela remeteu a exemplos de enunciados que se usariam um determinado sinal de pontuação e principalmente quando se referiu aos usos em 95 determinados gêneros, como no caso dos classificados – quando se refere ao uso do ponto em abreviaturas – e das fábulas, para exemplificar o uso do travessão. Esse ato de usar a AL para a construção do sentido do texto já tinha sido evidente no trabalho com a leitura da lenda, quando a docente lançou mão da discussão sobre os adjetivos pátrios. Neste momento da produção, a professora usa o gênero para mostrar a funcionalidade do uso dos sinais de pontuação em textos que exemplificaram o uso real desses sinais, inclusive retomando um gênero – a fábula – já trabalhado em momentos anteriores. Vê-se, a partir desse trabalho da professora, que a AL foi usada a serviço da construção de sentido do texto – em sua leitura e produção – a partir da predominância de atividades epilinguísticas (Geraldi 1991, 2003c), pois há uma grande ênfase em se tomar os próprios recursos da língua como objeto de reflexão. Quando afirmamos que há uma “predominância” das atividades epilinguísticas, estamos, consequentemente, afirmando que a professora não se reduziu a esse tipo de atividade. Ao voltarmos ao trecho da aula, percebemos que havia também o uso de uma metalinguagem para auxiliar no entendimento do uso dos sinais de pontuação. Além do próprio nome dos sinais, a docente lançou mão, de uma maneira bem simples, da explicação do conceito de “aposto” e “vocativo”. Julgamos essa postura como extremamente positiva, pois em muitos casos a apropriação de determinadas nomenclaturas se torna fundamental para o entendimento do uso de certos recursos linguísticos. Nesse sentido, concordamos com Bezerra e Reinaldo (2013) quando as autoras afirmam que deve haver um equilíbrio entre as diferentes ações que se fazem com a linguagem (atividades linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas) com o objetivo de garantir ao aprendiz o uso da língua e o saber sobre ela. Somente na aula seguinte, após ter sistematizado o uso dos sinais de pontuação, a professora dividiu os alunos novamente nas mesmas duplas da produção e deu as instruções para que eles realizassem a reescrita do texto e foi sentando um pouco em cada grupo, promovendo momentos de reflexão. Durante os atendimentos aos grupos, a docente foi travando pequenas conversas com os alunos, mostrando-lhes as inadequações que havia em seu texto e explicando qual a melhor forma de levá-los a reescrever determinados enunciados, adequando-os à estrutura do gênero e cumprindo seu propósito comunicativo. Durante esses momentos, a professora levou os alunos a pensarem sobre as melhores estratégias de uso da linguagem, fazendo com que os estudantes usassem os recursos linguísticos como forma de atingirem determinados objetivos a partir do uso da linguagem. Esse processo nos remete à concepção defendida por Marcuschi (2007) na qual a linguagem é 96 vista como evento sociocognitivo e histórico. O autor afirma que “o uso social da língua tem efetivamente um papel relevante na construção do conhecimento” (MARCUSCHI, 2007, p.61). Vemos nesse processo de reescrita promovido pela professora o uso da linguagem como forma de construção do conhecimento através do processo de produção textual. Nesse sentido, a linguagem funciona como meio pelo qual o sujeito, imerso em uma situação de interação, pode pensar, rever, refazer suas ideias (pensamentos) sobre algo que lhe está posto no momento da ação linguística, Marcuschi (2007). Em um dos momentos de reflexão sobre a língua, a docente discutiu com os alunos sobre a ortografia da palavra “peixeira”, como podemos comprovar no trecho abaixo: PA: Vocês sabem por que o nome da faca é Peixeira? A1: Porque mata o peixe. PA: Porque trata o peixe. Como se escreve peixe? A2: P-E-X-E PA: Num tem um I não? A1: P- E- I –X – E PA: É P-E-I-X-E-I-R-A PA: Dessa forma vocês conseguem saber como se escreve algumas palavras, é só pensar de que outra palavra essa palavra vem. (6º dia) Embora não tenha havido um estudo sistemático sobre o processo de formação de palavras nem de regras ortográficas, como houve com os sinais pontuação, os alunos foram levados a pensar sobre as regras ortográficas para a construção de conhecimento sobre o processo de formação de palavras e o uso da ortografia padrão. Para finalizar o trabalho dessa sequência, após a reescrita dos textos dos alunos, a professora fez uma exposição das lendas produzidas e solicitou que os estudantes que desejassem lessem seu texto para o restante da turma. 3.3.1.3 A análise linguística e a sequência de atividade com o gênero receita culinária Essa segunda sequência de atividades se iniciou com a comparação entre uma receita culinária e uma receita médica. A professora mostrou aos alunos uma receita médica e explicou que havia ido ao hospital no dia anterior e que o médico lhe recitara alguns remédios. Ela leu a receita e levantou uma pequena discussão sobre o gênero. Em seguida a PA fez uma comparação entre a receita médica e a receita culinária. Dessa forma, a docente iniciou o processo de caracterização do gênero a partir do conhecimento prévio dos alunos. 97 PA: Na receita culinária tem algo em comum com a receita médica. É que nas duas tem uma ordem. Na do médico ta indicando como tomar o remédio. “tomar o remédio, 500 gramas, 2 comprimidos por dia, de 12 em 12 horas. A1. pode tomar esse comprimido?” A: Não PA: Quem pode tomar esse comprimido? A: A senhora. PA: E a receita culinária? Manda alguém fazer alguma coisa? A: Manda. PA: O quê? A1: Comer. PA: Pra comer tem que preparar. Aqui eu coloquei receita culinária nordestina. Por que nordestina? A: Porque é do nordeste. (7º dia) Após essa pequena conversa sobre a receita culinária, a professora distribuiu a fotocópia (anexo 5) com duas receitas, uma de bolo de milho e outra de arroz doce e realizou a leitura com os alunos. Já durante o processo de leitura do texto, a professora inseriu a prática de AL, ao chamar atenção para algumas palavras que estavam em negrito, conjuntamente com o início das discussões sobre os verbos no imperativo. PA: Vamos lá. Não sei se vocês perceberam, mas no texto de cima, no modo de preparo da receita de cima, eu coloquei umas palavras mais escuras do que as outras. Num foi? Eu só quero que vocês retirem a palavra “mistura”. “Mistura” foi sem querer. Isso aí na tecla do computador se chama “Negrito”. Negrito é pra ficar bem escura. Então pra que serve esse negrito? A1: Pra deixar bem preta. PA: Por que eu deixei bem preta? A2: Porque avisa que aquilo ali é importante. PA: Isso, A2, porque avisa que aquilo ali é importante. Veja que eu deixei em negrito “Preaqueça”, “bata”, “peneire”, “adicione”, “mexa”, “leve”. Isso significa alguma coisa pra vocês? A1: Significa que se fizer alguma coisa errada, vai sair mal feito. PA: Isso na língua portuguesa a gente chama de verbo, né? Não faz uma ação? A gente tá fazendo um monte de ações agora. (A professora ABANA o rosto.) PA:“Abana” aqui é ação, né? (7º dia) Ainda nesse diálogo, a docente retoma o tema das variedades linguísticas trabalhado na sequência anterior ao discutir sobre o uso do verbo “botar”. PA: termina como? Esse “botar” é diferente de “bota” né? Qual a diferença? A2: “Bota” é o que se calça e “botar” é acrescentar. PA: A diferença é o “r”. Mas você sabe por que os três colocaram a palavra “botar” “bota” “bote”? A1: por causa da Língua Portuguesa. 98 PA: por causa da Língua Portuguesa? A2: erro de português. PA: erro de português? E se eu disser que é a região da gente? Se fosse um aluno do sul, pra falar o que vocês estavam falando, eles diriam como? Silêncio PA: Sabem não? “Coloque”, “ponha”. A1: O que é isso? PA: É sinônimo de “botar”. É a mesma coisa que botar. Por exemplo, “Ponha a garrafa aqui no birô”. É o mesmo que eu falar “A3, bota a garrafa no birô”. Vocês percebem que tem uma forçazinha de um pedido. “Preaqueça”, “bata”, “peneire”, “adicione”, “mexa”, “leve”. Lembra aí, A4. Tua mãe pedindo alguma coisa pra você fazer, como é que ela diz? (7º dia) A docente também retoma o trabalho com os sinais de pontuação, estudados na sequência anterior, articulando-o com os verbos no imperativo: A1: “D, mexa o macarrão”. (A professora escreve no quadro sem a vírgula. “D mexa o macarrão”) PA: tem uma coisinha aqui que tá faltando e vocês vão me dizer que a gente estudou na aula passada. A1: A vírgula. PA: E por que falta vírgula? A1: Porque é nome de gente PA: Porque é o chamado. Lembra daquele papelzinho? O nome disso é vocativo. A gente chama: “D, mexa o macarrão”. Eu quero mais um. A2, me diz uma frase que quando te mandam fazer alguma coisa. A2: M, leva o lixo lá pra cima. A3: V, cala a boca. (A professora escreve a frase no quadro e acrescenta o sinal de exclamação. “V, cala a boca!”) E pergunta: PA: Que sinal é esse? A: exclamação. PA: Tudo isso que eu falei “D, mexa o macarrão”, “ A, leve o lixo” é o que gente? A1: é uma exigência. A2: é uma ordem. A3: eu estou mandando. PA: é uma ordem. Isso que vocês viram aqui no modo de preparo não parece também uma ordem? PA: então, gente, isso aqui que a gente tá vendo na receita ... Vocês estão com o texto de “Cumade fulozinha” aí? A: sim. PA: Vocês lembram, tinha algum verbo desse tipo no texto no texto da “cumade fulozinha?” A: não. PA: e por que vocês acham que esse tipo de texto aqui tem palavras desse jeito? A1: porque a gente tem que fazer, então ele ta mandando a gente fazer isso. (7º dia) Esses trechos nos chamam atenção para alguns pontos importantes do trabalho da PA com a AL. Em primeiro lugar, percebemos a preocupação de sempre retomar assuntos explorados em momentos anteriores. Como na sequência com lendas foi retomado o uso dos 99 adjetivos pátrios estudado na unidade anterior, nesta sequência a professora retomou o trabalho com os sinais de pontuação e com as variedades linguísticas. Em segundo lugar, percebemos também a clara intenção de colocar a AL a serviço do gênero em foco. Ao iniciar o trabalho com os verbos no imperativo, a professora teve o objetivo de relacionar o uso desses verbos com o propósito comunicativo do gênero. Isso fica claro quando, no trecho acima, ela relaciona o uso dos verbos que indicam ordem à função da receita e compara com o texto da lenda que foi trabalhado na sequência anterior, gênero – que segundo a docente – tinha propósitos comunicativos e estruturas diferentes da receita, logo, não apresentavam verbos que indicavam ordem. Retomando a descrição da ordem da sequência com o gênero receita, após ter realizado a leitura e as reflexões citadas acima, a professora faz com que os alunos reconheçam nas receitas os verbos no imperativo, conforme trecho abaixo: PA: Sabe o que eu quero que vocês façam? Aí embaixo, onde tem a receita do arroz doce, vocês vão tentar identificar, lá no modo de preparo, as palavrinhas que indicam essas ordens. Encontrem e façam um círculo. O nome dessas palavrinhas aí é o verbo, né? Nós trabalhamos com ordens. E sabe o que a gente vai ver agora? Eu quero que vocês peguem o caderno de vocês. Aí vocês vão pegar a receita do bolo de milho, no modo de preparo e vão colocar as frases na negativa. (7º dia) Essa atividade requereu dos alunos que eles identificassem no texto os verbos no imperativo e passassem esses verbos para a sua forma negativa. A partir dessa atividade já percebemos a intenção da professora em introduzir a discussão sobre a forma negativa do imperativo, que foi posteriormente sistematizada. Após a realização dessa atividade, a professora trouxe para a aula um vídeo de um programa de culinária que também mostrava a receita de um bolo de milho. Antes de passar o vídeo, a docente pediu para que os alunos prestassem atenção ao modo como a apresentadora do programa iria ensinar a fazer a receita e percebessem diferenças entre a receita da TV e a receita lida anteriormente, conforme o comando abaixo dado pela docente: PA: Vocês leram comigo a receita. Vocês lembram que vocês circularam aquelas palavrinhas que davam sentido indicando ordem? Dizendo como vocês têm que fazer... um pedido, uma ordem. Prestem atenção a essa receita aqui que a senhora vai ensinar pra gente de bolo de milho, não é o mesmo bolo de milho. Comparem com a que vocês têm escrita e depois vocês comentam. O que vocês encontraram de semelhança e de diferença. O que tem igual, parecido ou se são totalmente diferentes. Principalmente naquelas palavrinhas que a gente viu na aula passada (referiu-se aos verbos no imperativo). (8º dia) 100 A discussão seguiu após o vídeo: PA: Vocês perceberam alguma diferença de como ela fala e de como está aí no texto de vocês (referindo-se à receita escrita)? Lê, por favor, A1, o modo de preparar do bolo de milho. A1: Primeiro, preaqueça o forno a 200 graus. PA: Preaqueça A1: No liquidificador, bata o milho verde, os ovos... PA: preaqueça, bata (...) PA: é dessa maneira que ela fala as palavras aqui? Ela fala dos ingredientes. Mas como ela agora vai colocando as palavras? Presta atenção. (A professora volta ao vídeo no momento que a apresentadora do programa fala do modo de preparo.) PA: O que ta faltando ela falar aí nessa receita? No texto? Em relação às palavras. A2: preaqueça, mexa, bata, adicione PA: Mas ela fala dessa forma? A: não. PA: e como ela fala? A3: vamos colocar, vamos mexer. PA: Por que vocês acham que ela fala dessa forma e não da maneira do texto? A1: porque ela ta fazendo também. PA: isso, porque ela também ta fazendo, por isso que ela diz “vamos mexer”... no lugar de “misture”, o que ela diz? A4: “vamos misturar”. PA: Então, se ela ta fazendo e a gente também, então somos... A: nós PA: dessa maneira não soa com tanta força de ordem, de pedido, como nós vimos naquelas palavrinhas do texto. (8º dia) Durante o processo de leitura e caracterização do gênero receita, a professora deu sequência ao trabalho com os verbos no imperativo e ampliou a discussão inserindo uma importante reflexão sobre o uso de diferentes linguagens para o mesmo gênero em suportes diferentes. A docente levou os alunos a perceberem que por uma receita ser veiculada através da TV – e com isso a apresentadora se incluir no processo de elaboração do prato – não seria tão adequado o uso dos verbos no imperativo e sim na 1ª pessoa do plural do presente do indicativo (vamos mexer...). Em mais um momento da análise das aulas da PA, percebemos a predominância de atividades epilinguísticas, ao se realizar reflexões sobre o uso da língua nos gêneros textuais. A PA também trouxe para a aula música “Admirável chip novo” da cantora Pit (anexo 6) para exemplificar, através de outro gênero, o uso dos verbos no imperativo. Como dito no início da descrição das aulas da PA, não foi explorado o gênero letra de música, mas o texto foi utilizado para se trabalhar um determinado aspecto linguístico. Sobre esse fato de se escolher um determinado texto para o trabalho em sala de aula, nos chamou a atenção uma declaração dada pela professora ao dizer que escolhia os textos de acordo com o conteúdo gramatical que desejaria trabalhar. Não estamos afirmando que a 101 escolha do gênero variou de acordo com o trabalho com a AL, mas sim a escolha do texto pertencente a determinado gênero. PA: (...) O texto, eu sempre trago o texto, eu sempre procuro trazer o texto de acordo com o conteúdo gramatical que eu quero trabalhar. Às vezes tem texto do mesmo gênero textual, mas o conteúdo dele não ta abrangendo como eu quero, a parte gramatical. (...) Quando eu trouxe a “Cumade Fulôzinha” eu sabia que seria a mais escolhida porque propositalmente eu procurei lendas em que uma seria mais citada porque ta mais da aproximação do ambiente deles. Ta mais parecido com o que eles conhecem, já ouviram falar. Pesquisador: Então você escolhe o texto pelos ... PA: conteúdos gramaticais que eu coloquei pra trabalhar. Na análise linguística, eu vejo o texto que tenha aquilo mais ou menos que eu vá trabalhar. Por exemplo, como “Cumade Fulôzinha” era eivado de adjetivos, então “Cumade Fulôzinha” seria o mais bem contado. No do Papa figo, você lê, relê e você não vai encontrar essa quantidade que eu queria. Porque o que eu queria trabalhar primeiramente em “Cumade Fulôzinha” eram os adjetivos(...) Esse posicionamento da professora nos pareceu bastante interessante, quando percebemos a forte articulação que havia entre os eixos de ensino. A AL estava a serviço da construção de sentidos do texto (gênero) e a escolha do texto estava diretamente ligada aos temas de AL que foram selecionados para serem foco da aula. Isso nos leva a pensar sobre a importância da escolha dos textos que entram na sala de aula. Sabemos que a escolha do gênero é fundamental, principalmente quando se trabalha com sequências de atividades, para o trabalho com os eixos de ensino, mas também reconhecemos a importância da escolha do texto, tanto em relação à adequação temática para o trabalho pedagógico, quanto aos aspectos linguísticos que deles podem ser explorados. Nesse sentido, a PA ratifica essa importância de escolher os textos como forma de facilitar a exploração do trabalho com a AL. Voltando à descrição da sequência com os verbos no imperativo, a professora iniciou um trabalho mais formal de apresentação dessa temática. Esse estudo mais sistemático sobre os verbos foi realizado através do uso do LD. Antes de apresentar as formas dos verbos no imperativo, a docente voltou à discussão sobre o uso desse modo verbal e apresentou sua nomenclatura específica. Ao trabalhar como LD, a professora utilizou a parte da explicação gramatical e alguns exercícios que trabalhavam com o modo imperativo (Anexo 7). PA: Onde tem lá em cima escrito “modo imperativo”. Agora eu to dizendo a palavrinha pra vocês, é “imperativo”. Vocês sabem o que é imperador? Tem imperador aqui no Brasil? O que é imperador? A1: Era o rei. 102 PA: O imperador é o que comandava, que mandava. A2: O Brasil não teve imperador. PA: O Brasil teve sim. A3: é Lula. PA: Antes de ter presidente, o Brasil teve imperador. Teve Dom Pedro I... (A professora lê o anúncio publicitário do livro e pede para que os alunos respondam às perguntas.) PA: O nome disso a gente chama de verbo, esse que dá ordem se chama “imperativo”. Só tem um verbo aí que não indica ordem. Que verbo é esse? (10º dia) Os alunos não conseguiram entender “é” como verbo. PA: Na última frase, onde tem “a revista é toda sua”. Qual é o verbo dessa frase? A1: ligue, pergunte, responda PA: Ele é tão usado por todo mundo. Vocês lembram que quando nós íamos colocar aquelas palavrinhas que davam qualidade, a gente usou muito ele. A: “É” PA: Isso. A professora é... , tu és. Agora esse “é”, vocês estão vendo que ele não está dando ordem. Ele é o único que não dá ordem. Vocês entenderam por que “é” é verbo? Por quê? A: inaudível PA: isso, porque ele ta fazendo a ligação. Entre quem ta fazendo a ação e as palavrinhas que tão dando qualidade, né? É usado quando usamos características. Ex.: Ele é bonito. A1: Eu é, tu é. PA: Eu é? A2: Eu sou. PA: muito bem. (10º dia) A partir desse momento, a professora apresentou formalmente o nome dos verbos e fez uma comparação com o termo “imperador” para explicar o significado do modo verbal em estudo. Também nos pareceu interessante a explicação suscitada pela dúvida dos alunos em relação ao verbo “ser”, materializado na questão da tirinha trazida pelo exercício do LD, através de sua forma conjugada no presente “é”. A dificuldade da identificação, por parte dos alunos, de “é” como verbo provavelmente vem da definição – dada inclusive pela própria PA em momentos anteriores – de que verbo é a palavra que dá ideia de ação. Os estudantes tiveram dificuldade para identificar, como pedia a questão, o único verbo que não expressasse a ideia de ordem. Para resolver essa dúvida, a professora lançou mão da explicação do uso dos adjetivos, quando utilizamos o verbo “ser” como ligação entre o nome e o adjetivo ao qual ele se refere. Na sequência um dos alunos, sem ser solicitado, começa a conjugar o verbo “ser”, mas o faz de maneira inadequada e isso faz com que a professora sentisse a necessidade de sistematizar a conjugação desse verbo no quadro e mostrasse aos alunos a forma padrão de sua conjugação. Segundo depoimento da professora, esse trabalho não havia sido planejado, mas a 103 descrição da conjugação do verbo “ser” se fez necessário ao entendimento de um verbo que – de acordo com as próprias palavras da docente – é tão usado por todos. Na sequência dos trabalhos, a docente, apresentou a conjugação do verbo “escrever” no imperativo afirmativo explicou como se formava a conjugação dos verbos nesse modo verbal. O esquema abaixo foi o resultado das reflexões da professora sobre a formação do imperativo: Presente do indicativo Eu escrevo Tu escreves (s) Ele escreve Nós escrevemos Vós escreveis (s) Eles escrevem Imperativo ------Escreve (tu) Escreva (você) Escrevamos (nós) Escrevei (vós) Escrevam Subjuntivo Que eu escreva Que tu escrevas Que ele escreva Que nós escrevamos Que vós escrevais Que eles escrevam A professora organizou no quadro o esquema acima, explicando a formação dos verbos no imperativo afirmativo. O mesmo procedimento foi feito para explicar a formação do imperativo negativo. Abaixo, trazemos o diálogo que mostra a explicação do imperativo negativo, que se deu de forma muito semelhante ao afirmativo. PA: continuando a atividade de segunda, faltou a gente trabalhar com o imperativo, o quê? A1: negativo. PA: Como é que eu faço o imperativo? Eu preciso de dois tempos, quais são? Quais são os modos que eu preciso dos verbos? Quais os modos? A1: subjuntivo. PA: Subjuntivo é o segundo, qual é o outro? Presente do... A2: do indicativo PA: isso. Presente do indicativo. Vou precisar dos dois né? Também vocês sabem que não tem o “Eu”. Por quê? Quem lembra? A3: Porque eu não posso mandar em mim mesmo. PA: Isso. Por isso que a gente colocou o risquinho nele, num foi? Do indicativo, vocês vão usar duas pessoas. Quais são as pessoas? A1: como assim? PA: Duas pessoas do indicativo, três do subjuntivo. Quais são? A1: como assim? PA: as pessoas que nós vimos, do singular e do plural. A2: O “tu” e “vós”. PA: isso. Esse “tu” e “vós” são de segunda pessoa, né? Um do singular e o outro do... A: plural. PA: plural. E do subjuntivo eu precisei de que pra fazer o imperativo? A1: você, nós. PA: você, nós e vocês. É importante vocês aprenderem o imperativo porque você vão precisar escrever bilhetes com pedidos, com ordens. (11º dia) 104 A professora solicita que os alunos conjuguem o verbo escrever no subjuntivo. Subjuntivo Que eu escreva Que tu escrevas Que ele escreva Que nós escrevamos Que vós escrevais Que eles escrevam Imperativo ----não escrevas não escreva não escrevamos não escrevais não escrevam Ela explica a formação do imperativo negativo a partir do presente do subjuntivo. Os alunos começam a criar frases durante a aula utilizando o subjuntivo: A1:“Isso é para que nós escrevamos.” A2:“Para que ele faça.” P: Qual a diferença entre o imperativo afirmativo e o negativo? A1: é que tem o “não”. PA: isso. No negativo, nós não cancelamos dois “S”. Aqui não muda nada. Aqui fica mais fácil. Mais fácil por quê? A1: Porque é só colocar um não e pronto. (12º dia) Sobre essa aula, um ponto que nos chamou bastante atenção foi a forma com que a professora trabalhou com a AL. A docente apresentou a conjugação do modo imperativo a partir da forma clássica encontrada nas gramáticas e nos livros didáticos, como indicado no esquema descrito acima. Sobre essa postura, a própria docente, em depoimento no final da aula, afirmou que: Qualquer pessoa que visse essa minha aula diria que eu sou uma professora tradicionalista, que trabalho com a gramática tradicional. Mas eu achei fundamental explicar aos meninos a formação do imperativo. Como você viu que tudo se deu numa sequência, você entendeu os motivos que me fizeram fazer isso. E outra coisa, eles primeiro aprenderam a usar os verbos e só depois eu entrei com as nomenclaturas e tudo foi a partir de um gênero. E você viu que eles aprenderam a usar os verbos no subjuntivo, perfeitamente. Lançando um olhar mais amplo, entendemos as razões que levaram a professora a ter tal posicionamento em relação à sistematização da conjugação dos verbos no imperativo. A declaração dada acima pela docente, juntamente com o olhar do pesquisador que já vinha acompanhando o trabalho da professora, levam a entender a prática da docente como extremamente positiva ao desenvolvimento do conhecimento linguístico dos alunos. Outra postura da professora que chamou a atenção foi quando ela justificou, durante a aula descrita acima, a funcionalidade do aprendizado daquelas estruturas linguísticas, 105 afirmando que os alunos iriam necessitar se apropriar das formas no imperativo, pois iriam usá-las para produzir outros gêneros que seriam trabalhados em unidades posteriores. Esse trabalho da professora com os verbos no imperativo remeteu a uma discussão travada na parte da fundamentação teórica da presente dissertação. Na parte citada, discutimos, apoiando-nos em Travaglia (1996, 2006), sobre as concepções de gramática as quais podemos nos referir ao se debater sobre o ensino gramatical na escola. De acordo com esse autor, há basicamente três tipos de gramática, as quais ele denomina de normativa, descritiva e internalizada. Durante o processo de análise das aulas da PA, percebemos que houve uma maior predominância do trabalho com a gramática internalizada, que é aquela que considera que a língua “um conjunto de variedades utilizadas por uma sociedade de acordo com o exigido pela situação de interação comunicativa em que o usuário da língua está engajado” (TRAVAGLIA, 1996, 2006, p. 28). Mas também percebemos, como no caso da última aula sobre o imperativo, a presença do estudo da gramática normativa, quando a professora buscou que seus alunos aprendessem e dominassem o uso das regras de conjugação dos verbos no modo imperativo. Sobre o que foi dito no parágrafo acima, concordamos com Travaglia (1996, 2006), quando o autor afirma que o trabalho com os diferentes tipos de gramática não são excludentes . Sendo assim, tudo vai depender dos objetivos do professor, da realidade e da necessidade da turma, entre outros aspectos. Nesse sentido, percebemos que a PA tinha muita clareza em seus objetivos e sabia onde queria chegar ao realizar o trabalho com a AL. Para assumirmos tal postura, também nos apoiamos em Chartier (2007) e Tardif (2012), autores que trabalham com os conceitos de “coerência pragmática” e de “coerência teórica”. Se buscássemos uma coerência teórica no trabalho da PA com AL, talvez fôssemos levados a concluir que a docente oscilaria entre diferentes concepções de linguagem, de gramática ou até poderíamos dizer que a professora estaria passando por um período de transição na apropriação dos conhecimentos teóricos sobre o processo de ensino de língua. Mas, aos buscarmos uma coerência pragmática no trabalho da docente, entendemos – com o auxílio do próprio discurso da professora – as razões que a fizeram realizar determinado tipo de trabalho. Também é importante recordar o perfil dos professores buscado pela presente pesquisa. Buscamos, como dito no capítulo sobre os procedimentos metodológicos, professores que tivessem uma formação sociointeracionista e não apresentassem um trabalho 106 tradicional em relação ao ensino da gramática normativa, com o objetivo de encontrar indícios que nos revelassem as relações estabelecidas entre as concepções de linguagem e a efetivação do trabalho com a AL. A PA, durante todo o período de observação e da entrevista demonstrou grande conhecimento sobre as teorias mais modernas de ensino, afirmando trabalhar com a AL em articulação com os outros eixos de ensino, além de estar ciente da concepção de linguagem que embasa o ensino da Rede Estadual de Pernambuco, explicitada através dos documentos oficiais que regulam o ensino no estado. A partir das observações das aulas, entrevistas e conversas informais com a docente, concluímos que ela articula bem os saberes docentes – Saberes pedagógicos, disciplinares, curriculares, experienciais – (TARDIF, 2012) e que usa esses conhecimentos a favor do aprendizado de seus alunos, cumprindo com os objetivos propostos para o ensino de língua materna para aquela série. Tratando-se a respeito das atividades para a prática de AL, percebemos que a PA não utilizou exercícios do tipo “fixação” para avaliar o aprendizado dos alunos em relação aos temas de AL por ela trabalhados. O processo avaliativo se deu, na maioria das vezes, através da produção textual, ou seja, o uso das reflexões linguísticas foi avaliado através dos textos produzidos pelos alunos. Somente em dois momentos foram cobrados exercícios que trabalhassem especificamente com a aplicabilidade dos recursos linguísticos. O primeiro foi na atividade do LD sobre os verbos no imperativo, descrito anteriormente, e o segundo momento se deu na prova escrita (anexo 8), realizado no final do bimestre. Nessa avaliação, a docente propôs algumas questões para avaliar os temas trabalhados em sala. Nessa prova, para o tema de pontuação, havia uma questão, ilustrada abaixo, que cobrava a explicitação de uma metalinguagem sobre as regras de uso de alguns sinais de pontuação. Nessa questão foi solicitado que os alunos explicassem os motivos de se terem usados os sinais de pontuação. No trecho “– Você aí, menino, para onde vai essa estrada?” Explique a utilização dos sinais de pontuação: a) Travessão_____________________________________________________________ b) Vírgula_______________________________________________________________ c) Ponto de interrogação____________________________________________________ 107 Havia também três questões que requeriam o conhecimento acerca dos adjetivos. Seguem abaixo duas delas: Há palavras no texto que caracterizam o menino para que o leitor imagine como é seu físico e como está seu comportamento naquele momento da narrativa. Retire, do texto, essas palavras _________________________________________________________________________ As palavras que exprimem qualidades ou características de um ser são denominadas de “adjetivos” na gramática portuguesa. Elabore qualidade(s) ou característica(s) para a personagem do vigário do continho. ___________________________________________________________________ Na primeira, os adjetivos foram conceitualizados como palavras que caracterizavam o menino da história do texto base para a resolução dessas duas questões. Nesse momento, ainda não se havia trazido a nomenclatura “adjetivos”. Já na segunda questão, após os alunos já terem realizado o reconhecimento dessas palavras no texto, foi apresentado o nome da classe gramatical à qual a questão anterior se referia e solicitou-se aos alunos a elaboração de outros adjetivos que pudessem descrever um personagem do texto. Esse movimento pareceu interessante porque a ordem na qual as questões foram organizadas sugeriu que inicialmente os alunos precisavam reconhecer no texto os adjetivos e só após se apropriar de sua nomenclatura. Esse posicionamento da professora, ao organizar as questões, remeteu-nos à ideia de Geraldi (1991, 2003c), quando o autor atribui às atividades epilinguísticas um maior destaque entre as ações com a linguagem e afirma que “para que as atividades metalinguísticas tenham alguma significância, é preciso que as atividades epilinguísticas as tenham antecedido” (GERALDI, 1991, 2003c, p. 192). Essa questão foi finalizada com um comando de uma produção que utilizassem essas palavras. Estamos cientes de que criar algumas características para um personagem de um texto não seria a melhor maneira de avaliar o uso de certo aspecto linguístico em uma produção de texto e esse posicionamento foi justificado pela professora quando afirmou que a prova escrita não buscava avaliar a produção de texto, pois esse eixo já tinha sido avaliado durante a escrita dos gêneros trabalhados durante o período das aulas. O depoimento que se segue confirma o que foi dito acima. Esta avaliação só não está com produção textual porque o trabalho da escrita dessa unidade ficou por conta da produção da lenda urbana. 108 Havia também duas questões que envolviam classificação dos gêneros. Comentaremos apenas uma delas. Além de avaliar habilidades de leitura dos alunos (questão 09), foi cobrado também o conhecimento de um gênero, além do gênero anúncio trazido pela questão, no qual pudéssemos encontrar verbos no imperativo, tema trabalhado na sequência da receita culinária. Leia o aviso abaixo para responder as questões 09 e 10. SE BEBER, NÃO DIRIJA. No aviso, o modo cujo verbo está conjugado é o imperativo negativo. Responda o nome de outro gênero textual no qual podemos encontrar verbos no imperativo. Mais uma vez, observamos a forte articulação entre os eixos de AL e o eixo de leitura. A PA articula, inclusive nas questões da avaliação de aprendizagem, exercícios que exigiam dos alunos reflexões linguísticas voltadas para o entendimento do texto (gênero). 3.3.1.4 Mais algumas considerações sobre as aulas da Professora A Em relação aos momentos nos quais a PA inseriu o trabalho com a AL, concluímos, a partir de uma visão geral das aulas analisadas, que a docente realizou reflexões linguísticas durante o trabalho com os eixos de leitura e de produção de texto. Em relação à produção – como comprovado com o trabalho com a pontuação – houve reflexões antes da produção e um trabalho pós-produção, quando os alunos realizaram, com o auxílio da professora, a reescrita das lendas, a partir das discussões sobre aspectos linguísticos do texto. Acerca da leitura, a professora realizou reflexões em quase todos os momentos do trabalho com esse eixo. Algumas reflexões já eram planejadas pela docente e outras surgiram da interação das dúvidas trazidas pelos alunos. Acerca das atividades com a AL, houve a predominância de atividades epilinguísticas (GERALDI, 1991, 2003c). Isso ficou muito claro nos momentos em que a professora promoveu reflexões nas quais tomou os próprios recursos da língua como objeto de ensino. Por mais que a PA tenha tentado evitar o uso de metalinguagem – esse fato foi confirmado em seu discurso e percebido durante a observação das aulas – o uso da metalinguagem se fez presente e necessário nas aulas dessa docente. Ao se trabalhar o uso da vírgula, foi necessário 109 explicar o que era um aposto e um vocativo, principalmente porque o próprio material selecionado pela professora trazia essas nomenclaturas. Finalizando nossas discussões sobre as aulas da PA e buscando cumprir o objetivo geral do nosso trabalho, buscamos estabelecer as relações que se estabelecem entre a concepção de linguagem assumida pela docente e seu trabalho com a AL. Como já dito anteriormente, a PA assumiu a perspectiva de linguagem como forma de interação, pois declarou seguir as concepções dos Parâmetros para a educação básica do Estado de Pernambuco e essa perspectiva de linguagem também se demonstrou – durante as observações – predominante em seu trabalho com a língua. A partir desse entendimento, concluímos que não identificamos no trabalho da PA uma total linearidade entre a concepção de linguagem assumida e a prática de AL por ela desenvolvida. Na maior parte das aulas observadas, a docente trabalhou a AL na perspectiva do uso, da enunciação, mas em um momento com o trabalho com os verbos no imperativo, ela lançou mão da GT para sistematizar o uso desses verbos. Na verdade, compreender a língua como forma de interação não exclui o trabalho com a GT. Essa visão é um equívoco que muitos professores e teóricos fazem sobre a prática de AL. Não podemos afirmar e esperar que um professor que assuma uma determinada perspectiva em relação à linguagem realize um trabalho que esteja sempre articulado com determinadas filiações teóricas. Essa maneira de se entender as relações entre posicionamento teórico em relação à concepção de linguagem e o trabalho com o ensino, já estava posta nos Parâmetros para a educação básica do Estado de Pernambuco, cabendo aqui trazer novamente a discussão, quando esse documento afirma que Ao se assumir uma compreensão da língua, potencialmente, como ação e interação, não se está ignorando seu caráter sistêmico, indissociável de qualquer proposta de estudo da língua. Nesse documento, defende-se que o conhecimento das regularidades sistêmicas da língua seja alvo de análise e reflexão. No entanto, o foco numa concepção interacionista da linguagem indica um maior interesse na compreensão do funcionamento da língua do que no conhecimento do código linguístico. (PERNAMBUCO, 2012, p. 20). Quando falamos em ensino, estamos entrando em um campo do saber muito plural, em que muitas variáveis entram em cena para compor o cenário educativo. E nesse cenário, muitos fatores influenciam a prática do professor: sua própria formação, as condições de trabalho, as necessidades de aprendizagem dos alunos, entre outros muitos. Neste sentido, não 110 podemos esperar que apenas a teoria seja o único tipo de conhecimento que deva embasar a prática do professor. 3.3.2 A Professora B (PB): “‘Pratrasmente’”, como diz em Saramandaia, ele pode saber o uso pra usar, mas daqui pra frente ele tem que saber o nome.” (PB) Passaremos a partir dessa seção a analisar as aulas e a entrevista da PB. Essa docente foi observada em seu trabalho com uma turma de 9º ano, último ano do ensino fundamental, no 3º bimestre de 2013. Como procedemos com as análises feitas da PA, analisaremos como a PB realizou seu trabalho com a AL, respondendo às mesmas perguntas de pesquisa e seguindo os mesmos pontos propostos no tópico 3.3. 3.3.2.1 As concepções de língua e de gramática da professora e o como se deu o trabalho com a Análise Linguística. Semelhantemente ao que fizemos com a PA, iniciaremos as análises das aulas da PB discutindo como se estabeleceram as relações entre a AL e o trabalho com os gêneros textuais. Diferentemente da PA, a PB não organizou, durante o período de observação, seus trabalhos em sequências de atividades e nem trabalhou na perspectiva dos gêneros textuais. Na verdade, a PB trabalhou com inúmeros textos, como poderemos comprovar na sequência das análises e através dos anexos que estão na parte final da dissertação, mas não explorou os gêneros como “entidades sociodiscursivas e formas de ação social.” (MARCUSCHI, 2005, p. 19). Sobre essa discussão de se trabalhar com gêneros e se trabalhar com textos, Santos, Mendonça e Cavalcante (2007) nos esclarecem que levar um gênero textual para a sala de aula ou até uma diversidade deles, não significa trabalhá-los enquanto gêneros. Para as autoras, para se trabalhar com os gêneros na sala de aula é preciso trabalhar, de fato, com essa diversidade. Abordar efetivamente os gêneros textuais naquilo que têm de específico supõe conhecer o que os 111 distingue uns do outros, isto é, as suas características. (SANTOS; MENDONÇA; CAVALCANTI, 2007, p. 30). No caso da PB, não observamos um trabalho com o que os gêneros têm de específico, mas sim havia somente a presença do texto na sala de aula, ou para se trabalhar aspectos de interpretação de sua temática ou, na maioria das vezes, para a exploração de aspectos linguísticos. Diante disso, não temos como dividir as análises da PB em sequências de atividades, como foi feito com a PA, pois não conseguimos visualizar momentos que demarcassem o início ou término de um trabalho baseado em uma sequência ou em um determinado conteúdo de AL. Muitos temas de AL se misturaram no decorrer das aulas, chegando o mesmo tema a ser trabalhado no início e no final do período da observação. Para iniciarmos as análise e organizar as ideias acerca do trabalho da docente, elaboramos a tabela abaixo, fazendo uma relação entre os textos trabalhados pela PB e os assuntos de AL que, a partir deles, foram propostos. Queremos deixar claro que em muitos momentos do trabalho com o texto a PB informava aos alunos o nome do gênero a ser trabalhado e, em alguns casos, como veremos na sequência, ela levantava pequenas discussões sobre suas características, mas nem sempre pautava as discussões com a AL a partir do seu estudo de determinado gênero. Na tabela abaixo, colocamos o título do texto e a qual gênero ele pertence. Adotamos a classificação dos gêneros proposta pela PB. Textos Temas de análise linguística trabalhados pela Professora B Artigo de opinião: “Cidadão Brasileiro” Letra de música: “Tente outra vez” Piada: “A galinha” Crônica: Atitude suspeita Tipologia textual Plural do substantivo Pontuação Artigos Pronomes Conotação e denotação Texto em prosa e texto em verso Verbos no imperativo Funções da linguagem Eu lírico Semântica Coesão textual: Pronomes e o uso de sinônimos para evitar repetição Pronomes: demonstrativos, pessoais, 112 Crônica: simplicidade possessivos e demonstrativos Pronomes: demonstrativos, pessoais, possessivos e demonstrativos Quadro 7: Temas de análise linguística e os textos trabalhados pela professora B Além desses cinco textos, a PB utilizou outros. Preferimos não colocá-los nesse quadro por se tratar de textos – e alguns não passaram de sentenças isoladas apresentadas em slides – que apenas serviram para explicitar o uso de algum aspecto linguístico ou para servir de proposta de reescrita para a adequação do uso dos pronomes. Na tentativa de facilitar a análise e a obtenção de resultados mais claros para atingirmos os nossos objetivos, dividiremos a exposição das análises em duas partes. A primeira compreenderá o trabalho com os dois primeiros textos da tabela acima e a segunda com os três últimos e mais as análises de pequenos textos e sentenças utilizados pela PB. Essa divisão nos pareceu mais pertinente porque a segunda parte proposta para as análises gira em torno de um mesmo assunto (os pronomes) e dessa forma ficará mais fácil manusear os dados e levantarmos algumas considerações sobre a prática da professora. É importante frisar também que inseriremos, juntamente com as análises, algumas declarações dadas na entrevista e nas conversas informais para tentarmos explicar com mais clareza alguns posicionamentos da docente. Além da tabela apresentada acima, com os textos e os conteúdos de AL trabalhados pela PB, apresentamos abaixo uma tabela com a organização dos dias das aulas da PB, com o intuito de facilitar a leitura durante as análises que virão na sequência deste tópico. No caso da PB, suas aulas estavam divididas em dois dias na semana e cada dia a docente ministrava 3 aulas geminadas. Nesse sentida, cada dia de aula descrito abaixo corresponderá a três aulas. SÍNTESE DOS DIAS DE AULAS OBSERVADOS – PROFESSORA A Número da aula Descrição Leitura do texto “Cidadão Brasileiro” (anexo 9). Exploração de 1º DIA questões de interpretação textual (anexo 10). Trabalho com Tipologia textual, plural do substantivo e pontuação. Exploração de questões de interpretação textual (anexo 11). 2º DIA Trabalho com os artigos e com pronomes. Leitura da letra da música “tente outra vez”, com algumas questões de interpretação do texto.(anexo 12). Trabalho com 3º DIA Conotação e denotação, texto em prosa e texto em verso, verbos no imperativo, revisão de funções da linguagem, Eu 113 lírico e semântica. Produção de cartazes com mensagens de otimismo. 4º DIA 5º DIA Leitura do texto “A galinha”, de Millor Fernandes (anexo 14). Trabalho com coesão textual. Leitura da crônica “atitude suspeita” (anexo 14). Leitura da a crônica “Simplicidade” de Luís Fernando Veríssimo (anexo 18). Trabalho com os pronomes demonstrativos (anexo 17). 6º DIA 7º DIA Exercícios do livro didático (anexo 16 e 19) Quadro 8: Síntese dos dias de aula da PB 3.3.2.2. Primeira parte das aulas da PB Essa primeira parte se iniciou com a volta do segundo semestre letivo do ano de 2013. Nesse dia, a PB levou para sala um pequeno texto (anexo 9) cujo título era “Cidadão Brasileiro” para, a partir dele, suscitar um debate sobre a questão da cidadania – muito comum à época, devido ao grande número de protestos que estavam ocorrendo em nosso país – e para realizar algumas reflexões sobre aspectos linguísticos do texto. Durante a leitura do texto, a docente chamou a atenção para a palavra “cidadão”, que fazia parte do título, e levantou o questionamento sobre o seu plural: PB: Qual o plural de cidadão? A: Cidadões PB: É Cidadões o plural de cidadão? A1: Acho que sim PB: A2, Você concorda com A1, é Cidadões? A3, o plural de cidadão é Cidadões? Vejam só, o plural dessa palavra é uma das dúvidas que é comum na cabeça de todo mundo. O plural de cidadão não é Cidadões, é Cidadãos. (1º dia) Não houve uma aula específica sobre plural dos substantivos, nem uma sistematização formal, com apresentação de listas e regras, somente foi colocado em pauta o plural da palavra “cidadão”, que era parte do título do texto. A postura de chamar a atenção dos alunos para o plural da palavra “cidadão” nos pareceu bastante interessante, pois sabemos que esse plural, apesar de ser muito usado, causa grande dúvida entre as pessoas, inclusive entre falantes com certo grau de escolaridade e até entre personalidades públicas. Segundo a própria docente, conforme afirmação ao 114 pesquisador, os alunos precisam conhecer a escrita padrão de algumas palavras para poder usá-las com adequação. Esse ponto também nos remeteu a outra declaração dada pela PB durante a entrevista, ao ser questionada sobre o ensino da norma padrão: PB: Estudar a norma padrão, que eu acho que a escola tem que ensinar a norma padrão, porque é a tarefa da escola. Não significa que as aulas de língua portuguesa sejam aulas de norma padrão. Eu acho a aula de Língua Portuguesa é aula de Língua Portuguesa. Compondo todas as variações. Agora, e, levando esses meninos, principalmente de 9º ano, a perceber que essa norma padrão, você tem contextos que você vai precisar usar. Aí você vai ter que aprender, dominá-la. Ter competência pra fazer uso dela nas situações que você vai ser cobrado socialmente. Além da discussão promovida a partir da leitura coletiva do texto, a PB trabalhou com diversos temas de AL, conforme podemos visualizar na tabela acima, a partir de inúmeras perguntas de compreensão textual (anexos 10 e 11). Para esse trabalho, foram elaboradas onze questões. Dessas onze, cinco exploraram questões sobre a temática do texto, uma tratava sobre tipologia textual, duas sobre pontuação, duas sobre os pronomes e uma sobre os artigos. Sobre as tipologias textuais, houve, logo após a leitura silenciosa dos alunos, uma pequena discussão: PB: Esse textozinho aqui vocês acham que é um texto que dá uma opinião, é um texto que narra uma história? É um poema? A1: poema não PB: Não é poema. E é o quê? A1: Narra uma história. PB: Narra uma história? Se narra uma história, qual a história que ele narrou? Tem personagens essa história? A1: Tem. O cidadão. PB: O cidadão aqui é um personagem? O que é que o cidadão fez? E aí? Não é um poema, hein? A2: Não é um poema, é tipo um... PB: É um texto de opinião? Aqui tem alguém dando uma opinião? A1: Não. PB: Tem não? É um texto narrativo? A2: Não PB: Se é um comentário e eu estou falando sobre a chegada do Papa, um comentário meu, não é uma opinião minha? A: é PB: Esse texto aqui eu não posso dizer que é um texto de opinião? A: Pode (1º dia) Nesse trecho percebemos a clara intenção da PB em levantar uma discussão sobre a tipologia do texto trabalhado. Ela fez a pergunta e saiu dando possibilidades de respostas aos alunos. Não houve uma explicação formal sobre as tipologias, apenas se chegou à conclusão de que o texto em análise era um texto que trazia a opinião do autor. Segundo a professora, 115 essa discussão não é típica do 9º ano, não havendo a necessidade de uma explicação mais formal sobre o assunto, já que o trabalho com essa temática fazia parte de séries anteriores. Como constatamos, no tópico 3.2.2, a discussão sobre as tipologias não estava descrita no planejamento da PB, mas mesmo assim ela resolveu levantar esse debate, pois lhe pareceu importante. Após essa discussão inicial sobre as tipologias, a docente passou a explorar as questões de interpretação textual propostas. Comentaremos, a seguir, apenas as questões que envolvem algum tipo de reflexão linguística, mas não nos deteremos às questões que exploraram a temática do texto. A partir de uma das questões de pontuação, a docente explicou o uso da vírgula com função enumerativa: PB: Quero que vocês observem no texto o uso da vírgula e que vocês observem também para que ele utilizou os parênteses. A1 lê a questão de compreensão: Copie a parte do texto que enumera alguns direitos do cidadão e explique com que função a vírgula foi utilizada? PB: O que é enumerar? A1: Dar números. PB: Não. Se eu disser assim: “A1, enumere aí suas qualidades”. O que você vai fazer? A2: Falar que ele é bonito... PB: Colocar, expor as qualidades, né isso? Enumere aí o nome dos seus irmãos. Aí você vai fazer uma lista com o nome deles. (1º dia) A professora copia as seguintes frases no quadro: 1. Gabriel tem vários irmãos, como: João, José, Fábio e Maria. 2. A escola é boa porque tem professores, merenda, livros, biblioteca e laboratórios. PB: Vejam só esses dois exemplos aqui. A vírgula foi utilizada com a mesma função que o autor utilizou a vírgula no texto. Veja só aqui: “Gabriel tem vários irmãos, como: João,(vírgula) José, (vírgula) Fábio e Maria”. Veja que eu fiz aqui a enumeração do nome dos irmãos de Gabriel. A1: Se não tivesse vírgula ia ficar um nome só. PB: Pois é. Se não tivesse colocado vírgula não tinha como saber quantos irmãos eram. Olha o segundo exemplo: “A escola é boa porque tem professores, (vírgula) merenda, (vírgula) livros, (vírgula) biblioteca e laboratórios”. A vírgula aqui foi utilizada com a mesma função. Aqui eu enumerei o que a escola tem. Aí no texto, quando ele (referindo-se ao autor) separou com vírgulas, ele separou o quê? A2: os direitos. PB: Os direitos. Ele ai fez uma enumeração dos direitos, num foi? Ele ai citou quais são esses direitos. Então, se a gente pergunta “explique com que função a vírgula foi utilizada”. Qual vai ser a resposta? A1: ele separou... PB: A vírgula foi utilizada para? A2: Para separar os direitos. PB: separar os direitos que foram... Que foram o quê? A1: Enumerados. (1º dia) 116 A partir da questão, a professora explicou o uso da vírgula para enumerar termos, deu outros exemplos e voltou ao texto para comprovar esse uso. No trecho da aula acima, também percebemos a intenção de mostrar aos alunos a importância que o uso da pontuação tem, no caso específico da vírgula, para a construção do sentido do texto. Isso ficou claro quando a docente conduziu os alunos a pensarem na alteração do sentido da sentença em análise caso as vírgulas não fossem usadas adequadamente. Após responder a essa questão, a PB solicitou um produção, na qual os alunos usassem a vírgula com a função anteriormente citada. Abaixo segue o comando da professora: PB: Eu quero que vocês criem uma frase que utilize a vírgula com função de enumeração. Elaborem pra mim um pequena frase, como eu elaborei aqui, quando a vírgula vai ser utilizada para enumerar itens. Você pode enumerar as coisas que você tem, você pode enumerar as qualidades que você tem, você pode enumerar as coisas que você quer comprar, você pode enumerar os sonhos que você quer realizar, você pode fazer uma enumeração do que você quiser. (1º dia) Conforme comando acima, a docente solicitou a produção de uma frase para exemplificar o uso da vírgula com função enumerativa, não recorrendo à produção de um gênero que exemplificasse o uso do aspecto linguístico em questão. Percebemos que não houve nenhum propósito comunicativo na produção dessa frase. Neste caso, a produção foi um pretexto para o uso de um determinado aspecto linguístico. Em outra questão, também sobre pontuação, a PB explorou, além do uso da vírgula, o uso dos parênteses e do travessão. A professora pediu para que os alunos reescrevessem a frase, transcrita abaixo, eliminando o uso dos parênteses, substituindo-os por outros sinais de pontuação. 1. ... Ter acesso aos serviços públicos (por exemplo, hospitais e escolas), organizar-se ... PB: Peguem aí o texto, por favor. No texto, no segundo período, onde ele faz a enumeração dos direitos. Aí ele diz assim ó. “Entre os seus direitos, estão votar nos governantes, que fazem as leis, ter acesso aos serviços públicos”. Aí nessa hora que ele fala dos serviços públicos, ele abre um parêntese aí coloca: “por exemplo, hospitais e escolas”. Ele coloca dois exemplos de serviço público, né isso? Quando ele para pra dar esses exemplos ele usa um sinal aqui é exatamente os parênteses. Como ele deu essa parada, ai ele botou parênteses. Aí o que é que eu quero que vocês pensem aqui. Que outro sinal a gente poderia usar pra também fazer essa parada? A1: ponto PB: Ponto? Se eu fosse colocar um ponto aqui eu teria que tirar esses outros direitos aqui. Se eu fosse colocar esse ponto aqui, esses exemplos seriam de outras coisas. Alguém sugere outro sinal, outra pontuação que a gente pode utilizar sem ser esses parênteses? Ponto não pode. A1. Pode ser esse aqui? (A aluna coloca no quadro as aspas.) PB: As aspas aqui, não ficariam muito legal. A1: Aquele... 117 PB: Qual? Mostra aí. (A aluna coloca colchetes no quadro) PB: Pensem melhor. Eu vou colocar aqui e vocês veem. (A professora reescreve as frases no quadro e em seguida discute o que foi feito.) PB: Eu tirei os parênteses e coloquei o quê? Que sinal é esse que eu usei? A1: Um travessão PB: Isso. Eu usei o travessão para detalhar, para dar exemplos de serviços públicos. Ao invés dos parênteses eu usei travessão. O travessão aqui vai ter a mesma função dos parênteses. Veja que ele dá uma quebra na continuidade do texto para que ele pudesse dar exemplos de que serviços públicos ele tava falando. (1º dia) Além da dificuldade de utilizar os sinais de pontuação, a professora percebeu, através da discussão transcrita acima, que alguns alunos tiveram problemas para reconhecer e dar nome aos sinais de pontuação e por isso ela solicitou que os estudantes realizassem uma pesquisa sobre o nome e os usos desses sinais, conforme comando abaixo: PB: anotem ai. Eu quero uma pesquisa sobre sinais de pontuação. Em qualquer gramática da biblioteca. (1º dia) Os alunos foram à biblioteca da escola e pesquisaram em livros didáticos e em gramáticas o nome dos sinais de pontuação e exemplos de seus usos, conforme solicitação da professora. Ainda falando sobre o fato de solicitar o nome dos sinais de pontuação, perguntamos à docente, enquanto os alunos realizavam a pesquisa, se essa atividade estava programada. Abaixo segue o diálogo: PESQUISADOR: Esse assunto de pontuação, ele já estava planejado ou surgiu a partir das necessidades dos alunos? PB: Pra mim, acentuação e pontuação têm que estar o tempo todo. Apareceu, aí entra. Eles não sabiam os nomes, aí tem que trabalhar. PESQUISADOR: Então, essa atividade de pesquisar o nome foi porque eles não sabiam. PB: Porque se não fizesse, eles iam continuar sem saber. Aí se aparecer de novo, aí vão lembrar. PESQUISADOR: Às vezes, é necessário essa questão de conhecer os nomes? PB: É, é. Esses três pontinhos, só um menino sabia. Eles estão na oitava e vão para o primeiro. Eles têm que saber o nome. Aqui, “pratrasmente”, como diz em Saramandaia, ele pode saber o uso pra usar, mas daqui pra frente ele tem que saber o nome. PESQUISADOR: Um trabalho como esse talvez não seria julgado como tradicional? PB: É. Mas é aquela história das necessidades. Eu preciso, ele precisa. Quando observamos o planejamento da PB, percebemos a presença da temática da pontuação. Mas, pelo que observamos através do discurso da docente, transcrito acima, ela 118 não havia pensado em sistematizar o nome dos sinais de pontuação. Ao perceber a dificuldade dos alunos em nominar os sinais, ela propôs um trabalho de pesquisa sobre esses nomes e declarou ao pesquisador que sentiu a necessidade de adotar tal postura. No discurso dela também percebemos que, ao ser questionada sobre o caráter tradicional dessa atividade de pesquisa, a docente não se sentiu pressionada a seguir uma tendência e não temeu ser tachada como tradicionalista. Essa declaração dada pela PB remete ao discurso de Travaglia (1996, 2006) quando o autor, ao discutir sobre o ensino gramatical na escola, afirma que o trabalho com algum tipo de gramática ou a escolha de determinado assunto e enfoque dado a ele dependerá muito dos objetivos do professor e da necessidade dos alunos. Também parece interessante retomar uma discussão levantada quando analisamos os Parâmetros para a educação básica do Estado de Pernambuco. Nesse documento há um tópico que discute a relação dos conteúdos de AL com as séries. Nesses parâmetros se defende a ideia de que já nos anos finais do ensino fundamental, que corresponde ao caso dos alunos da PB, as discussões linguísticas podem ser ampliadas e pode haver a necessidade de uma maior sistematização de algumas categorias gramaticais e certas nomenclaturas. Seguindo essa tendência, e atendendo às necessidades dos alunos, a PB levou em consideração a necessidade que os docentes tinham em conhecer o nome dos sinais de pontuação para poderem compreender futuras reflexões linguísticas, inclusive o fato de os estudantes estarem prestes a ingressar no ensino médio. Para isso, ela lançou mão de um trabalho também dedicado ao estudo da metalinguagem sobre os sinais de pontuação e justificou, no seu discurso, que além de saber utilizar os sinais, os alunos precisavam conhecer o nome deles para a realização de futuros trabalhos. Após o trabalho com os sinais de pontuação, a PB voltou a explorar o texto “o cidadão brasileiro”, através de mais um bloco de perguntas de compreensão textual (anexo 11). Em uma dessas perguntas foi solicitada aos alunos a explicação da diferença do emprego do artigo definido “O” e do indefinido “UM”. Para promover a explicação da diferença entre os dois artigos, a docente copiou no quadro o seguinte esquema: ARTIGO: palavra que antecede o substantivo, definindo-o ou indefinindo-o Os artigos classificam-se em: DEFINIDOS: o, a, os, as, quando definem o substantivo, indicando que se trata de um ser conhecido entre vários ou que já foi mencionado antes. INDEFINIDOS: um, uma, uma, umas, quando indefinem o substantivo, indicando um ser qualquer entre vários e ao qual ainda não se fez referência. 119 Houve uma sistematização formal sobre os artigos, contendo sua definição e classificação. Após esse trabalho, os alunos conseguiram responder à questão que solicitava o conhecimento desse tópico gramatical. Essa explicação mais formal ajudou os alunos a compreenderem o sentido do uso do artigo definido e do indefinido utilizados no texto. No caso desse momento da aula, observamos que a docente tentou, inicialmente, levantar uma reflexão sobre o uso dos artigos, mas, ao sentir a necessidade, ela introduziu o uso da metalinguagem para levar os alunos a desenvolverem reflexões sobre o uso dos artigos. Nesse sentido, podemos afirmar que a metalinguagem foi importante para levar os alunos a construírem uma reflexão sobre a classe gramatical estudada. Esse movimento sugere um caminho inverso ao proposto por Geraldi (1991, 2003c) quando o autor afirma que “para que as atividades metalinguísticas tenham alguma significância, é preciso que as atividades epilinguísticas as tenham antecedido” (GERALDI, 1991, 2003, p. 192). Percebemos, nesse exemplo da aula, que a atividades metalinguísticas também podem, dependendo da situação, ter uma importância ao preceder uma reflexão epilinguística, inclusive sendo fundamental para o desenvolvimento da reflexão sobre o objeto de estudo. Sobre as questões que se referiam aos pronomes, não houve nenhuma discussão específica, somente foram respondidas as duas questões que tratavam sobre essa temática, sem nenhuma exploração mais específica, apesar da professora ter usado, nos enunciados das questões, nomenclaturas específicas de classificação dos pronomes (pronome possessivo e pronome relativo). Passaremos agora a analisar o trabalho de AL a partir do segundo texto (anexo 12). A professora entregou aos alunos a ficha com a letra da música “tente outra vez”, com algumas questões de interpretação do texto. A letra foi lida e discutida coletivamente e logo em seguida os alunos iniciaram o trabalho com as questões. Enquanto os alunos expuseram suas dúvidas sobre cada questão, a professora foi-lhes explicando e exemplificando cada temática. A todo, a atividade era composta por cinco questões, sendo duas voltadas à interpretação do sentido do texto: uma fazia referência à definição de Eu lírico, outra, ao sentido conotativo de alguns versos retirados da letra da música, e a última era referente às funções da linguagem. Iremos nos deter à análise de algumas questões e às discussões travadas ao redor delas, através da transcrição de alguns diálogos travados em sala de aula e, ao final, faremos alguns comentários. Sobre a questão que tratava sobre o Eu lírico, trazemos o trecho abaixo para análise e discussão. 120 A1: Professora, o que é o Eu lírico? PB: Eu lírico né? Na poesia, sempre tem alguém falando na poesia. Esse ser que fala na poesia é o Eu lírico. Veja só, tem aqui duas questões, a questão 1 e a questão 2, que envolvem o texto, sobre a mensagem do texto. A primeira diz assim: “a letra dessa canção nos transmite um conselho”. Veja que a todo o momento ele tá nos aconselhando: “faça”, “beba”, “tente” “levante”. O tempo todo ele aconselhando a gente a fazer alguma coisa. Aí a pergunta é: “O que o Eu lírico insiste em nos dizer”? O que é o eu lírico? Se o texto fosse uma fábula, um conto, um romance, a gente teria a presença de um narrador. Alguém que ta narrando aquela história, narrando aquele episódio. Aqui, não é uma narrativa. Aqui eu tenho um texto, em versos, um poema ou a letra de uma música. Mas eu tenho alguém aqui que tá mandando ou aconselhando, num tem? Esse ser, essa pessoa, que ta aqui dizendo “veja”, “beba” é um indivíduo, mas não é um indivíduo real, não é um indivíduo físico, é um indivíduo que a gente chama de Eu lírico. Aquele que fala no poema. E aquele que fala no poema pra nós. Entendido? Então a pergunta é, “O que esse eu lírico insiste em nos dizer?” O que ele quer que a gente faça? (3º dia) Durante a leitura e exploração do texto “Tente outra vez” e a partir do enunciado de uma das questões que solicitava a interpretação de alguns versos, surgiu a discussão sobre o significado da palavra “verso”. A partir dessa dúvida, a professora inseriu uma discussão sobre as definições de texto em prosa e texto em verso. PB: O que é um texto escrito em verso e o que é um texto escrito em prosa? Hein, gente? Esse texto ai foi escrito em verso ou em prosa? A: Em verso PB: cada linha é um verso. E o que é um texto escrito em prosa? A2: É um texto completo. PB: É um texto completo prosa é? A1: Não PB: E o que é um texto completo? Se eu pedir pra vocês escreverem aqui sobre a opinião de vocês sobre o preconceito. Quando vocês vão escrever essas opiniões, vocês vão escrever usando prosa ou usando versos? A: Prosa. PB: Prosa. E o que escrever em prosa? A1: É escrever normalmente. PB: E o que é escrever normalmente? A2: É escrever o que eu estou pensando. PB: Mas se eu quiser fazer um poema, eu posso colocar no poema também o que eu estou pensando, só que vai ser em verso, não vai ser em prosa. Gente, o texto em prosa é aquele: Sistematiza no quadro: PROSA – texto escrito em parágrafos A1: Nada a ver professora, porque aqui tem um bocado de parágrafo também. PB: Olha só, o texto em verso, cada linha é um verso e cada conjunto de versos é o quê? Vamos contar quantos versos têm esse texto. Quantos versos tem o texto? A: Seis PB: Seis versos? Não. Cada verso está presente em uma linha. Cada linha do texto é um verso. Então quantos versos eu tenho? Fora o título, porque o título não seria um verso. Os alunos contam os versos do texto. A: 23 PB: Agora veja só, presta atenção. O conjunto de versos, separados um do outro, a gente dá o nome de ESTROFE. Então quantas estrofes a gente tem aí? A: Seis. (3º dia) 121 Sobre os verbos no imperativo PB: É normal nas estrofes aparecer verbos que mandam fazer, veja na primeira estrofe, “veja”; na segunda estrofe, “beba”; na terceira, tente; aí no quinto, “Queira”; ainda no quinto, tem assim ó: “Vai”; e no último tem “tente”, “tente”. Esses verbos são verbos que a gente nomina de verbos no imperativo. Verbos no imperativo são aqueles que mandam, que ordenam, que aconselham “faça”, “vá”. Veja que a letra dessa música... é como se ela tivesse aconselhando a gente. “veja isso”, “beba”, “tente”. E principalmente na última estrofe: “tente outra vez. Tente”. Aconselhando a gente a não perder a esperança, a sempre tentar, a nunca desistir dos sonhos. (3º dia) Sobre as funções da linguagem PB: A questão 5 envolve o que a gente viu lá na segunda unidade, a função da linguagem. Aí tem que olhar lá no caderno pra ver. Esse texto, esse gênero, que é letra de música, qual é a função de linguagem que tem presente? Tem duas funções aqui presentes nesse texto, basicamente duas. Pelo fato de ser um poema, qual é a função? E pelo fato de aparecer esses verbos “beba”, “tente”, “queira”, qual é a outra função? Vou colocar no quadro lembrando as funções, ta? PB: Poética, tem função poética aí porque é em versos. Há um trabalho com as palavras. Uma das funções da linguagem que predomina nesse texto é a função poética. A função poética é aquela que o autor tem o trabalho de escolher palavras, combinar, fazer rimas. Geralmente texto em verso tem função poética. Agora, qual é a outra função? Veja só, veja que eu destaquei aqui. Eu tenho “veja”, “beba”, “tente”, são verbos no imperativo, aconselhando, mandando o outro fazer alguma coisa. A presença desses verbos indica o que pra gente? Qual é a outra função presente nesse texto? Dá uma olhadinha na anotação pra ver se vocês acham. Quem tiver com o livro, esse assunto de funções da linguagem também tá no livro. Quem lembra da propaganda da C&A? Como é? Abuse... A: e use. PB: Ta mandando. Veja só. Uma das características de uma função que tá aqui, que a gente identifica no texto, é a presença de verbos no imperativo. “Abuse e use” é o slogan da C&A. “Vem pra caixa você também, vem!”. “Compre batom”. “Beba Coca-cola”. Veja que, são slogans, são textos publicitários, que estão mandando o consumidor consumir aquele produto. O texto publicitário, o texto da propaganda tem muitos verbos no imperativo e isso é característica pra gente identificar a função da linguagem apelativa/conativa, que é aquela que está o tempo todo chamando o outro, o interlocutor, mandando, aconselhando. (...) PB: Aqui, predominantemente a gente tem duas funções, que é a função poética, porque é um texto escrito em versos, não é um texto escrito em prosa, e apelativa porque tem a presença dos verbos no imperativo aconselhando, mandando fazer, né isso? (...) (3º dia) Sobre conotação e denotação PB: A terceira questão fala de denotação e conotação, quem lembra? A1: Eu me lembro. PB: A1, o que é conotativo? A1: É o texto direto. PB: Conotativo? É o direto? O que é uma palavra no sentido denotativo? A1: Ah! É aquela palavra que diz assim: “Meu coração arder de fogo de amor”. PB: Isso é denotativo é? Eu vou dar uma dica pra vocês. A dica é pra lembrar qual é o sentido figurado e qual é o sentido real. A2: Figurado é aquele que não existe. PB: E qual é? Denotativo ou conotativo? Conotação começa com C. Denotação começa com D. Dicionário começa com quê? 122 A: D PB: Quando a gente abre um dicionário, a gente vai encontrar o sentido denotativo ou conotativo da palavra? A: Denotativo PB: Então, denotação é o sentido real. Sentido conotativo é o sentido figurado. Aí vamos ver a questão 3 como é que fica. A questão é bem simples: “interprete o sentido conotativo desses versos”. Se ele já ta dizendo que o sentido é conotativo, significa o quê? Se eu digo assim: “A1 é uma pessoa que falta um parafuso na cabeça.” A palavra “parafuso” aí, está no sentido conotativo ou denotativo? A: conotativo PB: conotativo. Porque não é um parafuso de ferro de verdade. (3º dia) Como parte final da sequência de aulas descrita, a PB solicitou que os alunos produzissem cartazes que contivessem mensagens de esperança e de otimismo, baseando-se na letra da música. Os alunos produziram os cartazes e os colaram nas paredes da sala de aula. Essa atividade de produção dos cartazes foi mais uma produção de texto sem estar ligada a uma sequência de atividades baseada no trabalho de exploração de algum gênero. Durante a produção desses cartazes, a professora realizou momentos de reflexões linguísticas a partir da escrita dos textos dos alunos, escrito em uma folha de caderno, que na sequência foram transcritos para os cartazes. Dentre essas reflexões, a PB chamou a atenção, na maioria das vezes, para os aspectos ligados à ortografia e à pontuação e também levantou uma pequena discussão sobre o tamanho do texto que deveria ser escrito no cartaz, afirmando que nesse gênero não se deveria colocar textos longos e que o tamanho das letras deveria ser grande para chamar a atenção dos leitores. Observamos que, as reflexões linguísticas exploradas pela PB, com exceção da pontuação, não estavam ligadas aos temas de AL que foram trabalhadas no período que antecedeu a produção dos cartazes, ou seja, não havia um planejamento de se avaliar os aspectos linguísticos a partir da produção dos alunos. Além do que foi dito acima, sobre a produção e reescrita dos cartazes dos alunos, ao chegarmos ao final da descrição da primeira parte das aulas da PB, podemos levantar algumas considerações. Observamos através da descrição do trabalho com esses dois textos, que a PB promoveu as reflexões linguísticas, em quase todos os momentos, através das questões propostas pela exploração da leitura do texto. O trabalho com os dois textos se iniciou a partir da leitura e a maioria das reflexões linguísticas foi desencadeada através das questões de interpretação textual. Para auxiliar na resolução das questões, a docente procedia à sistematização formal de um conteúdo ou uma explicação menos sistemática, ou seja, cada questão desencadeava uma discussão. Essa postura pode ser exemplificada a partir das 123 discussões travadas acima sobre conotação e denotação e sobre texto em prosa e texto em versos. Sobre os verbos no imperativo, observamos que, diferentemente da PA – que realizou um trabalho mais sistemático com esse modo verbal e organizou a sequência baseada no gênero receita culinária – A PB não sistematizou o uso desses verbos e partiu da letra de uma música, sem fazer uma relação mais explícita entre o uso do imperativo e o propósito comunicativo do gênero. Pareceu-nos, na realidade, que trabalho com os verbos no imperativo estava atrelado à temática das funções da linguagem, mais especificamente com a função conativa. A partir do que foi dito acima, concluímos que os conteúdos de AL trabalhados pela PB foram propostos através do eixo de leitura, principalmente a partir da exploração de questões de interpretação. Em relação ao eixo de produção, percebemos que não houve momentos de produção de texto que explorassem o uso dos aspectos linguísticos trabalhados durante as aulas. Podemos até nos referir à produção final dos cartazes, mas afirmamos que não houve uma preparação para a produção desse gênero e as reflexões promovidas pela reescrita do texto não estavam relacionadas às temáticas de AL trabalhadas pela docente. Sobre as frases para exemplificar o uso da vírgula com função enumerativa, como afirmamos anteriormente, essa produção não exigiu dos alunos a criação de uma situação discursiva na qual eles tivessem um motivo para escrever. Somente houve a produção de frases sem articulação com nada e sem nenhum propósito comunicativo. Tudo não passou de uma produção como pretexto para utilizar a vírgula na função estudada. 3.3.2.3 Segunda parte das aulas da PB Os trabalhos dessa segunda parte foram iniciados a partir da leitura e exploração do texto “A galinha”, de Millor Fernandes (anexo 14). A PB leu o texto com os alunos e o classificou como uma piada. Após a leitura, a docente deu início às reflexões linguísticas, pautadas no processo de coesão textual, como podemos comprovar a partir do trecho abaixo: PB: Tem algo que poderia melhorar? Não se importem com o conteúdo. A1: Ficou muito galinha. PB: Esse texto poderia ser escrito sem tanta galinha? A2: É tanta galinha que eu me perdi. PB: Pois agora eu quero que vocês reescrevam esse texto, substituindo a palavra “galinha” por outra palavra. Eu quero só que essa “galinha” fique. (a professora fez referência à primeira 124 palavra “galinha” do texto). Vocês podem substituir por outra palavra, retirar do texto, contanto que o texto fique bom. Eu vou circular aquelas “galinhas” que eu quero que vocês, ou substituam ou retirem do texto. Galinha pode ser chamada de quê? A1: de ave PB: de ave. Pode ser chamada mais de quê? Se está na feira, ela é um... A2: produto. PB: isso. Que mais? Eu posso usar um pronome? A1: Pode PB: Que pronome eu posso substituir galinha? Um pronome possessivo, “dele” ou “dela”? Um pronome pessoal, “ela”? Tem que ter cuidado porque já foi usado “ela” pra se referir à senhora. Se eu colocar outro “ela” aqui pode confundir a senhora com a galinha. (4º dia) A partir da leitura e analise desse trecho e principalmente da frase “Não se importem com o conteúdo”, percebemos que o foco da aula não foi a leitura ou exploração de algo relacionado à temática do texto nem dos aspectos do gênero. O que, na verdade, a professora pretendeu foi iniciar o trabalho com coesão textual, especialmente o estudo dos pronomes. Para realizar essa tarefa, a docente chamou atenção dos alunos sobre a repetição do termo “galinha” e solicitou que os estudantes reescrevessem o texto, conforme o comando acima, substituindo o termo em questão por ouras palavras ou pronomes. Antes de os alunos iniciarem a reescrita do texto, a PB levantou uma pequena discussão sobre o gênero do texto. Ela justificou, conforme trecho abaixo, a repetição do termo “galinha” como uma estratégia discursiva do autor para provocar o riso do leitor. PB: O texto da galinha é uma piada. E por que vocês acham que ele repetiu tanto o nome galinha e não usou pronomes? Em que momento da narrativa dessa piada o nome “galinha” se repete tanto? A1: Quando a mulher está analisando a galinha. PB: Quando a gente lê um texto muito repetitivo, o que ele causa na gente? A2: cansaço PB: cansaço, né? O texto repetitivo é um texto lento, né? O autor, quando repetiu tanto a palavra galinha, fez com que essa parte do texto ficasse lenta. O exame que a mulher fez na galinha foi tão minucioso que até a narrativa ficou lenta. É uma construção estilística. Agora, se eu for escrever uma carta para alguém, essa repetição, estilisticamente, não vai ter função nenhuma. (4º dia) Os alunos realizaram a tarefa de reescrita do texto e a docente solicitou que dois deles copiassem suas versões no quadro para expor ao restante da turma. A PB levantou uma discussão sobre as estratégias de uso dos pronomes e de palavras que substituíram o termo “galinha”, empregados pelos alunos nos textos reescritos. Ao discutir sobre as possibilidades de troca da palavra galinha, a professora fez referências aos pronomes pessoais, partindo do uso do pronome “ela”. 125 PB: O “ela” é um pronome. Qual foi a função do pronome ai? O pronome “ela” teve que função ai? A1: ficou no lugar do nome. PB: então o pronome substituiu o nome. Aqui A1 utilizou a palavra “ave” para substituir galinha, mas ave também num pode substituir passarinho? A: Pode. PB: Peru. Ave aqui, a gente diz que é uma palavra de sentido geral, Por quê? A gente chama ela de hiperônimo. A1: Hiperônimo? PB: Por que ave aqui é chamada de hiperônimo? Porque ave pode substituir galinha, passarinho, peru... PB: “suas”, como é o nome desses pronomes? Que diz que pertence a elas? Quem lembra? É um pronome que indica posse, é um pronome possessivo. Animal também é um hiperônimo, porque eu posso substituir galinha, homem, macaco. Quando A1 substituiu “galinha” pelo termo “suas”, esse “suas” aqui fez uma ligação, fez uma referência à palavra “galinha” que tava em cima, né isso? Quando A2 chamou “galinha” de “dela”, também fez uma referência a “galinha”, a mesma coisa com a palavra “produto”. Então esses elementos aqui “produto”, “dela”, “suas”, são elementos do texto que a gente diz que fazem coesão. O que é coesão? É a união no texto. Esses elementos todos se juntaram para se referir a “galinha” e dar união ao texto. (4º dia) A partir dos textos reescritos pelos alunos, a docente foi analisando as possíveis estratégias de uso dos pronomes e foi fazendo as relações de referenciação entre esses termos e a palavra “galinha” do texto. Em vários momentos a docente lançou mão do uso da metalinguagem para classificar os tipos de pronomes (pessoal, possessivo), além de falar sobre o uso dos hiperônimos. Após realizar essa atividade, a PB recorre à explicação do LD (anexo 14) para a realização de um estudo mais sistemático sobre o uso dos elementos de coesão, como foco nos pronomes. Nesse material, havia o exemplo de um pequeno trecho de um texto no qual se usara o pronome “isto” como elemento de referência ao conteúdo que havia sido citado anteriormente. A PB partiu da leitura deste trecho, ilustrado abaixo, para dar início à explicação mais formal, partindo do LD, sobre os pronomes. (BORGATTO, Ana; BERTIN, Terezinha; MARCHEZI, Vera, 2009 b, p. 166) Após esse exemplo, a atividade do LD propôs a leitura de uma crônica (anexos 14 e 15). Como atividade de exploração do texto, o LD propunha algumas questões de compreensão textual, bem como questões de exploração do uso dos pronomes. Mas a PB só pediu para que os alunos respondessem às questões referentes ao uso dos pronomes (questões 126 2, 6, 7, 8, 9). Essa postura de escolher apenas as questões de exploração do uso dos pronomes demonstra, mais uma vez, qual era o foco do trabalho da docente. Seu olhar estava direcionado aos aspectos linguísticos do texto, mais especificamente ao uso dos pronomes e por isso as questões de compreensão que exploravam as características do gênero crônica foram deixadas de lado. Já durante a leitura da crônica, A PB foi chamando a atenção para algumas palavras que estabeleciam relações de referenciação e também foi destacando alguns pronomes que havia no texto. Não observamos uma leitura crítica do texto, nem um momento de discussão sobre o papel comunicativo do gênero crônica. Era claro o objetivo de focar a atenção da leitura nos aspectos coesivos do texto, quando a docente a todo o momento a interrompia para mostrar as relações coesivas que se estabeleciam entre as palavras e a função dos pronomes no texto. Antes da primeira questão que explorava o uso dos pronomes, havia um pequeno quadro apresentando algumas funções sobre essa classe gramatical e os relacionava ao processo coesivo do texto: (BORGATTO, Ana; BERTIN, Terezinha; MARCHEZI, Vera, 2009 b, p. 168) Após a leitura desse pequeno quadro, a PB solicitou que os alunos respondessem às questões sobre os pronomes (anexo 16). Essas questões exploraram o entendimento do processo de referenciação que se estabeleciam no texto, bem como o conhecimento de substituição de uma palavra por outra. Dentre essas questões, havia uma que trazia a nomenclatura dos “pronomes demonstrativos”. Nesse caso, o LD propôs um pequeno quadro, ilustrado abaixo, que trouxe algum tipo de informação sobre esse tipo de pronome. (BORGATTO, Ana; BERTIN, Terezinha; MARCHEZI, Vera, 2009 b, p. 168) 127 Após a realização dessa atividade, a PB utilizou-se da explicação gramatical do LD (anexo 17) para sistematizar as regras de uso dos pronomes demonstrativos. No quadro apresentado pelo LD, havia a explicação do uso dos pronomes acima citados, com referência ao espaço e ao tempo, a explicação de suas funções, bem como exemplos de uso. A PB procedeu à leitura do quadro e foi explicando a partir dos exemplos trazidos pelo LD. Como sequência do trabalho com os pronomes demonstrativos, a PB trouxe a crônica “Simplicidade” de Luis Fernando Veríssimo (anexo 18). Após a realização da leitura, a PB deu início à exploração do uso dos pronomes demonstrativos no texto, conforme trecho de aula abaixo: PB: Vejam aí, no terceiro parágrafo. Tem vários pronomes demonstrativos. Eu quero que vocês destaquem esses pronomes e me digam a quem eles fazem referência. Por exemplo, na linha 3, tem o pronome “aquilo”. Que “aquilo” é esse? Nós vimos ontem, quando lemos o outro texto, que os pronomes estavam se referindo a algo do texto. O “ele” se referia a “cidadão suspeito”, o “eles" “aos agentes”. Só que eu quero que vocês vejam que esses pronomes relativos que aparecem aqui neste texto se referem a nada do texto. Esse “isso” aqui tá se referindo a quê? A1: A lavar as mãos. PB: Esse “esta” é outro pronome demonstrativo. Tá se referindo a que esse “esta”? A2: À desculpa dele. PB: Esses dois pronomes da tirinha estão se referindo a algo do texto. Já nesse texto o “aquilo” e o “isso” se referem a algo que não está no texto. Na última linha do texto nós temos outros dois pronomes. “Sonhar é o melhor de tudo e muito melhor do que nada”. A pergunta é: A que “tudo” ele se refere e a que “nada” ele se refere? A1: A isso tudo que ele falou. PB: Isso tudo o quê? A2: Ir ao cinema, ficar em silêncio, caminhar. PB: Esse tudo ter a ver com as ações simples ou com as novidades que ele acha graça? (5º dia) Mais uma vez, a PB trouxe para a sala um texto para trabalhar seus aspectos linguísticos, mais especificamente o uso dos pronomes demonstrativos. Não houve reflexões sobre o texto nem sobre o propósito comunicativo do gênero. O olhar da docente estava direcionado aos aspectos textuais que ela queria explorar. No caso desse texto, observamos que a PB explorou os pronomes demonstrativos que havia nele com o propósito de chamar a atenção para a função desses pronomes, porque eles fazem referência a elementos externos ao texto. A docente comparou a crônica “Simplicidade” com outra crônica “Atitude suspeita”, levando os alunos a pensarem sobre a utilização dos elementos coesivos que faziam referência a contextos externos ao texto. 128 Além do texto “Simplicidade”, a PB utilizou uma tirinha do LD (anexo 19) para a exploração de duas questões que requeriam a habilidade de reconhecimento dos elementos de referenciação do texto. Nesse momento, a PB encerrou, durante o período de observação, a exploração de matérias do LD e iniciou o trabalho com pequenos textos e trechos de frases, com o objetivo de continuar a trabalhar com os aspectos de coesão textual. Como houve um longo trabalho com vários textos (textos ou sequência de frases), apresentados com o auxílio de equipamento de data show, e o trabalho como todos eles se deu de maneira muito semelhante, escolheremos apenas dois desses materiais para proceder às análises e discussão sobre o trabalho da docente. Abaixo trazemos um desses materiais que nos chamou a atenção: A professora retoma a discussão sobre o uso dos pronomes e apresenta o slide acima, com o objetivo de fazer os alunos atentarem para a importância do uso dos pronomes a fim de dar coesão ao texto. PB: Esse “elas” da frase 2 faz referência a alguém que ainda será citado. Então, o pronome pode fazer referência a alguém que já foi citado ou alguém que ainda será citado. Esse “suas” tá fazendo referência a quê? É “suas”, de quem? A1: Das oito dezenas de mulheres. PB: Vejam só: aqui eu tenho um pronome pessoal fazendo referência a “oito dezenas de mulheres” e um pronome possessivo também fazendo referência a “oito dezenas de mulheres”. Se não fosse a coesão, se não fosse o uso que eu faço desses pronomes pra evitar a repetição, a gente teria o texto assim: “oito dezenas de mulheres resolveram falar. 129 Quebrando o muro de silêncio, oito dezenas de mulheres decidiram contar como aconteceu o fato que marcou as vida de oito dezenas de mulheres.”. Repetitivo, igual a aquele texto da galinha. Só que no texto da galinha as repetições foram intencionais. O autor ali tinha um propósito. Uma propaganda, uma propaganda de rádio, por exemplo, se eu quero vender galinha, o meu texto eu tenho que repetir “galinha, galinha, galinha”. Ou se eu quero que os consumidores decorem o nome do produto, eu repito bem muito o nome do produto. Por quê? Porque eu quero que os consumidores memorizem o nome do produto. Se o texto repetitivo ou não, isso não interessa, porque o mais importante é vender galinha. (6º dia) Semelhantemente ao trabalho que vinha sendo feito anteriormente, a PB tomou o texto como fonte de exploração dos aspectos linguísticos voltados ao processo de coesão. A docente chamou a atenção dos alunos para a função dos pronomes, afirmando que essa classe gramatical pode fazer referência a algo que ainda poderá vir anunciado no texto, ampliando as discussões sobre o processo de referenciação. Chamou-nos atenção o nível de discussão, em relação aos aspectos coesivos, que a PB travou com seus alunos. Ela ampliou muitas discussões clássicas trazidas pelos LD e propôs reflexões mais amplas sobre o uso dos pronomes. No trabalho com o texto “Simplicidade”, a docente trouxe uma discussão sobre o processo de referenciação de elementos externos ao texto, chamando a atenção para a característica dos pronomes, que não necessariamente se limitam a fazer referência a aspectos ou termos internos ao texto. No trecho acima, a partir da exploração das sentenças, a PB também ampliou a ideia – comummente difundida na escola e nos livros didáticos – de que o pronome é a palavra que substitui o nome, mostrando que muitas vezes ele pode apresentar uma função de anunciar algo que ainda será dito na sequência e que tudo vai depender da intenção do autor ao construir o texto. Um segundo material que queremos fazer referência é o texto transcrito abaixo. 130 Para esse trabalho, a PB apresentou o texto acima, mostrou aos alunos o excesso da repetição da palavra “São Paulo” e pediu para que os estudantes reescrevessem apenas o terceiro parágrafo, fazendo as devidas substituições. Não houve um trabalho com os aspectos relacionados ao gênero, somente foram focalizados, semelhantemente ao que vinha sendo feito anteriormente, os aspectos voltados à coesão do texto. Chegando ao fim da descrição da segunda parte das aulas da PB, podemos levantar algumas conclusões e hipóteses acerca do trabalho dessa docente com a AL. De início, um ponto que nos chamou bastante atenção foi a grande dedicação dessa docente aos aspectos voltados aos recursos da textualidade. A segunda parte da descrição das aulas da PB foi dedicada aos aspectos ligados à coesão textual, com foco nos estudos dos pronomes e no uso das palavras hiperônimas. Também na primeira parte, quando olhamos o encaminhamento que a PB deu aos conteúdos trabalhados, observamos que muitos desses assuntos também estavam voltados para a construção do texto. Como exemplo dessa afirmação, podemos citar o estudo da pontuação. Ao trabalhar essa temática, a professora demonstrou grande preocupação com o uso dos sinais de pontuação para a construção do sentido do texto. A discussão desse assunto girou em torno do processo de coesão textual promovido pelo uso adequado dos sinais de pontuação. 131 Esse foco nos aspectos da textualidade já havia sido percebido no discurso da professora, quando na entrevista, em vários momentos, ela destacou esse ponto como fundamental em suas aulas, como podemos comprovar nos trechos abaixo: PESQUISADOR: Que tipos de conteúdos você seleciona para o trabalho com a Análise linguística? PB: Basicamente os dois princípios linguísticos: coesão e coerência. Na discussão de coesão, referencial e sequencial, eu introduzo, no 9º ano, aquelas discussões sobre subordinadas e coordenadas, introduzo essa discussão a partir de coesão. Para eles compreenderem a construção textual, a partir das unidades, dos conectivos... Além da resposta dada acima a uma pergunta específica do pesquisador sobre os aspectos da seleção dos conteúdos de AL, em muitos momentos, sem ser diretamente questionada sobre tal ponto, a PB citou o processo de referenciação em seu discurso, deixando claro o espaço que esse aspecto de estudo da língua teria em suas aulas. O trecho transcrito abaixo ilustra bem essa afirmação. PESQUISADOR: Que tipos de atividades você usa para que os alunos aprendam sobre as reflexões linguísticas que foram enfocadas durante a aula? Bem, por exemplo, eu to lendo um texto, e ai eu tenho um elemento lá que faz uma referência, e digamos que faz uma referência, é... desqualificando o seu referente, então eu pontuo: “Olha esse ‘ele’ aqui” ou então “olha esse ‘desgraçado’ aqui. O que esse ‘desgraçado’? voltando pro seu referente, o que é que tá...”? Então eu tento na leitura que... porque assim, é... você ta lendo um texto com os meninos, ou você foca mais no conteúdo, no tema, né, ou você parte pra estudar o texto como ele é montado, como ele foi organizado. Então, no momento em que eu vou discutir com meus alunos como o texto foi montado, como esse texto foi organizado, ai eu estou revendo alguns elementos de análise linguística que nós trabalhamos. É porque assim, claro que dá pra trabalhar os dois juntos. Eu discuti o tema, o assunto foi bulying aqui, mas de que forma o assunto bulying ele foi referenciado pel autor? Digamos que tenha sido uma narrativa. Esse “mal”... Aí eu tento, é, tento trabalhar o conteúdo que tá ali posto, fazendo com que eles compreendam o que está dito e que eles possam expor as experiências deles a partir daquele tema. E às vezes mostrando esses elementos que compõem o texto e que foram utilizados pelo seu autor na tessitura. Observamos nesse pequeno trecho da entrevista a importância que a docente deu ao processo de referenciação, principalmente se levarmos em conta quantas vezes ela utilizou termos que remetessem a esse processo. Para ela, trabalhar AL é em grande parte trabalhar com os elementos que contribuem para a “montagem” do texto. Ao falarmos em AL, também nos chamou a atenção a diferenciação que a PB fez, em seu discurso, de AL e GT. 132 PESQUISADOR: Qual o seu objetivo em trabalhar a Análise linguística? Qual a importância que esse trabalho tem no quadro geral da aula de Língua Portuguesa? PB: Veja só, eu não coloco, como alguns colocam, que a análise linguística tá substituindo a gramática, eu acho que as duas são coisas distintas. Pra mim, por exemplo, pra garantir a boa compreensão de um texto, o aluno tem que compreender como ele é estruturado, e pra mim a análise linguística vai dar essa visão. De como o texto ele é estruturado, ele é montado, ele é...né? A coesão dele como se dá. Eu acho que a análise linguística vai garantir isso. Os elementos que estão ali postos, que são necessários ali para dar esse corpo de texto. Então pra mim, para que ele possa compreender melhor o texto, a análise linguística tem que ta perto. Para que ele possa produzir um bom texto, ele tem que compreender esses elementos que compõem, compõem (ênfase), que são necessários a um bom texto. Pra mim análise linguística é isso. A partir dos depoimentos acima e da análise das aulas da PB, observamos que ela apresenta uma visão de AL muito ligada aos princípios da Linguística Textual. Conforme o depoimento acima, a docente vê a AL como uma atividade pedagógica que visa ao estudo da estrutura do texto, instrumento que garante a leitura e a produção de textos com coesão, e consequentemente com coerência. Não encontramos no discurso da PB nem em suas aulas a predominância do trabalho com a GT. Em alguns momentos, como nos casos do estudo dos pronomes demonstrativos e dos artigos, a docente lançou mão de explicitação de conteúdos na forma como são veiculados da GT, mas esse não era o foco de suas aulas. Houve, neste sentido, uma coexistência de estudos gramaticais voltados para a GT e estudos mais voltados para a área da textualidade. Esse processo, mais uma vez, exemplifica o que Travaglia (1996, 2006) afirma em relação à possibilidade de uma coexistência do trabalho com diferentes tipos de gramática na sala de aula. Sobre os momentos nos quais a PB inseriu um trabalho com prática de AL, podemos afirmar que esses momentos se deram a partir do eixo da leitura, mais especificamente com a exploração de questões que propuseram e demandaram algumas reflexões e sistematizações de aspectos linguísticos. Em relação à produção, quase não observamos momentos em que o trabalho com esse eixo de ensino demandou algum tipo de reflexão. Na verdade, observamos que o trabalho da PB com a AL não visava à produção de texto e sim estava voltado ao eixo de leitura. Essa postura remete ao trabalho de Bezerra e Reinaldo (2013), quando as autoras propõem uma discussão entre a articulação da prática de AL e o eixo de leitura, propondo “uma análise linguística voltada para o estudo do funcionamento linguístico-textual e enunciativo do gênero” (BEZERRA; REINALDO, 2013, p. 67). Mas, no caso da PB, não 133 observamos, na maioria das vezes, uma articulação da AL com a exploração das características dos gêneros. Em relação ao trabalho com a AL a partir do texto dos alunos, só observamos um momento em que esse fato se deu. Ao solicitar a produção de cartazes, a PB, ao auxiliar a escrita dos estudantes, foi levantando algumas reflexões sobre a escrita dos textos, levando os alunos a refletirem sobre o processo de escrita. Mas, como afirmamos anteriormente, as reflexões propostas pela docente, com exceção da pontuação, não estavam no planejamento e nem foram alvo de reflexões anteriores à produção. Sobre as ações que se fazem sobre a linguagem e as ações da linguagem, ao observarmos as aulas da PB, concluímos que, durante esse período, houve reflexões metalinguísticas e epilinguísticas. O uso da metalinguagem foi muito recorrente quando a professora apresentou as definições dos pronomes e dos artigos. Também destacamos que as partes do LD utilizadas pela professora durante o período de observação apresentaram o uso da metalinguagem, principalmente nas reflexões sobre o processo coesivo e nos estudos tradicionais sobre os pronomes demonstrativos. Também, em muitos momentos, observamos o trabalho com as reflexões epilinguísticas, quando a PB tomou os recursos da própria língua para a construção de reflexões sobre o uso, principalmente relacionados ao eixo da leitura. Na verdade, também observamos uma forte preocupação em relacionar o uso dos recursos linguísticos voltados à produção textual. Esse processo era claro quando a PB chamava atenção dos alunos para a importância do uso da pontuação e dos elementos coesivos para a construção textual, mas a docente não concretizava o trabalho com algum tipo de produção que exigisse o emprego desses recursos linguísticos na escrita de um gênero, ou seja, a docente relacionava a AL com a produção de texto, mas não concretizou um trabalho que articulasse esses dois eixos. Ainda sobre a articulação da AL com a produção de texto, também observamos que a PB não conseguiu efetivar uma articulação entre esses dois eixos. Esse fato pode ser um indício de que a docente tinha mais familiaridade com o trabalho com a leitura e por isso houve uma maior articulação entre esse último eixo e a AL. Ao falarmos sobre a provável facilidade que a PB tinha em relação ao trabalho com o eixo de leitura, pareceu-nos importante destacar a boa seleção de textos que a docente fez durante o período de observação. Embora não tenha explorado a leitura na perspectiva dos gêneros, a PB levou para sala uma grande diversidade de textos que apresentavam uma ótima 134 qualidade e que chamava sempre a atenção dos alunos para a leitura, Entretanto, ela não desenvolveu atividades visando à exploração dos sentidos presentes nos textos. Observamos no trabalho da PB uma grande importância oferecida ao eixo de AL. Este eixo de ensino passou a ter um lugar de prestígio em relação à leitura e à produção de textos, principalmente se levarmos em consideração a quantidade de aulas e o tempo que a PB dedicou à AL. Essa postura nos chamou a atenção principalmente pelo fato de sabermos que a AL e também o ensino gramatical ainda são temas que, se comparados à leitura e à produção, não têm recebido tanta atenção de pesquisas e discussões entre os docentes. E essa falta de discussões leva muitos professores a se dedicarem mais aos eixos de produção de leitura e produção de texto. Nesse sentido, a PB apresentou um trabalho bastante “incomum” ao que esperávamos encontrar quando buscamos um docente com a formação requerida pela pesquisa. Ao tratarmos sobre o processo avaliativo, observamos que, diferentemente da PA, que avaliou o aprendizado dos assuntos de AL através da produção dos alunos, a PB avaliava o aprendizado de seus alunos através de questões de exploração dos aspectos linguísticos. Essas atividades (exercícios), utilizadas pela PB para trabalhar as reflexões sobre a língua, giraram em torno de questões a partir do texto, algumas elaboradas pela própria docente e outras propostas pelo LD. 3.3.2.4 Mais algumas considerações sobre as aulas da Professora B Após analisarmos as duas partes das aulas e o discurso da PB, podemos traçar conclusões mais gerais sobre o seu trabalho com a AL. Sendo assim, observamos e reafirmamos que os conteúdos de AL trabalhados pela PB estavam muito relacionados com os conceitos da linguística textual. Esse fato ficou muito evidente a partir do seu discurso na entrevista, quando a todo o momento a docente se referia à coesão, ao processo de referenciação e a elementos de estruturação do texto. A docente direcionou a AL a serviço da compreensão e produção da estrutura do texto, ou seja, os aspectos focados em suas reflexões linguísticas quase sempre se referiram à análise e produção de sentido de elementos do texto. Tomando como referência as afirmações feitas até o momento, buscaremos entender as relações que se estabelecem entre o conhecimento teórico da PB e sua prática de ensino de AL, para buscar entender como a docente articulou, em seu fazer pedagógico, os seus conhecimentos teóricos e os conhecimentos dos saberes em sua prática. 135 A PB demonstrou possuir grande conhecimento teórico sobre os pressupostos que baseiam o ensino de língua, principalmente no que diz respeito ao uso dos gêneros como objeto de ensino e da prática de AL. Isso pôde ser comprovado em seu discurso na entrevista e nos depoimentos informais, bem como através de sua formação acadêmica. Sobre a prática de AL, nos dois últimos trechos da entrevista transcritos anteriormente, a PB falou sobre a definição de AL e também deu sua opinião sobre a diferença entre AL e GT, posicionando-se criticamente sobre essa temática. Também em muitos momentos da entrevista, como o ilustrado na sequência, a docente se referiu aos gêneros textuais como um importante objeto de ensino de língua e afirmou trabalhar com eles em suas aulas. PB: (...) Eu peço a produção de um gênero que a gente escolhe. Uma carta, um memorial, um relatório, alguma coisa desse tipo, sempre buscando produzir gêneros. Em outros momentos da entrevista, ao falar sobre o LD, a professora toca na temática dos gêneros e demonstra grande conhecimento sobre o tema, inclusive levantando críticas ao trabalho proposto pelo LD PB: Ele começa com crônica e conto aí ele faz uma descrição do que é crônica e conto. Ele começa colocando as características do gênero, pra depois entrar... A partir das discussões que são feitas sobre os gêneros, você não pode mais fazer isso. “Hoje vamos trabalhar entrevista. Entrevista é...” Logo no início, como as pessoas começaram a pensar como seriam os trabalhos com os gêneros na sala de aula, elas também pensavam que era assim. “vou trabalhar gênero. Hoje vai ser conto. Conto é isso...” Ia definindo o que é cada gênero. Como se o estudo da língua a partir do gênero fosse definir o gênero. Esse trecho mostra que não foi devido ao desconhecimento teórico que a professora deixou de propor, em sua prática, uma articulação entre os eixos de ensino. A escolha pelo tipo de trabalho analisado foi uma postura prática da professora. Para ela, o trabalho com os recursos de textualidade lhe pareceu mais relevante ao aprendizado de seus alunos. Assim como afirmamos sobre o trabalho da PA, também observamos, no trabalho da PB, muitas variáveis que interferiram na relação que se estabeleceu entre o domínio teórico da docente e sua prática de ensino. Para planejar e executar suas aulas, principalmente no que diz respeito a AL, a PB teve que levar em conta os objetivos de ensino de língua voltados para a 136 finalização do ensino fundamental, as necessidades de aprendizagem dos seus alunos, dentre outros aspectos. E nesse processo observamos que a PB fez suas escolhas didáticas em relação ao que privilegiar como foco de suas aulas. Mais uma vez, não vemos tanta linearidade nas relações que se estabelecem entre o domínio da teoria do professor e sua prática de sala de aula, pois a PB, como afirmamos anteriormente, possui um grande conhecimento teórico sobre os pressupostos que norteiam o ensino de Língua Portuguesa, mas desenvolveu um trabalho muito variado em relação à prática de AL, apresentando desde uma prática mais ligada aos estudos da GT, até as discussões voltadas para a textualidade. Em relação à concepção de linguagem como interação assumida pela PB, também não observamos um trabalho com AL que foi, em todos os momentos, teoricamente embasado nessa concepção. Em muitos momentos a PB lançou mão de uso da GT para, inclusive, dar sentido a algumas reflexões sobre o uso, como citamos anteriormente o caso dos artigos. Nesse sentido, a PB realizou um trabalho que foi desde a exploração da GT, chagando também a abordar aspectos discursivos da linguagem. 137 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com essa pesquisa, tentamos responder ao seguinte questionamento: quais as relações que se estabelecem entre as concepções de linguagem e a prática de ensino de análise linguística? Para cumprir tal objetivo, seguimos a opção de ir respondendo aos objetivos específicos. Nesse sentido, buscamos: Analisar as concepções de linguagem e a proposta de prática de ensino de análise linguística presentes nos documentos oficiais da Rede Estadual de ensino e como elas se apresentam também nos materiais didáticos utilizados pelos professores durante o período de observação. Evidenciar as concepções de língua e de ensino de língua do professor, de gramática e o que ele consegue efetivar em relação à prática de análise linguística. Verificar como o professor articula, em seu fazer pedagógico, os “conhecimentos teóricos” e os conhecimentos dos “saberes em ação”, em relação à prática de análise linguística. A partir desses objetivos específicos e com base em algumas categorias teóricas, analisamos a prática de duas professoras da Rede Estadual de Pernambuco. Essas docentes foram selecionadas através de critérios que nos direcionassem a professores que poderiam ter o perfil requerido pela presente pesquisa e que nos ajudassem a entender certas relações que se estabelecem entre suas concepções teóricas e sua prática de ensino de AL. Sabemos que o perfil dos professores selecionados não representou a realidade dos professores da Rede Estadual, tanto que tivemos dificuldade em encontrá-los. Desse modo, não tivemos o objetivo de traçar generalizações e dados que correspondessem à realidade da Rede Estadual de Ensino de Pernambuco nem outra Rede qualquer. O que pretendíamos, ao escolher tais perfis de docente, era analisar situações específicas no ensino de AL. Quando afirmamos que foi difícil encontrarmos professores que fossem adequados aos objetivos da pesquisa, referimo-nos ao fato de o conceito de AL ainda ser pouco conhecido pelos professores da Rede Publica Estadual de Ensino. Durante a seleção dos sujeitos, percebemos que muitos não estavam familiarizados com esse termo, outros já tinham ouvido falar nele, mas não sabiam explicitar seus conhecimentos, alguns desconheciam a nomenclatura – confundindo em alguns momentos com “Análise do discurso” e outros, poucos, se compararmos ao número total de professores sondados, mostraram algum conhecimento em relação ao que seria AL. Não era nosso objetivo apresentar números sobre a afirmação levantada acima nem justificá-la, pois, na verdade, pretendemos afirmar que essa questão merece ser alvo de futuras pesquisas para tentar entender a realidade dos professores da Rede em relação ao trabalho com a AL. 138 Ao observarmos a prática de ensino e o discurso das duas professoras, concluímos que não existe uma linearidade entre a concepção de linguagem que norteia o trabalho de cada docente e sua prática em relação ao ensino de AL. Cada professora, ao seu modo, desempenhou diferentes trabalhos em relação à prática de AL. A PA desenvolveu, em quase todos os momentos do período de observação, um trabalho que articulava os três eixos de ensino (leitura, produção e AL), partindo do trabalho com sequência de atividades baseada no estudo de um gênero textual. Nessas sequências, observamos que o trabalho com a AL partiu tanto do eixo de leitura, quanto do eixo de produção de texto. Em relação à produção, verificamos que a prática de AL se deu tanto antes como após o trabalho com esse eixo, principalmente com as reflexões oriundas da reescrita dos textos produzidos pelos alunos. Mesmo tendo como foco a sistemática de trabalho com a AL descrita acima – trabalhando com a AL na perspectiva do uso, da enunciação – em um momento com o trabalho com os verbos no imperativo, a PA lançou mão da GT para sistematizar o uso desses verbos. Essa postura foi comentada pela própria docente que justificou esse trabalho como sendo necessário ao aprendizado dos alunos, principalmente ao se referir a futuras aprendizagens, seja em relação aos novos gêneros que seriam estudados ou a novas temáticas de AL. Já a PB, diferentemente da PA, realizou um trabalho com a AL em desarticulação com os gêneros textuais. Na realidade a PB trabalhou com uma grande diversidade textual, mas não partiu da exploração do trabalho com os gêneros. A partir desse trabalho com os textos, a docente foi explorando a prática de ensino de AL. Em quase todo o período de observação das aulas da PB, observamos que o trabalho com o eixo de AL se deu a partir do trabalho com a leitura, principalmente com a exploração de questões – seja de materiais elaborados pela professora ou do LD – e que tais reflexões se voltaram para o entendimento do processo coesivo do texto enquanto unidade de sentido. A PB só desenvolveu, durante o período de observação, duas produções de textos, sendo uma produção de uma sentença com o pretexto de usar a vírgula como a função estudada na aula e em um outro momento com a produção de uma cartaz. Nesse segundo momento não observamos uma articulação entre as temáticas de AL trabalhadas pela PB e as reflexões levantadas por ela durante o processo de reescrita dos textos produzidos pelos alunos, ou seja, houve um momento de trabalho com a AL a partir do texto dos alunos, mas não houve uma correspondência entre os assuntos de AL trabalhados pela professora e o que ela na verdade chamou a atenção no texto dos alunos. 139 Ao olharmos os trabalhos realizados pelas docentes, concluímos que, apesar de partirem da mesma perspectiva de linguagem – linguagem como forma de interação – elas desenvolveram trabalhos diferentes, se comparamos uma com a outra, e também em suas práticas individuais. Nesse sentido levantamos as considerações de que há muitas variáveis que interferem na efetivação do trabalho do professor. Sobre essa afirmação, concordamos com Tardif (2012), quando este autor afirma que o conhecimento docente é composto por vários tipos de saberes: Saberes pedagógicos, Saberes disciplinares, Saberes curriculares. E dentre esses saberes que compõem o conhecimento e a prática dos professores, entendemos que a PA e PB desenvolveram diferentes tipos de práticas levando em consideração as necessidades de aprendizagem de seus alunos, bem como as possibilidades que tinham dentro da instituição escolar, julgando o que seria mais adequado e necessário a seus alunos, dentro das exigências de cada série de ensino. Esses resultados nos indicam que entre o domínio da teoria e a efetivação da prática de ensino há muitas variáveis. Essas variáveis podem estar relacionadas às escolhas didáticas do professor, às condições oferecidas pelas Redes de ensino ou por outras condições diversas. Pensamos que novas pesquisas podem ser importantes para tentar descobrir esses meandros que se apresentam entre a prática do professor e o seu conhecimento teórico. 140 APÊNDICE A - ROTEIRO DAS ENTREVISTAS 1. Eu queria que a senhora falasse sobre a sua formação acadêmica. 2. Qual a experiência que você tem com o ensino de Língua Portuguesa? 3. De que forma você organiza o trabalho com leitura, produção de texto e ensino de análise linguística em suas aulas? 4. Que tipos de recursos didáticos são usados em suas aulas? 5. Que tipos de conteúdos você seleciona para o trabalho com a Análise linguística? 6. Quais os critérios de seleção desses assuntos que são abordados em suas aulas? 7. Qual o seu objetivo em trabalhar a Análise linguística? Para você qual a importância de trabalhar gramática na sala de aula? 8. Como o estudo da análise linguística pode colaborar para o desenvolvimento das habilidades de leitura, produção de texto e construção de conhecimentos dos alunos? 9. Que tipos de atividades você usa para que os alunos aprendam sobre as reflexões linguísticas que foram enfocadas durante a aula? 10. Você costuma discutir com os alunos os conceitos (definições) trazidas pela gramática? Como faz isso? 11. Como você avalia a aprendizagem dos seus alunos em relação às regras gramaticais? 141 APÊNDICE B - ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO O professor trabalha na perspectiva dos gêneros textuais, articulando os três eixos (leitura, produção e análise linguística) de ensino da língua? Em que momentos da aula o professor insere um trabalho com prática de análise linguística? Quais os tópicos de análise linguística são trabalhados pelo professor durante o período de observação? Que tipos de reflexões o professor faz acerca do uso da linguagem? Há uma predominância de reflexões metalinguísticas ou epilinguísticas? No planejamento do professor, há um pré-seleção dos conteúdos de análise linguística ou eles vão surgindo de acordo com a necessidade do processo de leitura e escrita? Que tipos de atividades (exercícios) o professor realizou para trabalhar as reflexões sobre a língua? Buscando relações do eixo de análise linguística com a produção de texto, o professor promove o processo de reescrita baseando-se em reflexões linguísticas a partir dos textos dos alunos? As reflexões linguísticas realizadas pelos professores colaboram para o processo de reconstrução do texto em relação aos aspectos linguísticos ou do conhecimento produzido pelo uso dos gêneros como prática discursiva? No decorrer de um determinado trabalho de análise linguística, que concepção (ões) de linguagem se revela(m)? 142 ANEXOS Anexos Professora A ANEXO 1 – O papa-figo O papa-figo O Papa-Figo, ao contrário dos outros mitos, não tem aparência extraordinária. Parece mais com uma pessoa comum. Outras vezes, pode parecer como um velho esquisito que carrega um grande saco às costas. Na verdade, ele mesmo pouco aparece. Prefere mandar seus ajudantes em busca de suas vítimas. Os ajudantes por sua vez, usam de todos os artifícios para atrair as vítimas, quer dizer, as crianças. Para isso vale distribuir presentes, doces, moedas ou cédulas de dinheiro, brincar fazendo caretas, brinquedos ou comida. Eles agem em qualquer lugar público ou em portas de escolas, parques, ou locais com pouco movimento. Depois de atrair as distraídas vítimas, estas são levadas para o verdadeiro Papa-Figo, um sujeito estranho, rico, que sofre de uma doença rara e sem cura. Alguns sintomas dessa doença seriam o crescimento anormal de suas orelhas ou o corpo leproso. Diz a lenda, que para aliviar os sintomas dessa terrível doença ou maldição, o Papa-Figo, precisa se alimentar do Fígado de uma criança. Feito a extração do fígado, eles costumam deixar junto com a vítima, uma grande quantia em dinheiro, que é para o enterro e também para compensar a perda junto a família. O Papa-Figo é uma espécie de Lobisomem da cidade. Nunca muda a forma. É um homem velho, sujo, vestindo farrapos, com ou sem um saco às costas, ocupando-se em raptar crianças para comer-lhes o fígado ou vendê-lo aos leprosos ricos. É alto e magro. Conforme a região é pálido, sórdido, com barba sempre por fazer. Sai à noite, ou às tardes, ao por do sol. Aproveita a saída das escolas, os parques onde as babás se distraem com os namorados, as praças ensombradas. Nesses ambientes atrai as crianças com gestos engraçados, ou mostrando brinquedos, dando falsos recados ou prometendo levá-las para um local onde há muita coisa bonita. 143 ANEXO 2 – Cumade Fulozinha 144 ANEXO 3 – Conversando sobre o texto: “Cumade Fulozinha” 3) Em que parte do Brasil podemos “encontrar” Cumade Fulozinha? 4) Se “Cumade Fulozinha” aparece nesses estados, que brasileiros podem “encontrar” essa assombração? 5) Descreva Comadre Florzinha fisicamente. 6) Segundo essa lenda, “Cumadre Fulozinha” é uma menina encantada considerada boa, em algumas ações e má em outras. Escreva trechos do texto que comprovem tal afirmação. 7) Ainda segundo a lenda, a Comadre Florzinha “aparece” em determinado lugar da cidade do Recife. Cite o local e as pessoas que confirmaram isso. 8) Que animal é preferido por essa menina encantada que reina nas “brenhas” para suas trelas? 9) Além desse animal, ela também faz tranças nos cabelos de meninos e meninas que vagam no mato. Por quê? 10) Como podemos saber se “Cumade Fulozinha” está ou não presente? 11) Na sua opinião, você acredita que essa menina encantada vive pelas matas fazendo suas trelas? Sim ou não? Justifique. 145 ANEXO 4 – Sinais de Pontuação 146 147 ANEXO 5 – Receitas da Culinária Nordestina 148 ANEXO 6 – Admirável Chip Novo Admirável chip novo (Pit) Pane no sistema alguém me desconfigurou Aonde estão meus olhos de robô? Eu não sabia, eu não tinha percebido Eu sempre achei que era vivo Parafuso e fluído em lugar de articulação Até achava que aqui batia um coração Nada é orgânico é tudo programado E eu achando que tinha me libertado Mas lá vem eles novamente, eu sei o que vão fazer: Reinstalar o sistema Pense, fale, compre, beba Leia,vote, não se esqueça Use, seja, ouça, diga Tenha, more, gaste, viva Pense, fale, compre, beba Leia,vote, não se esqueça Use, seja, ouça, diga Não senhor, Sim senhor, Não senhor, Sim senhor Pane no sistema alguém me desconfigurou Aonde estão meus olhos de robô? Eu não sabia, eu não tinha percebido Eu sempre achei que era vivo Parafuso e fluído em lugar de articulação Até achava que aqui batia um coração Nada é orgânico é tudo programado E eu achando que tinha me libertado Mas lá vem eles novamente, eu sei o que vão fazer: Reinstalar o sistema Pense, fale, compre, beba Leia,vote, não se esqueça Use, seja, ouça, diga Tenha, more,gaste, viva Pense, fale, compre, beba Leia, vote, não se esqueça Use, seja, ouça, diga Não senhor, Sim senhor, Não senhor, Sim senhor Mas lá vem eles novamente, eu sei o que vão fazer: Reinstalar o sistema. 149 ANEXO 7 – Verbos no imperativo 150 151 ANEXO 8 - Avaliação ESCOLA XX Aluno(a)________________________________________________________Nº______ data_____/_____/___ Professora XX Avaliação de língua portuguesa Leia o texto abaixo para responder as questões de 01 e 02 Belo belo Manuel Bandeira Belo belo minha bela Não tenho nada que quero Não quero óculos nem tosse Nem obrigação de voto Quero quero 01. O gênero do texto acima é a) um cordel b) um conto c )uma fábula d) um poema 02. No primeiro verso, que palavra(s) indica(m) qualidade? _______________________________________ Leia o texto abaixo para responder as questões de 03 a 08 Continho 1 Era uma vez um menino triste, magro e barrigudinho. Na soalheira danada de meio-dia, ele estava sentado na poeira do caminho, imaginando bobagem quando passou um vigário a cavalo. – Você aí, menino, para onde vai essa estrada? – Ela não vai não, nós é que vamos nela. 5 – Engraçadinho duma figa! Como você se chama? – Eu não me chamo, não, os outros é que me chamam de Zé. MENDES CAMPOS, Paulo. Para gostar de ler – Crônicas. São Paulo: Ática, 1996, v. 1 p. 76 03. (Prova Brasil) Há traço de humor no trecho a) b) c) d) “Era uma vez um menino triste, magro”. (l.1) “ele estava sentado na poeira do caminho”. (l. 1-2) “quando passou um vigário”. (l. 2) “Ela não vai não: nós é que vamos nela”. (l.4) 04. No trecho “quando passou um vigário...” a palavra destacada pode ser substituída por a) professor b) médico c) padre d) enfermeiro 152 05. Há palavras no texto que caracterizam o menino para que o leitor imagine como é seu físico e como está seu comportamento naquele momento da narrativa. Retire, do texto, essas palavras _________________________________________________________________________ 06. As palavras que exprimem qualidades ou características de um ser são denominadas de “adjetivos” na gramática portuguesa. Elabore qualidade(s) ou característica(s) para a personagem do vigário do continho. _________________________________________________________________________ 07. No trecho “– Você aí, menino, para onde vai essa estrada?” Explique a utilização dos sinais de pontuação: d) Travessão_______________________________________________________________ e) Vírgula_________________________________________________________________ f) Ponto de interrogação_____________________________________________________ 08. O vigário perguntou ao menino para onde ia a estrada porque ele a) queria conversar com o menino porque este estava triste. b) não conhecia o caminho. c) saber o nome do menino. d) reclamar com o menino. Leia o aviso abaixo para responder as questões 09 e 10. SE BEBER, NÃO DIRIJA. O aviso acima circula em meios midiáticos. É uma campanha contra o motorista que ingere bebida alcoólica e pega o carro para dirigir. 09. Encontra-se a) uma reclamação b) um pedido c) um chamado d) uma afirmação 10. No aviso, o modo cujo verbo está conjugado é o imperativo negativo. Responda o nome de outro gênero textual no qual podemos encontrar verbos no imperativo. Boa prova! 153 Anexos Professora B ANEXO 9 – O cidadão brasileiro 154 ANEXO 10 – Atividades sobre o texto ( A ) Atividades sobre o texto: 1) 2) 3) 4) 5) 6) 7) Liste 3 deveres e três direitos que vocês têm em relação à escola: Sobre o que o texto fala? Qual o assunto desse texto? O texto é informativo, narrativo ou poético? O que caracteriza um cidadão brasileiro? Quais os direitos do cidadão, segundo o texto? E os deveres? Copie a parte do texto que enumera alguns direitos do cidadão e explique com que função a vírgula foi utilizada? 8) Reescreva a frase abaixo substituindo os parênteses por outros sinais de pontuação: ... Ter acesso aos serviços públicos (por exemplo, hospitais e escolas), organizar-se ... 155 ANEXO 11 – Atividade sobre o texto ( B ) Atividade sobre o texto 1) Na primeira linha do texto temos o pronome possessivo SEUS, a quem se refere esse termo? 2) Na 3ª linha, temos o pronome QUE (pronome relativo), a quem esse pronome se refere? 3) Na primeira linha, o termo cidadão vem acompanhado do artigo indefinido UM, já na 5ª linha o mesmo termo vem acompanhado do artigo definido O. Tente explicar o porquê desse emprego. 156 ANEXO 12 – Ficha de Ensino de Língua Portuguesa 157 ANEXO 13 – A galinha A galinha "A senhora, uma dona de casa, estava na feira, no caminhão que vendia galinhas. O vendedor ofereceu a ela uma galinha. Ela olhou para a galinha, passou a mão embaixo das asas da galinha, apalpou o peito da galinha, alisou as coxas da galinha, depois tornou a colocar a galinha na banca e disse para o vendedor: - Não presta! Aí o vendedor olhou para ela e disse: - Também, madame, num exame assim, nem a senhora passava!" (Millô Fernades) 158 ANEXO 14 – Exercícios do livro didático 159 ANEXO 15 – Atitude Suspeita 160 ANEXO 16 – Atitude Suspeita 161 ANEXO 17 – Pronomes: Classificação e Função 162 ANEXO 18 – Simplicidade 163 ANEXO 19 – Atividade com a tirinha 164 REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia de. Mudanças didáticas e pedagógicas no ensino de Língua Portuguesa: Apropriação dos professores. Belo Horizonte: Autêntica. 2006. 171 p. ANDRADE, R. M. B. L.; SEAL, A. G. S.; LEAL, T. F. Revisão textual e ensino de análise linguística nos anos iniciais do ensino fundamental. In:_____. Ensino de gramática: reflexões sobre a língua portuguesa na escola. SILVA, A; PESSOA, A. C; LIMA, A. Belo Horizonte: Autêntica, 2012, v. 1, p. 67-90. BAKHTIN, M; VOLOCHÍNOV, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência e da linguagem. 14. Ed. São Paulo: HUCITEC, [1929] 2010. 203 p. BASTOS, D e SUASSUNA, Lívia. E. Como anda o ensino da análise linguística? Um estudo dos modos de fazer de professores de ensino médio. In:_____. Estudos sobre educação e linguagem: da educação infantil ao ensino médio. MARCUSCHI, E; LEAL, T. F. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2011. p. 179 - 200. BEZERRA, Maria Auxiliadora; REINALDO Maria Augusta. Análise linguística: afinal, a que se refere? São Paulo: Cortez, 2013. 93 p. BORGATT0, Ana; BERTIN, Terezinha; MARCHEZI, Vera. Tudo é Linguagem - 6º Ano/ 5ª Série. Ática, 2009 a. BORGATT0, Ana; BERTIN, Terezinha; MARCHEZI, Vera. Tudo é Linguagem - 9º Ano/ 8ª Série. Ática 2009 b. BRAIT, B. Bakhtin. E a natureza constitutivamente dialógica da linguagem. In:_____ Dialogismo e a construção do sentido. BRAIT, B. Campinas: UNICAMP, 2005. 365 p. BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. 27ª ed.- Brasília: MEC/SEF, 1998.106 p. 165 CAMILLO. Luciana Cristina. V. C. Concepções de linguagem e ensino gramatical: a visão do professor. Universidade Estadual de Londrina. Estudos Lingüísticos XXXVI(2), maioagosto, 2007. p. 59-67 CHARTIER, A. Práticas de leitura e escrita: história e atualidade. Belo Horizonte: CEALE: Autêntica, 2007. 246. CORACINI, Maria José. O Olhar da ciência e a construção da identidade do professor de língua. In:_____. O desejo da teoria e a contingência da prática: discursos sobre e na sala de aula. CORACINE, Maria José; BERTOLDO, Ernesto Sérgio. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2003. DUARTE, Álvaro Vinício de Moraes B. A concepção de linguagem que norteia o trabalho do professor de português da rede estadual de Pernambuco. Recife2010. 60f Monografia (Pós-graduação)- Departamento de Letras e Ciências Humanas Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife 2010. GERALDI, João W. Concepções de linguagem e ensino de português. In:____ O texto na sala de aula. GERALDI, João W. São Paulo: Ática, [1984] 2003a, p. 39 – 46. GERALDI, João Wanderley. Unidades básicas do ensino de português. In:____ O texto na sala de aula. GERALDI, J. São Paulo: Ática, [1984] 2003b, p. 59 – 80. GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. 4ª ed. - São Paulo: Martins Fontes, [1991] 2003c. GERALDI, João Wanderley. Linguagem e ensino: exercícios de militância e divulgação. Campinas, SP: Mercado das letras, 1996. 148 p. GERALDI, João W. A aula como acontecimento. São Carlos: Pedro & João editores, 2010. GOULART, Karla Daniele. S. A. A prática de análise linguística: estratégias de diálogo com os gêneros do discurso no livro didático. Recife, 2010. 130 f. Dissertação (Mestrado 166 em linguística)- Centro de Artes e Comunicação, Departamento de Letras, Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2010. ILARI, Rodoufo. A linguística e o ensino da língua portuguesa. Portal da estação da Luz da língua portuguesa. Unicamp, 1994. Disponível em: <http://www.ispla.su.se/gallery/bilagor/Portal+Ataliba+ Modolo. doc >. Acesso em 12 de set 2011. LEITE, L. Gramática e literatura: encontros e desesperanças. In: GERALDI, J. (org). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, [1984] 2003. MARCUSCHI. Luiz Antônio. Gêneros textuais: configuração. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, A. (Org). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. p. 19-36 MARCUSCHI. Luiz Antônio. Cognição, linguagem e práticas interacionais. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. 170 p. MARCUSCHI. Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola editora, 2008. 295 p. MENDONÇA, Márcia. Análise linguística no ensino médio: um novo olhar, um outro objeto. In: BUNZEN, C. & MENDONÇA, M. (Orgs). Português no ensino médio e formação do professor. São Paulo: Contexto, 2006, p. 199-226. MENDONÇA, Márcia. Análise linguística na escola: deslocamentos dos objetos de ensino. In: Anais da XXI Jornada de Estudos Linguísticos do Nordeste, João Pessoa, 2006 b, p. 17191723. MINAYO, Maria. Cecília. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: HUCITEC, 1999. 167 MORAIS, Artur Gomes. Monstro à solta ou... “Análise linguística” na escola: apropriações de professoras das séries iniciais ante as novas prescrições para o ensino de “gramática”. Disponível <http://25reuniao.anped.org.br/tp25.htm#gt10>Acesso em 20 out 2013. MORAIS, Artur Gomes; SILVA, Alexandro da. Produção de textos escritos e análise linguística na escola. In: LEAL, Telma Ferraz; BRANDÃO, Ana Carolina P. (Orgs). Produção de textos na escola: reflexões e práticas no Ensino Fundamental, 1ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. 152 p. NEVES, José Luis. Pesquisa qualitativa – características, usos e possibilidades. Caderno de pesquisas em administração da USP. v.1, nº 3, 2º sem, 1996. Disponível em <http://www.ead.fea.usp.br/cad-pesq/arquivos/C03-art06.pdf>. Acesso em: 12 set. 2011. OLIVEIRA, Almir Almeida de. Observação e entrevista em pesquisa qualitativa. REVISTA FACEVV. Vila Velha, n. 4, p. 22-27 jan/jun. 2010. PERFEITO, A. M. Concepções de Linguagem, Teorias Subjacentes e Ensino de Língua Portuguesa. In: RITTER, L. C. R.; SANTOS, A. R. (Orgs.). Concepções de Linguagem e Ensino de Língua Portuguesa. Coleção Formação de Professores EAD, n. 18. Maringá: Eduem, 2005, v. 1, p. 27- 79. PERNAMBUCO. Secretaria de Educação. Parâmetros para a educação básica do Estado de Pernambuco. Recife, 2012 a. PERNAMBUCO. Secretaria de Educação. Currículo de Português para o ensino fundamental com base nos parâmetros curriculares do estado de Pernambuco. Recife, 2012 b. POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: ALB Mercado de Letras, 1996. 95 p. POSSENTI, Sírio. Sobre o ensino de português na escola. In: GERALDI, J. (org). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, [1984] 2003. 168 BORBA, Vicentina Maria Ramires. Professor de Língua Portuguesa: de onde vem, para onde vai? Recife, 1994. 138 f. Dissertação (Mestrado em educação)- Centro de educação, Universidade Federal de Pernambuco, 1994. REINALDO, Maria Augusta; BEZERRA, Maria Auxiliadora. Conceitos de análise linguística associados a teorias de gênero. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.<http://www.cchla.ufrn.br/visiget/pgs/pt/anais/artigos/maria%20auxiliadora%20bezerra %20(Ufcg)>. Acesso em: 10 set. 2012. SALOMAO, Maria Margarida Martins. A questão da construção do sentido e a revisão da agenda dos estudos da linguagem. Veredas: revista de estudos linguísticos. Juiz de Fora, v 3, n 1, p. 61-79. SANTOS, Carmi Frrraz; MENDONÇA, Márcia; CAVALCANTE, Marianne C. B. Trabalhar com texto é trabalhar com gênero? In: SANTOS, C; MENDONÇA, M; CAVALCANTE, M. (Org). Diversidade textual: os gêneros na sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. SAUSSURE. Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. 27ª ed. São Paulo: Cultrix [1916] 2006. SIGNORINI, Inês. Letramento e inovação no ensino e na formação do professor de Língua Portuguesa. . In: SIGNORINI. I. (org.). Significados da inovação no ensino de língua portuguesa e na formação de professores. Campinas: Mercado de Letras, 2007, p. 211-228. SILVA, Noadia Íris. Ensino tradicional de gramática e prática de análise linguística na aula de português. Recife, 2009. 161 f. Dissertação (Mestrado em linguística)-Centro de Artes e Comunicação, Departamento de Letra, Universidade Federal de Pernambuco, 2009. SOARES, Magda. Concepções de linguagem e ensino de língua portuguesa. In: BARBOSA. N. B. (org.). Língua Portuguesa: História, perspectiva, ensino. São Paulo: Educ, 1998. 216 p. SOARES, Inaldo Firmino. O professor e o texto – desencontros e esperanças: um olhar sobre o fazer pedagógico de professores de português do ensino médio e suas concepções de 169 linguagem. Recife, 2006. 173 f. Dissertação (Linguística)- Universidade Federal de Pernambuco. Centro de Artes e Comunicação, 2006. SUASSUNA, Lívia. Pesquisa qualitativa em Educação e Linguagem: histórico e validação do paradigma indiciário. Perspectiva, Florianópolis, v.26, n.1, 341-377, jan/jun. 2008. SUASSUNA, Lívia. Ensino de análise linguística: situando a discussão. In: SILVA, A.; PESSOA, A.; Lima, A. (Orgs.) Ensino de gramática - reflexões sobre a língua portuguesa na escola. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012, p. 11-28 TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 14ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. 325 p. TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática. 11ª ed. São Paulo: Cortez, [1996] 2006. 245 p. VIANNA, Heraldo M. Pesquisa em educação: a observação. Brasília: Plano Editora, 2003. 106 p. YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3ª ed. Porto Alegre: Bookman, 2005. 212 p. WEDWOOD, Barbara. História concisa da linguística. São Paulo: Parábola editorial, 2002.