Concepções de linguagem e ensino de língua portuguesa: um olhar

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO
ÁLVARO VINÍCIUS DE MORAES BARBOSA DUARTE
CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E ENSINO DE LÍNGUA
PORTUGUESA: UM OLHAR SOBRE O TRABALHO COM A ANÁLISE
LINGUÍSTICA
Recife
2014
ÁLVARO VINÍCIUS DE MORAES BARBOSA DUARTE
CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E ENSINO DE LÍNGUA
PORTUGUESA: UM OLHAR SOBRE O TRABALHO COM A ANÁLISE
LINGUÍSTICA
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Educação da Universidade
Federal de Pernambuco como requisito parcial
para a obtenção do grau de mestre em
educação
Orientadora: Profª Drª Maria Lúcia Ferreira
de Figueirêdo Barbosa.
Recife
2014
Catalogação na fonte
Bibliotecária Andréia Alcântara, CRB-4/1460
D812c
Duarte, Álvaro Vinicius de Moraes Barbosa.
Concepções de linguagem e ensino de língua portuguesa: um olhar
sobre o trabalho com a análise linguística / Álvaro Vinícius de Moraes
Barbosa Duarte. – Recife: O autor, 2014.
169 f. ; 30 cm.
Orientadora: Maria Lúcia Ferreira de Figueirêdo Barbosa.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco,
CE. Programa de Pós-graduação em Educação, 2014.
Inclui Referências, Apêndices e Anexos.
1. Língua portuguesa - Ensino. 2. Linguística. 3. UFPE - Pósgraduação. I. Barbosa, Maria Lúcia Ferreira de Figueirêdo. II. Título.
469.07 CDD (22. ed.)
UFPE (CE2014-33)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ÁLVARO VINÍCIUS DE MORAES BARBOSA DUARTE
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
TÍTULO: CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E ENSINO DE LÍNGUA
PORTUGUESA: UM OLHAR SOBRE O TRABALHO COM A ANÁLISE
LINGUÍSTICA
COMISSÃO EXAMINADORA
_____________________________________________
Profª. Drª. Maria Lúcia Ferreira de Figueiredo Barbosa
1ª Examinadora/Presidente
_____________________________________________
Profª. Drª. Elizabeth Marcuschi
2ª Examinadora
_____________________________________________
Profª. Drª. Lívia Suassuna
3ª Examinadora
MENÇÃO DE APROVAÇÃO: APROVADO
Recife, 09 de abril de 2014.
DEDICATÓRIA
A Deus, à minha família e aos meus amigos, que sempre me apoiaram, incondicionalmente.
AGRADECIMENTOS
Esse foi um dos momentos mais esperado por mim, o momento no qual poderia externar
minha enorme gratidão a todos que me ajudaram a chegar até aqui. Então, vamos lá!
Sem sombra de dúvidas, meus primeiros agradecimentos vão para o meu Senhor Deus, que
me acolheu nos braços desde o dia que eu cheguei aqui neste mundo e até os dias de hoje me
protegeu de todo o mal. A Ele, toda honra e toda Glória.
Em segundo lugar, aos meus pais, que sempre foram meus grandes parceiros e incentivadores
e que são seres que sempre me mostram o caminho do amor, do respeito e da dignidade,
mesmo vivendo neste mundo cruel e difícil. Eles que sempre foram exemplos de respeito e de
honestidade, tanto pra mim quanto pra minha irmã, a quem também agradeço os anos de
convivência que sempre tivemos.
À minha família: tios, tias, primos, que sempre me apoiaram e incentivaram muito. Meus tios,
quase todos professores, sempre foram referência e exemplos de sucesso para mim. Desde
criança convivo com todos e vejo como eles são felizes na profissão que escolheram.
A todos os meus amigos e companheiros de jornada. Amigos da igreja, das escolas por onde
eu passei nesses anos de trabalho, amigos que moram um pouco distante. A todos que um dia
cruzaram meu caminho, meu muito obrigado.
Queria fazer uns agradecimentos especiais a algumas pessoas que me ajudaram muito no
período do curso de mestrado. Queria iniciar agradecendo à minha eterna gestora Marília
Patrícia Oliveira, que me incentivou e se emocionou com todos os momentos do mestrado,
desde a seleção até hoje o dia da defesa. Serei eternamente grato pelo carinho e apoio que ela
sempre me deu.
Aos meus amigos e grandes professores Ruy Parahyba e César Romero, que foram
importantíssimos na minha aprovação na seleção do mestrado. Sou imensamente grato a
vocês dois.
Aos meus companheiros de turma e de vida Deyvid Souza, Flávia Santana e Nathália Késsia,
pela atenção e convivência nesse período do curso.
Um agradecimento todo especial à minha orientadora Maria Lúcia Barbosa, pela imensa
sabedoria com que conduziu as orientações e principalmente a calma que sempre teve em
meio às minhas agitações.
Outra pessoa fundamental nesse processo foi a professora Lívia Suassuna, que desde a
graduação acompanhou um pouco da minha trajetória e foi fundamental ao me incentivar a
fazer a seleção do mestrado. Também esteve na banca de seleção, de qualificação e na defesa
da dissertação.
Também quero agradecer ao Programa de Pós-graduação do Centro de Educação da UFPE e
aos professores desse Centro por me proporcionarem a oportunidade de realizar o curso de
mestrado.
Para finalizar, quero agradecer à Secretaria de Educação do estado de Pernambuco e a
Secretaria Municipal de Paulista pelas licenças concedidas e pelo apoio ao profissional que
sou. Hoje posso voltar à sala de aula dessas redes com muito mais conhecimento e vontade de
fazer um trabalho melhor.
RESUMO
A presente pesquisa teve como objetivo analisar as relações que se estabelecem entre as
concepções de linguagem do professor de Língua Portuguesa e sua prática de ensino de
análise linguística. Para atingirmos tal objetivo, buscamos analisar as concepções de
linguagem e a prática de ensino de análise linguística presentes nos materiais didáticos
utilizados durante o período de observação e dos documentos oficiais (Parâmetros para a
Educação básica do estado de Pernambuco e diário de classe do professor) que
prescrevem/orientam a prática de ensino do professor da Rede Estadual de Ensino; analisar as
concepções de língua, gramática e ensino de língua do professor e o que ele conseguiu
efetivar em relação à prática de análise linguística; e entender como o professor articula em
seu fazer pedagógico, os “conhecimentos teóricos” e os conhecimentos dos “saberes em
ação”, em relação á prática de análise linguística. Para a realização do presente trabalho,
desenvolvemos uma pesquisa qualitativa, utilizando a metodologia do paradigma indiciário e
três instrumentos de coleta de dados: análise documental, entrevista e observação. A fim de
entenderemos as relações que se estabelecem entre concepções de linguagem e prática de
análise linguística, observamos a prática de duas professoras da Rede Estadual de Ensino de
Pernambuco, bem como as entrevistamos. As docentes ministravam aulas no 6º e no 9º anos
do ensino fundamental na cidade de Olinda. Como base teórica, nos apoiamos nos
pressupostos de Bakhtin ([1929-1930] 2010), TRAVAGLIA ([1996] 2006), GERALDI
([1984] 2003a), MARCUSCHI (2007) e SALOMÃO (1999), autores que tratam sobre as
concepções de linguagem. Sobre o ensino de gramática e prática de análise linguística nos
apoiamos nas ideias de TRAVAGLIA ([1996] 2006), GERALDI ([1984] 2003a), BEZERRA
e REINALDO (2013), SUASSUNA (2012), entre outros. Como resultados, notamos que cada
professora, ao seu modo, desempenhou diferentes trabalhos em relação à prática de análise
linguística. Uma das docentes desenvolveu, em quase todos os momentos do período de
observação, um trabalho que articulava os três eixos de ensino (leitura, produção e análise
linguística), partindo do trabalho com sequências de atividades baseada no estudo de um
gênero textual. Nessas sequências, observamos que o trabalho com a análise linguística partiu
tanto do eixo da leitura, quanto do eixo de produção de texto. Em relação à produção,
verificamos que a prática de análise linguística se deu tanto antes como após o trabalho com
esse eixo, principalmente com as reflexões oriundas da reescrita dos textos produzidos pelos
alunos. Já a outra professora, em quase todo o período de observação, desenvolveu um
trabalho com o eixo de eixo de análise linguística a partir da leitura, principalmente com a
exploração de questões – seja de materiais elaborados pela professora ou do livro didático – e
que tais reflexões se voltaram para o entendimento do processo coesivo do texto enquanto
unidade de sentido. Concluímos que não existe uma linearidade entre a concepção de
linguagem que norteia o trabalho de cada docente e sua prática em relação ao ensino de
análise linguística. Entre o domínio da teoria e a efetivação da prática de ensino há muitas
variáveis. Essas variáveis podem estar relacionadas às escolhas didáticas do professor, às
condições oferecidas pelas Redes de Ensino ou por outras condições diversas. Pensamos que
novas pesquisas podem ser importantes para tentar descobrir esses meandros que se
apresentam entre a prática do professor e o seu conhecimento teórico.
Palavras-chave: Ensino de Língua Portuguesa, Concepções de linguagem, Análise
Linguística, Relação teoria e prática.
ABSTRACT
This research has aimed to analyze the established associations between the conceptions on
language of Portuguese teachers and their teaching practice of linguistic analysis. In order to
achieve such goal, we have pursuit to analyze the conceptions of language and the practice of
teaching language analysis that are present in the instructional materials used during the
observational period and through official documents (Parameters for Basic Education of the
State of Pernambuco and teacher’s class report) that prescribe or guide the teaching practice
of teachers in State Schools; Analyzing the conceptions of language, grammar and language
teaching from teachers and the things they could bring about in relation to the practice of
linguistic analysis; Understanding how the teacher articulates their pedagogical ways of doing
the "theoretical knowledge" and the cognizance of "knowledge in action", in relation to the
practice of linguistic analysis. In order to carry out this work, we have developed the means
for a qualitative research, using the evidential paradigm methodology and three instruments
for data collection: documental analysis, interview, and observation. To get the understanding
of the established relations between concepts of language and practice of linguistic analysis,
we have observed the practice of two teachers from State Schools of Pernambuco, we also
have interviewed them. The teachers taught classes in the sixth and the ninth grades of
elementary school in the city of Olinda. As theoretical basis, we rely on the assumptions of
BAKHTIN ([1929-1930] 2010), TRAVAGLIA ([1996] 2006), GERALDI ([1984] 2003a),
MARCUSCHI (2007), and SOLOMÃO (1999), authors who deal with conceptions of
language. About grammar teaching and practice of linguistic analysis, we rely on the ideas of
TRAVAGLIA ([1996] 2006), GERALDI ([1984] 2003a), BEZERRA & REINALDO (2013),
SUASSUNA (2012), among others. As a result, we noticed that each teacher, in a personal
way, performed different tasks in relation to the practice of linguistic analysis. One of the
teachers developed in almost every moment of the observational period, a task which
articulated the three axes of education (reading, production, and linguistic analysis),
beginning the work with sequences of activities based on the study of a text genre. In these
sequences, we have noticed that the work with linguistic analysis has resulted from both the
axis of reading as well as the axis of text production. Regarding the production, we have
noticed that the practice of linguistic analysis was done both before and after working with
this axis, mainly with reflections from rewriting the texts produced by the students. On the
other hand, the other teacher, in almost the entire observational period, had developed a task
with the shaft axis of linguistic analysis from reading, mainly with exploring questions –
whether by the materials the teacher had prepared or by the textbook – and that such thoughts
turned to the understanding of the cohesive process of the text as a unit of meaning. We
conclude that there is no linearity between the conception of language that guides the work of
individual teachers and their practice in relation to teaching linguistic analysis. There are
many variables between the domain of the theory and the effectuation of teaching practice.
These variables may be related to didactic choices made by the teacher, the conditions offered
by Education Teaching Networks, or other various conditions. We infer that further research
can be important to attempt finding out these intricacies which arise in between the teachers’
practice and their theoretical knowledge.
Keywords: Portuguese Language Teaching, Conceptions of Language, Linguistic Analysis,
Theory and Practice Relation.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Os saberes dos professores...................................................................................44
Quadro 2: Objetivos e instrumentos de análise....................................................................62
Quadro 3 – Conteúdos planejados pela Professora A ........................................................77
Quadro 4 – Conteúdos planejados pela Professora B......................................................... 81
Quadro 5 – Temas de análise linguística e os gêneros trabalhados pela Professora A.... 86
Quadro 6 – Síntese dos dias de aula da PA.......................................................................... 88
Quadro 7 – Temas de análise linguística e os textos trabalhados pela Professora B..... 111
Quadro 8 – Síntese dos dias de aula da PB........................................................................ 113
LISTA DE SIGLAS
AL: Análise linguística
GT: Gramática tradicional
GRE: Gerência Regional de Ensino
PA: Professora A
PB: Professora B
LD: Livro didático
EA: Expectativa de Aprendizagem
A: Refere-se a vários alunos que se expressam ao mesmo tempo na interação na sala.
A1: Aluno que inicia uma interação na sala de aula.
A2: Aluno que da sequência à fala do A1.
A3: Designa o terceiro aluno que toma o turno da fala na interação.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................13
1. CAPÍTULO 1 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.........................................................20
1.1
Concepções de linguagem...........................................................................................20
1.2
O trabalho com os gêneros e os eixos de ensino........................................................27
1.3
Ensino de gramática e prática de análise linguística................................................28
1.3.1 Ensino de gramática....................................................................................................29
1.3.2 Prática de análise linguística......................................................................................33
1.4
Práticas docentes e construção de conhecimento.......................................................39
1.5
O que dizem as pesquisas que tratam sobre as concepções de linguagem..............47
2.
CAPÍTULO 2 - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS......................................53
2.1 Abordagem investigativa – A pesquisa qualitativa.......................................................53
2.2 Escolha das escolas e dos sujeitos...................................................................................54
2.2.1 A Professora A................................................................................................................58
2.2.2 A Professora B................................................................................................................58
2.2.3 Descrição do ambiente escolar .....................................................................................59
2.3 Instrumentos de coletas de dados...................................................................................59
2.3.1 Entrevistas .....................................................................................................,.............59
2.3.2 Observação ..................................................................................................................61
2.3.3 Análise documental......................................................................................................62
3.
3.1
CAPÍTULO 3 – ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS.............................65
O que revelam os documentos oficiais e o planejamento das professoras?............66
3.1.1 Sobre os documentos oficiais......................................................................................66
3.1.2 O que dizem os parâmetros sobre as concepções de linguagem............................. 68
3.1.3 O que dizem os parâmetros sobre análise linguística............................................. 70
3.2
Conteúdos sistematizados pelos Parâmetros e planejamento das docentes............ 73
3.2.1 Professora A........................................................................................................... 74
3.2.2 Professora B................................................................................................................... 79
3.3
Análise das aulas e das entrevistas ..............................................................................85
3.3.1 A professora A (PA)...................................................................................................... 86
3.3.1.1 As concepções de língua e de gramática da professora e o como se deu o trabalho
com a Análise linguística.................................................................................................86
3.3.1.2 A análise linguística e a sequência de atividades com o gênero lenda urbana..... 89
3.3.1.3 A análise linguística e a sequência de atividades com o gênero receita culinária
............................................................................................................................................96
3.3.1.4 Mais algumas considerações sobre as aulas da Professora A................................108
3.3.2 A Professora B (PB)................................................................................................. 110
3.3.2.1 As concepções de língua e de gramática da professora e o como se deu o trabalho
com a Análise Linguística...................................................................................................110
3.3.2.2 Primeira parte das aulas da PB...............................................................................113
3.3.2.3 Segunda parte das aulas da PB................................................................................123
3.3.2.4 Mais algumas considerações sobre as aulas da Professora B................................134
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................137
APÊNDICES..........................................................................................................................140
APÊNDICE A – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS.......................................................140
APÊNDICE B – ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO ............................................................141
ANEXOS................................................................................................................................142
Anexos Professora A............................................................................................................ 142
Anexos Professora B.............................................................................................................153
REFERÊNCIAS....................................................................................................................164
13
INTRODUÇÃO
A partir do conhecimento de que a língua é uma prática social, em plena mutação,
somos desafiados, dentro das nossas salas de aula, a trabalhar com esse “ser” que a cada
momento se renova. Ensinar língua ou, melhor dizendo, ensinar linguagem é uma difícil
tarefa que é atribuída às escolas e principalmente aos professores de Língua Portuguesa. Mas,
afinal, o que seria trabalhar com a linguagem?
Podemos tentar responder a essa pergunta a partir de um questionamento feito por
Leite (1984, 2003, p. 19): “Em que medida e em que sentido podemos ensinar a língua
materna a pessoas que a utilizam com todo o domínio necessário para se expressar e se
comunicar na sua vida cotidiana?”
Questionamentos como esse nos fazem refletir sobre dois pontos importantes em
relação ao ensino de língua. O primeiro diz respeito a “o que” ensinar e o segundo, ao “como”
ensinar. Esses pontos vêm apresentando mudanças do ponto de vista teórico-metodológico
com o passar dos anos, principalmente com os avanços dos estudos da ciência da linguagem e
da área de didática do ensino de língua.
Partindo do pressuposto da existência dessas mudanças mencionadas acima, podemos
afirmar que nem sempre o ensino de língua na escola apresentou-se como se nos apresenta
hoje. Felizmente, muitas mudanças vêm ocorrendo e isso se deve não só ao caráter
camaleônico da língua, mas, também, às contribuições que a linguística, como ciência da
linguagem, nos traz.
A linguística, a partir dos avanços em seus estudos, principalmente com os aportes da
Sociolinguística, da Análise do Discurso, entre outras, vem contribuindo para as mudanças
que ocorrem nos paradigmas de ensino de língua, na educação básica no nosso país. Neste
sentido, Ilari afirma que:
A lingüística é uma ciência teórica e descritiva, e sua função primária não é
produzir orientações metodológicas destinadas ao ensino. Mas para muitos
professores do ensino fundamental e médio, compreender a fundo o que é a
língua é um problema importante, e as idéias que os lingüistas foram
elaborando em perspectiva teórica acabaram por ter repercussões mais ou
menos profundas sobre todas as práticas pedagógicas cuja matéria prima é a
linguagem. (ILARI, 1994, p. 12).
Dentre essas mudanças, podemos destacar a entrada dos textos na sala de aula. Esse
objeto de ensino vem tomando cada dia mais espaço nas aulas de Língua Portuguesa, sendo
trabalhado a partir de diferentes perspectivas.
14
O texto, inicialmente usado como pretexto para o ensino de gramática, tornou-se, com
o passar o tempo, modelo de comunicação e hoje é visto como um objeto de uso da
linguagem, a partir de uma postura sociointeracionista, trabalhado na perspectiva dos gêneros
textuais, forma como os textos se materializam no uso da linguagem, na interação entre os
sujeitos.
Podemos encontrar nos PCN de Língua Portuguesa referências ao uso do texto como
objeto de ensino de língua. Segundo esse documento:
uma prática constante de escuta de texto orais e leitura de textos escritos e de
produção de textos orais e escritos, deve permitir, por meio de análise e
reflexão sobre múltiplos aspectos envolvidos, a expansão e construção de
instrumentos que propiciem ao aluno, progressivamente, ampliar sua
competência discursiva. (BRASIL, 1998, p. 27).
Dentre as mudanças ocorridas com a entrada do texto na sala de aula, agora visto em
seus diferentes gêneros, merece destaque a prática de análise linguística, uma nova
perspectiva de estudo que ultrapassa os limites da gramática normativa, levando em conta os
aspectos linguísticos em um sentido mais amplo de uso da linguagem, em articulação com a
prática de leitura e de produção de texto.
Desse modo, a prática de AL vem se revelando uma importante dimensão de ensino de
língua, contribuindo para desenvolver no aluno sua capacidade de reflexão sobre o uso da
linguagem em suas produções escritas e orais e em sua habilidade de compreender enunciados
(BEZERRA; REINALDO, 2013; GERALDI, 1991, 2003c; MENDONÇA, 2006).
Sobre o desenvolvimento teórico da linguística que desencadeou nas reflexões da
análise linguística como nova perspectiva de ensino, Ilari também destaca as contribuições
dos estudos linguísticos, quando comenta que:
De todas as práticas escolares, a que foi mais questionada no contexto criado
pela lingüística, foi a velha prática do ensino gramatical. Entre outras coisas,
lembrou-se que os verdadeiros objetos lingüísticos com que lidamos no diaa-dia são sempre textos, nunca sentenças isoladas, e observou-se (com razão)
que as gramáticas têm muito pouco a dizer sobre esses objetos. (ILARI,
1994, p.12).
Apesar dessa afirmação de Ilari (1994) ter sido feita há 20 anos, ainda encontramos,
segundo Duarte (2010), professores que não se deram conta das mudanças teóricometodológicas do ensino de língua e que ainda refletem, em sala de aula, o tradicional ensino
da gramática normativa, talvez por terem tido uma formação mais tradicionalista ou em
15
épocas nas quais não havia, nos cursos de licenciaturas ou de formações continuadas,
discussões baseadas na perspectiva sociointeracionista de ensino.
Nessa prática tradicionalista, ainda realizada por alguns professores, o aluno muitas
vezes não vê utilidade e aplicabilidade naquilo que é estudado na sala de aula e passa a ter a
ideia de que a língua é algo que não faz parte da sua realidade, por isso, muitas vezes, sente-se
um “estrangeiro” dentro da sua própria língua materna, ou no dizer de Geraldi (2010, p. 114),
“a língua a aprender se torna estrangeira (ou estrangeira de sua própria língua se torna a
grande maioria dos falantes)”.
Sobre esse assunto, já na década de 1980, Geraldi afirmava que:
o mais caótico da atual situação do ensino de língua portuguesa em escolas
de primeiro grau consiste precisamente no ensino, para alunos que nem
sequer dominam a variedade culta, de uma metalinguagem de análise dessa
variedade – com exercícios contínuos de descrição gramatical, estudo de
regras e hipóteses de análise de problemas que mesmo especialistas não
estão seguros de como resolver. (GERALDI, 1984, 2003a p. 45).
Também encontramos, segundo Bastos e Suassuna (2011), professores que estão
passando por um processo de apropriação dos conhecimentos advindos das contribuições
teóricas para o ensino de língua. Esses professores, segundo as autoras supracitadas, “ainda
não conseguem consubstanciar, de modo significativo, essas novas propostas metodológicas”
(BASTOS, 2011; SUASSUNA, 2011, p. 181).
Quando nos referimos, em parágrafos anteriores, a “o que” ensinar, pretendemos tocar
em um ponto chave na discussão sobre o ensino de língua: as concepções de linguagem que
norteiam o trabalho do professor. Nesse sentido, Geraldi (1991, 2003c) afirma, ao discorrer
sobre a formação dos professores que devemos também nos preocupar com “o que ensinar”,
fazendo referência à visão que os docentes têm a respeito do conceito de língua. E Possenti
(1984, 2003) afirma, categoricamente, que “para que o ensino mude, não basta remendar
alguns aspectos. No caso específico do ensino de português, nada será resolvido se não mudar
a concepção de língua e de ensino de língua na escola”. (POSSENTI, 1984, 2003.p.32-33)
Esses autores, principalmente Geraldi (1984, 2003a), dão uma especial atenção ao
tema das concepções de linguagem, atribuindo a elas um papel importante na discussão sobre
a postura a ser adotada pelo professor em relação à prática de AL. Geraldi (1984, 2003a, p.
41) estabelece uma correspondência entre as três concepções de linguagem elencadas em sua
obra (língua como expressão do pensamento, língua como instrumento de comunicação e
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língua como forma de interação) e grandes correntes de estudos linguísticos: a gramática
tradicional, o estruturalismo, o transformacionalismo e a linguística da enunciação.
Nessa discussão sobre concepções de linguagem e ensino de língua, mais
especificamente quando nos referimos à prática de AL, parece importante chamar atenção
para o debate do que entendemos por conhecimento teórico e o conhecimento prático do
professor.
Entre o conhecimento teórico e a efetivação da prática de ensino de língua há um
grande caminho no qual alguns passos ainda são desconhecidos por nós. Por esse motivo,
partimos da ideia de que não há uma relação tão linear entre o domínio do conhecimento
teórico do professor e o desenvolvimento de sua prática.
Sobre essa discussão, Signorini (2007), afirma que questões relativas ao ensino de
língua não estão relacionadas apenas às questões:
epistemológicas, ou seja, às diferenças nos modos de se conhecer e
compreender a língua e seu funcionamento. Os componentes sócio-políticos
e ideológicos são fundamentais, principalmente porque nunca se apresentam
por inteiro e desvencilhados das histórias e condições locais de organização
no país e na região (SIGNORINI, 2007, p. 8).
A partir do debate entre as concepções de linguagem como conhecimento teórico, e a
prática de AL como conhecimento prático, propomos uma discussão sobre as relações que se
estabelecem entre a teoria e prática.
Essa pesquisa nasceu da inquietação de seu autor ao participar de inúmeras formações
continuadas realizadas pela rede estadual de ensino, reuniões pedagógicas da área de Língua
Portuguesa e, principalmente, da convivência com professores da Rede Estadual de Ensino de
Pernambuco durante a realização do curso de Especialização em Língua Portuguesa, custeado
pelo Governo do Estado de Pernambuco para os professores da rede, como prática de
valorização da formação continuada dos docentes.
Em constante diálogo com esses docentes, percebia-se um enorme anseio em
conhecer novas práticas de ensino de língua, principalmente no que dizia respeito a modelos
de aulas que pudessem estimular o aluno e tornar a prática mais efetiva.
Sobre essa discussão, Possenti (1984, 2003, p. 32) afirma que:
Frequentemente, pesquisadores são chamados para falar a professores, na
esperança de que aqueles apresentem um programa de ensino que funcione.
Em certas circunstâncias, espera-se que tal programa funcione sem qualquer
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outra mudança na escola e nos professores. Espera-se que os especialistas
tragam propostas “práticas”. (POSSENTI, 1984, 2003, p. 32).
Durante o referido curso de especialização, os professores buscavam insistentemente
“receitas” práticas de aula, principalmente no que dizia respeito ao ensino de AL, e o que se
percebia, na realidade, era a presença de uma grande variedade de concepções, seja de texto,
de gramática e principalmente de língua.
Nesse cenário de discussões acerca das relações entre o trabalho com a AL e as
concepções de linguagem, podemos trazer para o debate alguns importantes trabalhos que
tratam sobre essa temática. Dentre essas pesquisas podemos destacar Goulart (2010), que
buscou entender como a AL pode ser tomada como ferramenta na abordagem de textos sob a
perspectiva dos gêneros discursivos em um Livro Didático.
Sobre o ensino de gramática e a prática de AL, podemos destacar o trabalho de Silva
(2009), no qual a pesquisadora buscou perceber como os professores estão lidando com as
diferentes propostas de ensino de língua hoje disponíveis.
As duas pesquisas citadas nos parágrafos anteriores serão discutidas em uma seção
posterior, onde faremos um levantamento sobre alguns trabalhos que tratam sobre a temática
abordada na presente pesquisa.
Apesar da existência de importantes e pertinentes trabalhos sobre as concepções de
linguagem e a prática de AL, como os citados acima, a presente pesquisa se justifica pela
necessidade de novos estudos, pois essa discussão ainda está muito presente no discurso do
professor, suscitando muitas dúvidas e debates sobre a linguagem em perspectiva didática. É
importante argumentar que os trabalhos existentes sobre a temática em foco retratam
realidades específicas, muitas vezes, analisando práticas de dois ou três professores, com
focos de pesquisa direcionados. Por esse motivo, analisar novas práticas, com novos olhares
sobre o objeto de pesquisa, é um movimento importante para produção de conhecimentos
sobre a prática de ensino.
Além dessas justificativas, são necessários novos estudos sobre o tema por estarmos
em outro momento histórico, pois partimos do pressuposto de que a produção de
conhecimento está acontecendo em uma velocidade cada vez maior e isso acarreta novas
necessidades de se rever algumas práticas de ensino.
Ao buscar ampliar o debate sobre as concepções de linguagem e a prática de ensino de
língua materna é que se justifica a importância do presente trabalho de pesquisa, no qual
buscaremos entender as relações que se estabelecem entre a concepção de linguagem do
professor e sua prática com a AL. Ao tentar entender essas relações, poderemos compreender
18
alguns mecanismos relacionados à prática docente e o seu fazer didático, ou seja, como o
professor, no seu dia a dia, consegue articular seus conhecimentos teóricos acerca do objeto
língua/linguagem à sua prática.
Tais esclarecimentos podem trazer também algumas contribuições de ordem prática,
pois, a partir dos estudos de caso dos sujeitos observados, poderemos levantar algumas
reflexões que poderão contribuir para uma discussão mais ampla sobre os programas de
formação de professores (inicial e continuada).
Entendemos que a teoria é determinante da prática, mas não sabemos até que ponto se
dá essa determinação. Nesse sentido, ao falarmos sobre concepções de linguagem e prática de
ensino de língua, especificamente da prática de AL, concordamos com Geraldi (1984, 2003a)
e Possenti (1984, 2003), quando esses autores dizem que a adoção de determinada concepção
influencia a prática de ensino de língua, mas não sabemos até que ponto esse posicionamento
teórico é realmente determinante da prática.
Baseados nas ideias levantadas no parágrafo anterior, partimos de alguns
questionamentos que nos parecem importantes: em que medida um professor que entende a
linguagem como forma de interação realizará um trabalho que condiz com essa concepção?
Como se efetivaria o trabalho com a análise linguística de um professor que toma/ reflete a
linguagem a partir de certo posicionamento teórico? Que tipos de relações se estabelecem
entre o conhecimento teórico que o docente tem e a sua prática de ensino?
Em vista do exposto, a partir da análise da prática de ensino de língua na educação
básica nas escolas públicas, esta pesquisa tem como objetivo geral analisar as relações entre
as concepções de linguagem e a prática de ensino de análise linguística.
Esta pesquisa também apresenta os seguintes objetivos específicos:
1. Analisar as concepções de linguagem e a proposta de prática de ensino de análise
linguística presentes nos documentos oficiais da Rede Estadual de ensino e como elas
se apresentam também nos materiais didáticos utilizados pelos professores durante o
período de observação.
2. Evidenciar as concepções de língua e de ensino de língua do professor, de gramática e
o que ele consegue efetivar em relação à prática de análise linguística.
3. Verificar como o professor articula, em seu fazer pedagógico, os “conhecimentos
teóricos” e os conhecimentos dos “saberes em ação”, em relação à prática de análise
linguística.
19
Para uma melhor leitura do todo desse trabalho, dividimos a dissertação em capítulos,
os quais foram organizados da seguinte maneira:
No primeiro capítulo, apresentaremos as ideias que subsidiaram as análises e
discussão dos resultados da pesquisa. Discorremos sobre as concepções de linguagem que no
percurso histórico sustentaram as diversas práticas de ensino de língua e de gramática.
Embora não seja objetivo específico da presente pesquisa analisar o uso dos gêneros
textuais, não poderíamos deixar de mencioná-los em nossa fundamentação, pois o ensino,
segundo as novas perspectivas, deve contemplar o trabalho com os gêneros em sala de aula.
Também é importante mencioná-los porque, ao tratarmos sobre a prática de AL, não
poderíamos imaginar o ensino de reflexão sobre a língua sem uma articulação entre os eixos
de leitura e produção de texto (gênero). Sobre o processo de reflexão sobre a língua,
propomos uma discussão sobre o que se entende por ensino gramatical e prática de AL, bem
como os conceitos envolvidos nesses processos.
Também apresentamos na fundamentação teórica uma discussão sobre os
conhecimentos teóricos e práticos do professor e, por fim, colocamos em debate o que
algumas importantes pesquisas revelam sobre a temática em discussão.
O segundo capítulo será dedicado à descrição dos procedimentos medotológicos que
orientaram a pesquisa, no que se refere à escolha dos sujeitos, aos procedimentos de coleta de
dados e aos procedimentos de análise. Nesse sentido, a pesquisa teve um enfoque qualitativo,
pois buscamos entender algumas relações que se estabelecem no processo de ensinoaprendizagem de língua materna. Para isso, utilizamos o paradigma indiciário como tipo de
pesquisa qualitativa, que nos permitiu buscar alguns indícios na prática e no discurso dos
docentes observados através dos estudos de caso. Para a coleta de dados e posteriores
discussões sobre eles, foram utilizados três instrumentos de coleta: análise documental,
entrevista e observação. O uso desses instrumentos foi fundamental para criar uma visão mais
ampla sobre os dados.
No terceiro capítulo traremos a análise e discussão dos resultados da pesquisa, ou seja,
nessa parte da dissertação esclareceremos quais as relações que se estabeleceram entre as
concepções de linguagem do professor e a sua prática com a análise linguística. E por fim,
após a análise e discussões dos dados, levantaremos algumas considerações finais, dentre as
quais percebemos que não há uma relação tão linear entre um determinado posicionamento
teórico adotado pelo professor e a efetivação do seu trabalho com a AL.
20
CAPÍTULO 1
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Embora o termo “Linguística” só tenha começado a ser usado com mais frequência no
discurso acadêmico em meados do século XIX para enfatizar a diferença entre uma
abordagem mais inovadora dos estudos da língua e os estudos tradicionais ligados à filologia,
já poderíamos encontrar antes dessa época alguns trabalhos que se referiam a estudos
linguísticos e que traziam cunhado o nome “Linguística” em algum momento. Mas atribui-se
a Ferdinand de Saussure o mérito de tornar a língua um objeto de estudo científico. A partir
do que foi exposto acima, concordamos com Weedwood (2002) quando a autora afirma que
“as pessoas vêm estudando a linguagem desde a invenção da escrita e que os estudos da
língua com finalidades práticas precederam ao processo de reflexão da análise científica”
(WEEDWOOD, 2002, p.17).
Além das contribuições de Saussure para o desenvolvimento da linguística geral como
ciência da linguagem e definição do conceito de língua, podemos destacar as contribuições de
Mikhail Bakhtin, que, além de discutir as teorias saussurianas, propôs novas ideias acerca da
definição do objeto língua/linguagem.
E hoje, com o avanço da linguística, podemos contar com as contribuições de novos
campos de estudos da linguagem, como por exemplo, a Análise do Discurso, a Linguística
Textual, a Sociolinguística, a Linguística Cognitiva, para o processo de ensino-aprendizagem
de língua.
Partindo-se das discussões iniciadas acima, quando falamos sobre as contribuições da
linguística e de alguns teóricos para o estudo da linguagem, passaremos, no tópico seguinte, a
discorrer sobre as concepções de língua defendidas por alguns autores, fazendo uma
contextualização histórica e relacionando essas concepções ao ensino de Língua Portuguesa.
1.1 Concepções de linguagem
Saussure (1916, 2006) e Bakhtin1 (1929, 2010) apresentaram diferentes concepções
acerca da definição de língua e de linguagem. Para Saussure, em primeiro lugar, haveria uma
distinção clara entre as definições dos termos “língua” e “linguagem”, distinção essa que o
1
Faremos, no presente trabalho, referência a Bakhtin como autor de “Marxismo e Filosofia da Linguagem”,
embora saibamos que há discussões e comprovações da autoria de Valentin Voloshinov. Há, inclusive, novas
edições que já trazem Voloshinov como autor da obra supracitada.
21
levou a se dedicar ao estudo do conceito de língua, colocando de lado a linguagem, pois para
esse autor
Tomada em seu todo, a linguagem é multiforme e heteróclita; o cavaleiro de
diferentes domínios, ao mesmo tempo física, fisiológica e psíquica, ela
pertence além disso ao domínio individual e ao domínio social; não se deixa
classificar em nenhuma categoria de fatos humanos, pois não se sabe como
inferir sua unidade.
A língua, ao contrário, é um todo por si e um princípio de classificação.
Desde que lhe demos o primeiro lugar entre os fatos da linguagem,
introduzimos uma ordem natural num conjunto que não se presta a nenhuma
outra classificação. (SAUSSURE, 1916, 2006, p.17 - grifos nossos).
Já para Bakhtin (1929, 2010, p. 128), “a língua vive e evolui historicamente na
comunicação verbal concreta”. Sendo muito mais do que um código, ela é essencialmente
social, pois está diretamente ligada às condições concretas de uso. Nesse sentido a linguagem
configura-se fruto de reflexões científicas extremamente articuladas com a realidade social.
Trazendo a discussão para o campo do ensino, muitos autores tratam sobre as
definições do que é a linguagem e suas aplicações na prática pedagógica do ensino de língua.
Entre esses autores podemos destacar as contribuições de Soares (1998); Travaglia (1996,
2006); Geraldi (1984, 2003a), que trazem a definição de três concepções de linguagem que
podem ser norteadoras do ensino da linguagem.
Segundo Geraldi (1984, 2003a), a prática pedagógica do professor de língua está
intimamente ligada à concepção de linguagem que o mesmo adota. Ao adotar a concepção de
língua como expressão do pensamento, o docente enfocará a gramática normativa/prescritiva
como ponto principal do processo de ensino-aprendizagem e isso será percebido em seu
trabalho pedagógico. É importante destacar que, segundo Geraldi (1984, 2003a, p. 41), “essa
concepção ilumina, basicamente, os estudos tradicionais. Se concebermos a linguagem como
tal, somos levados a afirmações – correntes – de que pessoas que não conseguem se expressar
porque não pensam”.
Nessa perspectiva, a aula de língua é confundida com aula de gramática. Privilegia-se
o trabalho com a forma em detrimento do uso. A memorização das estruturas é o principal
objetivo do ensino de língua, pois se entende que, quanto maior o armazenamento de
estruturas linguísticas, mais o aluno terá facilidade de expressar-se por escrito e oralmente.
Segundo Ramires (1994, p. 3), “essa concepção ilumina, desse modo, a prática tradicional
daqueles professores de língua materna que a centram em atividades linguísticas isoladas do
contexto das relações sociais mais amplas”. Podemos destacar também, segundo essa
22
concepção, o prestígio que se dá ao domínio da norma padrão, que é o grande objetivo do
ensino de língua nas escolas. Essa variedade da língua é tida como único modelo correto de
realização linguística, excluindo todas as outras. Esse modo de pensar gera um grande
preconceito em relação ao modo de falar daqueles que não dominam ou não usam essa
variedade, estigmatizando a língua das pessoas menos favorecidas econômica e
linguisticamente.
O estudo do texto, dentro dessa concepção de língua, frequentemente, restringe-se ao
entendimento de estruturas gramaticais. Os textos são lidos e logo em seguida é trabalhada,
por exemplo, a quantidade de substantivos ou certas construções gramaticais corretas ou
incorretas nele encontradas e quando muito se pede para refazer – reescrever um fragmento –
o objetivo é a correção gramatical. Não se exploram aspectos comunicativos do texto e o
trabalho com a compreensão textual, quando existe, restringe-se à compreensão literal dos
sentidos.
Podemos relacionar essa primeira concepção de linguagem ao que Bakhtin (1929,
2010) denominou de subjetivismo idealista.
Ao discorrer sobre a definição do objeto da filosofia da linguagem e da linguística
geral, Bakhtin elenca duas orientações de pensamento filosófico-linguístico, as quais nomeia
de “subjetivismo idealista” e “objetivismo abstrato”. No que diz respeito à primeira
orientação, a linguagem está relacionada ao psiquismo individual.
As posições fundamentais da primeira tendência, quanto à língua, podem ser
sintetizadas nas quatro seguintes proposições:
1. A língua é uma atividade, um processo criativo ininterrupto de construção
(“energia”), que se materializa sob a forma de atos individuais de fala.
2. As leis da criação lingüística são essencialmente as leis da psicologia
individual.
3. A criação lingüística é uma criação significativa, análoga à criação
artística.
4. A língua, enquanto produto acabado (“ergon”), enquanto sistema estável
(léxico, gramática, fonética), apresenta-se como um depósito inerte, tal como
a lava fria da criação lingüística, abstratamente construída pelos lingüistas
com vistas à sua aquisição prática como instrumento pronto para ser usado.
(BAKHTIN, 1929, 2010, p. 74- 75).
A partir das posições fundamentais da primeira tendência apresentada logo acima,
percebe-se a relação da primeira concepção de linguagem elencada por Geraldi e o
subjetivismo idealista, a partir do momento em que ambas definem a linguagem como
23
resultado de uma atividade psíquica, ou seja, a linguagem é o reflexo (expressão) do
pensamento.
Já a segunda vertente, o objetivismo abstrato, está mais próxima da concepção de
linguagem como instrumento de comunicação. Nessa tendência, considera-se que:
O indivíduo recebe da comunidade linguística um sistema já constituído, e
qualquer mudança no interior deste sistema ultrapassa os limites de sua
consciência individual. O ato individual de emissão de todo e qualquer som
só se torna ato lingüístico na medida em que se ligue a um sistema
lingüístico imutável (num determinado momento de sua história) e
peremptório para o indivíduo. (BAKHTIN, 1929, 2010, p.81).
Nessa perspectiva, a linguagem é vista como um código pronto, à disposição dos
usuários, que a usarão como mero instrumento de comunicação, que lhes permitirá uma troca
de mensagem entre si. Em comparação à primeira vertente, podemos elencar e comparar os
fundamentos do objetivismo abstrato, que são o oposto do subjetivismo idealista.
1. A língua é um sistema estável, imutável, de formas lingüísticas
submetidas a uma norma fornecida tal qual à consciência individual e
peremptória para esta.
2. As leis da língua são essencialmente leis lingüísticas específicas, que
estabelecem ligações entre os signos lingüísticos no interior de um
sistema fechado. Estas leis são objetivas relativamente a toda consciência
subjetiva.
3. As ligações lingüísticas específicas nada têm a ver com valores
ideológicos (artísticos, cognitivos ou outros). Não se encontra, na base
dos fatos lingüísticos, nenhum motor ideológico. Entre a palavra e seu
sentido não existe vínculo natural e compreensível para a consciência,
nem vínculo artístico.
4. Os atos individuais de fala constituem, do ponto de vista da língua;
simples refrações ou variações fortuitas ou mesmo deformações das
formas normativas. Mas são justamente estes atos individuais de fala que
explicam a mudança histórica das formas da língua; enquanto tal, a
mudança é, do ponto de vista do sistema, irracional e mesmo desprovida
de sentido. Entre o sistema da língua e sua história não existe nem
vínculo nem afinidade de motivos. Eles são estranhos entre si.
(BAKHTIN, 1929, 2010, p. 86).
Ao discorrer sobre o objetivismo abstrato, Bakhtin coloca Ferdinand de Saussure
como o mais brilhante representante dessa tendência, pois este “deu a todas as idéias da
segunda orientação uma clareza e uma precisão admiráveis” (BAKHTIN, 1929, 2010, p.87).
Ao se falar da concepção de linguagem como instrumento de comunicação, vemos,
que nessa época, o Brasil vivia um momento de desenvolvimento econômico e a educação
24
estava voltada à inserção das pessoas no mercado de trabalho. Nesse período, os objetivos de
ensino eram
(...) pragmáticos e utilitários: trata-se de desenvolver e aperfeiçoar os
comportamentos do aluno como emissor-codificador e como recebedordecodificador de mensagens, pela utilização e compreensão de códigos
diversos – verbais e não verbais. Ou seja: já não se trata mais de levar ao
conhecimento do sistema linguístico – ao saber a respeito da língua – mas ao
desenvolvimento das habilidades de expressão e compreensão das
mensagens – ao uso da língua. (SOARES, 1998, p. 57).
A ideia de língua como instrumento de comunicação e dos falantes como emissores e
receptores de mensagens mudou fortemente os rumos do ensino de língua. Já que o objetivo
era a comunicação, o foco no estudo sistemático da gramática normativa foi deixado em
segundo plano em detrimento do objetivo prático e comunicativo da linguagem.
Largamente trabalhada nos livros didáticos, a teoria da comunicação, juntamente com
as famosas funções da linguagem, atribuía à comunicação funções específicas e definidas. Por
exemplo, ao cumprimentar uma pessoa na rua e perguntar-lhe a hora, a comunicação, nessa
situação, desempenharia uma função informativa, referencial, pois o seu objetivo seria
basicamente a obtenção de informações a respeito da hora. Essa maneira de analisar o uso da
linguagem não leva em conta que frequentemente utilizamos jogos e mascaramos as nossas
verdadeiras intenções ao utilizar a língua. Na verdade, além dessa óbvia intenção de saber as
horas, poderia estar por trás o objetivo de um simples estabelecimento de uma conversa, algo
que utilizamos como um pretexto para chamar a atenção de alguém com quem desejaríamos
estabelecer um contato, além de outras intenções possíveis.
Através desse simples exemplo, pode-se perceber que a linguagem não é tão
transparente e direta como se pensava; que o sentido das palavras e das expressões não está
contido nelas mesmas, mas, sim, que se dá num jogo de interação entre os interlocutores.
Após ter analisado as propriedades das duas vertentes, Bakhtin elenca algumas críticas
sobre essas tendências. Sobre o objetivismo abstrato, sua principal crítica é que, ao dizer que a
língua é imutável e estática, essa vertente coloca a língua fora do fluxo da comunicação
verbal. Segundo Bakhtin, “os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles
penetram na corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham nessa
corrente é que sua consciência desperta e começa a operar” (BAKHTIN, 1929, 2010, p.11).
Há um desprezo do caráter social e ideológico que comporta a atividade de linguagem, da
realidade viva e dinâmica que essa atividade desenvolve na vida dos sujeitos.
25
Sobre o subjetivismo idealista, Bakhtin afirma que essa orientação apresenta uma
simples e grosseira definição sobre a expressão: “tudo aquilo que, tendo se formado e
determinado de alguma maneira no psiquismo do indivíduo, exterioriza-se objetivamente para
outrem com a ajuda de algum código de signos exteriores” (BAKHTIN, 1929, 2010, p.115).
Segundo essas ideias, o ambiente externo, o fator social, da mesma forma que no
objetivismo abstrato, não é levado em conta como fator determinante da atividade de
linguagem.
Após analisar as concepções das duas vertentes, Bakhtin conclui que:
a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato
de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo
ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação
verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação
verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. (BAKHTIN, 1929,
2010, p.126). (grifos nossos).
Para Bakhtin, a atividade de linguagem é essencialmente social, ideológica e dialógica
e não pode ser desvinculada das relações sociais.
Filiado ideologicamente à concepção bakhtiniana de linguagem, Geraldi (1984, 2003a)
coloca em discussão uma terceira concepção, que é aquela na qual a língua é uma forma de
interação social.
Nessa concepção, entende-se que o dialogismo é o princípio constitutivo da
linguagem. Não existe discurso sem interação e essa interação só é possível na relação
dialógica que se estabelece entre os sujeitos. Segundo Brait (2005, p.95), “o dialogismo diz
respeito às relações que se estabelecem entre o eu e o outro nos processos discursivos
instaurados historicamente pelos sujeitos, que, por sua vez, se instauram e são instaurados por
esse discurso”.
Nesse sentido o trabalho privilegia os papeis sociais dos interactantes, pois essa
concepção “situa a linguagem como o lugar de constituição de relações sociais, onde os
falantes se tornam sujeitos.” (GERALDI, 1984, 2003a, p.41)
A maneira de ver a linguagem como fenômeno de interação muda radicalmente os
paradigmas teóricos de ensino de língua. Já que o foco é a interação, a enunciação entre os
interlocutores, passa-se a valorizar a relação autor-texto-leitor. Pressupõe-se que o leitor não é
mais só um decodificador das informações presentes no texto, mas alguém que acrescenta a
elas sentidos que já fazem parte do seu conhecimento de mundo, ou seja, o processo de
leitura, nessa concepção, é a interação entre as informações presentes no texto e aquelas que
26
cada leitor traz como conhecimento prévio. Os processos de leitura e produção textual não
estão mais voltados para a emissão e recepção de mensagens diretas e definidas, mas, sim,
para um processo de construção de sentido que leva em conta, por exemplo, pressupostos,
intenções
implícitas
entre
outros
mecanismos
de
construção
textual.
A linguagem oral passa a ser amplamente valorizada nessa concepção, já que não se
interage somente através da escrita, mas, principalmente, através da oralidade.
Propomos também, nesta pesquisa, baseados nas ideias da linguística cognitiva, a
ampliação da terceira concepção de linguagem apresentada acima, baseando-nos nas
contribuições de Marcuschi (2007, 2008); Salomão (1999), quando esses autores tratam a
linguagem como forma de cognição situada.
Salomão (1999) aponta a visão sócio-cognitiva da linguagem como alternativa para
solucionar a dicotomia existente entre a dimensão social da linguagem e a visão Chomskyana
de capacidade inata da linguagem. Para autora, “é necessário postular a linguagem como
operadora da conceptualização socialmente localizada através da atuação de um sujeito
cognitivo, em uma situação real, que produz significados como construções mentais, a
serem sancionadas no fluxo interativo.” (SALOMÃO, 1991, p.64).
Marcuschi (2007), ao relacionar a atividade linguística à cognição, admite o caráter
mental da língua, chegando a afirmar que a produção linguística seria uma tradução de
informações e representações em estruturas linguísticas, mas não acredita que as línguas
sejam simples sistemas de representações mentais. Sobre esse aspecto, o autor admite que
“sendo a linguagem uma faculdade humana, a língua será sempre uma forma específica de
ação e cognição situada e não um simples sistema de representação de segunda ordem”.
(MARCUSCHI, 2007. p.38) e nos levanta um questionamento, que coloca em xeque a ideia
de que a linguagem é pura expressão do pensamento.
“será que representamos mentalmente nossos enunciados já prontos e
depois os produzimos lingüisticamente ou vamos produzindo e
representando-os concomitantemente? Se isso é uma ação simultânea, qual
o papel do contexto e da cultura nesse processo”?(MARCUSCHI, 2007.
p.37)
Sobre esse questionamento, o autor assume a seguinte postura em relação à definição
de linguagem: “Tomamos a expressão ‘linguagem’ para designar uma habilidade (faculdade)
humana que constitui os sujeitos como seres sociais, históricos e cognitivos” (MARCUSCHI,
2007. p. 38). Ainda, para esse autor, a “língua é muito mais do que uma simples mediadora do
27
conhecimento e muito mais do que um instrumento de comunicação ou modo de interação
humana. A língua é constitutiva de nosso conhecimento”. (MARCUSCHI, 2007. p.63)
Marcuschi (2008) vê a língua como uma prática sociointerativa de base cognitiva e
histórica, ratificando que
essa posição toma a língua como uma atividade sociohistórica, uma
atividade cognitiva e atividade sociointerativa. Na realidade, contempla a
língua em seu aspecto sistêmico, mas observa-a em seu funcionamento
social, cognitivo e histórico, predominando a ideia de que o sentido se
produz situadamente e que a língua é um fenômeno encorpado e não abstrato
e autônomo. (MARCUSCHI, 2008. p.60).
Ao definir a linguagem como evento sociocognitivo e histórico, Marcuschi (2007)
afirma que “o uso social da língua tem efetivamente um papel relevante na construção do
conhecimento” (MARCUSCHI, 2007. p. 61). A partir dessa afirmação, levantamos os
seguintes questionamentos: como a linguagem atua como um instrumento de construção de
conhecimentos? Como essa construção se da no dia a dia da interação entre os sujeitos e
também no processo de ensino-aprendizagem da linguagem nas aulas de Língua Portuguesa?
1.2 Trabalho com os gêneros textuais e os eixos de ensino
Tomando como referencial a ideia da linguagem como construção de conhecimento,
entendemos que a essa dimensão cognitiva e dialógica deve estar presente no processo de
ensino-aprendizagem da língua em sala de aula, desde uma interação oral até o trabalho com
textos escritos. Este trabalho precisa estar materializado nos gêneros textuais, que “são
entidades sociodiscursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação
discursiva.” (MARCUSCHI, 2005, p. 19).
Neste sentido, o uso dos gêneros como objeto de ensino da língua permitiria ao
professor o desenvolvimento de um trabalho com os eixos de leitura, produção e AL, voltados
ao desenvolvimento das habilidades linguísticas específicas (desenvolvimento da leitura,
produção e reflexões sobre a língua).
Dentre as muitas perspectivas de trabalho com os gêneros, tomaremos como base o
conceito de Marcuschi (2005) ao compreender que os gêneros são a materialização linguística
dos textos que circulam na sociedade. Para este autor, os gêneros são:
1. Realizações lingüísticas concretas definidas por propriedades sóciocomunicativas;
28
2. Constituem textos empiricamente realizados cumprindo funções em
situações comunicativas;
3. Sua nomeação abrange um conjunto aberto e praticamente ilimitado
de designações concretas determinadas pelo canal, estilo, conteúdo,
composição e função; (MARCUSCHI 2005, p. 23).
Essa concepção de gênero está diretamente ligada ao que Reinaldo e Bezerra (2010)
chamam de perspectiva de gênero como retórica. Nessa linha de entendimento, o gênero não é
mais visto na perspectiva formalista, que toma a forma como ponto principal da análise.
Embora mantenha o foco nos traços textuais do gênero, já o considera como uma prática
comunicativa, sendo resposta a situações, com objetivos e propósitos comunicativos.
Encontramos nos PCN de Língua Portuguesa, em várias partes do texto, referência ao
trabalho com os gêneros textuais, como podemos verificar no trecho abaixo, retirado do
documento.
Nessa perspectiva, é necessário contemplar, nas atividades de ensino,
a diversidade de textos e gêneros, e não apenas em função de sua
relevância social, mas também pelo fato de que textos pertencentes a
diferentes gêneros são organizados de diferentes formas.
A compreensão oral e escrita, bem como a produção oral e escrita de
textos pertencentes a diversos gêneros, supõem o desenvolvimento de
diversas capacidades que devem ser enfocadas nas situações de
ensino. É preciso abandonar a crença na existência de um gênero
prototípico que permitiria ensinar todos os gêneros em circulação
social. (BRASIL, 1998. p.23-24).
Segundo o trecho acima, retirado dos PCN de língua portuguesa, o ensino deve
privilegiar atividades de práticas de linguagem, e para tanto, os gêneros textuais são
importantes elementos nessas práticas.
Após ter discutido sobre o uso dos gêneros textuais como importante ferramenta no
ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa, passaremos, no tópico seguinte, a revisitar os
conceitos de gramática e de seu ensino, bem como o que a literatura da área nos diz acerca do
trabalho com a AL.
1.3 Ensino de gramática e prática de análise linguística
Partindo do objetivo geral proposto no início do texto, escolhemos fazer um recorte no
processo de investigação da prática de ensino de língua dos professores. Nesse sentido, como
29
já foi dito anteriormente, escolhemos analisar o eixo de prática de AL, relacionando-o com as
concepções de linguagem apresentadas anteriormente.
A partir desse recorte, cabem-nos alguns questionamentos: O que constitui o trabalho
com a AL? Quais as relações entre AL e o ensino gramatical?
Para tentarmos responder a essas questões e a outras que poderão aparecer nas
análises, faz-se necessário revisitar o que alguns autores nos trazem a respeito do ensino de
gramática e da prática de AL.
1.3.1 Ensino de gramática
Falar sobre o ensino gramatical nas escolas de educação básica gera certa polêmica,
principalmente a partir da ascensão de algumas contribuições advindas da Linguística
Aplicada, que colocaram o ensino sistemático da Gramática Tradicional (GT) em xeque.
Ao se depararem com novas ideias sobre o ensino gramatical, seja através de leituras
de revistas pedagógicas, formações ou outras formas de apropriação de saberes, muitos
professores se sentiram desnorteados em relação à pertinência ou não da presença da
gramática nas aulas de Língua Portuguesa. Segundo Soares (2006, p. 95), “o professor vive
um conflito: ou manter a prática secular do ensino da gramática normativa ou aventurar-se
numa renovação desse ensino”.
É preciso deixar claro que, como afirmam Possenti (1996); Travaglia (1996, 2006), é
função da escola o ensino da norma padrão da língua e que esse direito não pode ser negado
ao aluno.
Nesse sentido, em nenhum momento se propôs que a gramática fosse “abolida” da sala
de aula, mas foi colocada em discussão a forma com a qual se conduzia os estudos
gramaticais.
Seguindo a lógica do parágrafo anterior, dialogando com as ideias de alguns autores,
entendemos que o debate sobre a presença gramática na escola tem sido “o calcanhar de
Aquiles” das discussões do processo de ensino-aprendizagem de língua. Temos que admitir
que o ensino de gramática apresenta-se problemático e tem sido desenvolvido de diferentes
modos, dependendo muito de cada rede de ensino e principalmente de cada professor em sua
prática individual. Sobre esse assunto, Travaglia, (1996, 2006, p. 101) afirma que “dentre as
muitas práticas de ensino, a gramática é a que tem sido a mais questionada”.
30
Antes de prosseguirmos com a discussão sobre o ensino de gramática, cabe-nos uma
importante questão: quando nos referimos ao ensino, de que tipo de gramática estamos
falando?
Travaglia (1996, 2006), antes de discutir o ensino de gramática na escola, resgata
historicamente algumas concepções sobre esse objeto de ensino. Para o autor, há basicamente
três sentidos /concepções para o termo “gramática”.
A primeira delas é a chamada gramática normativa, que segundo o autor “é concebida
como um manual com regras de bom uso da língua a serem seguidas por aqueles que querem
se expressar adequadamente”. (TRAVAGLIA, 1996, 2006, p. 24). Nesse sentido, saber
gramática é dominar e utilizar as suas regras. Segundo as ideias desse autor, há uma íntima
ligação entre esse tipo de gramática e a primeira concepção de linguagem que entende a
língua como expressão do pensamento. De acordo com Travaglia (1996, 2006), o trabalho
como esse tipo de gramática é o mais recorrente nas escolas de educação básica, ocorrendo
assim uma prática de ensino prescritivo, o qual “objetiva levar o aluno a substituir seus
próprios
padrões
de
atividades
linguísticas
considerados
errados/
inaceitáveis”
(TRAVAGLIA, 1996, 2006, p. 24). É justamente essa prática excludente e preconceituosa,
que visa ao objetivo principal de fazer com que o aluno conheça o maior número de regras
gramaticais, que as novas perspectivas de ensino combatem. Práticas que não levam o aluno
ao uso da língua em suas diversas situações de interação.
A segunda concepção de gramática é a que o autor chama de gramática descritiva.
Esse tipo, diferentemente da primeira, não estabelece uma regra única a ser seguida pelos
falantes, mas faz uma descrição sobre o modo de funcionamento da língua. Esse tipo de
gramática é, segundo Travaglia (1996, 2006. p. 27), “um sistema de noções mediante as quais
se descrevem os fatos de uma língua, permitindo associar a cada expressão dessa língua,
descrição estrutural e estabelecer suas regras de uso, de modo a separar o que é gramatical do
que não é gramatical”.
A partir dessa concepção, como já foi dito, não se estabelece uma única forma correta,
mas sim formas realizáveis no funcionamento da língua, trabalhando mais com os conceitos
de estruturas gramaticais e agramaticais, ao invés de estruturas gramaticalmente corretas e
incorretas.
Fazendo a mesma relação que fizemos entre a gramática normativa e o ensino
prescritivo, a adoção do tipo descritivo leva a um ensino no qual se “objetiva mostrar como
determinada língua em particular funciona”. (TRAVAGLIA, 1996, 2006, p. 39).
31
Partindo dessa ideia, saber gramática significa “ser capaz de distinguir, nas expressões
de uma língua, as categorias, as funções e as relações que entram em sua construção,
descrevendo com elas sua estrutura interna e avaliando sua gramaticalidade”. (TRAVAGLIA,
1996, 2006, p. 27). Podemos relacionar esse tipo de gramática, baseado nas ideias do autor
supracitado, com a concepção de linguagem que vê a língua como código, quando este autor
afirma que:
as correntes linguísticas que dão base a esse tipo de gramática têm em
comum o fato de proporem uma homogeneidade do sistema linguístico,
abstraindo a língua de seu contexto, ou seja, elas trabalham com um sistema
formal abstrato que regularia o uso que se tem em cada variedade.
(TRAVAGLIA, 1996, 2006, p. 28).
O terceiro tipo de gramática, que está mais ligada à concepção de língua como
interação, é a chamada gramática internalizada. Esse tipo considera que a língua é “um
conjunto de variedades utilizadas por uma sociedade de acordo com o exigido pela situação
de interação comunicativa em que o usuário da língua está engajado” (TRAVAGLIA, 1996,
2006, p. 28).
Essa perspectiva amplia largamente os horizontes de alcance dos estudos gramaticais.
Não se estudam mais as regras corretas, excluindo todas as demais, nem se elegem formas
realizáveis na língua, mas leva-se em conta a linguagem em funcionamento na interação entre
os sujeitos. Essa visão poderá possibilitar uma prática de ensino mais abrangente, não
excluindo o estudo da norma padrão, mas verificando em que situações essa variedade da
língua seria mais adequada, dando-se importância às outras inúmeras formas de usos
linguísticos.
Após ter apresentado esses três tipos de gramática, uma pergunta ainda nos deixa
curiosos: em relação à prática de ensino, seriam esses três tipos apresentados excludentes?
Travaglia (1996, 2006) diz que não, afirmando que tudo dependerá dos objetivos de
ensino do professor, da realidade e da necessidade da turma, entre outros aspectos.
Ao adotar a perspectiva interacionista de ensino (trabalhar com o conceito de
gramática internalizada), nada impede o professor de realizar um estudo descritivo ou até
normativo do sistema linguístico, que conduza o aluno, através dos meios possíveis, a atingir
os objetivos estabelecidos pelo professor.
Percebe-se, a partir das ideias dos parágrafos anteriores, que Travaglia (1996, 2006) já
chamava a atenção para a não exclusividade do ensino de um tipo de gramática nas aulas de
língua. O autor deixa claro, em vários momentos de sua obra, que o professor pode realizar
32
um trabalho que utilize mais de um tipo de gramática, de acordo com a necessidade e os
objetivos de ensino.
Após ter apresentado os tipos de gramática, pretendemos discorrer sobre os objetivos
de ensino que norteiam o trabalho com a gramática na escola e para isso sentimos a
necessidade de voltarmos à pergunta feita logo no início da introdução deste trabalho (“Em
que medida e em que sentido podemos ensinar a língua materna a pessoas que a utilizam com
todo o domínio necessário para se expressar e se comunicar na sua vida cotidiana?”). Em uma
mesma direção, Travaglia (1996, 2006, p. 17) levanta esse mesmo questionamento, ao discutir
sobre o ensino da gramática, trazendo-nos algumas respostas como ponto de reflexão. Para
este autor, o ensino gramatical visa a:
1. Desenvolver a competência comunicativa dos usuários da língua.
2. Levar o aluno a dominar a norma culta ou língua padrão e ensinar a variedade escrita da
língua.
3. Levar o aluno ao conhecimento da instituição linguística.
4. Propor a ensinar ao aluno a pensar, a raciocinar. Ensinar o raciocínio, o modo de pensar
científico.
Analisando mais atentamente as quatro respostas acima, dadas por Travaglia, podemos
fazer um paralelo entre esses objetivos de ensino da gramática e as concepções de linguagem
que podem estar na base dessas diferentes práticas.
Qual seria a concepção de linguagem de um professor que diz que ensina gramática
para “levar o aluno a dominar a norma culta ou língua padrão e ensinar a variedade escrita da
língua”? Como debatido anteriormente, um professor que toma a linguagem como expressão
do pensamento, tenderia a focar o ensino das regras da gramática normativa como centro do
processo de ensino de língua, conforme ideia defendida por alguns autores. (GERALDI, 1984,
2003a; RAMIRES, 1994).
E o que pensar de um docente que diz que o ensino gramatical deve “levar o aluno ao
conhecimento da instituição linguística”? Qual o objetivo em se conhecer a língua? Vê-se
nessa afirmativa um sentido mais prático (comunicativo) do uso da linguagem. A língua como
código à disposição de seus usuários que podem lançar mão de certas estruturas previamente
conhecidas para fins comunicativos.
E quando se prioriza o ensino da gramática como forma de “desenvolver a
competência comunicativa dos usuários da língua”? Percebe-se aqui que a língua não é mais
vista como uma expressão do pensamento nem como uma forma de comunicação, mas sim
33
forma de interação. Sendo assim, o objetivo do ensino da gramática é o desenvolvimento de
habilidades comunicativas dos sujeitos na interação. É importante deixar claro que quando o
autor fala em desenvolver a competência comunicativa está fazendo referência ao uso da
língua em contexto social, seja através da produção de texto escrito ou oral, desenvolvendo “a
capacidade do usuário em empregar adequadamente a língua nas diversas situações de
comunicação”. (TRAVAGLIA, 1996, 2006, p. 17).
Ainda em relação aos quatro objetivos, outros autores já nos chamam a atenção para a
ideia de que o ensino gramatical pode colaborar para o desenvolvimento de habilidades
cognitivas. Entre esses autores podemos citar Perini (1986 apud Travaglia, 1996, 2006, p.
224), quando atribui ao ensino gramatical um objetivo que ultrapassa as fronteiras linguísticas
ao afirmar que “a gramática tem enormes possibilidades como instrumento de formação
intelectual por permitir desenvolver habilidades de observação, de raciocínio, de
levantamento de hipóteses e argumentação”.
Essa breve exposição nos deu uma luz para entendermos melhor a que tipo (s) de
gramática estamos nos referindo quando lançamos o debate sobre a pertinência ou não dessa
prática de ensino, mas ainda nos resta a dúvida em relação à definição do conceito de AL e
sua relação como o ensino gramatical.
1.3.2 Prática de Análise Linguística
Nesse ponto de nossa discussão, tentaremos responder às duas questões que
propusemos no item 2.3. Para reavivar a mente do leitor, trazemos novamente as ditas
questões: O que constitui o trabalho com análise linguística? Quais as relações entre análise
linguística e o ensino gramatical?
Inicialmente, podemos esclarecer a origem do termo “Análise Linguística” (AL), já
que no tópico anterior discutimos sobre o ensino gramatical.
O termo “análise linguística” foi cunhado por João Wanderley Geraldi em 1981,
porém só ganhou mais notoriedade no meio acadêmico em 1984 2 quando o autor publicou o
artigo intitulado “Unidades básicas do ensino de português”, que está presente no livro “O
2
Alguns autores, como por exemplo, Mendonça (2006), atribuem o ano de 1984 como data na qual Geraldi
utilizou pela primeira vez o termo “análise linguística”. Já Suassuna (2012) esclarece essa dúvida temporal,
afirmando que o termo “análise linguística” apareceu nos debates sobre o ensino de Português em 1981, quando
o professor João Wanderley Geraldi, da UNICAMP, publicou o texto Subsídios metodológicos para o ensino de
Língua Portuguesa.
34
texto na sala de aula”. Desde então muitos teóricos passaram a usar esse termo em suas obras
e muitas redes de ensino o adotaram em suas concepções e documentos oficiais que regulam o
ensino de língua.
Respondendo primeiramente à segunda pergunta, sobre a diferença entre o ensino
gramatical e a prática de análise linguística, podemos afirmar que a AL vem ampliar a
perspectiva de alcance dos estudos gramaticais.
A expressão “análise linguística” proposta por Geraldi (1984, 2003a) e por Travaglia
(1996, 2006) vem substituir a nomenclatura “ensino gramatical”, mas essa substituição não
tem um caráter só de troca de nomes, a mudança está principalmente na perspectiva de
trabalho com a língua.
O ensino gramatical, durante muito tempo, privilegiou o trabalho centrado no estudo
das regras da GT, desvinculando-se da leitura e da produção do texto. A expressão sugerida
por Geraldi nos traz a ideia de um trabalho mais amplo em relação aos estudos acerca da
linguagem. Estudar a linguagem não se resume só ao conhecer as regras, mas, principalmente,
ao saber usá-las com adequação, estabelecendo um processo de reflexão sobre o uso das
estruturas da língua. Não estamos afirmando que a AL não inclua o conhecer as regras, mas
esse “conhecer” é uma das posturas que podemos ter em relação à prática de ensino da língua.
Não é o propósito de Geraldi, em suas obras que versam sobre essa temática, propor o
abandono dos estudos da gramática normativa, mas o autor nos traz a ideia de que a forma
como essas regras eram (são) estudadas deveria (deve) mudar.
Essa mudança diz respeito diretamente à forma como essas regras se articulam ao
texto, entendendo que as normas gramaticais servem, entre outras coisas, para a construção do
discurso (oral e escrito) e como ferramenta para a leitura.
Bezerra e Reinaldo (2013) afirmam que a GT não deixa de ser uma forma de AL, mas
essa forma mostrou-se insuficiente quando o texto passou a ser objeto de ensino de língua.
Nesse sentido, como alternativa, Geraldi (1984, 2003a) propôs a AL, vista por esse autor
como alternativa para levar o aluno a reflexões sobre a língua e, consequentemente, ao
domínio da norma padrão e ao desenvolvimento da habilidade de escrita.
Segundo Bezerra e Reinaldo (2013), a GT não se preocupa somente com
nomenclaturas e classificações. Há também descrições sobre a língua, mas a perspectiva
prescritivista se sobrepõe ao caráter do uso dos registros da língua.
Ainda sobre a comparação entre ensino gramatical e AL, entendemos que não se trata
exatamente de uma substituição de um termo pelo outro, mas também não podemos afirmar
que eles se opõem totalmente. Mendonça (2006) ratifica essa ideia quando afirma que a AL
35
“engloba, entre outros aspectos, os estudos gramaticais, mas num paradigma diferente, na
medida em que os objetivos a serem alcançados são outros”. (MENDONÇA, 2006 p. 206).
Agora tratando especificamente sobre a AL, é importante destacar, segundo Bezerra e
Reinaldo (2013), que essa expressão circula no meio acadêmico brasileiro apontando para
dois diferentes focos de estudos linguísticos: um mais voltado para a descrição dos fatos
linguísticos e o outro com objetivo mais pedagógico.
Relacionando-se a prática de AL com o trabalho com os gêneros textuais, percebe-se
que o primeiro foco (a descrição linguística) contribui para a descrição e caracterização do
gênero como texto, “ora focado na identificação de pistas que atendem às exigências das
situações comunicativas (gênero como ação retórica) ora como subsídio para a descrição do
uso do gênero como prática social”. (REINALDO; BEZERRA, 2012, p. 7). Nesse sentido, a
expressão “análise linguística” era empregada como sinônimo de “descrição linguística”.
Já na década de 1980, quando a linguística passa a se preocupar com questões de
ensino de língua materna, o uso da expressão “análise linguística” se sobrepõe ao termo
“descrição linguística”. Neste sentido, a AL se propõe a objetivos didáticos, foco que
particularmente interessa à presente pesquisa.
Sobre a AL como foco de ensino de língua, podemos destacar as contribuições de
Geraldi (1984, 2003a), que se tornou um grande nome na produção de conhecimentos sobre a
AL como um eixo de ensino de Língua Portuguesa.
Embora Geraldi não falasse, à época, em trabalhos na perspectiva dos gêneros
textuais, ele propôs um trabalho baseado em textos, articulando as três práticas de ensino, as
quais denominou leitura, produção textual e análise linguística. Em relação a este último, o
autor diz que
Com a expressão ‘análise linguística’ pretendo referir precisamente este
conjunto de atividades que tomam uma das características da linguagem
como seu objeto: o fato de ela poder remeter a si própria, ou seja, com a
linguagem não só falamos sobre o mundo ou sobre nossa relação com as
coisas, mas também falamos sobre como falamos. (GERALDI, 2003c, 1991,
p.191-192).
Geraldi (1984, 2003a), em uma fase de reflexão ainda inicial, mas imensamente
significativa sobre a temática da prática de análise linguística, propõe orientações gerais sobre
o desenvolvimento da então recente prática. Dentre essas orientações podemos destacar
alguns importantes trechos:
36
1. A análise linguística que se pretende partirá não do texto “bem escritinho”,
do bom autor selecionado pelo “fazedor de livros didáticos”. Ao contrário,
o ensino gramatical somente tem sentido para auxiliar o aluno.
2. A preparação das aulas práticas de análise linguística será a própria leitura
dos textos produzidos pelos alunos nas aulas de produção de textos.
3. Para cada aula de prática de análise linguística, o professor deverá
selecionar apenas um problema.
4. Fundamenta essa prática o princípio: “partir do erro para a própria
correção” (GERALDI, 2003a, 1984, p.74).
Em 1984, Geraldi lançou essa importante proposta de se trabalhar as reflexões sobre a
língua a partir da produção escrita do aluno, levando os próprios autores do texto (os alunos) a
realizarem uma auto-reflexão sobre os textos produzidos. Em 1996, Geraldi (1996, 2009),
propõe também um trabalho com a AL em articulação como o eixo de leitura, afirmando que
“a reflexão linguística, terceira prática apontada, se dá concomitantemente à leitura, quando
esta deixa de ser mecânica para se tornar construção de uma compreensão de sentidos
veiculados pelo texto”(GERALDI, 1996, 2009, p.62).
Ao partirmos do processo de reescrita dos textos dos alunos, como nos sugere Geraldi,
também podemos pensar em utilizar esses textos como fonte para selecionar futuras reflexões
linguísticas a serem trabalhadas pelo professor em sala de aula, dentro dos momentos em que
o docente propõe a prática de AL. Essa ideia é levantada por Andrade, Seal e Leal (2012),
quando as autoras, ao discorrerem sobre o processo de revisão de textos de crianças das séries
iniciais, afirmam que “é importante ressaltar que, com base na avaliação dos textos das
crianças e de suas revisões, é possível selecionar conteúdos a serem enfocados em outras
atividades nesse eixo de ensino” (ANDRADE; SEAL; LEAL, 2012, p. 88). Concordamos
com as autoras e acrescentamos também que, ao partir da revisão dos textso dos alunos,
poderemos identificar pontos já trabalhados em sala de aula. Porém, no decorrer do processo,
podemos detectar também outras habilidades, relativas aos usos da língua, que precisam ser
desenvolvidas pelos alunos. Neste caso, seria necessário, a depender da situação, recorrer a
uma sistematização específica.
Sobre o processo de reescrita dos textos dos alunos, Suassuna (2012) ratifica a
importância dessa proposta, mas afirma que não “devemos promover a AL apenas a partir de
suas (dos alunos) produções; o mesmo movimento vale para textos de leitura e para a
modalidade oral da língua”. (SUASSUNA, 2012, p. 24).
Também, ao planejar o trabalho com um determinado gênero textual, o professor
poderá prever alguns aspectos linguísticos que poderiam merecer a atenção de uma reflexão
prévia ao momento de produção textual, já que alguns gêneros, no dizer de Bakhtin, são
37
relativamente estáveis e podem já antecipar alguns pontos de reflexão linguística que
poderiam ser úteis aos alunos no momento da leitura e da produção do gênero em questão.
Nesse sentido, não precisaríamos deixar que os alunos cometessem certos “erros” que seriam
previsíveis na produção de um determinado gênero para podermos levantar reflexões sobre
esses “erros”.
Ainda tratando sobre a articulação entre a AL e a produção textual, Morais e Silva
(2007) afirmam que, além do movimento de partir da reescritura do texto dos alunos a AL
(...)pode acontecer tanto durante como em continuidade aos momentos
iniciais da produção de texto. No primeiro caso, trata-se de reflexões acerca
do uso de conhecimentos linguísticos diversos – como pontuação,
paragrafação, coesão, concordância, entre outros – que o docente pode ir
desenvolvendo com os alunos durante a escrita da versão inicial de um texto.
Nessas ocasiões o professor estará colaborando, na realidade, na reflexão
durante o processo de produção mesmo do texto (geração e seleção de
ideias, registro e revisão em processo). (MORAES; SILVA, 2007, p. 148).
Já Bezerra e Reinaldo (2013) trazem uma discussão entre a articulação da prática de
AL com o eixo de leitura, propondo “uma análise linguística voltada para o estudo do
funcionamento linguístico-textual e enunciativa do gênero” (BEZERRA; REINALDO, 2013,
p. 67). As autoras apresentam propostas de AL partindo da leitura, chegando a discussões
sobre aspectos da língua, antes de passar ao momento de produção de texto.
Vemos, a partir da contribuição de vários autores, que a AL pode se dar em todos os
momentos do processo de ensino-aprendizagem da língua, e pode também apresentar-se
através de momentos formais de sistematização de regras, como afirmam Geraldi (1984,
2003b)3 e Suassuna (2012)4
Ampliando as discussões sobre a temática, Geraldi (1991, 2003c) propõe uma
distinção para compreender a proposta de trabalho com a AL. Para este autor existem ações
que se fazem com a linguagem, ações que se fazem sobre a linguagem e as ações da
linguagem.
3
“O objetivo essencial da análise linguística é a reescrita do texto do aluno, isso não exclui, obviamente, a
possibilidade de nessas aulas o professor organizar atividades sobre o tema escolhido, mostrando com essas
atividades os aspectos sistemáticos da língua portuguesa” (Geraldi 1984, 2003b, p. 74).
4
Refletindo de modo sistemático e consciente, produzindo teorias com base em situações diversificadas de
emprego de linguagem, o aluno vai progressivamente construindo um corpo de conhecimentos amplo e
consistente que lhe assegura autonomia e capacidade de lidar com a linguagem em situações novas.
(SUASSUNA, 2012, p.18)
38
As ações com a linguagem ou atividades linguísticas correspondem ao uso diário da
linguagem no processo interlocutivo. Dizem respeito às atividades de compreender os
enunciados e de se fazer compreender ao seu interlocutor. Embora esse tipo de atividade não
trate especificamente do ensino sistemático da língua na sala de aula, configura-se um
elemento fundamental no processo interlocutivo entre os sujeitos. Essas ações realizadas com
a linguagem podem alterar relações que se estabelecem entre os sujeitos, já que através das
atividades com a linguagem buscamos convencer nossos interlocutores de nosso ponto de
vista e buscamos, principalmente, atingir os nossos objetivos.
Em relação às ações que se fazem sobre a linguagem, ou atividades epilinguísticas, são
aquelas que, “também presentes nos processos interacionais, e neles detectáveis, resultam de
uma reflexão que toma os próprios recursos expressivos como seu objeto” Geraldi (1991,
2003c, p. 23).
Tanto as ações linguísticas quanto as epilinguísticas significam “trabalho” em relação
ao uso da linguagem e têm presentes os sujeitos interlocutores, mas algumas diferenças
podem ser estabelecidas entre elas.
As ações com a linguagem (ações linguísticas) visam clarear, o quanto
possível, o tipo de ato que se está praticando, isso porque diferentes atos
respondem a diferentes condições e produzem diferentes compromissos
entre os interlocutores. (...)
As ações sobre a linguagem (ações epilinguísticas), ainda que tenham
presente o interlocutor, tomam como seu objeto os próprios recursos
linguísticos e obviamente também visam ao interlocutor e à produção de
sentido. O caminho privilegiado, mas não único, das ações sobre a
linguagem são os recursos expressivos para as quais a atenção do outro é
chamada. (GERALDI, 1991, 2003c, p. 42).
Nesse sentido, a realização de atividades epilinguísticas no processo de ensinoaprendizagem da língua pressupõe que o professor chame a atenção do aluno para o uso e o
reconhecimento das mais variadas estratégias discursivas utilizadas no texto (gêneros orais e
escritos) e o efeito de sentido que elas podem causar.
A partir do momento em que se realizam atividades sobre a linguagem, somos
desafiados a criar novas estratégias do dizer, utilizando os recursos da língua, manejando
desde aspectos gramaticais a aspectos externos à gramática, como por exemplo, aspectos
culturais. Neste sentido, as ações sobre a linguagem são, muitas vezes, responsáveis “por
deslocamentos no sistema de referências, pela construção de novas formas de representação
39
do mundo (...) e pela construção de sentidos novos para recursos gramaticalizados”.
(GERALDI, 1991, 2003c, p. 43).
Como, por exemplo, dar conta dos implícitos, pressupostos, efeitos de sentidos
causados pelo uso de sinais gráficos, metáforas entre outros aspectos, partindo de estudos
gramaticais?
Nesse sentido, as reflexões epilinguísticas possibilitam ao professor trabalhar esses
aspectos em uma perspectiva interativa, criando condições para que o aluno desenvolva o
conhecimento através do uso da linguagem.
Já as ações da linguagem ou atividades metalinguísticas “são aquelas que tomam a
linguagem como objeto não mais enquanto reflexão vinculada ao processo interativo, mas,
conscientemente, constroem uma metalinguagem sistemática com a qual falam sobre a
língua”. (GERALDI, 1991, 2003c, p.25).
Sobre essas três ações, Bezerra e Reinaldo (2013) afirmam que deve haver um
equilíbrio entre essas práticas, com o objeto de garantir ao aprendiz o uso da língua e o saber
sobre ela.
Geraldi (1991, 2003c) atribui às atividades epilinguísticas um maior destaque, a partir
do momento que afirma que o desenvolvimento desse tipo de atividade configura-se
“condição para a busca significativa de outras reflexões sobre a linguagem”. (GERALDI,
1991, 2003, p. 192). O autor ainda afirma que “para que as atividades metalinguísticas tenham
alguma significância, é preciso que as atividades epilinguísticas as tenham antecedido”.
Nesse debate, acreditamos que essas três ações (linguísticas, epilinguísticas e
metalinguísticas) devem estar presentes na sala de aula. Assim como discutimos sobre os
tipos de gramática e concordamos com Travaglia que esses não são excludentes e que
dependem das necessidades e objetivos de ensino, também cremos que as três ações
linguísticas são pertinentes e necessárias ao processo de ensino-aprendizagem de língua.
Após a discussão sobre o ensino da gramática e a prática de AL, fica claro que essa
última engloba a primeira, criando uma nova perspectiva e objetivos distintos. Portanto, foi
necessário, ao tratarmos da temática do ensino de AL, discorrermos sobre o ensino da
gramática.
1.4 Práticas docentes e construção de conhecimento
Ao analisarmos o trabalho com a AL, relacionando-a com as concepções de linguagem
e suas influências na prática pedagógica, parece-nos necessário abrir uma discussão sobre as
40
práticas docentes e a construção do conhecimento teórico e prático do professor para o
desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.
Nessa discussão sobre conhecimento teórico e prática docente, concordamos com
Tardif (2012), quando o autor afirma que:
o saber dos professores é plural, compósito, heterogêneo, porque envolve, no
próprio exercício do trabalho, conhecimentos e um saber-fazer bastante
diversos, provenientes de fontes variadas e, provavelmente, de natureza
diferente. (TARDIF, 2012, p. 18).
Para esse autor, os saberes docentes são formados a partir de diferentes lugares e
relações. Os saberes docentes, assim, seriam compostos por:
1.
Saberes pedagógicos;
2.
Saberes disciplinares;
3.
Saberes curriculares;
4.
Saberes experienciais.
Os primeiros – saberes pedagógicos – segundo o autor, são “o conjunto de saberes
transmitidos pelas instituições de formação de professores.” (TARDIF, 2012, p. 36). São os
conhecimentos técnicos advindos das ciências da educação que dão suporte à prática do
professor.
Os saberes disciplinares são aqueles que correspondem “aos diversos campos do
conhecimento, aos saberes de que dispõe a nossa sociedade, tais como se encontram hoje
integrados nas universidades, sob a forma de disciplina.” (TARDIF, 2012, p. 38). São aqueles
correspondentes aos saberes das disciplinas escolares (Língua Portuguesa, Matemática,
Física) estudados nos cursos de formação e amplamente valorizados pela comunidade escolar.
Os saberes curriculares dizem respeito ao recorte feito pelo currículo de determinada
instituição, ou seja, que tipos de conhecimentos foram selecionados para serem privilegiados
como modelo para a formação dos alunos, bem como os métodos e objetivos selecionados
para consolidar a sua aprendizagem. Nos saberes curriculares também são demarcadas, além
dos métodos e objetivos de ensino, as concepções teóricas que embasam o processo de
ensino-aprendizagem.
Tardif (2012), afirma que esse tipo de conhecimento não pertence aos professores,
pois eles não são responsáveis, na maioria das vezes, pela sua elaboração, ou seja, os
currículos escolares normalmente são “impostos” aos docentes e esses têm o objetivo de
41
conhecê-los e usá-los em sua prática como uma ferramenta que embasa seu trabalho. Mesmo
não sendo um conhecimento próprio do professor, o saber curricular faz parte de sua prática e
é importante para ajudar o docente a organizar o seu trabalho, através do seu planejamento de
ensino.
E, finalmente, os saberes experienciais. Esse tipo de saber é próprio da experiência da
prática docente e relaciona-se principalmente com as habilidades para desenvolver certas
práticas, compreender em que momentos seriam mais adequados a execução de determinadas
tarefas, ou seja, é um tipo de conhecimento que está intimamente ligado à experiência.
Sobre esse último tipo de conhecimento, alguns autores, como por exemplo, Chartier
(2007); Tardif (2012); Signorini (2007) chamam a atenção para a sua importância dentro da
prática pedagógica. A última autora afirma que
Os saberes próprios da prática diferem do conhecimento disciplinar ou
teórico, que passa a ser um dos recursos de que pode lançar mão o sujeito
envolvido nas práticas. (...) não está no conhecimento disciplinar ou teórico a
causa necessária e suficiente de suas ações no contexto das práticas
institucionais. (SIGNORINI, 2007. p. 215).
Tardif (2012, p. 53), afirma que “a prática da profissão não favorece apenas o
desenvolvimento de certezas ‘experienciais’, mas permite também uma avaliação dos outros
saberes, através de sua retradução em função das condições limitadoras da experiência.”
Chartier (2007) e Tardif (2012) trabalham com os conceitos de “coerência pragmática”
e de “coerência teórica”. Para o último autor
o professor não possui uma só e única ‘concepção’ de sua prática, mas várias
concepções que utiliza em sua prática, em função, ao mesmo tempo, de sua
realidade cotidiana e biográfica e de suas necessidades, recursos e
limitações. Se os saberes dos professores possuem uma certa coerência, não
se trata de uma coerência teórica nem conceitual, mas pragmática e
biográfica: assim como as ferramentas de um artesão, eles fazem parte da
mesma caixa de ferramentas, pois o artesão que os adotou ou adaptou pode
precisar deles em seu trabalho (TARDIF, 2012, p. .65).
Chartier (2007) também chama a atenção para a importância da “coerência
pragmática” em comparação à “coerência teórica”. Para esta autora, a coerência teórica está
ligada aos conhecimentos teóricos produzidos em uma determinada área, ou seja, os discursos
acadêmicos que deveriam servir de referência para a prática docente. Já a coerência
pragmática se relaciona às estratégias do fazer didático do dia a dia do docente, ao se deparar
com os objetivos e problemas práticos do processo de ensino-aprendizagem.
42
Trazendo essa discussão para o foco de nossa pesquisa, poderíamos nos questionar
sobre o que um professor de Língua Portuguesa poderia fazer em uma turma na qual ele
sentisse necessidade de sistematizar didaticamente um determinado assunto gramatical? Será
que juntamente com reflexões sobre a língua, de forma articulada com o texto, o professor não
poderia também lançar mão de reflexões metalinguísticas?
Sobre essa questão, Chartier (2007) mostra os resultados de sua pesquisa na qual a
autora realizou um estudo de caso que buscou saber como uma professora das séries iniciais
poderia teorizar reflexivamente sua prática profissional em relação à aprendizagem da escrita
de crianças no último ano da educação infantil.
A partir desse estudo, a autora percebeu que a professora muita vezes apresentou, do
ponto de vista teórico, atividades que apresentaram modelos incompatíveis, aparentando à
primeira vista uma incoerência (teórica) entre essas atividades. Mas, ao lançar um olhar a
partir do que Chartier chama de “ponto de vista dos saberes em ação”, havia uma forte
coerência pragmática entre as atividades e sequências realizadas pela professora. Segundo a
autora “Florence (a professora observada) sabia aonde ia e essa segurança lhe possibilitava
assumir uma grande calma diante dos múltiplos incidentes que cruzavam o cotidiano, mas que
não faziam se desviar do seu caminho.” (CHARTIER, 2007, p. 198).
Nesse ponto concordamos com a autora e ampliamos a discussão para a prática de
ensino de professores do ensino fundamental e médio. Esses professores podem, em sua
prática de ensino de língua, desenvolver diferentes atividades que aparentemente não seguem
uma mesma lógica teórica, mas que em certos momentos sejam necessárias para uma efetiva
aprendizagem de seus alunos. Um professor que adote, implícita ou explicitamente, uma
determinada concepção de linguagem, poderá realizar algum tipo de atividade que não esteja
teoricamente filiada a tal concepção. O que pensar de um professor que realizasse tais
procedimentos? Será que ele estaria necessariamente realizando um trabalho desarticulado?
Seguindo a discussão proposta nos parágrafos anteriores, parece-nos interessante
voltarmos a Silva (2009), trabalho citado na parte introdutória da presente dissertação, quando
a autora chama a atenção para o trabalho de um dos docentes que compuseram o quadro dos
sujeitos de sua pesquisa. Essa professora levantou uma discussão ao falar sobre o ensino da
gramática tradicional. Para essa docente, contrariando alguns discursos teóricos de que a
gramática tem de estar atrelada ao texto – proposta da AL– poderia haver momentos
específicos de estudo de regras ou nomenclaturas. A entrevistada referiu-se a esses momentos
como se fossem o “abrir de parênteses” para a explicitação de algum conteúdo gramatical.
43
Pensando mais detalhadamente na afirmação da professora, fica-nos a questão: será
que a professora, que segundo os resultados da pesquisa, demonstrou ser conhecedora das
novas orientações sobre a prática de AL, tanto em seu discurso quanto em várias das
atividades analisadas, não teria a autonomia de saber em que momentos poderia sistematizar
alguma regra que achasse útil a seus alunos, inclusive para uma maior compreensão de
posteriores reflexões sobre a língua ou até para um processo de textualização? Qual seria o
olhar do pesquisador ao se deparar com uma situação como a descrita acima? Será que essa
professora seria julgada como uma docente que está em processo de transição entre a
aquisição das novas teorias de ensino, mas com constantes voltas ao ensino de GT?
Suassuna (2012), comentando as ideias de Geraldi (1991, 2003c), ao tratar sobre a
prática de AL no ensino fundamental, nos diz que as atividades devem girar em torno do
ensino da língua e apenas subsidiariamente se deverá apelar para a metalinguagem, quando a
descrição da língua se impõe como meio para alcançar o domínio da língua (p.22). Será que
os momentos nos quais a docente focalizou o ensino de metalinguagem não foram
importantes para o desenvolvimento de capacidades reflexivas que levassem os alunos a
utilizar com mais adequação a linguagem em seu cotidiano e em futuras situações
discursivas?
Em nenhum momento levantamos a bandeira do desprezo pelo conhecimento teórico
do professor para prática de ensino, principalmente quando afirmamos, em parágrafos
anteriores, que o conhecimento disciplinar, o conhecimento pedagógico e o curricular fazem
parte dos saberes docentes. O que na verdade queremos discutir é que, ao possuir grande
conhecimento, tanto da língua quanto do seu ensino, o docente teria a autonomia de decidir o
que seria melhor para a sua prática, saberia como realizar um determinado procedimento e,
principalmente, saberia onde queria chegar com tal prática.
Voltando à discussão sobre os tipos de saberes docentes, Tardif (2012), além de
elencá-los, defende a ideia de que esses conhecimentos se organizam de formar articulada,
mostrando um pluralismo do saber profissional. O quadro abaixo é útil para uma visualização
desses saberes, bem como de suas fontes de aquisição e de como eles se articulam com o
trabalho docente.
44
Quadro 1: Os saberes dos professores
(TARDIF, 2012, p.63. Os saberes dos professores.)
Observando o quadro feito por Tardif (2012), observamos que os saberes estão, na
verdade, ligados a espaços específicos. No centro desse debate, encontra-se a grande
separação entre o trabalho da comunidade acadêmica – produtores de conhecimentos – e os
professores – transmissores desses conhecimentos. Nesse espaço entre os dois grupos, os
docentes são vistos e, muitas vezes, sentem-se como não responsáveis pela produção de
conhecimento ou legitimação do que é produzido pelo meio acadêmico para a prática de sala
de aula, ou seja, “o corpo docente não é responsável nem pela definição e nem pela seleção
dos saberes que a escola e a universidade transmitem” (TARDIF, 2012, p. 40).
Ainda sobre esse debate acerca da produção do conhecimento pedagógico, Coracini
(2003) afirma que há uma cadeia hierárquica na relação entre o professor-pesquisadorformador e o professor que desempenha suas funções de ensinar. O olhar do professorpesquisador está direcionado às críticas e recomendações de como deveria proceder ao
processo de ensino aprendizagem. Esse posicionamento, segundo a autora, também é comum
nas revistas especializadas da Linguística Aplicada.
45
Nessa discussão, levando-se em consideração os vários tipos de conhecimentos que
integram os saberes docentes (pedagógicos, disciplinares, curriculares e experienciais), os
professores se veem na difícil tarefa de organizar sua prática pedagógica baseando-se nos
conhecimentos já (pré) estabelecidos pelos currículos das instituições e redes de ensino, pela
seleção do LD e também pelo tipo de conhecimento que socialmente é cobrado pelos próprios
alunos e pelos próprios pais dos alunos (comunidade escolar).
Ao tentar entender como os professores lidam com toda essa gama de conhecimentos,
imposições de currículo, sugestões de livros didáticos, Albuquerque (2006) analisou como os
docentes da Rede Municipal do Recife estavam se apropriando das concepções oficiais de
ensino de língua Portuguesa e que mudanças eles têm realizado em suas práticas devido a esse
processo de apropriação de conhecimentos.
Para tal, a autora entrevistou sete professoras de 3ª ou 4ª série, formadas em pedagogia
ou letras, e observou a prática de duas delas. Ao analisar o discurso das professoras e observar
as aulas de algumas delas, a pesquisadora chegou a algumas importantes conclusões.
Uma delas é que, ao perceber a repetição no discurso das docentes de que elas seguiam
a proposta do município, a autora concluiu que as professoras tinham a necessidade de afirmar
que seguiam o discurso oficial, principalmente no que dizia respeito ao trabalho com os
textos, um discurso, já à época5, amplamente difundido. Também foi percebido no discurso
dos sujeitos, como nos afirma a própria autora, “algumas estratégias discursivas relacionadas
à dicotomia tradicional/velho/errado x inovador/novo/certo” (ALBUQUERQUE, 2006, p.
67). Essas docentes tentavam negar o caráter tradicional de suas práticas, principalmente das
práticas a que foram submetidas quando eram estudantes. Essa negativa e a tentativa de
realizar práticas que elas mesmas consideravam “inovadoras” eram frutos do processo de
apropriação por parte das professoras, através de curso de formação inicial, cursos de
formação continuada, leituras pedagógicas, entre outras.
Como exemplo desse caráter inovador, é que as professoras investigadas, ao
afirmarem nas entrevistas que trabalhavam com jornais para ensinar a ler, demonstraram ter
se apropriado do discurso atual presente nas propostas curriculares de Língua Portuguesa na
necessidade de se trabalhar diferentes textos em sala de aula.
Ainda mais importante que as conclusões as quais a autora chegou, pode-se destacar o
olhar a partir do qual a pesquisadora se debruçou sobre a prática das professoras. Albuquerque
(2006) utilizou a abordagem da construção dos saberes em ação, pois a autora não partia do
5
A coleta de dados da presente pesquisa foi realizada em 1999.
46
pressuposto de que havia uma relação tão direta entre o processo de apropriação de
conhecimento e a prática pedagógica. Como resultado de tal olhar investigativo, a
pesquisadora pôde entender que:
o processo de apropriação por professores das prescrições oficiais
relacionam-se a uma categoria específica: a da coerência pragmática. O que
para os pesquisadores pode parecer contraditório (por exemplo, levar
diferentes textos para a sala de aula e utilizá-los de uma única forma, para
um único fim), para as professoras pode estar vinculado à essa categoria, à
possibilidade real de desenvolvimento do trabalho pedagógico.
(ALBUQUERQUE, 2006, p. 162).
Ao se pesquisar como um determinado fenômeno relacionado ao ensino de linguagem
se realiza em um ambiente escolar, o pesquisador não pode deixar de considerar a escola
como “uma forma dinâmica de organização institucional, que é produzida por uma
constelação de práticas sociais interrelacionadas” (SIGNORINI, 2007, p. 213). Nesse sentido,
entender como os professores trabalham a prática de AL, relacionando-a com as concepções
de linguagem que subjazem ao trabalho do docente não é algo tão fácil. Não podemos
conceber uma prática que leve em conta só o professor como responsável por um determinado
caminho que ele escolha percorrer. Sobre a prática do professor e principalmente sobre o
processo de didatização, Signorini (2007) traz a ideia de que:
“A didatização é, na verdade, um processo de transformação desses saberes
(acadêmico-científicos) pelas práticas institucionais (desde a confecção de
documentos oficiais, currículos e materiais didáticos, até o desenvolvimento
de atividades em sala de aula) em função de variáveis contextuais específicas
(onde e quando se dá o processo de didatização; em que condições; com que
objetivo; para qual público-alvo; por quem; como etc.)”. (SIGNORINI,
2007, p. 211 – 212).
A partir do que foi dito anteriormente, entendemos que muitas variáveis têm que ser
levadas em consideração no momento de didatizar um determinado conhecimento. Não só os
saberes docentes, mas todas as condições sociais que influenciam o trabalho do professor.
47
1.5 O que nos dizem as pesquisas que tratam sobre as concepções de linguagem e a
prática de análise linguística?
Ao realizar pesquisas em bancos de dados de dissertações e teses de linguística e de
educação da UFPE6, UFMG7, UNICAMP8, nos últimos dez anos e de artigos científicos que
relatam resultados de pesquisas sobre a temática das concepções de linguagem, encontramos
alguns importantes.
Algumas produções articulam as concepções ao ensino de Língua Portuguesa, como o
faz Soares (2006). Nesse trabalho, o autor tomou como objeto de estudo o fazer pedagógico
do professor de português do ensino médio e suas concepções de linguagem, com o objetivo
de abordar a articulação/desarticulação entre um saber linguístico baseado nas teorias
enunciativas e discursivas e a prática pedagógica de professores de português do ensino médio
da Rede Particular do Recife.
A referida pesquisa tomou como sujeitos quatro professores, que foram escolhidos
através de alguns critérios: ser formados em Letras, sendo dois sujeitos formados na década
de 1970 e dois na década de 1980, escolha esta justificada pelo autor como procedimento para
investigar a diferença na formação dos docentes, já que entre as décadas de 70 e 80 muitas
mudanças teóricas foram processadas; os professores deveriam, de alguma forma, apresentar
um trabalho que priorizasse o uso do texto nas aulas; os docentes deveriam ter realizado
algum curso de pós-graduação (especialização, mestrado ou doutorado). O autor da pesquisa
afirma que esses critérios foram fundamentais para se observar a articulação/desarticulação
entre os saberes científico-acadêmicos desses sujeitos e suas práticas pedagógicas. Os
docentes escolhidos atuavam como professores de 1º, 2º, 3º anos do ensino médio e curso prévestibular, sendo um de cada série.
O procedimento de coleta de dados foi realizado através de entrevista e de roda de
diálogos, a partir das quais o autor pretendeu “analisar o discurso sobre as práticas para
‘extrair’ as concepções de linguagem” (SOARES, 2006, p.72).
A partir da análise das entrevistas e das rodas de diálogos, a pesquisa nos traz algumas
conclusões. Uma delas é que “o ensino de Língua Portuguesa, na maioria das vezes, continua
dando seqüência ao estruturalismo saussuriano, a partir do momento em que trabalha a língua
6
www.pgletras.com.br
http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/1
8
http://www.iel.unicamp.br/biblioteca/teses.php
7
48
como sistema fechado, superior, deixando à margem do processo (...) a interação” (SOARES,
2006, p.119).
Sobre a relação entre o fazer pedagógico do professor e as discussões teóricas
produzidas na academia, a pesquisa concluiu que essas discussões muitas vezes se mostravam
distantes da realidade da prática escolar, deixando uma lacuna entre o que é produzido nos
centros acadêmicos e o que realmente chega à sala de aula.
Outra importante pesquisa, já citada na parte introdutória do presente trabalho, é
Goulart (2010). Nesse trabalho, a autora teve como objetivo analisar as atividades de AL de
um LD do ensino médio e ver como essas atividades se articulavam com o eixo de leitura,
através do trabalho com os gêneros discursivos. Para cumprir tal objetivo, foi utilizado o
modelo sociológico Bakhtiniano para analisar os dados coletados do LD, baseando-se nas
categorias propostas pelo modelo supracitado: Contexto sócio-histórico, Construção
Composicional, Estilo Verbal e Conteúdo Temático.
A autora relaciona a prática de AL à concepção dialógica de linguagem proposta por
Bakhtin, na medida em que esta entende os enunciados como objetos reais de estudos
linguísticos, não colocando as orações como unidade de análise, pois as orações se
configuram unidades sem sentido, que não pertencem ao fluxo real de uso da linguagem,
baseada na perspectiva dialógica.
Segundo a afirmação acima, é importante destacar a importância de se entender a
língua como fenômeno discursivo. Nesse sentido a autora afirma que “A proposta da teoria
dialógica ampara essa prática que pede por um aparato teórico discursivo, já que é
impensável, por exemplo, realizar-se AL tomando como base uma noção de língua como
sistema, texto como produto ou frase como unidade de ensino” (GOULART, 2010. p. 56).
A autora também se ancora na concepção de língua como atividade sócio-histórica,
cognitiva e sociointerativa para justificar a escolha do caminho por uma nova prática (AL).
Nesse sentido, autora afirma que,
Sendo uma atividade cognitiva, (a língua) envolve ―estratégias de uso do
conhecimento nos momentos de interação, incluindo cálculos mentais como
as inferências (VILELA E KOCH, 2001:462). Decorre de uma série de
processos mentais que envolvem as estratégias, habilidades, conhecimentos,
objetivos e projeções do falante sobre sua própria fala, sobre a fala de seu
interlocutor e sobre a situação da qual participam. (GOULART, 2010, p. 29).
49
Outra importante conclusão a qual a pesquisadora chegou é que, na quase totalidade
das atividades analisadas, a autora do LD não se utilizou de nomenclaturas gramaticais, dando
mais ênfase ao processo de reflexão sobre o uso dos mecanismos linguísticos. Esse processo
parece interessante, mas concordamos com Goulart (2010) quando a autora afirma que em
alguns momentos seria interessante utilizar-se também de algumas nomenclaturas, já que no
ensino médio os alunos podem/devem lidar com certas classificações.
Em relação à abordagem dos gêneros, Goulart (2010) mostra que a autora do LD
privilegiou o critério do Estilo (5 das 6 atividades), seguido pela de Construção
Composicional (3 atividades), Contexto sócio-histórico (2 atividades) e Conteúdo Temático
(1 atividade).
Nas considerações finais, ao refletir sobre os resultados de suas análises sobre as
atividades de AL do livro didático, a autora afirma que:
a prática de AL não necessariamente tem que fazer referência ao gênero para
se realizar, mas, tendo em vista a importância dos gêneros como
organizadores das interações e mesmo como modo de ação social, essa
relação se torna altamente recomendável no processo de aprendizagem.
(GOULAR, 2010, p.102).
Também citada na parte introdutória do presente trabalho, Silva (2009), com o
objetivo de buscar entender como os professores lidam com as novas propostas de ensino de
língua, no que diz respeito à GT e a prática de AL, pesquisou sobre a prática de sala de aula
de dois professores da Rede Municipal de Recife.
Para tanto, a pesquisa caracterizou-se como etnográfica e baseou-se no paradigma
indiciário, ao justificar que, esse tipo especial de pesquisa levaria à compreensão das
particularidades as quais a pesquisadora queria conhecer no trabalho dos professores,
cumprindo dessa maneira o objetivo da pesquisa.
Como principais resultados, Silva (2009) nos diz que há, nos professores analisados, a
coexistência de diferentes perspectivas teórico-metodológicas no trabalho pedagógico do eixo
da reflexão e análise sobre a língua, perspectivas essas que se delinearam mais claramente em
função dos conteúdos linguísticos selecionados e trabalhados em sala de aula.
A autora também afirma que uma das causas dessa variação referida no parágrafo
anterior poderia ser atribuída à formação inicial e continuada dos professores. Outra poderia
estar relacionada com a dificuldade sentida pelos professores em lidar com conteúdos de
50
ensino e programas curriculares pouco precisos quanto ao princípio orientador da progressão
de conhecimentos escolares.
E como conclusão final e proposta para a superação do problema, a autora nos aponta
que ações conjuntas no âmbito acadêmico e no das políticas públicas poderiam contribuir para
a superação do problema detectado na pesquisa, que se apresenta como uma problemática de
natureza multifacetada.
Outra pesquisa que trabalhou com as concepções de linguagem em articulação com o
ensino de Língua Portuguesa foi realizada por Camillo (2007), cujo título é “Concepções de
linguagem e ensino gramatical: a visão do professor”. Nesse trabalho buscou-se analisar a
concepção de linguagem de professores de Língua Portuguesa e a dificuldade que eles
encontram (ou não) em trabalhar com a gramática em um ensino integrado à leitura e à
produção textual.
Para cumprir tal objetivo, a pesquisa foi realizada, primeiramente, com alunos do 4º
ano do curso de Letras e em seguida com professores já formados que pertenciam a um grupo
de estudos (formação continuada) da Rede pública do Paraná.
Como fundamentação teórica, o autor partiu das três concepções de linguagem
elencadas por Geraldi (1984, 2003a) e das três concepções de gramática defendidas por
autores como Travaglia (2006, 1996) e Possenti (1996), atribuindo a cada concepção um
trabalho com um determinado tipo de gramática.
O trabalho foi realizado em duas etapas. Na primeira foi realizada uma pesquisa
direcionada aos alunos de graduação do curso de Letras da Universidade Estadual de
Londrina. Os participantes/sujeitos responderam a um questionário de 12 questões, objetivas e
subjetivas, totalizando 21 alunos.
Já em um segundo momento, foi acompanhado um Grupo de Estudos de professores
da Rede pública de ensino do Paraná, na cidade de Curitiba, do qual participam oito
professores de Ensino Médio de diferentes escolas. Destaca-se que esse Grupo de Estudos foi
realizado em todo o estado do Paraná, para todas as disciplinas do Ensino Fundamental e
Médio, como prática de formação continuada em Língua Portuguesa. Para as duas fases da
pesquisa, foram usados questionários com perguntas relativas à temática e especificamente na
segunda fase foram feitas gravações e análise do material produzido pelos docentes
participantes.
Como resultados, em relação à primeira etapa, concluiu-se que a maioria dos alunos
que respondeu o questionário não se julgava preparado para trabalhar com o ensino gramatical
51
numa proposta interacionista, articulando a gramática à produção de texto e à leitura; parte
dos entrevistados também desconhecia as concepções sobre ensino gramatical.
Ao questioná-los sobre a concepção de linguagem que seria mais produtiva para o
ensino de Língua Portuguesa, 62% concordaram que a linguagem como forma ou processo de
interação seria a ideal. No entanto, alguns alunos, ao justificarem as respostas, demonstraram
não ter conhecimento sobre o significado dessas concepções, as quais são indispensáveis na
formação docente.
Outros dados quantitativos nos revelam que no Nível Médio, 81% receberam uma
formação tradicional, com ênfase apenas nas regras gramaticais e na norma culta, de modo
descontextualizado. Já no Nível Superior, 62% disseram que as aulas de gramática foram
ministradas de forma interativa, entretanto, desses 62%, 23% assinalaram mais de uma opção.
Entre os outros alunos, 19% responderam que o ensino de gramática ocorreu através de texto
como pretexto para se ensinar GT, e os outros 19% mencionaram que este ensino foi de forma
tradicional, com ênfase apenas nas regras gramaticais e norma culta de modo
descontextualizado.
Como resultado da segunda etapa da pesquisa, a qual teve como sujeitos professores já
formados que realizavam um curso de formação continuada, o trabalho nos traz algumas
importantes conclusões. A maioria dos professores (71%) afirmou que a concepção de
linguagem mais produtiva para o ensino de língua era aquela que tomava a linguagem como
perspectiva de interação. Ao justificarem a escolha da concepção de linguagem, os docentes
não aprofundaram o sentido de interação através da linguagem. Sobre esse ponto, ao se
analisarem as respostas dos questionários, percebeu-se que 14% não responderam o item
sobre esse questionamento; 14% optaram pelas alternativas: “linguagem como expressão de
pensamento” ou “como instrumento de comunicação”. Esses resultados, segundo as
conclusões da pesquisa, demostraram o desconhecimento que os professores, já formados,
tinham a respeito das concepções de linguagem.
Outra importante pesquisa foi feita por Perfeito (2010). Com o objetivo de buscar
relacionar as concepções de linguagem às teorias que lhe são subjacentes e a prática do
professor, a autora fez uma análise de gravações de 20 horas-aula, em turmas de 4ª s e 8ª s nas
cidades de Londrina e Maringá. Segundo a autora, essas gravações, após devida análise,
puderam ser reveladoras da(s) concepção (ões) de linguagem dos professores.
Da mesma forma que a pesquisa anteriormente analisada, Perfeito (2010) tomou como
referencial teórico as três concepções propostas por Geraldi, (1984, 2003a) relacionando cada
uma com um tipo de ensino gramatical.
52
Como conclusões, a pesquisa nos mostra que alguns professores entendiam a língua
como expressão do pensamento, a partir do momento em que focalizavam um trabalho
descontextualizado, partindo da leitura de alguns trechos de obras, realizando discussões
acerca de aspectos gramaticais fora de uma prática discursiva. Já outra professora apresentou
uma oscilação em seu trabalho com a gramática, realizando práticas, ora contextualizadas, ora
não. Essa oscilação no trabalho da docente talvez se justifique, segundo a pesquisa, por ela ser
uma docente que já tinha ouvido algo a respeito de gramática contextualizada, em cursos de
capacitação ou na própria formação inicial (graduação), ou até em formações continuadas,
mas parece ter incorporado apenas fragmentos discursivos da proposta de ensino.
Ao final de uma discussão teórica e de resultados de algumas pesquisas que tratam
sobre a temática em discussão e antes de passarmos ao detalhamento dos procedimentos
metodológicos, parece-nos relevante fazer uma pequena síntese dos pontos discutidos até esse
momento.
Partimos das contribuições de Saussure (1978, 1916) e Bakhtin (1929, 2010) acerca da
definição do objeto língua/ linguagem, percebendo a diferença entre as ideias de cada autor e
seus distintos conceitos, relacionando o que este último autor nos deixou de contribuição para
a formulação de teorias que pudessem discutir sobre o processo de ensino-aprendizagem da
língua.
Em relação às concepções de linguagem e o ensino de Língua Portuguesa, destacamos
as contribuições de Geraldi (1984, 2003a) ao discorrer sobre as três concepções de linguagem
(Língua como expressão do pensamento, língua como instrumento de comunicação e como
forma de interação) e também a concepção defendida por Salomão (1999) e Marcuschi
(2007), que entendem que a língua é um fenômeno sociocognitivo.
Como recorte metodológico, escolhemos analisar o trabalho com a prática de AL e,
para fundamentar a análise dos dados coletados, discorremos sobre as definições de gramática
e seu ensino, bem como os procedimentos, elencados por Geraldi (2003ª, 1984), envolvidos
na prática de AL, articulada como os eixos de leitura e produção de textos, baseando-nos na
perspectiva dos gêneros textuais.
Por fim, levantamos algumas ideias, apoiando-nos nas discussões de Tardif (2012);
Coracini (2003); Chartier (2007); Signorini (2007) sobre a construção do conhecimento e as
práticas docentes, baseados na perspectiva dos “saberes em ação”.
53
Capítulo 2
Abordagem metodológica
Após termos definido como objetivo geral a análise das relações entre as concepções
de linguagem e a prática docente de ensino de AL e os caminhos para chegarmos a ele
(objetivos específicos), e termos discutido as bases teóricas que orientaram este trabalho,
passaremos a descrever o caminho metodológico que foi percorrido pela presente pesquisa.
Sendo assim, neste capítulo, levando em consideração o objetivo acima mencionado,
apresentaremos as escolhas feitas em relação ao tipo de enfoque investigativo, aos critérios de
seleção dos sujeitos e uma breve caracterização de cada um deles, aos instrumentos de coletas
de dados bem como os procedimentos que adotamos para a análise.
2.1 Abordagem investigativa – A pesquisa qualitativa
Sabemos que realizar pesquisa não é uma tarefa tão simples e fácil, principalmente
quando temos por objeto de análise a prática pedagógica. Afirmamos isso porque sabemos
que o mundo da sala de aula é muito variado e que dificilmente podemos compreender essa
multiplicidade de ações que se realizam no ambiente educativo.
Pensando desta maneira, a presente pesquisa não tem por objetivos levantar dados
estatísticos nem criar generalizações que pretendam representar a realidade dos professores de
Língua Portuguesa. Com isso não queremos dizer que não se possa fazer pesquisa quantitativa
em educação, mas em alguns casos, como o deste trabalho, a abordagem qualitativa se torna
mais apropriada, pois essa abordagem
Não busca enumerar ou medir eventos e, geralmente, não emprega
instrumentos estatísticos para a análise de dados; seu foco de interesse é
amplo e parte de uma perspectiva diferenciada da adotada pelos métodos
quantitativos. Dela faz parte a obtenção de dados descritivos mediante
contato direto e interativo do pesquisador com o objeto de estudo. Nas
pesquisas qualitativas, é frequente que o pesquisador procure entender os
fenômenos segundo a perspectiva dos participantes da situação estudada e, a
partir daí, situe sua interpretação dos fenômenos estudados. (NEVES, 1996,
p.1).
Inserindo-se na abordagem qualitativa, a pesquisa em questão classifica-se como dois
estudos de caso descritivos, que visou à descrição e análise da prática de AL, estabelecendo
possíveis relações com as concepções de linguagem do professor. É importante deixar claro
54
que tentamos estabelecer critérios relativamente rígidos para a escolha dos sujeitos, pois, para
atingirmos os objetivos da investigação, precisávamos de professores que tivessem uma
prática específica, de acordo com o perfil que será apresentado na sequência. Por outro lado,
adotamos critérios flexíveis na seleção do que foi investigado na prática dos sujeitos, já que
“o estudo de caso é a estratégia escolhida ao se examinarem acontecimentos contemporâneos,
mas quando não se podem manipular comportamentos relevantes” (YIN, 2005. p. 26), ou seja,
pudemos prever algumas situações que encontramos no campo da pesquisa, mas não o que
realmente aconteceria.
Além da pouca exigência de controle sobre os eventos comportamentais no campo de
pesquisa, a estratégia do estudo de caso revelou-se adequada quando buscamos responder
perguntas de pesquisa que tinham um “como” ou um “por que” na base de suas questões.
Ao pensarmos sobre os pressupostos teóricos que tomamos como base, concluímos
que eles foram sendo revistos – ampliados ou modificados – durante o percurso da pesquisa.
Isso comprova o que afirma Suassuna (2008, p. 349) quando diz que “na abordagem
qualitativa, a teoria vai sendo construída e reconstruída no próprio processo de pesquisa, o
mesmo se dando com as opções metodológicas, que vão sendo gradualmente explicadas e
redefinidas”.
Para um trabalho de pesquisa dessa natureza, não poderíamos analisar um grande
número de professores e nem esperar que uma determinada amostragem pudesse refletir a
realidade dos milhares de docentes da Rede Estadual de Pernambuco. Nesse sentido, não
buscamos generalizações comportamentais, pois o estudo de caso tem como objetivo
“expandir e generalizar teorias (generalizações analíticas) e não enumerar frequências
(generalizações estatísticas)” (YIN, 2005, p. 30). Sendo assim, nossas observações
pretenderam analisar casos e tentar enquadrá-los teoricamente, a partir dos critérios
estabelecidos na fundamentação teórica.
2.2 Escolha das escolas e dos sujeitos
Com o objetivo de analisar a relação entre as concepções de linguagem e o trabalho
com a AL do professor, a pesquisa foi realizada através de entrevista, de análise documental e
de observação da prática de sala de aula de professores de Língua Portuguesa da Rede
Estadual de Pernambuco, especificamente do ensino fundamental.
Escolhemos a Rede Estadual de ensino, pois em tal rede há apenas um professor de
Língua Portuguesa que deve trabalhar com todos os eixos de ensino da linguagem,
55
diferentemente de muitas redes, principalmente de escolas particulares, nas quais, geralmente,
há um professor para gramática, outro para redação e, no caso do ensino médio, outro para
literatura. Não é de interesse desta pesquisa analisar professores separadamente no trabalho
com cada eixo de ensino da língua.
Além da justificativa apresentada no parágrafo anterior, também pereceu interessante
destacar que a Rede Estadual de Ensino tem realizado programas de formação continuada
com seus professores, além de produzir documentos oficiais que têm por função nortear /
orientar o trabalho docente.
A escolha pelo ensino fundamental justifica-se por ser o nível de ensino no qual o
pesquisador tem mais experiência e também por ser uma das áreas de atuação do profissional
de letras.
Foi analisada a prática de duas professoras de uma escola estadual da região
metropolitana do Recife que dispunha de espaço físico adequado e recursos didáticotecnológicos – como por exemplo – livro didático, data show, retroprojetor, biblioteca, entre
outros, que puderam auxiliar na execução das aulas de língua.
Alguns procedimentos foram adotados para a escolha dos dois sujeitos que fizeram
parte da presente pesquisa. O primeiro passo para tal escolha foi a busca por indicações na
própria Rede Estadual. A Secretaria de Educação e as GRE contribuíram com indicações de
escolas da rede que ofereciam a modalidade de ensino fundamental. Ao chegarmos às escolas,
procuramos conversar com a equipe pedagógica (gestores, coordenadores e educadores de
apoio) para conhecermos um pouco da realidade da instituição e buscarmos professores que
pudessem compor nosso quadro de sujeitos da pesquisa.
Quando nos referimos a buscar indicações da equipe pedagógica das escolas para
chegarmos a nomes de professores que pudessem apresentar perfis adequados aos objetivos
da pesquisa, entendemos que, mais do que qualquer pessoa, um gestor ou um coordenador de
apoio, que vivencia diariamente as práticas do ambiente escolar, poderia conhecer mais
efetivamente o trabalho dos professores da instituição, já que o papel da equipe pedagógica é
acompanhar o trabalho dos docentes e dos demais funcionários da escola.
Buscamos, através do processo de seleção de indicação das equipes pedagógicas,
professores que, segundo a visão dessas equipes:
 Tinham disponibilidade em participar de um processo de pesquisa para a
construção de um trabalho acadêmico.
56
 Eram compromissados com as práticas escolares, principalmente no que diz
respeito à assiduidade e à pontualidade.
 Utilizavam o texto como parte fundamental do processo de ensinoaprendizagem.
 Realizavam algum tipo de projeto voltado ao ensino da leitura ou produção de
textos.
 Tinham uma boa relação com os alunos.
Além do critério de indicação das equipes pedagógicas, buscamos professores que
fossem graduados em Letras e que tivessem concluído a sua última formação (graduação ou
pós-graduação – Lato sensu ou stricto sensu) no período máximo de 10 anos. Essa restrição se
justifica, em primeiro lugar, pelo fato de a pesquisa não ter o objetivo de analisar os tipos de
formação dos professores (tradicionalista
ou sociointeracionista), evitando buscar
justificativas de formação teórica para explicar diferenças entre as práticas de professores que
possuíssem diferenças significativas entre épocas de formação. Em segundo lugar, buscamos
sujeitos que desenvolvessem práticas de ensino que apresentassem um trabalho baseado na
perspectiva dos gêneros textuais e que afirmassem articular os três eixos de ensino (leitura,
produção e AL).
Não estamos afirmando que profissionais com mais de dez anos de formação não
poderiam apresentar um trabalho da forma como foi dita acima, mas, na verdade, tal tipo de
trabalho é algo que só passou a fazer parte dos cursos de formação de professores nas últimas
décadas. Desse modo, alguns profissionais com um bom tempo de formação só, talvez,
tenham tido acesso a esse tipo de teoria em cursos de pós-graduação ou de formações
continuadas oferecidas pelas redes de ensino.
Percorrer o caminho descrito acima não foi fácil. Encontramos muitas dificuldades
para acharmos professores que se enquadrassem no perfil requerido pela pesquisa. Após
conseguirmos, através das GRES, as listagens das escolas estaduais que ofereciam a
modalidade do Ensino Fundamental, passamos a visitar essas instituições.
Partimos da indicação de duas Gerências. A GRE Metropolitana norte, responsáveis
pelas escolas das cidades da região metropolitana norte (Olinda, Paulista, Abreu e Limas,
Igarassu) e a GRE Norte, responsável pelas escolas do centro do Recife e de alguns bairros da
região Norte da cidade.
57
Em relação às escolas da GRE Metropolitana Norte, preferimos conhecer os
professores em seu ambiente escolar. Para tanto, escolhemos algumas escolas e as visitamos.
Inicialmente buscamos conversar com o gestor da instituição ou algum coordenador
pedagógico que pudesse nos dar algumas informações sobre os professores, para tentarmos
encontrar sujeitos que se adequassem ao perfil traçado pela pesquisa.
Em relação aos professores da GRE Norte, realizamos um procedimento diferente.
Devido à grande quantidade de escola e de professores dessa regional e principalmente por
sugestão da técnica em Língua Portuguesa da GRE, não procuramos os professores nas
escolas, mas partimos de uma listagem de professores que tinha participado da elaboração dos
Parâmetros para a educação básica do Estado de Pernambuco. Esse documento se baseia em
uma concepção de linguagem como interação e destaca a AL como um dos eixos
fundamentais para o ensino de língua, em articulação com os demais eixos. Também é
importante destacar que esses parâmetros foram analisados na presente pesquisa através da
análise documental.
Em uma conversa com a técnica da GRE, esta afirmou que esses professores seriam,
provavelmente, os que preencheriam os critérios de seleção dos sujeitos da pesquisa. Ela
ainda afirmou que conhecia bem alguns docentes e que eles, além de serem autores da
proposta curricular, tinham uma prática coerente com os pressupostos teóricos do documento
que já estavam publicados e disponíveis a qualquer professor que o desejasse consultar no
momento do processo de seleção dos sujeitos dessa pesquisa.
Em relação à outra GRE, após enfrentarmos dificuldades na seleção dos docentes,
adotamos o mesmo procedimento da GRE Norte, ou seja, passamos a buscar os professores
pela listagem dos docentes que participaram da elaboração dos parâmetros.
O fato de partirmos das listagens dos professores que participaram da elaboração dos
parâmetros estaduais não substituiu os critérios de seleção dos sujeitos elencados
anteriormente. Na verdade, a listagem nos permitiu partir de um número mais reduzido e
específico de docentes que poderiam preencher os requesitos para serem sujeitos da presente
pesquisa. Sendo assim, ao termos acesso aos professores que participaram do processo de
produção dos parâmetros, lançamos mão dos critérios para a seleção dos sujeitos descrito
anteriormente. Após todo esse processo de seleção, nas duas GRE, chegamos aos dois sujeitos
que fizeram parte da pesquisa.
Na próxima seção, passaremos a traçar um breve perfil das duas professoras que foram
sujeitos da pesquisa, bem como uma sucinta descrição do ambiente escolar. Essa descrição
das docentes se faz necessário, em primeiro lugar, para justificar a escolha do pesquisador por
58
cada uma delas e, principalmente, para tentarmos entender, no capítulo das análises, as
relações que elas estabelecem entre o conhecimento teórico (concepções de linguagem) e sua
prática de ensino (Análise linguística).
2.2.1 A Professora A (PA)
A PA concluiu a graduação em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE) em 1996. No mesmo ano de sua formação, entrou na Rede Estadual através de
concurso público e desde então, há mais de 18 anos, leciona aulas de Língua Portuguesa.
Além da graduação em letras, a docente realizou dois cursos de Especialização, um em
literatura e outro em leitura, análise e produção de texto na área de linguística. Em 2010
concluiu o mestrado em Educação, também pela UFPE.
Na época da pesquisa, a PA lecionava em duas escolas da Rede Estadual e uma da
Prefeitura de Olinda, nas modalidades de ensino fundamental e médio. Segundo relatos da
entrevista, era o primeiro ano que a docente trabalhava com o ensino fundamental, sua
experiência sempre foi no ensino médio. Para a pesquisa, a PA foi observada em uma turma
de 6º ano de uma das escolas estaduais na qual trabalhava.
Essa turma era composta por 20 alunos, dos quais 17 eram frequentes. Os estudantes
eram egressos de outra escola do bairro e tinham um excelente nível de leitura e escrita, salvo
alguns casos isolados. A professora tinha uma excelente relação com os alunos e isso
facilitava o trabalho em sala de aula.
2.2.2 A Professora B (PB)
A PB era também graduada em letras pela UFPE. Tinha especialização em linguística
aplicada, com ênfase em leitura e produção de texto e mestrado em linguística pela UFPB. No
ano da pesquisa, cursava o doutorado em educação.
Em relação a sua experiência profissional, já lecionava aulas de Língua Portuguesa há
27 anos, sendo já aposentada da Rede privada de Ensino. Na época da pesquisa ministrava
aula em uma escola Estadual na cidade de Olinda, onde tinha turmas de Ensino fundamental e
médio. Segundo a própria professora, ela tinha experiência com as duas modalidades de
ensino no decorrer de sua vida docente.
A PB foi observada em uma turma de 9º ano da escola estadual na qual trabalhava na
época da pesquisa. Essa turma era formada por apenas 12 alunos, com uma frequência média
59
de 6 por aula. Era uma turma que não apresentava problemas de disciplina, mas exigia muito
da professora em relação à motivação para a participação nas atividades.
2.2.3 Descrição do ambiente escolar
Antes de procedermos à descrição do ambiente escolar, é importante dizer que as duas
professoras que fizeram parte da pesquisa foram observadas na mesma escola, que está
localizada em um bairro da cidade de Olinda. A escola é considerada de pequeno porte e
funcionava em três turnos diários. Apesar de pequena, a unidade escolar tinha uma boa
organização estrutural, possuía o quadro completo de professores, biblioteca, recursos
tecnológicos (data show, televisão) e salas climatizadas. A escola era considerada de difícil
acesso, pois não havia linhas regulares de transporte público que atendesse à região na qual a
instituição estava inserida. Por esse motivo, a maior parte dos alunos, inclusive as duas
professoras, eram moradores da região.
A escola também tinha um quadro completo de funcionários, principalmente no que se
referia à equipe pedagógica (gestor, coordenador de apoio), que sempre colaborava com as
professoras e com o pesquisador, quando precisávamos de informações sobre a escola e sobre
as docentes.
2.3 Instrumentos de coletas de dados
Para realização da presente pesquisa, utilizamos três instrumentos de coleta de dados:
entrevista, observação e análise documental. Nas seções a seguir falaremos um pouco sobre
cada um e também com qual objetivo da pesquisa eles se relacionam.
2.3.1 Entrevistas
Entendemos, ao construir os objetivos da pesquisa, que a entrevista seria um
instrumento fundamental para a tentativa de obter respostas às questões propostas por este
trabalho, principalmente porque esse instrumento de coleta poderia nos fornecer, desde
informações mais objetivas sobre o docente e o processo de ensino (tempo e tipo de formação,
procedimentos de escolha de material didático, etc.), até questões mais subjetivas (crenças,
concepções, etc.).
Sendo assim, acreditamos ser fundamental a análise dos dados obtidos através da
entrevista, pois concordamos que ela proporciona a
60
(...) possibilidade de a fala ser reveladora de condições estruturais, de
sistemas de valores, normas e símbolos (sendo ela mesma um deles) e ao
mesmo tempo ter a magia de transmitir, através de um porta-voz, as
representações de grupos determinados, em condições históricas,
socioeconômicas e culturais especificas. (MINAYO, 1999, p. 109-110).
As entrevistas realizadas com as professoras foram do tipo semiestruturada e suas
perguntas (apêndice 1) buscaram revelar, segundo o discurso dos docentes investigados,
elementos que faziam parte de sua prática de ensino com a língua no contexto escolar,
principalmente no que se referia ao ensino da prática de AL;
Nesse tipo de entrevista, Oliveira (2010) afirma que:
são apresentados tópicos, ao invés de questões fechadas e permitem
respostas subjetivas, sem perder o quantitativo. É considerada a melhor
forma por se utilizar das duas anteriores (estruturada e aberta). O
entrevistador segue um guia de questões, mas deve estar preparado para caso
a entrevista mude de caminho. (OLIVEIRA, 2010, p. 27).
Esse procedimento havia sido planejado para ser executado antes do período das
observações, mas com a PA isso não foi possível devido a condições de disponibilidade da
docente e do pesquisador. Com essa docente, realizamos a entrevista durante o período das
observações, isso justifica o fato de ela, em alguns trechos, referir-se a alguns momentos das
aulas que já haviam sido observadas. Apesar disso, a entrevista foi eficaz para a obtenção de
dados que foram importantes para as conclusões às quais chegamos. A entrevista foi realizada
no ambiente da escola, em uma sala reservada, onde a professora pôde responder às perguntas
feitas pelo pesquisador. A entrevista foi gravada e transcrita (Apêndice 3) para posterior
análise.
Com a PB, a entrevista foi realizada antes do início do período de observações e as
condições de gravação foram as mesmas utilizadas com a PA.
Muito importante também foram os depoimentos dados pelas professoras durante o
período das observações. Elas, em muitas ocasiões, sem serem questionadas, vinham
conversar com o pesquisador e explicar determinado procedimento que tinham adotado ou
justificar a ausência de algo. Em outras situações, o pesquisador sentiu a necessidade de
questionar algo observado, julgando ser necessário algum detalhamento da docente sobre o
fato. Essas conversas foram riquíssimas e se davam tanto no final ou durante a aula, nos
momentos em que os alunos estavam ocupados com alguma atividade. Para tanto, sempre
61
estávamos apostos para capturar essas falas através da gravação de áudio. Muitos desses
depoimentos serão transcritos no capítulo das análises.
Concordamos mais uma vez com Oliveira (2010), quando o autor afirma que a
entrevista geralmente vem acompanhada de outros instrumentos de pesquisa, por isso também
utilizamos a observação e a análise documental com instrumentos que se articularam para a
obtenção de conclusões da pesquisa. Nas seções a seguir trataremos sobre esses instrumentos.
2.3.2 Observação
Outro importante momento de coleta dos dados foi a observação. Não poderíamos
conceber um trabalho de análise de prática de ensino sem a realização de observação de aulas.
Nesta fase observamos diretamente como o professor trabalhou com a prática de AL
no processo de ensino, relacionando essa prática com as concepções de linguagem que
nortearam esse trabalho com a língua e em que momentos do processo de ensino
aprendizagem tais concepções se mostram aparentes.
É importante deixar claro que qualquer concepção só é perceptível através da análise
de uma prática ou discussão acerca dela. Por isso que o cruzamento das informações colhidas
nas entrevistas e a análise direta das aulas foi fundamental para a identificação das
concepções de língua escolhidas/ refletidas pelos docentes. Além disso, é importante afirmar
que, ao utilizar mais de um instrumento de coleta de dados, temos a possibilidade de ter
acesso a informações mais completas, pois, no caso da presente pesquisa, certas concepções
do professor puderam ser reveladas através do seu discurso ou através da observação de sua
prática, ou seja, os instrumentos se complementaram enquanto fonte de dados.
Para garantir a confiabilidade dos dados coletados, as aulas foram gravadas através de
instrumento de áudio.
Em relação ao período, combinamos com as docentes qual seria o melhor intervalo de
tempo para a realização das observações. Chegamos à escola na segunda quinzena do mês de
junho de 2013, final do segundo bimestre, e combinamos iniciar as observações na volta às
aulas após o recesso escolar, que teve início na segunda quinzena do mês de julho. O período
de observação se estendeu de 22 de julho de 2013 a 30 de agosto de 2013, compreendendo
quase que totalmente o período de aulas do terceiro bimestre do ano letivo.
Cumprindo esse período, observamos a prática das professoras durante um período no
qual elas desenvolveram um trabalho com um determinado conteúdo ou sequência de
atividades, vendo o processo do início ao fim.
62
Foi realizado um processo de observação que, segundo Flick (1999 apud VIANNA,
2003, p. 16-17) classificou-se como:

Observação aberta: quando o observador é visível aos observados que sabem que estão
sendo objeto de uma pesquisa.

Observação não-participante: o observador não se envolve nas atividades do grupo sob
observação e não procura ser membro desse grupo.
2.3.3 Análise documental
Também foi importante analisar os Parâmetros para a educação básica do Estado de
Pernambuco, observando o que eles normatizam/orientam sobre a(s) concepção (ões) de
linguagem para a área de Língua Portuguesa e os conteúdos de AL sugeridos para o trabalho
em cada série na qual as professoras foram observadas. Como modo de ver até que ponto as
professoras se basearam nesses parâmetros, lançamos um olhar sobre os conteúdos
selecionados pelos docentes, para serem trabalhados no período de observação. Esses
conteúdos foram sistematizados no diário escolar, de preenchimento obrigatório de cada
professor.
Também analisamos o material didático utilizado pelos professores nas aulas, seja do
próprio LD ou qualquer outro material que os docentes utilizaram como apoio para a
execução de suas aulas, mas queremos aclarar que, não concebemos o material didático como
documento, mas sim como parte integrante da prática do professor. Por esse motivo, a análise
desses materiais entrou como discussão na parte de observação, ou seja, eles foram analisados
como parte da aula, como parte integrante da observação da prática. É importante esclarecer
que só analisamos as atividades do LD que envolveram a prática de AL e que foram utilizadas
pelo professor.
Abaixo apresentamos um quadro que articula cada um desses procedimentos com os
objetivos da pesquisa:
Objetivos
1. Analisar as concepções de linguagem e a prática
Instrumentos
Análise documental
de ensino de análise linguística nos documentos
oficiais (Parâmetros para a educação básica do
Estado de Pernambuco e diário de classe) que
prescrevem /orientam a prática de ensino.
2. Analisar as concepções de língua, gramática e de
Observação e entrevista
63
ensino de língua do professor, e o que ele
consegue efetivar em relação à prática de análise
linguística.
3. Entender como o professor articula, em seu fazer
Observação e entrevista
pedagógico, os “conhecimentos teóricos” e os
conhecimentos dos “saberes em ação”, em
relação à prática de análise linguística.
Quadro 2: Objetivos e instrumentos de análise
Após termos procedido aos esclarecimentos sobre os instrumentos de coleta de dados
da pesquisa, passaremos a discorrer sobre os procedimentos de análise do material coletado.
Para a análise dos dados, tanto da entrevista quanto das observações e dos
documentos, utilizaremos a metodologia do paradigma indiciário. Esse método interpretativo
dos dados, segundo Suassuna (2008), pode ser considerado um tipo de pesquisa qualitativa.
Sobre ele, a autora ainda nos afirma que
O paradigma indiciário recupera a possibilidade de examinar pormenores e
marcas individuais presentes nas várias atividades humanas, entre elas, a
linguagem; permite lidar com diferenças, mais do que com semelhanças,
com anormalidades, mais do que com normalidades; por fim, permite ao
analista ir em busca de explicações, mais do que tentar encontrar evidências
para explicações e teorias já existentes. (SUASSUNA, 2008, p. 368).
Essa escolha metodológica justifica os critérios de seleção de sujeitos de nossa
pesquisa, pois se pretendêssemos analisar o comportamento mais comum entre os professores
da Rede Estadual de Pernambuco, teríamos que escolher uma amostragem que refletisse a
maioria dos professores. Esse tipo de pesquisa levou à compreensão de particularidades, tanto
no trabalho das docentes, quanto em seu discurso e também nos Parâmetros para a educação
básica do Estado de Pernambuco, documento analisado pela presente pesquisa.
Ratificando o que foi dito no parágrafo anterior, não é o nosso objetivo traçar
categorizações e generalizações sobre a prática dos professores investigados, mas de buscar,
nos detalhes observados – nos estudos de caso – explicações que pudessem nos ajudar a
entender as relações entre as concepções de linguagem e a prática de AL, ajudando a
responder as perguntas de pesquisas elencadas na introdução deste trabalho.
Acreditamos que alguns detalhes importantes puderam nos ajudar a entender alguns
processos que contribuirão para posteriores reflexões sobre a discussão acerca do processo de
64
ensino de AL. Esses detalhes puderam revelar que as relações entre concepções teóricas e
prática de ensino não se dão sempre de uma maneira tão linear como se pensava e que entre o
conhecimento teórico do professor e a efetivação da prática há muitas variações que podem
interferir no processo de ensino-aprendizagem.
65
Capítulo 3
Análise e Discussão dos Resultados
Após a exposição da base teórica que orientou a presente pesquisa (capítulo1) e a
descrição do caminho metodológico adotado para atingirmos os objetivos desse trabalho
(capítulo 2), passaremos a nos debruçar sobre os dados coletados.
Para uma melhor organização da exposição dos resultados, dividiremos o texto em
seções que serão agrupadas de acordo com os objetivos específicos delimitados na parte
introdutória dessa dissertação e também com a especificidade de cada instrumento de coleta.
Em alguns momentos faremos uma relação entre os objetivos e os instrumentos para
tentarmos, de uma maneira mais completa, responder às perguntas de pesquisa, ou seja,
podemos utilizar uma declaração do professor dada na entrevista para tentar entender certas
escolhas feitas pelo docente em relação ao material didático utilizado ou até entender as
razões que o levaram a ter certa postura nas aulas observadas.
Entendemos que, um dos caminhos para atingirmos o objetivo geral de uma pesquisa,
é tentar responder os objetivos específicos, sendo esses últimos o caminho para chegarmos ao
objetivo geral. Cabe, nesse sentido, recuperar o objetivo geral proposto no presente trabalho:
“analisar as relações entre as concepções de linguagem e a prática docente de ensino de
análise linguística.” Para tanto, iniciaremos com a análise do documento oficial tomado como
referência e o planejamento dos conteúdos de AL feito pelo docente no diário de classe
(caderneta). Em seguida, passaremos a descrever e mostrar as aulas das professoras
observadas, relacionando o processo de observação com as declarações dadas nas entrevistas
e nas conversas informais que foram travadas com o pesquisador.
Para melhor visualização e buscando facilitar o entendimento do leitor a respeito dos
trechos transcritos, adotaremos os seguintes critérios: Os diálogos travados entre professor e
alunos durante a aula serão postos dentro de um retângulo, em forma de quadro. As falas das
entrevistas serão transcritas em forma de organização típica desse gênero, ou seja, cada fala
será precedida do nome PESQUISADOR – para as perguntas – e a sigla correspondente a
cada professor (PA ou PB) – para respostas e também usaremos o recurso do itálico.
66
3.1
O que revelam os documentos oficiais e o planejamento das professoras
3.1.1 Sobre os documentos oficiais
Como o presente trabalho objetiva analisar a prática de ensino de professores da Rede
Estadual de Pernambuco, escolhemos como documento norteador da análise os Parâmetros
para a educação básica do Estado de Pernambuco, que foi publicado em 2012. Antes de
passarmos à análise do que esse documento nos diz sobre as concepções de linguagem e sobre
a prática de AL, julgamos interessante descrever como esses parâmetros foram construídos. A
descrição do processo de construção do documento em análise ratifica a sua relevância, tanto
para sua escolha para análise na presente pesquisa, quanto para a importância desse
documento oficial na prática pedagógica do professor.
Os Parâmetros para a educação básica do Estado de Pernambuco nasceram de uma
construção coletiva. O Governo do Estado de Pernambuco realizou uma parceria com o
CAED (Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação) da Universidade de Juiz de
Fora - MG para a construção desse documento. Um grupo de especialista do CAED elaborou
um proposta inicial, denominada de “versão 0”, que foi submetida a um grupo de especialistas
do estado de Pernambuco composto por representantes das principais universidades do estado,
representantes das GRE, bem como de professores da Rede Estadual. Esse grupo apreciou
essa “versão 0” e propôs mudanças no documento.
Como resultado dessas modificações, surgiu a “versão 1”, material esse que foi
encaminhado a diversos grupos de professores da Rede Estadual, espalhados por várias
regiões do estado, que tiveram a função de discutir sobre a elaboração do documento e propor
mudanças. As modificações propostas pelos grupos de professores voltaram, em forma de
relatórios, para o grupo de especialistas do estado de Pernambuco, que decidiram acatar ou
não as sugestões dos professores e elaboraram a “versão quase final”. Essa última versão
voltou para os especialistas do CAED para devidas revisões e modificações, para que se
procedesse à publicação do material (versão impressa e eletrônica) para os professores da
Rede. Esse material se encontra disponível no site da Secretaria de Educação de Pernambuco,
bem como alguns exemplares impressos foram distribuídos nas escolas estaduais.
Pensamos ser importante destacar que, por esse material estar disponível para
“download” no site da Secretaria de Educação de Pernambuco9 e por terem sido distribuídas
9
http://www.educacao.pe.gov.br/portal/?pag=1&cat=36&art=1047
67
versões impressas em várias escolas, esse documento é de fácil acesso ao professor da Rede.
Sem falar na divulgação que a sua publicação teve entre os docentes.
O processo de construção dos Parâmetros tentou, de alguma forma, democratizar as
discussões sobre a elaboração de um documento que serviria como orientação para os
professores da Rede, colocando o professor como sujeito que participou do processo em
diferentes grupos, seja no grupo de especialistas locais ou nos grupos das diferentes regionais.
Os Parâmetros para a educação básica do Estado de Pernambuco são compostos de um
livro de concepções (livro1), comum a todos os componentes curriculares, que trata sobre as
concepções pedagógicas, como as questões de currículo, Projeto Político-pedagógico, etc.
Esse livro não será alvo de análise da presente pesquisa, pois não temos o objetivo de
discorrer sobre esses temas.
O que nos interessa é o livro que trata especificamente sobre as concepções de ensino
de Língua Portuguesa (livro 2) e um livro para consulta para fins de planejamento escolar ao
longo dos bimestres letivos (livro 3), que foi elaborado em consonância com as concepções
teóricas dos livros 1 e 2, trazendo propostas de conteúdos para o trabalho em cada série e em
cada bimestre.
Uma importante informação sobre os parâmetros, que nos será útil mais adiante para a
compreensão das análises dos conteúdos de AL, é que esse documento trabalha com o
conceito de Expectativas de Aprendizagem (EAs). Essas EAs se tornam referência do que se
esperar do aluno em cada eixo de ensino e em cada tópico de um determinado eixo. Segundo
os parâmetros:
Com o intuito de indicar em quais etapas do processo de escolarização deve
acontecer a abordagem, sistematização e consolidação das expectativas de
aprendizagem (EAs) relacionadas nos Parâmetros Curriculares de Língua
Portuguesa, em todos os eixos que compõem o documento é utilizado um
sistema de cores. A legenda abaixo esclarece o sentido de cada uma das
cores utilizadas. (PERNAMBUCO, 2012a, p. 16).
Não cremos ser necessário maiores detalhamentos sobre essas EAs, mas é importante
afirma que elas estabelecem uma gradação de cores que indica em que etapa(s) da
escolarização uma determinada EA deve ser atingida parcialmente ou totalmente ou se
merece uma maior ou menos intervenção pedagógica.
68
3.1.2 O que dizem os parâmetros sobre as concepções de linguagem
Já na parte introdutória do livro 2, encontramos um tópico intitulado “Concepções de
língua e ensino de linguagem”, onde é demarcada a concepção de linguagem que norteia a
construção do documento. Segundo o texto “Esse documento traz uma proposta de trabalho
escolar com a Língua Portuguesa baseada em uma concepção de linguagem como ação e
interação.” (PERNAMBUCO, 2012a, p. 18).
Esse posicionamento é ratificado em vários momentos do texto, principalmente ao
citarem diversos autores que trabalham nessa perspectiva. Dentre esses autores o documento
cita Bakhtin (1997); Geraldi (1984); Travaglia (2000); Marcuschi (2005).
A construção dos parâmetros também é baseada em outros documentos oficiais, como
por exemplo, as OTMs (Orientações Teórico-Metodológicas) e a BCC (Base Curricular
Comum), citando a concepção de linguagem trazida por este último documento:
[...] a língua somente poderá ser entendida como uma ação contextualizada e
historicamente situada; sempre inserida numa situação particular de
interação e, portanto, nunca inteiramente despregada das condições
concretas de uma determinada prática social, não podendo, assim, ser
avaliada senão em situação. (BCC 2008, p. 67 apud Pernambuco, 2012a).
Ainda falando sobre a concepção de linguagem expressa nos parâmetros, nos chamou
a atenção um detalhe em um dos parágrafos do documento e que pode ser revelador de
algumas posturas observadas nas professoras investigadas. Segundo o documento.
ao se assumir uma compreensão da língua, potencialmente, como ação e
interação, não se está ignorando seu caráter sistemático, indissociável de
qualquer proposta de estudo da língua. neste documento, defende-se que o
conhecimento das regularidades sistêmicas da língua seja alvo de análise e
reflexão. no entanto, o foco numa concepção interacionista da linguagem
indica maior interesse na compreensão do funcionamento da língua do que
no conhecimento do código linguístico. conforme já sinalizado, o estudo das
categorias e estruturas gramaticais dá lugar ao estudo do texto, que passa a
ser o objeto central das práticas de linguagem, de forma coerente com a
compreensão de que a língua se realiza a partir de textos. (BCC 2008, p. 67
apud Pernambuco, 2012a, p.20 - grifo nosso).
Nesse sentido, percebemos que o documento entende que uma concepção de
linguagem que se diz “potencialmente” interacionista é aquela que tem como interesse
principal o uso da linguagem e não descarta o estudo da estrutura da língua. Chamamos a
atenção para esse detalhe porque este é um dos pontos que interessa a esta pesquisa, pois
69
pretendemos compreender as relações que se estabelecem entre o conhecimento teórico do
professor e o que ele efetivamente faz em sala de aula, ou seja, como a prática de AL se
articula com a concepção de linguagem defendida pelo professor. Utilizamos o termo
“defendida”, pois as professoras ratificaram em seus depoimentos que o LD utilizado por elas
trabalha nessa mesma concepção, além de uma delas ter participado da elaboração dos
Parâmetros para a Educação básica do Estado de Pernambuco. Abaixo colocamos um dos
depoimentos em que uma das professoras assume a concepção de linguagem do livro didático:
PB: É. Ele trabalha naquela perspectiva de... Deixa eu te mostrar. Cada unidade... Aqui tem
uma seção falando sobre as concepções teóricas.
PESQUISADOR: Concepções de linguagem?
PB: Aquela parte de concepções.
PESQUISADOR: Esse livro assume alguma perspectiva? Ele cita alguma?
PB: Não, ele não cita, mas assume a perspectiva de língua como interação. Mas assim, você
vê que é tudo muito partido. Diz isso, mas na prática...
Ao analisar o que os Parâmetros para a educação básica do Estado de Pernambuco
trazem em relação às concepções de linguagem, percebemos um grande avanço nas
contribuições teóricas, advindas do meio acadêmico, para contribuir com a prática dos
professores da educação básica. Afirmamos isso, pois, por mais que tenha ocorrido uma
grande participação dos professores na construção democrática do documento, as
contribuições teóricas que o baseiam vieram de um grupo de acadêmicos da Universidade
Federal de Juiz de Fora, que elaboraram a proposta inicial, e das universidades locais – que
foram responsáveis pelas modificações.
Essas contribuições chegaram aos professores em um momento de grande importância
na discussão do processo de ensino-aprendizagem de linguagem, pois sabemos que uma
determinada perspectiva teórica em relação à linguagem poderá ser determinante da prática.
Nem sempre a linguagem foi vista a partir da perspectiva que hoje se tem e podemos
até imaginar que, em tempos futuros, com o avanço e o progresso dos estudos da ciência da
linguagem, outras perspectivas surjam. A partir dessa afirmação, podemos fazer um percurso
temporal e ver que a língua já foi entendida como expressão do pensamento, como
instrumento de comunicação, como forma de interação e hoje alguns autores já a entendem
como forma de sociocognição situada.
70
O que na verdade é importante, hoje, com a publicação desses parâmetros, é a
divulgação de perspectivas teóricas sugeridas pelos estudos da Linguística Aplicada ao ensino
de língua que podem contribuir para ampliação do conhecimento teórico do professor da
educação básica e, consequentemente, propor mudanças em sua prática pedagógica.
3.1.3 O que dizem os parâmetros sobre análise linguística
Os Parâmetros, já em seu capítulo introdutório, propõem uma sistemática de trabalho
com a linguagem organizada por eixos. Nesse sentido são propostos 6 eixos:
1. Apropriação do Sistema Alfabético;
2. Análise Linguística (eixo vertical);
3. Oralidade;
4. Leitura;
5. Letramento Literário;
6. Escrita
(PERNAMBUCO, 2012a. p. 15)
O eixo que nos interessa é o da AL que, no documento em análise, é descrito como
“eixo vertical”. Essa verticalidade é justificada, inicialmente, por indicar “o deslocamento,
para segundo plano, daquilo que tradicionalmente constituiu o ensino de Português nas
escolas brasileiras” (PERNAMBUCO, 2012, p. 15). Colocando a AL dessa forma, o
documento tenta marcar uma oposição àquele ensino gramatical que privilegia (va) o foco nos
estudos das regras gramaticais, dando à AL um novo redirecionamento, pois “os estudantes
são envolvidos em atividades de análise e reflexão sobre o seu uso e funcionamento em textos
e contextos diversos.” (PERNAMBUCO, 2012, p. 16).
Entendemos que esse material, além da função de sistematizar uma proposta de
trabalho pedagógico, serve como guia de formação para os professores, já que as orientações
nele contidas estabelecem propostas embasadas em teorias que a sustentam. Quando nos
referimos a teorias queremos afirmar que não há só uma indicação do trabalho com a AL, mas
sim toda uma discussão teórica sobre essa proposta, baseada na concepção de linguagem
como interação, bem como a articulação com os outros eixos de ensino.
Esse tipo de formação teórica está relacionado com o que Tardif (2012) chama
conhecimento curricular, ou seja, são os saberes que foram selecionados por uma determinada
instituição ou Rede de Ensino para serem efetivados na prática pedagógica. Através do estudo
71
de um documento oficial, os professores entram em contato com diferentes propostas e
tendem a modificar suas práticas.
Nesse sentido, entra em questão o debate sobre apropriação do conhecimento por parte
dos professores ao lerem o que esse documento traz como orientação. Esses parâmetros
tornam-se uma fonte de apropriação de conhecimento para os docentes, levando muitos a
quererem se aprofundar mais em certos pontos e buscar novas fontes de leitura e
aperfeiçoamento profissional através de cursos de formação continuada.
Essa afirmação nos remete à pesquisa de Albuquerque (2006) comentada no capítulo 1
da presente dissertação, quando a autora analisou como os docentes da Rede Municipal do
Recife estavam se apropriando das concepções oficiais de ensino de Língua Portuguesa e que
mudanças eles tinham realizado em sua prática devido a esse processo de apropriação de
conhecimentos.
Lançando esse olhar de instrumento formativo docente sobre os Parâmetros, podemos
entender a preocupação de tentar demarcar, desde o início do documento, a AL como eixo
vertical e redirecionar sua função no ensino de Língua Portuguesa. Essa postura serve como
resposta a uma tradição de ensino gramatical focada na norma culta.
Além da justificativa inicial da verticalidade da AL, descrita em parágrafos anteriores,
o documento também argumenta que esse eixo se caracteriza como vertical por ser um eixo
que “perpassa todas as práticas de leitura, escrita e oralidade.” (PERNAMBUCO, 2012, p.
41).
Em um tópico específico do documento, abre-se uma discussão sobre as atividades
linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas. Baseado em Geraldi (1991, 2003c), o texto dos
parâmetros ratifica a postura de se trabalhar com a gramática reflexiva, privilegiando-se as
atividades epilinguísticas em relação às atividades metalinguísticas. Para o documento.
As atividades epilinguísticas fazem parte do cotidiano dos falantes, que as
realizam para compreender, para expressar, para construir significados.
Assim, na escola, quando se introduz o processo de análise e reflexão
linguística, deve-se privilegiar o ensino epilinguístico, cujo foco de atenção
seria o trabalho com as atividades epilinguísticas. (PERNAMBUCO, 2012a,
p. 43).
Em relação aos momentos que o professor deve/pode inserir reflexões sobre a
linguagem, o documento afirma que:
No processo de ensino e aprendizagem da língua, na escola, a reflexão e a
análise linguística devem acontecer no interior de atividades interativas
72
efetivas, na sala de aula, quer pela produção, quer pela leitura de textos orais
e/ou escritos. (PERNAMBUCO, 2012a, p. 42).
Ou seja, os parâmetros não defendem que a AL seria um trabalho que se realizaria em
um momento específico do processo de ensino, mas que poderia se dar em articulação com os
eixos de leitura, produção. Essa postura está em consonância com a proposta de alguns
autores, como por exemplo, Suassuna (2010); Morais e Silva (2007) que defendem que a AL
pode se dá antes, durante ou depois de qualquer trabalho com os demais eixos de ensino e que
inclusive o processo de seleção de aspectos linguísticos a serem trabalhados pode ocorrer a
partir da revisão dos textos dos alunos, postura defendida por Andrade, Seal e Leal (2012).
Também há nos Parâmetros, em uma seção intitulada “A análise gramatical: que
“gramática” ensinar?” uma importante discussão sobre a análise gramatical e o espaço da
norma padrão defendida pelo documento. Nessa seção se marca bem a posição da necessidade
do ensino da norma padrão na sala de aula, mas se discute como e em que momentos esse
ensino se torna relevante. O trecho abaixo exemplifica o que foi dito acima:
Voltada para o uso da língua em contextos interativos diversos, a prática de
análise linguística proposta por estes parâmetros não deve se restringir ao
estudo das gramáticas “pedagógicas” que descrevem as regularidades e
prescrevem modos de falar e escrever a partir da consideração de apenas
uma das variantes da língua, a “norma padrão”. Ao se defender a análise
gramatical no ensino da língua, está se defendendo o estudo das
regularidades da língua, compreendida a partir do fenômeno da variação.
(PERNAMBUCO, 2012a, p. 45).
Um ponto que acreditamos ser bastante significativo e que mostra importantes indícios
na prática das professoras é a discussão proposta pelos parâmetros sobre a relação entre AL e
a escolarização. Para o documento, já nos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano)
são ampliadas as reflexões e propõem-se a sistematização de algumas categorias gramaticais,
mas sempre tendo em vista o desenvolvimento de competências de uso da língua. Sobre essa
perspectiva, podemos ler nos documentos que
Portanto, se os estudos classificatórios e o conhecimento da nomenclatura
gramatical estão ausentes dos anos iniciais, são recomendados nos anos
finais do Ensino Fundamental e, principalmente, no Ensino Médio, ainda
com vistas ao desenvolvimento de habilidades discursivas. Eles não fazem
sentido como um fim em si mesmo. A nomenclatura gramatical só faz
sentido como conhecimento suplementar que auxilia a reflexão sobre a
73
língua por disponibilizar uma
(PERNAMBUCO, 2012a, p. 51).
terminologia
própria
da
área.
A partir do trecho acima, entendemos que esse documento não exclui o uso de
nomenclaturas gramaticais nas aulas. Na verdade, há uma recomendação de que o
conhecimento metalinguístico seja mais explorado nos anos finais do ensino fundamental e no
ensino médio, quando os alunos já devem ter consolidado certas competências linguísticas.
Ainda sobre esse mesmo trecho do documento, na parte final, lemos uma afirmação
que está em consonância com a proposta de Geraldi (1991, 2003c), quando o autor atribui às
atividades epilinguísticas um maior destaque, colocando o desenvolvimento das atividades de
reflexão sobre a linguagem como fundamental para que o aprendizado da metalinguagem
tenha alguma significância.
3.2
Conteúdos sistematizados pelos Parâmetros e planejamento das docentes
Após termos levantado uma discussão sobre a construção dos Parâmetros para a
educação básica do Estado de Pernambuco e termos analisado como esse documento concebe
a linguagem e a prática de AL, lançaremos um olhar sobre os conteúdos propostos por esse
documento e realizaremos uma comparação com os conteúdos selecionados por cada
professora.
Queremos afirmar que as duas professoras, ao serem questionadas – ou até de maneira
espontânea – referiram-se aos parâmetros como documento norteador de sua prática
pedagógica. Esse posicionamento pode ser comprovado nos trechos abaixo
PA: Eles perguntaram por que “Papa-figo” e não “papa-fígado”. Isso também faz parte da
Análise linguística. Nesse caso é importante mostrar bem a diferença da variação linguística.
Sobre esses assuntos, eu sigo os parâmetros curriculares enviados pelo próprio estado, você
conhece?
A PA, ao falar sobre uma das suas aulas na qual tratou sobre a temática da variação
linguística, afirmou, espontaneamente, que seguia os Parâmetros Estaduais.
Já a PB, além de afirmar que trabalha com os parâmetros, foi uma das docentes que
participaram do grupo de professores das regionais que analisaram o material produzido pelo
CAED e reescrito pelo grupo de especialistas do estado de Pernambuco. No depoimento
abaixo, a docente afirmou que, em relação ao primeiro semestre de 2013, mesmo havendo
participado do processo de elaboração do documento, não o usou como base, pois ainda não
74
tinha recebido, à época, o material. Mas já no segundo semestre, período correspondente à
observação, o material, segundo o depoimento da docente, foi utilizado como fonte de
planejamento.
PESQUISADOR: E você falou nos parâmetros...
PB: Porque os parâmetros curriculares estaduais foram elaborados os parâmetros
curriculares estaduais, que tem essa divisão toda: Análise linguística, leitura, interpretação e
produção.
PESQUISADOR: Tem algo pré-estabelecido nesses parâmetros de conteúdo?
PB:Tem. Tem. Tem
PESQUISADOR: Você segue alguma coisa desses parâmetros?
PB: Esses parâmetros a gente terminou de construir o ano passado, e..., é..., algumas coisas
eu já faço, mas não fiz o meu plano em cima dele porque ele chegou agora no final do
semestre. Eu to pegando agora pra organizar esse segundo semestre a partir deles. Porque,
é, como foi elaborado por muitas mãos, professores que indicaram, grupos de especialistas
que fizeram revisão, que, né, eu acho que é um instrumento interessante para o professor
seguir.
Na sequência, organizaremos os conteúdos que os Parâmetros para a Educação Básica
do Estado de Pernambuco propõem e o que os professores planejaram em relação ao eixo de
AL. É importante destacar que os conteúdos de AL sistematizados pelos parâmetros estão
sempre em articulação com os outros eixos. Nesse sentido, ao se propor o trabalho com a
leitura de um determinado gênero, também são propostos alguns conteúdo de AL a serem
trabalhados especificamente nesse eixo de leitura.
3.2.1 Professora A
A professora A foi observada em uma turma do 6º ano do ensino fundamental. Para o
6º ano, em relação ao 3º bimestre os parâmetros propõem o seguinte:
75
(PERNAMBUCO, 2012b, p.14)
76
(PERNAMBUCO, 2012b, p.15)
77
(PERNAMBUCO, 2012b, p.16-17)
No diário de classe da PA encontramos os seguintes conteúdos planejados para o 3º
bimestre:
Variedades Linguísticas
Ortografia
Adjetivos Pátrios
Pontuação
Recursos gráficos (uso das aspas)
Adjetivos
Verbos no imperativo
Recursos gráficos (uso do negrito)
Advérbios
Quadro 3: Conteúdos planejados pela Professora A
Após visualizarmos os conteúdos dos parâmetros e do planejamento, podemos
concluir que, coerentemente com seu discurso, a PA baseou-se nos conteúdos propostos pelo
documento, mas realizou uma seleção do que pensou ser mais importante para seus alunos e
também levou em consideração a questão do tempo hábil para o trabalho com um
determinado número de assuntos. Conforme podemos comprovar a partir do depoimento
abaixo:
PA: A gente explora com análise de texto e nem todo conteúdo que tem de análise linguística
dá pra trabalhar, a questão de tempo mesmo. Porque como você viu, eu prefiro ficar,
terminar uma sequencia didática com determinado gênero e o livro ele traz, se contabilizar,
dezenas de gêneros textuais. Eu saio procurando, não sigo uma ordem do livro, não saio
seguindo. E nem dos parâmetros porque eles colocam muito conteúdo pra pouco tempo.
78
Alguns temas, como por exemplo, “regência nominal e verbal”, “colocação
pronominal”, ficaram de fora do planejamento da docente. Essa ausência justificou-se pela
falta de tempo, como podemos confirmar no depoimento acima, e provavelmente pela
complexidade de alguns temas que a docente julgou não muito apropriados à série. Essa
conclusão justifica-se pelo fato de a professora afirmar em alguns momentos que certos
assuntos não merecem tanta atenção no 6º e no 7º ano, quando os alunos ainda têm muita
dificuldade com a produção de texto. Essa afirmação pode ser justificada a partir do trecho
abaixo:
PA: Para eles (6º ano), não interessa saber nomenclatura e nem decorar que adjetivo é o que
dá qualidade ao substantivo. Tem certos temas que não acho interessante trabalhar com eles
nessa série. Eles têm que desenvolver mais a escrita e a leitura pra depois se falar em nomes.
Já no ensino médio, no terceiro ano, sim, porque eles pegam questões ainda de ENEM, de
Vestibular, de concurso público, que é o que eles almejam, eles ainda têm questões
gramaticais.
Embora a PA tenha afirmado que alguns assuntos não foram trabalhados na aula,
podemos concluir que alguns deles, que se encontram recomendados nos parâmetros e que
não foram sistematizados na caderneta da docente, foram trabalhados de forma não
sistemática, principalmente se olharmos para a EA delimitada para cada um. Dentre esses
temas, podemos citar a “sintaxe da frase” e os “verbos, advérbios e adjuntos adverbiais e as
orações adverbiais”.
Sobre o primeiro tema, podemos afirmar que, quando a docente trabalhou com a
produção de lendas urbanas, em muitos momentos foram discutidas estratégias de “ordenar,
adequadamente, os elementos de uma frase” (PERNAMBUCO, 2012b, p.16). Já quando se
fala no trabalho com o segundo tema, em muitos momentos se cumpriu com o objetivo
proposto pela EA delimitada para esse item de AL, conforme afirma o documento: “empregar
adequadamente elementos linguísticos de tempo e espaço que se materializam o enredo em
narrativas”. (PERNAMBUCO, 2012b, p.17).
Em relação ao caso específico do tema de “coesão textual”, é importante observar a
EA indicada para o trabalho com essa temática no 6º ano. De acordo com o documento,
espera-se que o aluno aprenda a “selecionar os sinais de pontuação para estabelecer a coesão
textual”. (PERNAMBUCO, 2012b, p.17). Neste sentido, a delimitação do trabalho de coesão
confunde-se com o de pontuação, na verdade eles se sobrepõem.
79
3.2.2 Professora B
A PB foi observada em uma turma do 9º ano do ensino fundamental. Também como a
PA, a PB foi acompanhada por quase todo o 3º bimestre, portanto, também só temos uma
ideia parcial da quantidade de assuntos por ela trabalhados.
Seguindo o mesmo percurso feito com a PA, exporemos o que o texto oficial propõe e
o planejamento da professora no diário de classe (caderneta). Abaixo, seguem as orientações
de conteúdos dos parâmetros:
(PERNAMBUCO, 2012b, p. 61)
80
(PERNAMBUCO, 2012b, p. 62)
(PERNAMBUCO, 2012b, p. 63)
81
(PERNAMBUCO, 2012b, p. 64)
No diário de classe da professora B encontramos os seguintes conteúdos planejados
para o 3º bimestre:
Conteúdos trabalhados pela Professora B
Temática de Análise linguística
Semântica das palavras
Pontuação
Artigos
Conotação e denotação
Texto em prosa e texto em versos
Verbos no imperativo
Funções da linguagem
Definição de EU-lírico
Coesão textual: uso dos pronomes para
evitar repetição
Pronomes demonstrativos
Quadro 4: Conteúdos planejados pela Professora B
82
Após observarmos os conteúdos dos parâmetros e o planejamento da docente,
podemos concluir que a PB trabalhou com vários conteúdos sugeridos pelo documento, mas
inseriu inúmeros assuntos que não estavam planejados no documento.
Inicialmente, queremos chamar a atenção para alguns assuntos sugeridos pelos
Parâmetros para a educação básica do estado de Pernambuco propostos para o 3º bimestre do
9º ano, turma que correspondeu ao período de observação da Professora B. Diferentemente
dos assuntos sistematizados para o 6º ano, mais da metade dos temas do 9º ano apresentam
um caráter muito amplo, ou seja, não havia uma delimitação específica dos conteúdos a serem
trabalhados. Isso pode ser percebido ao se retornar às tabelas acima. Não só a temática
sugerida, mas também a EA delimitada para os temas de AL.
Não julgamos esse fato positiva ou negativamente, mas queremos como isso dizer que,
a partir dessas indicações amplas de alguns conteúdos, a professora, provavelmente, teve a
liberdade e a autonomia de inserir novas discussões sobre a linguagem. Como por exemplo,
ao tratar de coesão textual, a docente inseriu um trabalho com os pronomes demonstrativos,
entendendo esses como elementos de coesão para a construção do texto.
Dentro da indicação de se trabalhar com os verbos, a docente selecionou o trabalho
com os verbos no imperativo – uma das sugestões dos parâmetros – a partir do trabalho com a
leitura de uma letra de música que trazia o uso dos verbos nesse modo. Esses foram apenas
alguns exemplos de indicações bem amplas dadas pelo documento em análise.
Já outros temas nos pareceram bastante específicos, como por exemplo, “os advérbios,
e locuções adverbiais, conjunções e preposições”. Para esses temas, são indicadas como EA
“utilizar adequadamente verbos de ação nos tempos do modo indicativo e marcadores
temporais, tais como ‘mais tarde’, ‘depois’, ‘após’, dentre outros, na construção de sequências
de relato.” (PERNAMBUCO, 2012b, p. 63).
Quando procedemos a essas análises, comparando o que foi proposto nos Parâmetros,
o que as professoras sistematizaram no diário de classe e, de certa forma, lançamos uma visão
sobre os temas trabalhados por elas, não temos o objetivo de descrever como o trabalho com a
AL foi desenvolvido, pois esse objetivo será cumprido em um tópico subsequente. O que na
verdade pretendemos com tudo isso é lançar um olhar mais amplo sobre as temáticas que as
docentes selecionaram para o trabalho com a AL, a partir dos temas sugeridos pelos
Parâmetros.
Para lançarmos esse olhar sobre as escolhas das professoras, sentimos a necessidade
de tentar identificar, na prática das docentes, os temas que não foram formalmente
sistematizados e nem anunciados como foco de um trabalho de AL, mas que de uma forma ou
83
de outra foram trabalhados nas aulas. Nesse sentido, seria uma falha gravíssima afirmar que
certos assuntos não foram alvo de reflexões em sala pelo simples fato de não terem sido
formalmente anunciados ou planejados.
Sobre essa questão de se realizar um trabalho com determinado tema que não foi
oficialmente posto no planejamento ou utilizar uma determinada nomenclatura para um
determinado assunto e realizar uma prática que aparentemente não condiz com determinada
nomenclatura, Mendonça (2006b) chama a atenção para o que ela denomina de
“deslocamento dos objetos de ensino”.
Segundo essa autora, muitos objetos de ensino (conteúdos) são reagrupados de acordo
com as necessidades e dinâmicas das relações sociais nas quais a escola está inserida. Nesse
sentido, muitas reflexões linguísticas são realizadas de maneira assistemática, em articulação
com o trabalho com os demais eixos ou são oficialmente planejadas com diferentes
nomenclaturas.
Concordamos com a autora supracitada, quando ela afirma que os reagrupamentos
estão de acordo com a dinâmica das relações sociais, mas também acreditamos que certas
escolhas – inclusive de nomenclaturas – são realizadas por posturas dos próprios docentes.
Essas escolhas, frequentemente, partem daquilo que os professores julgam necessário à
aprendizagem dos seus alunos, ou seja, os professores selecionam quais conteúdos devem ser
trabalhados e que aspectos desses conteúdos devem ser privilegiados.
Ainda segundo Mendonça (2006b), ao se referir às escolhas dos conteúdos a partir de
indicações de currículos, a autora afirma que:
A listagem clássica de conteúdos como base das propostas curriculares tem
sido desprestigiada em relação à aprendizagem por situações-problema,
significativas para a vida do aluno, em que competências e habilidades
diversas devem ser acionadas/desenvolvidas. (MENDONÇA, 2006b, p.
1720).
No caso específico das docentes que compõem os sujeitos da presente pesquisa, não
podemos afirmar que elas desprestigiaram a proposta dos parâmetros, principalmente porque
elas avaliaram positivamente as contribuições do documento, mas em muitos momentos
houve um deslocamento dos objetos de ensino. Esses deslocamentos são claros nas análises
feitas acima, quando mostramos as escolhas, mudanças de nomenclaturas, supressões e
acréscimo de temas feitos pelas docentes ao se basearem nos temas sugeridos pelos
Parâmetros.
84
Depois de termos uma visão dos conteúdos privilegiados pelas docentes, passaremos,
na seção a seguir, a analisar como esses conteúdos foram trabalhados em sala de aula. Para
cumprir esse objetivo, lançaremos mão dos dados coletados através das entrevistas, das
observações, e da análise dos materiais utilizados pelas professoras no período da observação.
85
3.3 Análises das aulas e das entrevistas
Nesse tópico, passaremos a analisar qual a concepção de língua e de gramática que
norteia a prática das professoras e que relações essas concepções têm com o trabalho com a
AL de cada docente. Para tanto, recorremos à descrição, comentários e análises de algumas
aulas observadas, bem como à análise dos materiais didáticos utilizados pelas docentes e
também das declarações dadas pelas professoras nas entrevistas e conversas espontâneas.
Na primeira parte deste capítulo (tópicos 3.1 e 3.2), utilizamos o instrumento da
análise documental para analisar a concepção de linguagem defendida pelos Parâmetros para
a educação básica do Estado de Pernambuco e o que esse documento propunha como proposta
para AL. Além disso, comparamos o que esses parâmetros sugeriam como conteúdos de AL e
o que as docentes sistematizaram em seu diário de classe. Esse processo foi importante para
tentar compreender alguns mecanismos que explicassem a escolha de determinados conteúdos
e também o uso de diferentes nomenclaturas na sistematização no diário de classe.
Nesta segunda parte, tópico 3.3, pretendemos fornecer um maior entendimento dos
conteúdos de AL realmente trabalhados pelas professoras, os gêneros explorados e como se
deu a articulação dos eixos de ensino.
Na sequência, passaremos a descrever algumas aulas que nos ajudarão a responder à
seguinte pergunta: Como se efetivaria o trabalho com a análise linguística de um professor
que toma/ reflete a linguagem a partir de certo posicionamento teórico?
Para respondê-la, buscaremos, na descrição das aulas, não necessariamente na ordem
que está posta, responder os seguintes questionamentos (categorias de análise):
 Em que momentos da aula o professor inseriu um trabalho com prática de análise
linguística?
 Que tipos de reflexões os professores fizeram acerca do uso da linguagem? Há uma
predominância de reflexões metalinguísticas ou epilinguísticas?
 Que tipos de atividades (exercícios) os docentes realizaram para trabalhar as reflexões
sobre a língua?
 Buscando relações do eixo de análise linguística com a produção de texto, o professor
promoveu o processo de reescrita baseando-se em reflexões linguísticas a partir dos
textos dos alunos?
86
 As reflexões linguísticas realizadas pelos professores colaboraram para o processo de
reconstrução do texto em relação aos aspectos linguísticos ou do conhecimento
produzido pelo uso dos gêneros como prática discursiva?
 No decorrer de um determinado trabalho de análise linguística, que concepção (ões) de
linguagem se revelou /revelaram?
Para uma melhor organização do texto, em cada tópico, discorreremos, separadamente,
sobre cada professora e poderemos em alguns momentos fazer algumas comparações entre
elas. O mesmo caminho delimitado para a análise da PA será usado para a PB, salvo alguns
pontos divergentes que possam surgir no decorrer da análise dos dados.
3.3.1 A Professora A (PA):
Eles perguntaram por que papa-figo e não fígado. Isso
também faz parte da análise linguística. (PA)
3.3.1.1 As concepções de língua e de gramática da professora e o como se deu o trabalho
com a Análise linguística
Ao concebermos AL como uma prática em articulação com a leitura e produção de
texto e o uso dos gêneros como objeto de ensino, não poderíamos deixar de analisar se a PA
trabalhou na perspectiva dos gêneros, quais foram explorados durante o período da
observação e que temáticas de AL foram trabalhadas a partir de determinados gêneros.
A tabela abaixo nos dá uma visão global dos gêneros e das temáticas de AL
trabalhadas pela Professora A:
Gêneros
trabalhados
pela Temas de análise linguística trabalhados pela
Professora A
Professora A
Lendas urbanas








Receita culinária
Adjetivos pátrios
Pontuação
Variedades linguísticas
Adjetivos (características físicas e psicológicas)
Uso das aspas
Pluralização dos adjetivos pátrios
Ortografia
Verbos no imperativo
87




Letra de música

Pontuação
Recursos gráficos (uso do negrito)
Variedades linguísticas
Reflexão entre a linguagem das receitas escritas
e da receita no programa de televisão
Verbos no imperativo (imperativo afirmativo e
imperativo negativo)
Tirinha

Pontuação
 Verbos no imperativo
 Conjugação do verbo SER
Quadro 5: Temas de análise linguística e os gêneros trabalhados pela Professora A
Anúncio publicitário
As aulas da PA foram planejadas em sequências de atividades, organizadas a partir do
trabalho com um determinado gênero textual. Na tabela acima, visualizamos cinco gêneros
(lendas urbanas, receitas culinárias, letra de música, tirinha e anúncio publicitário). Desses
cinco, os dois primeiros foram efetivamente trabalhados em sala, com leitura de vários textos,
reflexões sobre a estrutura do gênero e seus propósitos comunicativos. Os gêneros “letra de
música” (Anexo 6),
“tirinha” (Anexo 9) e “anúncio publicitário” (anexo 9) não foram
explorados enquanto foco de análise textual. Foi realizado um trabalho com o texto e não com
o gênero. Na verdade, a professora levou uma letra de música para sala e realizou um trabalho
de reflexão linguística a partir dos verbos no imperativo que havia no texto. Já a tirinha e o
anúncio fizeram parte dos exercícios propostos pelo LD.
Para um melhor entendimento das aulas da PA, e com isso analisarmos como se
efetivou o seu trabalho com a AL, descreveremos algumas aulas dessa docente, dividindo a
descrição por sequências de atividades. Isso só foi possível de ser feito porque a PA organizou
suas aulas em sequência a partir do trabalho com um gênero textual. Portanto, no próximo
subtópico iniciaremos a análise da sequência com as lendas urbanas.
Antes de iniciarmos a descrição e as análises das aulas da PA, apresentaremos abaixo
um quadro com uma sucinta caracterização das aulas e uma numeração correspondente àquele
dia letivo, com o intuito de orientar o leitor nas análises, principalmente nos momentos que
descreveremos os diálogos travados entre a professora e os alunos, descritos no corpo da
presente dissertação. Queremos esclarecer que, no caso da PA, cada dia correspondeu a duas
aulas, ou seja, a docente tinha seis aulas semanais e cada dia era composto por duas aulas.
Neste caso, cada espaço corresponde a um dia com duas aulas.
88
SÍNTESE DOS DIAS DE AULAS OBSERVADOS – PA
Número da aula
Descrição
Leitura e caracterização do gênero “lenda urbana”. Leitura dos
1º DIA
textos “O papa-figo” (anexo 1) e “Cumade Fulozinha” (anexo
2). Trabalho com variedades linguísticas.
Continuação do trabalho com as lendas e com as variedades
2º DIA
linguísticas. Discussão sobre os adjetivos pátrios, ortografia,
pontuação e uso das aspas.
Ainda a partir do trabalho com as lendas urbanas, a professora
desenvolveu uma discussão sobre os adjetivos, plural dos
3º DIA
adjetivos pátrios.
Momento de produção de texto das lendas dos alunos.
4º DIA
5º DIA
6º DIA
7º DIA
8º DIA
Trabalho com a ficha de pontuação (anexo 4).
Reescrita da lenda. Durante o processo de reescrita do texto dos
alunos, a PA chamou atenção para alguns aspectos linguísticos,
tais como: ortografia, uso das aspas, pontuação.
Leitura e caracterização de receitas culinárias (anexo 5).
Trabalho com verbos no imperativo, variação linguística e
ortografia.
Trabalho com um vídeo de uma receita culinária televisiva.
Comparação entre a linguagem da receita escrita e da receita da
TV.
Trabalho com a música “Admirável chip novo” (anexo 6)
9º DIA
10º DIA
Apresentação formal dos verbos no imperativo a partir de uma
atividade do LD. (anexo 7)
11º DIA
Sistematização da conjugação dos verbos no imperativo
afirmativo, com o auxílio do LD (anexo 7)
12º DIA
Trabalho com o imperativo negativo.
13º DIA
Avaliação (anexo 8)
Quadro 6: Síntese dos dias de aula da PA
89
3.3.1.2 A análise linguística e a sequência de atividade com o gênero lenda urbana
Para iniciar o trabalho com o gênero “Lenda Urbana” a professora dividiu os alunos
em pequenos grupos e distribuiu para cada equipe uma lenda. Antes dos alunos começarem a
leitura dos textos, a docente iniciou o trabalho de caracterização do gênero a partir do
conhecimento prévio dos alunos. Após uma breve discussão sobre as características da lenda,
cada grupo teve que contar para o restante da turma a história da lenda lida pela equipe.
Dessa sequência, vamos destacar a leitura das lendas “Papa figo” (anexo 1) e “Cumade
Fulozinha” (Anexo 2). Em relação à primeira, ao serem solicitados que comentassem sobre o
texto, os alunos levantaram uma dúvida sobre o significado do título.
A partir desse
questionamento, a professora iniciou a discussão sobre ortografia e variedades linguísticas.
Abaixo segue um pequeno trecho no qual a docente explicou a seus alunos o significado do
título da lenda.
PA: Papa de comer, figo de fígado. É como a palavra “Bebo”. Se diz “Bêbado” ou “bebo”?
A1: Bêbado. Bebo é a língua dos preguiçosos.
PA: Ou é o português coloquial?
(1º dia)
No final dessa aula, a PA, em uma conversa informal com o pesquisador, afirmou, ao
se referir sobre os alunos, que:
Eles perguntaram por que papa-figo e não fígado. Isso também faz parte da análise
linguística. Nesse caso é importante mostrar bem a diferença da variação linguística
A fala acima da PA já nos dá um indicativo de que a docente trabalha na perspectiva
da AL, usando, inclusive, essa nomenclatura em vários momentos de seu discurso, não tendo
como foco – e isso será comprovado em outros momentos das análises – o trabalho como a
GT.
Voltando à discussão sobre a sequência, como a lenda do papa-figo só foi lida por um
pequeno grupo de alunos, não houve um trabalho coletivo sobre os demais aspectos
linguísticos que nela poderiam ter sido trabalhados e nem houve um trabalho de leitura para o
grande grupo. Em relação ao texto da “Cumade Fulozinha”, o trabalho foi diferenciado. A
professora fez uma votação entre os alunos para que eles escolhessem uma das lendas para a
realização de leitura e trabalho coletivos e o texto escolhido foi a lenda acima citada. Sendo
assim, na aula seguinte, a professora trouxe uma fotocopia para cada aluno e procedeu à
leitura da lenda.
90
A partir da leitura desse texto e das perguntas de compreensão textual (anexo 3) da
lenda propostas pela professora, foram realizadas várias reflexões linguísticas. Ao se propor
as questões 1 e 2, ilustradas abaixo, foi explorado o conhecimento dos adjetivos pátrios que,
segundo a professora, fez parte do trabalho com a língua na unidade anterior.
1)
Em que parte do Brasil podemos “encontrar” Cumade Fulozinha?
2)
Se “Cumade Fulozinha” aparece nesses estados, que brasileiros podem “encontrar”
essa assombração?
PA: Vocês lembram, antes das férias, que nós estudamos aquelas palavras que usamos para falar
das pessoas que nascem em um determinado lugar?
A: Sim.
PA: Quem nasce no Mato Grosso é?
A1: Mato-grossense.
PA: Correto. Vocês davam o nome para cada pessoa que nasce em um determinado lugar.
Fizemos até uma lista desses nomes no caderno de vocês. Quem nasce em Salvador é?
A1: Baiano.
PA: Baiano é quem nasce na Bahia, em Salvador se chama?
A2: Soteropolitano
PA: Muito bem. Voltando à questão da atividade, quem nasce nesses estados é o tipo de pessoa
que pode ver Cumade Fulozinha. Quem pode ver a Cumade?
PA: Os pernambucanos.
PA: E mais quem?
A3: Os alagoenses
PA. Você acha que é alagoense? Coloque aí, depois a gente vê se é alagoense.
A2: E mineiro?
PA: Mineiro é de Minas Gerais.
(2º dia)
Percebemos nesse pequeno trecho da aula que a discussão sobre o uso dos adjetivos
pátrios surgiu a partir de uma questão de compreensão de texto elaborada pela professora e foi
ampliada com o acréscimo de outros exemplos de uso desses adjetivos.
Segundo a fala da professora no trecho acima, o trabalho sobre os adjetivos pátrios
fora assunto da unidade anterior e por isso a docente não se propôs a trazer novamente uma
lista nem explicações detalhadas sobre o assunto. No final da discussão, a professora retomou
o texto e deu sentido àquele debate inserido na aula, quando usou o conhecimento para o
melhor entendimento do texto, ou seja, saber explicitar os adjetivos pátrios referentes a quem
nasce em Pernambuco e em Alagoas foi fundamental para afirmar quem eram as pessoas que
poderiam “ver” a “Cumade Fulozinha”.
Outro importante momento, a partir da leitura do texto, foi a discussão sobre a
ortografia do nome “Cumade” e o uso das aspas. Ao elaborar as perguntas, a docente escreveu
o título da lenda de duas maneiras diferentes (“Cumade Fulozinha” e Comadre Florzinha).
Essa dupla grafia provocou dúvidas nos alunos que levantaram o seguinte questionamento:
91
A1: Professora, por que aqui não tem o U e aqui tem O?
PA: Porque esta é a maneira como é falado CUMADE e o nome escrito é COMADRE.
Quando eu escrevo da forma que se fala, eu uso as aspas, que são esses sinais aqui.
(2º dia)
Em outras questões da atividade (2 e 5), transcritas abaixo apareceram outras situações
de uso das aspas que despertaram dúvida nos alunos. Nessas questões, as aspas foram usadas
no verbo “aparecer”, que tinha o seu sentido duvidoso, pois não se sabia realmente se a
“Cumade” realmente “aparecia”.
2) Se “Cumade Fulozinha” aparece nesses estados, que brasileiros podem “encontrar” essa
assombração?
5) Ainda segundo a lenda, a Comadre Florzinha “aparece” em determinado lugar da cidade do
Recife. Cite o local e as pessoas que confirmaram isso.
PA: Quem pode comprovar que ela aparece lá em Dois Irmãos?
A1: Os trabalhadores de lá.
PA: Os trabalhadores de lá. E por que eu coloquei aparece dessa forma? Coloquei esses sinais
aqui em cima? (A professora referiu-se às aspas)
A1: Porque ela não aparece.
PA: Segundo fulana, é porque ela não aparece. Por isso que eu coloquei entre aspas, porque
não sabemos se ela aparece mesmo. Na verdade as pessoas veem as ações dela, mas não veem
a pessoa.
(2º dia)
Esses foram os dois momentos nos quais a professora se referiu ao uso das aspas. Não
houve uma apresentação formal do tema, no qual a docente explicou as situações em que se
usam as aspas, mas apenas os dois momentos descritos acima, quando houve a necessidade de
explicar aos alunos o uso desse sinal gráfico, seu nome e a sua importância para a construção
de sentido do texto. Cabe também destacar, de acordo com a análise do planejamento da
professora no seu diário de classe, que o uso das aspas era um assunto já previsto em seu
programa de ensino, ou seja, não foi uma discussão que surgiu aleatoriamente.
Também a partir da mesma lenda, a professora realizou um trabalho com os adjetivos.
Em vários momentos a docente tentou evitar utilizar a nomenclatura “adjetivos” para se
referir à classe gramatical que estava sendo trabalhada. Essa postura foi ratificada, quando na
entrevista e nas conversas informais, a PA afirmou que o uso de nomenclatura não era
importante para aos alunos que estavam no 6º ano. Sobre esse ponto, podemos citar o trecho
no qual a docente, ao debater com o pesquisador sobre o uso de metalinguagem nas aulas,
afirmou que:
92
Porque pra eles não interessa saber nem nomenclatura e nem decorar que adjetivo é o que dá
qualidade ao substantivo. “Substantivo é o que dá nome aos seres”. Não me interessa.
Porque não vai ter funcionalidade. No terceiro ano sim, porque eles pegam questões ainda de
ENEM, de Vestibular, de concurso público, que é o que eles almejam, eles ainda têm questões
gramaticais.
No trecho da aula abaixo, podemos comprovar a postura da professora em tentar evitar
o uso da metalinguagem. Somente quase no final do diálogo é que ela explicita o nome da
classe gramatical.
PA: Como posso descrever a Cumade Fulozinha?
A1: Inaudível (Muitos respondem ao mesmo tempo)
PA: Pera aí. Morena, cabelos longos.
A1: Cabelos longos, negros caídos no meio das costas.
A2: ágil.
PA: Mas tem uma palavra antes de ágil.
A1: caboclinha.
PA: caboclinha ágil.
A3: Olhos vivos e grandes
(...).
PA: Olhos bonitos, abertos. OK. Todas essas palavras são características físicas? Aquilo que a
gente pode ver? Sim ou não?
A1: Sim
A2: Não.
(...)
PA: Como é que a professora de português é psicologicamente? Eu sou boa, sou ruim?
A: Boa.
PA: Gente, nem todas essas palavras aqui são características físicas. Tem uma que não é
característica física. Qual é?
A1: Malvada. (a aluna se refere a um adjetivo que não estava no texto)
PA: Malvada também é. Mas dessas aqui, qual é? A psicológica é a que a gente não vê. Mas a
gente sabe mais ou menos como a pessoa é.
A1: Caboclinha ágil.
PA: Então isso não vai entrar nessa questão porque aqui só se pede as características físicas.
Da pra imaginar como Cumade Fulozinha, ela é?
(a professora referia-se à questão 3, que pedia somente as características físicas da
personagem)
PA: Tem algum outro adjetivo aí pra ela né, outra palavrinha.
(3º dia)
Após analisar esse trecho da aula, percebemos que, de uma maneira simplificada, a
professora traz uma definição para “adjetivos”. Mas, na verdade, a docente partiu de
exemplos práticos que levaram os alunos a compreender e reconhecer o uso dessa classe
gramatical a partir da leitura da lenda. Somente quase no final do diálogo, ela se referiu ao
nome “adjetivos”, na tentativa de deixar o uso da metalinguagem, posterior às reflexões sobre
o objeto de estudo (adjetivos).
93
Após todo o trabalho de AL em articulação com o eixo da leitura, passaremos a
observar como esse trabalho se deu no eixo de produção textual. Essa maneira de organizar a
análise só se tornou viável porque, como já havíamos afirmado anteriormente, o trabalho da
PA foi organizado em sequências de atividades, a partir da exploração de um determinado
gênero, e conseguimos visualizar claramente os momentos nos quais a docente se dedicou ao
trabalho com a leitura e com a produção.
Após ter passado pelo momento de leitura, caracterização do gênero e discussões
linguísticas, a professora solicitou a escrita de uma lenda urbana. Os alunos, em dupla,
tiveram que escolher o tema da lenda e iniciaram a escrita. A docente recolheu os textos
produzidos para devida avaliação.
A aula seguinte foi dedicada à reescrita das lendas dos alunos. Vamos nos deter nesse
ponto, pois foi o momento, durante a produção, que a professora chamou a atenção para
alguns aspectos linguísticos que não foram empregados adequadamente nos textos dos alunos,
como podemos verificar no trecho da aula abaixo:
PA: Verifiquei que em muitos textos não havia pontuação, não tinha vírgula. Eram textos
corridos e muitas vezes eu não conseguia entender. Quando eu me referia a minha escrita eu
colocava “Comadre Florzinha”. Mas como eu me referia à maneira que as pessoas chamam
essa lenda folclórica eu abria aspas e colocava “Cumade fulozinha”. A primeira maneira a
gente chama de formal e a segunda que as pessoas falavam a gente chama de coloquial. Se
vocês quiserem manter a forma que as pessoas falam, por exemplo, em vez de “olho” falar
“oio”, se você quiser que permaneça a maneira como ela fala, você tem que colocar a palavra
entre aspas. Como esse texto ele é narrado por vocês, tem que utilizar o português certinho, o
formal. Depois que vocês refizerem o texto, vão passar pra essa folha aqui. Nós vamos ver o
que vocês têm dúvida. Se a palavra é com Z ou com S, as questões de ortografia, entre outras
coisas.
(5º dia)
Nesse trecho a professora chama atenção para vários aspectos linguísticos que não
foram adequadamente empregados pelos alunos nos textos. Ela retoma a discussão do uso das
aspas para marcar a ortografia não padrão de uma determinada palavra, fato que já havia sido
comentado antes da produção e consequentemente retoma também a temática das variedades
linguísticas. Ainda sobre as variedades, a PA explica, de modo bem sucinto, a diferença entre
a linguagem formal e a linguagem coloquial. Mas o maior objetivo da docente ao introduzir
sua fala é iniciar um trabalho com os sinais de pontuação.
Antes dos alunos começarem a reescrever a lenda, a professora entregou uma ficha
(anexo 4 ) com o nome dos sinais de pontuação e a sistematização de seus usos. A professora
chamou essa atividade de “conversinha sobre pontuação”. Ela foi lendo, juntamente com os
94
alunos, a explicação sobre o uso dos sinais de pontuação. Esse material tratou a temática de
maneira bem divertida. As crianças participaram bastante e demonstraram um grande
entendimento dos usos da pontuação. Isso pode ser verificado nos momentos em que eles
começaram a reescrever os textos, explicitando o porquê do uso de alguns sinais no processo
de reescrita.
O trecho abaixo demonstra bem como a docente realizou os momentos de reflexão
sobre o uso dos sinais de pontuação:
PA: eu também uso o ponto final em abreviaturas. O que significa Av.?
A1: Avenida.
PA: Isso. Aí eu não preciso escrever o nome todo. A gente encontra muito isso naqueles
classificados de jornais. E por que vocês acham que se abrevia no jornal? Quando a pessoa
quer vender casa ou um apartamento e coloca tudo bem pequenininho.
A1: Pra ocupar pouco espaço e ficar mais barato.
(5º dia)
Sobre o uso da vírgula em apostos e vocativos.
PA: Aí tem dizendo assim “para separar aposto”. Vejam só, vocês conhecem o nome do
diretor do colégio Estadual X.. Eu você dizer assim: “O diretor do colégio estadual X, José,
chamou os pais para uma reunião ontem”. E se eu colocasse assim. “José chamou os pais para
uma reunião ontem”. Quem é José?
A2: O diretor
PA: Agora vocês já sabem. Se eu não tivesse dito que ele era o diretor, vocês saberiam?
A: Não
PA: Aí eu tinha que explicar quem era ele, né? “José”, aí eu vou fazer o que depois do nome
José?
A: Vírgula
PA: José, diretor da escola estadual X, chamou os pais para uma reunião ontem. Isso aí é esse
nome estranho aí chamado de aposto. E o vocativo? O vocativo é esse chamado que damos
na frase: “Menino, faz a tarefa”.
(5º dia)
Sobre o travessão.
PA: Nas fábulas que a gente leu, num tinha um sinal que ficava antes da fala dos personagens.
Que sinal é esse?
A1: Travessão.
PA: isso.
(5º dia)
Além do material utilizado pela professora apresentar os sinais de pontuação de uma
maneira atrativa e sempre com exemplos de uso em situações adequadas ao entendimento dos
alunos, a docente inseriu as discussões sobre os sinais de pontuação baseadas na perspectiva
do uso. Isso ficou muito claro quando ela remeteu a exemplos de enunciados que se usariam
um determinado sinal de pontuação e principalmente quando se referiu aos usos em
95
determinados gêneros, como no caso dos classificados – quando se refere ao uso do ponto em
abreviaturas – e das fábulas, para exemplificar o uso do travessão.
Esse ato de usar a AL para a construção do sentido do texto já tinha sido evidente no
trabalho com a leitura da lenda, quando a docente lançou mão da discussão sobre os adjetivos
pátrios. Neste momento da produção, a professora usa o gênero para mostrar a funcionalidade
do uso dos sinais de pontuação em textos que exemplificaram o uso real desses sinais,
inclusive retomando um gênero – a fábula – já trabalhado em momentos anteriores.
Vê-se, a partir desse trabalho da professora, que a AL foi usada a serviço da
construção de sentido do texto – em sua leitura e produção – a partir da predominância de
atividades epilinguísticas (Geraldi 1991, 2003c), pois há uma grande ênfase em se tomar os
próprios recursos da língua como objeto de reflexão. Quando afirmamos que há uma
“predominância” das atividades epilinguísticas, estamos, consequentemente, afirmando que a
professora não se reduziu a esse tipo de atividade. Ao voltarmos ao trecho da aula,
percebemos que havia também o uso de uma metalinguagem para auxiliar no entendimento do
uso dos sinais de pontuação.
Além do próprio nome dos sinais, a docente lançou mão, de uma maneira bem
simples, da explicação do conceito de “aposto” e “vocativo”. Julgamos essa postura como
extremamente positiva, pois em muitos casos a apropriação de determinadas nomenclaturas se
torna fundamental para o entendimento do uso de certos recursos linguísticos. Nesse sentido,
concordamos com Bezerra e Reinaldo (2013) quando as autoras afirmam que deve haver um
equilíbrio entre as diferentes ações que se fazem com a linguagem (atividades linguísticas,
epilinguísticas e metalinguísticas) com o objetivo de garantir ao aprendiz o uso da língua e o
saber sobre ela.
Somente na aula seguinte, após ter sistematizado o uso dos sinais de pontuação, a
professora dividiu os alunos novamente nas mesmas duplas da produção e deu as instruções
para que eles realizassem a reescrita do texto e foi sentando um pouco em cada grupo,
promovendo momentos de reflexão. Durante os atendimentos aos grupos, a docente foi
travando pequenas conversas com os alunos, mostrando-lhes as inadequações que havia em
seu texto e explicando qual a melhor forma de levá-los a reescrever determinados enunciados,
adequando-os à estrutura do gênero e cumprindo seu propósito comunicativo.
Durante esses momentos, a professora levou os alunos a pensarem sobre as melhores
estratégias de uso da linguagem, fazendo com que os estudantes usassem os recursos
linguísticos como forma de atingirem determinados objetivos a partir do uso da linguagem.
Esse processo nos remete à concepção defendida por Marcuschi (2007) na qual a linguagem é
96
vista como evento sociocognitivo e histórico. O autor afirma que “o uso social da língua tem
efetivamente um papel relevante na construção do conhecimento” (MARCUSCHI, 2007,
p.61).
Vemos nesse processo de reescrita promovido pela professora o uso da linguagem
como forma de construção do conhecimento através do processo de produção textual. Nesse
sentido, a linguagem funciona como meio pelo qual o sujeito, imerso em uma situação de
interação, pode pensar, rever, refazer suas ideias (pensamentos) sobre algo que lhe está posto
no momento da ação linguística, Marcuschi (2007).
Em um dos momentos de reflexão sobre a língua, a docente discutiu com os alunos
sobre a ortografia da palavra “peixeira”, como podemos comprovar no trecho abaixo:
PA: Vocês sabem por que o nome da faca é Peixeira?
A1: Porque mata o peixe.
PA: Porque trata o peixe. Como se escreve peixe?
A2: P-E-X-E
PA: Num tem um I não?
A1: P- E- I –X – E
PA: É P-E-I-X-E-I-R-A
PA: Dessa forma vocês conseguem saber como se escreve algumas palavras, é só pensar de
que outra palavra essa palavra vem.
(6º dia)
Embora não tenha havido um estudo sistemático sobre o processo de formação de
palavras nem de regras ortográficas, como houve com os sinais pontuação, os alunos foram
levados a pensar sobre as regras ortográficas para a construção de conhecimento sobre o
processo de formação de palavras e o uso da ortografia padrão.
Para finalizar o trabalho dessa sequência, após a reescrita dos textos dos alunos, a
professora fez uma exposição das lendas produzidas e solicitou que os estudantes que
desejassem lessem seu texto para o restante da turma.
3.3.1.3 A análise linguística e a sequência de atividade com o gênero receita culinária
Essa segunda sequência de atividades se iniciou com a comparação entre uma receita
culinária e uma receita médica. A professora mostrou aos alunos uma receita médica e
explicou que havia ido ao hospital no dia anterior e que o médico lhe recitara alguns
remédios. Ela leu a receita e levantou uma pequena discussão sobre o gênero. Em seguida a
PA fez uma comparação entre a receita médica e a receita culinária. Dessa forma, a docente
iniciou o processo de caracterização do gênero a partir do conhecimento prévio dos alunos.
97
PA: Na receita culinária tem algo em comum com a receita médica. É que nas duas tem uma
ordem. Na do médico ta indicando como tomar o remédio. “tomar o remédio, 500 gramas, 2
comprimidos por dia, de 12 em 12 horas. A1. pode tomar esse comprimido?”
A: Não
PA: Quem pode tomar esse comprimido?
A: A senhora.
PA: E a receita culinária? Manda alguém fazer alguma coisa?
A: Manda.
PA: O quê?
A1: Comer.
PA: Pra comer tem que preparar. Aqui eu coloquei receita culinária nordestina. Por que
nordestina?
A: Porque é do nordeste.
(7º dia)
Após essa pequena conversa sobre a receita culinária, a professora distribuiu a
fotocópia (anexo 5) com duas receitas, uma de bolo de milho e outra de arroz doce e realizou
a leitura com os alunos.
Já durante o processo de leitura do texto, a professora inseriu a prática de AL, ao
chamar atenção para algumas palavras que estavam em negrito, conjuntamente com o início
das discussões sobre os verbos no imperativo.
PA: Vamos lá. Não sei se vocês perceberam, mas no texto de cima, no modo de preparo da
receita de cima, eu coloquei umas palavras mais escuras do que as outras. Num foi? Eu só
quero que vocês retirem a palavra “mistura”. “Mistura” foi sem querer. Isso aí na tecla do
computador se chama “Negrito”. Negrito é pra ficar bem escura. Então pra que serve esse
negrito?
A1: Pra deixar bem preta.
PA: Por que eu deixei bem preta?
A2: Porque avisa que aquilo ali é importante.
PA: Isso, A2, porque avisa que aquilo ali é importante. Veja que eu deixei em negrito
“Preaqueça”, “bata”, “peneire”, “adicione”, “mexa”, “leve”. Isso significa alguma coisa pra
vocês?
A1: Significa que se fizer alguma coisa errada, vai sair mal feito.
PA: Isso na língua portuguesa a gente chama de verbo, né? Não faz uma ação? A gente tá
fazendo um monte de ações agora.
(A professora ABANA o rosto.)
PA:“Abana” aqui é ação, né?
(7º dia)
Ainda nesse diálogo, a docente retoma o tema das variedades linguísticas trabalhado
na sequência anterior ao discutir sobre o uso do verbo “botar”.
PA: termina como? Esse “botar” é diferente de “bota” né? Qual a diferença?
A2: “Bota” é o que se calça e “botar” é acrescentar.
PA: A diferença é o “r”. Mas você sabe por que os três colocaram a palavra “botar” “bota”
“bote”?
A1: por causa da Língua Portuguesa.
98
PA: por causa da Língua Portuguesa?
A2: erro de português.
PA: erro de português? E se eu disser que é a região da gente? Se fosse um aluno do sul, pra
falar o que vocês estavam falando, eles diriam como?
Silêncio
PA: Sabem não? “Coloque”, “ponha”.
A1: O que é isso?
PA: É sinônimo de “botar”. É a mesma coisa que botar. Por exemplo, “Ponha a garrafa aqui
no birô”. É o mesmo que eu falar “A3, bota a garrafa no birô”. Vocês percebem que tem uma
forçazinha de um pedido. “Preaqueça”, “bata”, “peneire”, “adicione”, “mexa”, “leve”. Lembra
aí, A4. Tua mãe pedindo alguma coisa pra você fazer, como é que ela diz?
(7º dia)
A docente também retoma o trabalho com os sinais de pontuação, estudados na
sequência anterior, articulando-o com os verbos no imperativo:
A1: “D, mexa o macarrão”.
(A professora escreve no quadro sem a vírgula. “D mexa o macarrão”)
PA: tem uma coisinha aqui que tá faltando e vocês vão me dizer que a gente estudou na aula
passada.
A1: A vírgula.
PA: E por que falta vírgula?
A1: Porque é nome de gente
PA: Porque é o chamado. Lembra daquele papelzinho? O nome disso é vocativo. A gente
chama: “D, mexa o macarrão”. Eu quero mais um. A2, me diz uma frase que quando te
mandam fazer alguma coisa.
A2: M, leva o lixo lá pra cima.
A3: V, cala a boca.
(A professora escreve a frase no quadro e acrescenta o sinal de exclamação. “V, cala a boca!”)
E pergunta:
PA: Que sinal é esse?
A: exclamação.
PA: Tudo isso que eu falei “D, mexa o macarrão”, “ A, leve o lixo” é o que gente?
A1: é uma exigência.
A2: é uma ordem.
A3: eu estou mandando.
PA: é uma ordem. Isso que vocês viram aqui no modo de preparo não parece também uma
ordem?
PA: então, gente, isso aqui que a gente tá vendo na receita ... Vocês estão com o texto de
“Cumade fulozinha” aí?
A: sim.
PA: Vocês lembram, tinha algum verbo desse tipo no texto no texto da “cumade fulozinha?”
A: não.
PA: e por que vocês acham que esse tipo de texto aqui tem palavras desse jeito?
A1: porque a gente tem que fazer, então ele ta mandando a gente fazer isso.
(7º dia)
Esses trechos nos chamam atenção para alguns pontos importantes do trabalho da PA
com a AL. Em primeiro lugar, percebemos a preocupação de sempre retomar assuntos
explorados em momentos anteriores. Como na sequência com lendas foi retomado o uso dos
99
adjetivos pátrios estudado na unidade anterior, nesta sequência a professora retomou o
trabalho com os sinais de pontuação e com as variedades linguísticas.
Em segundo lugar, percebemos também a clara intenção de colocar a AL a serviço do
gênero em foco. Ao iniciar o trabalho com os verbos no imperativo, a professora teve o
objetivo de relacionar o uso desses verbos com o propósito comunicativo do gênero. Isso fica
claro quando, no trecho acima, ela relaciona o uso dos verbos que indicam ordem à função da
receita e compara com o texto da lenda que foi trabalhado na sequência anterior, gênero – que
segundo a docente – tinha propósitos comunicativos e estruturas diferentes da receita, logo,
não apresentavam verbos que indicavam ordem.
Retomando a descrição da ordem da sequência com o gênero receita, após ter
realizado a leitura e as reflexões citadas acima, a professora faz com que os alunos
reconheçam nas receitas os verbos no imperativo, conforme trecho abaixo:
PA: Sabe o que eu quero que vocês façam? Aí embaixo, onde tem a receita do arroz doce,
vocês vão tentar identificar, lá no modo de preparo, as palavrinhas que indicam essas ordens.
Encontrem e façam um círculo. O nome dessas palavrinhas aí é o verbo, né? Nós trabalhamos
com ordens. E sabe o que a gente vai ver agora? Eu quero que vocês peguem o caderno de
vocês. Aí vocês vão pegar a receita do bolo de milho, no modo de preparo e vão colocar as
frases na negativa.
(7º dia)
Essa atividade requereu dos alunos que eles identificassem no texto os verbos no
imperativo e passassem esses verbos para a sua forma negativa. A partir dessa atividade já
percebemos a intenção da professora em introduzir a discussão sobre a forma negativa do
imperativo, que foi posteriormente sistematizada.
Após a realização dessa atividade, a professora trouxe para a aula um vídeo de um
programa de culinária que também mostrava a receita de um bolo de milho. Antes de passar o
vídeo, a docente pediu para que os alunos prestassem atenção ao modo como a apresentadora
do programa iria ensinar a fazer a receita e percebessem diferenças entre a receita da TV e a
receita lida anteriormente, conforme o comando abaixo dado pela docente:
PA: Vocês leram comigo a receita. Vocês lembram que vocês circularam aquelas palavrinhas
que davam sentido indicando ordem? Dizendo como vocês têm que fazer... um pedido, uma
ordem. Prestem atenção a essa receita aqui que a senhora vai ensinar pra gente de bolo de
milho, não é o mesmo bolo de milho. Comparem com a que vocês têm escrita e depois vocês
comentam. O que vocês encontraram de semelhança e de diferença. O que tem igual, parecido
ou se são totalmente diferentes. Principalmente naquelas palavrinhas que a gente viu na aula
passada (referiu-se aos verbos no imperativo).
(8º dia)
100
A discussão seguiu após o vídeo:
PA: Vocês perceberam alguma diferença de como ela fala e de como está aí no texto de vocês
(referindo-se à receita escrita)? Lê, por favor, A1, o modo de preparar do bolo de milho.
A1: Primeiro, preaqueça o forno a 200 graus.
PA: Preaqueça
A1: No liquidificador, bata o milho verde, os ovos...
PA: preaqueça, bata
(...)
PA: é dessa maneira que ela fala as palavras aqui? Ela fala dos ingredientes. Mas como ela
agora vai colocando as palavras? Presta atenção.
(A professora volta ao vídeo no momento que a apresentadora do programa fala do modo de
preparo.)
PA: O que ta faltando ela falar aí nessa receita? No texto? Em relação às palavras.
A2: preaqueça, mexa, bata, adicione
PA: Mas ela fala dessa forma?
A: não.
PA: e como ela fala?
A3: vamos colocar, vamos mexer.
PA: Por que vocês acham que ela fala dessa forma e não da maneira do texto?
A1: porque ela ta fazendo também.
PA: isso, porque ela também ta fazendo, por isso que ela diz “vamos mexer”... no lugar de
“misture”, o que ela diz?
A4: “vamos misturar”.
PA: Então, se ela ta fazendo e a gente também, então somos...
A: nós
PA: dessa maneira não soa com tanta força de ordem, de pedido, como nós vimos naquelas
palavrinhas do texto.
(8º dia)
Durante o processo de leitura e caracterização do gênero receita, a professora deu
sequência ao trabalho com os verbos no imperativo e ampliou a discussão inserindo uma
importante reflexão sobre o uso de diferentes linguagens para o mesmo gênero em suportes
diferentes. A docente levou os alunos a perceberem que por uma receita ser veiculada através
da TV – e com isso a apresentadora se incluir no processo de elaboração do prato – não seria
tão adequado o uso dos verbos no imperativo e sim na 1ª pessoa do plural do presente do
indicativo (vamos mexer...). Em mais um momento da análise das aulas da PA, percebemos a
predominância de atividades epilinguísticas, ao se realizar reflexões sobre o uso da língua nos
gêneros textuais.
A PA também trouxe para a aula música “Admirável chip novo” da cantora Pit (anexo
6) para exemplificar, através de outro gênero, o uso dos verbos no imperativo. Como dito no
início da descrição das aulas da PA, não foi explorado o gênero letra de música, mas o texto
foi utilizado para se trabalhar um determinado aspecto linguístico.
Sobre esse fato de se escolher um determinado texto para o trabalho em sala de aula,
nos chamou a atenção uma declaração dada pela professora ao dizer que escolhia os textos de
acordo com o conteúdo gramatical que desejaria trabalhar. Não estamos afirmando que a
101
escolha do gênero variou de acordo com o trabalho com a AL, mas sim a escolha do texto
pertencente a determinado gênero.
PA: (...) O texto, eu sempre trago o texto, eu sempre procuro trazer o texto de acordo com o
conteúdo gramatical que eu quero trabalhar. Às vezes tem texto do mesmo gênero textual,
mas o conteúdo dele não ta abrangendo como eu quero, a parte gramatical. (...) Quando eu
trouxe a “Cumade Fulôzinha” eu sabia que seria a mais escolhida porque propositalmente
eu procurei lendas em que uma seria mais citada porque ta mais da aproximação do
ambiente deles. Ta mais parecido com o que eles conhecem, já ouviram falar.
Pesquisador: Então você escolhe o texto pelos ...
PA: conteúdos gramaticais que eu coloquei pra trabalhar. Na análise linguística, eu vejo o
texto que tenha aquilo mais ou menos que eu vá trabalhar. Por exemplo, como “Cumade
Fulôzinha” era eivado de adjetivos, então “Cumade Fulôzinha” seria o mais bem contado.
No do Papa figo, você lê, relê e você não vai encontrar essa quantidade que eu queria.
Porque o que eu queria trabalhar primeiramente em “Cumade Fulôzinha” eram os
adjetivos(...)
Esse posicionamento da professora nos pareceu bastante interessante, quando
percebemos a forte articulação que havia entre os eixos de ensino. A AL estava a serviço da
construção de sentidos do texto (gênero) e a escolha do texto estava diretamente ligada aos
temas de AL que foram selecionados para serem foco da aula. Isso nos leva a pensar sobre a
importância da escolha dos textos que entram na sala de aula. Sabemos que a escolha do
gênero é fundamental, principalmente quando se trabalha com sequências de atividades, para
o trabalho com os eixos de ensino, mas também reconhecemos a importância da escolha do
texto, tanto em relação à adequação temática para o trabalho pedagógico, quanto aos aspectos
linguísticos que deles podem ser explorados. Nesse sentido, a PA ratifica essa importância de
escolher os textos como forma de facilitar a exploração do trabalho com a AL.
Voltando à descrição da sequência com os verbos no imperativo, a professora iniciou
um trabalho mais formal de apresentação dessa temática. Esse estudo mais sistemático sobre
os verbos foi realizado através do uso do LD. Antes de apresentar as formas dos verbos no
imperativo, a docente voltou à discussão sobre o uso desse modo verbal e apresentou sua
nomenclatura específica. Ao trabalhar como LD, a professora utilizou a parte da explicação
gramatical e alguns exercícios que trabalhavam com o modo imperativo (Anexo 7).
PA: Onde tem lá em cima escrito “modo imperativo”. Agora eu to dizendo a palavrinha pra
vocês, é “imperativo”. Vocês sabem o que é imperador? Tem imperador aqui no Brasil? O
que é imperador?
A1: Era o rei.
102
PA: O imperador é o que comandava, que mandava.
A2: O Brasil não teve imperador.
PA: O Brasil teve sim.
A3: é Lula.
PA: Antes de ter presidente, o Brasil teve imperador. Teve Dom Pedro I...
(A professora lê o anúncio publicitário do livro e pede para que os alunos respondam às
perguntas.)
PA: O nome disso a gente chama de verbo, esse que dá ordem se chama “imperativo”. Só tem
um verbo aí que não indica ordem. Que verbo é esse?
(10º dia)
Os alunos não conseguiram entender “é” como verbo.
PA: Na última frase, onde tem “a revista é toda sua”. Qual é o verbo dessa frase?
A1: ligue, pergunte, responda
PA: Ele é tão usado por todo mundo. Vocês lembram que quando nós íamos colocar aquelas
palavrinhas que davam qualidade, a gente usou muito ele.
A: “É”
PA: Isso. A professora é... , tu és. Agora esse “é”, vocês estão vendo que ele não está dando
ordem. Ele é o único que não dá ordem. Vocês entenderam por que “é” é verbo? Por quê?
A: inaudível
PA: isso, porque ele ta fazendo a ligação. Entre quem ta fazendo a ação e as palavrinhas que
tão dando qualidade, né? É usado quando usamos características. Ex.: Ele é bonito.
A1: Eu é, tu é.
PA: Eu é?
A2: Eu sou.
PA: muito bem.
(10º dia)
A partir desse momento, a professora apresentou formalmente o nome dos verbos e fez
uma comparação com o termo “imperador” para explicar o significado do modo verbal em
estudo. Também nos pareceu interessante a explicação suscitada pela dúvida dos alunos em
relação ao verbo “ser”, materializado na questão da tirinha trazida pelo exercício do LD,
através de sua forma conjugada no presente “é”. A dificuldade da identificação, por parte dos
alunos, de “é” como verbo provavelmente vem da definição – dada inclusive pela própria PA
em momentos anteriores – de que verbo é a palavra que dá ideia de ação. Os estudantes
tiveram dificuldade para identificar, como pedia a questão, o único verbo que não expressasse
a ideia de ordem.
Para resolver essa dúvida, a professora lançou mão da explicação do uso dos adjetivos,
quando utilizamos o verbo “ser” como ligação entre o nome e o adjetivo ao qual ele se refere.
Na sequência um dos alunos, sem ser solicitado, começa a conjugar o verbo “ser”, mas o faz
de maneira inadequada e isso faz com que a professora sentisse a necessidade de sistematizar
a conjugação desse verbo no quadro e mostrasse aos alunos a forma padrão de sua
conjugação. Segundo depoimento da professora, esse trabalho não havia sido planejado, mas a
103
descrição da conjugação do verbo “ser” se fez necessário ao entendimento de um verbo que –
de acordo com as próprias palavras da docente – é tão usado por todos.
Na sequência dos trabalhos, a docente, apresentou a conjugação do verbo “escrever”
no imperativo afirmativo explicou como se formava a conjugação dos verbos nesse modo
verbal. O esquema abaixo foi o resultado das reflexões da professora sobre a formação do
imperativo:
Presente do indicativo
Eu escrevo
Tu escreves
(s)
Ele escreve
Nós escrevemos
Vós escreveis
(s)
Eles escrevem
Imperativo
------Escreve (tu)
Escreva (você)
Escrevamos (nós)
Escrevei (vós)
Escrevam
Subjuntivo
Que eu escreva
Que tu escrevas
Que ele escreva
Que nós escrevamos
Que vós escrevais
Que eles escrevam
A professora organizou no quadro o esquema acima, explicando a formação dos
verbos no imperativo afirmativo. O mesmo procedimento foi feito para explicar a formação
do imperativo negativo. Abaixo, trazemos o diálogo que mostra a explicação do imperativo
negativo, que se deu de forma muito semelhante ao afirmativo.
PA: continuando a atividade de segunda, faltou a gente trabalhar com o imperativo, o quê?
A1: negativo.
PA: Como é que eu faço o imperativo? Eu preciso de dois tempos, quais são? Quais são os
modos que eu preciso dos verbos? Quais os modos?
A1: subjuntivo.
PA: Subjuntivo é o segundo, qual é o outro? Presente do...
A2: do indicativo
PA: isso. Presente do indicativo. Vou precisar dos dois né? Também vocês sabem que não
tem o “Eu”. Por quê? Quem lembra?
A3: Porque eu não posso mandar em mim mesmo.
PA: Isso. Por isso que a gente colocou o risquinho nele, num foi? Do indicativo, vocês vão
usar duas pessoas. Quais são as pessoas?
A1: como assim?
PA: Duas pessoas do indicativo, três do subjuntivo. Quais são?
A1: como assim?
PA: as pessoas que nós vimos, do singular e do plural.
A2: O “tu” e “vós”.
PA: isso. Esse “tu” e “vós” são de segunda pessoa, né? Um do singular e o outro do...
A: plural.
PA: plural. E do subjuntivo eu precisei de que pra fazer o imperativo?
A1: você, nós.
PA: você, nós e vocês. É importante vocês aprenderem o imperativo porque você vão precisar
escrever bilhetes com pedidos, com ordens.
(11º dia)
104
A professora solicita que os alunos conjuguem o verbo escrever no subjuntivo.
Subjuntivo
Que eu escreva
Que tu escrevas
Que ele escreva
Que nós escrevamos
Que vós escrevais
Que eles escrevam
Imperativo
----não escrevas
não escreva
não escrevamos
não escrevais
não escrevam
Ela explica a formação do imperativo negativo a partir do presente do subjuntivo. Os
alunos começam a criar frases durante a aula utilizando o subjuntivo:
A1:“Isso é para que nós escrevamos.”
A2:“Para que ele faça.”
P: Qual a diferença entre o imperativo afirmativo e o negativo?
A1: é que tem o “não”.
PA: isso. No negativo, nós não cancelamos dois “S”. Aqui não muda nada. Aqui fica mais
fácil. Mais fácil por quê?
A1: Porque é só colocar um não e pronto.
(12º dia)
Sobre essa aula, um ponto que nos chamou bastante atenção foi a forma com que a
professora trabalhou com a AL. A docente apresentou a conjugação do modo imperativo a
partir da forma clássica encontrada nas gramáticas e nos livros didáticos, como indicado no
esquema descrito acima. Sobre essa postura, a própria docente, em depoimento no final da
aula, afirmou que:
Qualquer pessoa que visse essa minha aula diria que eu sou uma professora tradicionalista,
que trabalho com a gramática tradicional. Mas eu achei fundamental explicar aos meninos a
formação do imperativo. Como você viu que tudo se deu numa sequência, você entendeu os
motivos que me fizeram fazer isso. E outra coisa, eles primeiro aprenderam a usar os verbos
e só depois eu entrei com as nomenclaturas e tudo foi a partir de um gênero. E você viu que
eles aprenderam a usar os verbos no subjuntivo, perfeitamente.
Lançando um olhar mais amplo, entendemos as razões que levaram a professora a ter
tal posicionamento em relação à sistematização da conjugação dos verbos no imperativo. A
declaração dada acima pela docente, juntamente com o olhar do pesquisador que já vinha
acompanhando o trabalho da professora, levam a entender a prática da docente como
extremamente positiva ao desenvolvimento do conhecimento linguístico dos alunos.
Outra postura da professora que chamou a atenção foi quando ela justificou, durante a
aula descrita acima, a funcionalidade do aprendizado daquelas estruturas linguísticas,
105
afirmando que os alunos iriam necessitar se apropriar das formas no imperativo, pois iriam
usá-las para produzir outros gêneros que seriam trabalhados em unidades posteriores.
Esse trabalho da professora com os verbos no imperativo remeteu a uma discussão
travada na parte da fundamentação teórica da presente dissertação. Na parte citada,
discutimos, apoiando-nos em Travaglia (1996, 2006), sobre as concepções de gramática as
quais podemos nos referir ao se debater sobre o ensino gramatical na escola. De acordo com
esse autor, há basicamente três tipos de gramática, as quais ele denomina de normativa,
descritiva e internalizada.
Durante o processo de análise das aulas da PA, percebemos que houve uma maior
predominância do trabalho com a gramática internalizada, que é aquela que considera que a
língua “um conjunto de variedades utilizadas por uma sociedade de acordo com o exigido
pela situação de interação comunicativa em que o usuário da língua está engajado”
(TRAVAGLIA, 1996, 2006, p. 28). Mas também percebemos, como no caso da última aula
sobre o imperativo, a presença do estudo da gramática normativa, quando a professora buscou
que seus alunos aprendessem e dominassem o uso das regras de conjugação dos verbos no
modo imperativo.
Sobre o que foi dito no parágrafo acima, concordamos com Travaglia (1996, 2006),
quando o autor afirma que o trabalho com os diferentes tipos de gramática não são
excludentes . Sendo assim, tudo vai depender dos objetivos do professor, da realidade e da
necessidade da turma, entre outros aspectos.
Nesse sentido, percebemos que a PA tinha muita clareza em seus objetivos e sabia
onde queria chegar ao realizar o trabalho com a AL. Para assumirmos tal postura, também nos
apoiamos em Chartier (2007) e Tardif (2012), autores que trabalham com os conceitos de
“coerência pragmática” e de “coerência teórica”.
Se buscássemos uma coerência teórica no trabalho da PA com AL, talvez fôssemos
levados a concluir que a docente oscilaria entre diferentes concepções de linguagem, de
gramática ou até poderíamos dizer que a professora estaria passando por um período de
transição na apropriação dos conhecimentos teóricos sobre o processo de ensino de língua.
Mas, aos buscarmos uma coerência pragmática no trabalho da docente, entendemos – com o
auxílio do próprio discurso da professora – as razões que a fizeram realizar determinado tipo
de trabalho.
Também é importante recordar o perfil dos professores buscado pela presente
pesquisa. Buscamos, como dito no capítulo sobre os procedimentos metodológicos,
professores que tivessem uma formação sociointeracionista e não apresentassem um trabalho
106
tradicional em relação ao ensino da gramática normativa, com o objetivo de encontrar indícios
que nos revelassem as relações estabelecidas entre as concepções de linguagem e a efetivação
do trabalho com a AL.
A PA, durante todo o período de observação e da entrevista demonstrou grande
conhecimento sobre as teorias mais modernas de ensino, afirmando trabalhar com a AL em
articulação com os outros eixos de ensino, além de estar ciente da concepção de linguagem
que embasa o ensino da Rede Estadual de Pernambuco, explicitada através dos documentos
oficiais que regulam o ensino no estado.
A partir das observações das aulas, entrevistas e conversas informais com a docente,
concluímos que ela articula bem os saberes docentes – Saberes pedagógicos, disciplinares,
curriculares, experienciais – (TARDIF, 2012) e que usa esses conhecimentos a favor do
aprendizado de seus alunos, cumprindo com os objetivos propostos para o ensino de língua
materna para aquela série.
Tratando-se a respeito das atividades para a prática de AL, percebemos que a PA não
utilizou exercícios do tipo “fixação” para avaliar o aprendizado dos alunos em relação aos
temas de AL por ela trabalhados. O processo avaliativo se deu, na maioria das vezes, através
da produção textual, ou seja, o uso das reflexões linguísticas foi avaliado através dos textos
produzidos pelos alunos. Somente em dois momentos foram cobrados exercícios que
trabalhassem especificamente com a aplicabilidade dos recursos linguísticos. O primeiro foi
na atividade do LD sobre os verbos no imperativo, descrito anteriormente, e o segundo
momento se deu na prova escrita (anexo 8), realizado no final do bimestre. Nessa avaliação, a
docente propôs algumas questões para avaliar os temas trabalhados em sala.
Nessa prova, para o tema de pontuação, havia uma questão, ilustrada abaixo, que
cobrava a explicitação de uma metalinguagem sobre as regras de uso de alguns sinais de
pontuação. Nessa questão foi solicitado que os alunos explicassem os motivos de se terem
usados os sinais de pontuação.
No trecho “– Você aí, menino, para onde vai essa estrada?” Explique a utilização dos sinais de
pontuação:
a) Travessão_____________________________________________________________
b) Vírgula_______________________________________________________________
c) Ponto de interrogação____________________________________________________
107
Havia também três questões que requeriam o conhecimento acerca dos adjetivos. Seguem
abaixo duas delas:
Há palavras no texto que caracterizam o menino para que o leitor imagine como é seu físico e como
está seu comportamento naquele momento da narrativa. Retire, do texto, essas palavras
_________________________________________________________________________
As palavras que exprimem qualidades ou características de um ser são denominadas de “adjetivos” na
gramática portuguesa. Elabore qualidade(s) ou característica(s) para a personagem do vigário do
continho.
___________________________________________________________________
Na primeira, os adjetivos foram conceitualizados como palavras que caracterizavam o
menino da história do texto base para a resolução dessas duas questões. Nesse momento,
ainda não se havia trazido a nomenclatura “adjetivos”. Já na segunda questão, após os alunos
já terem realizado o reconhecimento dessas palavras no texto, foi apresentado o nome da
classe gramatical à qual a questão anterior se referia e solicitou-se aos alunos a elaboração de
outros adjetivos que pudessem descrever um personagem do texto.
Esse movimento pareceu interessante porque a ordem na qual as questões foram
organizadas sugeriu que inicialmente os alunos precisavam reconhecer no texto os adjetivos e
só após se apropriar de sua nomenclatura. Esse posicionamento da professora, ao organizar as
questões, remeteu-nos à ideia de Geraldi (1991, 2003c), quando o autor atribui às atividades
epilinguísticas um maior destaque entre as ações com a linguagem e afirma que “para que as
atividades metalinguísticas tenham alguma significância, é preciso que as atividades
epilinguísticas as tenham antecedido” (GERALDI, 1991, 2003c, p. 192).
Essa questão foi finalizada com um comando de uma produção que utilizassem essas
palavras. Estamos cientes de que criar algumas características para um personagem de um
texto não seria a melhor maneira de avaliar o uso de certo aspecto linguístico em uma
produção de texto e esse posicionamento foi justificado pela professora quando afirmou que a
prova escrita não buscava avaliar a produção de texto, pois esse eixo já tinha sido avaliado
durante a escrita dos gêneros trabalhados durante o período das aulas. O depoimento que se
segue confirma o que foi dito acima.
Esta avaliação só não está com produção textual porque o trabalho da escrita dessa unidade
ficou por conta da produção da lenda urbana.
108
Havia também duas questões que envolviam classificação dos gêneros. Comentaremos
apenas uma delas. Além de avaliar habilidades de leitura dos alunos (questão 09), foi cobrado
também o conhecimento de um gênero, além do gênero anúncio trazido pela questão, no qual
pudéssemos encontrar verbos no imperativo, tema trabalhado na sequência da receita
culinária.
Leia o aviso abaixo para responder as questões 09 e 10.
SE BEBER, NÃO
DIRIJA.
No aviso, o modo cujo verbo está conjugado é o imperativo negativo. Responda o nome de
outro gênero textual no qual podemos encontrar verbos no imperativo.
Mais uma vez, observamos a forte articulação entre os eixos de AL e o eixo de leitura.
A PA articula, inclusive nas questões da avaliação de aprendizagem, exercícios que exigiam
dos alunos reflexões linguísticas voltadas para o entendimento do texto (gênero).
3.3.1.4 Mais algumas considerações sobre as aulas da Professora A
Em relação aos momentos nos quais a PA inseriu o trabalho com a AL, concluímos, a
partir de uma visão geral das aulas analisadas, que a docente realizou reflexões linguísticas
durante o trabalho com os eixos de leitura e de produção de texto. Em relação à produção –
como comprovado com o trabalho com a pontuação – houve reflexões antes da produção e um
trabalho pós-produção, quando os alunos realizaram, com o auxílio da professora, a reescrita
das lendas, a partir das discussões sobre aspectos linguísticos do texto.
Acerca da leitura, a professora realizou reflexões em quase todos os momentos do
trabalho com esse eixo. Algumas reflexões já eram planejadas pela docente e outras surgiram
da interação das dúvidas trazidas pelos alunos.
Acerca das atividades com a AL, houve a predominância de atividades epilinguísticas
(GERALDI, 1991, 2003c). Isso ficou muito claro nos momentos em que a professora
promoveu reflexões nas quais tomou os próprios recursos da língua como objeto de ensino.
Por mais que a PA tenha tentado evitar o uso de metalinguagem – esse fato foi confirmado em
seu discurso e percebido durante a observação das aulas – o uso da metalinguagem se fez
presente e necessário nas aulas dessa docente. Ao se trabalhar o uso da vírgula, foi necessário
109
explicar o que era um aposto e um vocativo, principalmente porque o próprio material
selecionado pela professora trazia essas nomenclaturas.
Finalizando nossas discussões sobre as aulas da PA e buscando cumprir o objetivo
geral do nosso trabalho, buscamos estabelecer as relações que se estabelecem entre a
concepção de linguagem assumida pela docente e seu trabalho com a AL.
Como já dito anteriormente, a PA assumiu a perspectiva de linguagem como forma de
interação, pois declarou seguir as concepções dos Parâmetros para a educação básica do
Estado de Pernambuco e essa perspectiva de linguagem também se demonstrou – durante as
observações – predominante em seu trabalho com a língua.
A partir desse entendimento, concluímos que não identificamos no trabalho da PA
uma total linearidade entre a concepção de linguagem assumida e a prática de AL por ela
desenvolvida. Na maior parte das aulas observadas, a docente trabalhou a AL na perspectiva
do uso, da enunciação, mas em um momento com o trabalho com os verbos no imperativo, ela
lançou mão da GT para sistematizar o uso desses verbos.
Na verdade, compreender a língua como forma de interação não exclui o trabalho com
a GT. Essa visão é um equívoco que muitos professores e teóricos fazem sobre a prática de
AL. Não podemos afirmar e esperar que um professor que assuma uma determinada
perspectiva em relação à linguagem realize um trabalho que esteja sempre articulado com
determinadas filiações teóricas. Essa maneira de se entender as relações entre posicionamento
teórico em relação à concepção de linguagem e o trabalho com o ensino, já estava posta nos
Parâmetros para a educação básica do Estado de Pernambuco, cabendo aqui trazer novamente
a discussão, quando esse documento afirma que
Ao se assumir uma compreensão da língua, potencialmente, como ação e
interação, não se está ignorando seu caráter sistêmico, indissociável de
qualquer proposta de estudo da língua. Nesse documento, defende-se que o
conhecimento das regularidades sistêmicas da língua seja alvo de análise e
reflexão. No entanto, o foco numa concepção interacionista da linguagem
indica um maior interesse na compreensão do funcionamento da língua do
que no conhecimento do código linguístico. (PERNAMBUCO, 2012, p. 20).
Quando falamos em ensino, estamos entrando em um campo do saber muito plural, em
que muitas variáveis entram em cena para compor o cenário educativo. E nesse cenário,
muitos fatores influenciam a prática do professor: sua própria formação, as condições de
trabalho, as necessidades de aprendizagem dos alunos, entre outros muitos. Neste sentido, não
110
podemos esperar que apenas a teoria seja o único tipo de conhecimento que deva embasar a
prática do professor.
3.3.2 A Professora B (PB):
“‘Pratrasmente’”, como diz em Saramandaia, ele pode
saber o uso pra usar, mas daqui pra frente ele tem que
saber o nome.” (PB)
Passaremos a partir dessa seção a analisar as aulas e a entrevista da PB. Essa docente
foi observada em seu trabalho com uma turma de 9º ano, último ano do ensino fundamental,
no 3º bimestre de 2013.
Como procedemos com as análises feitas da PA, analisaremos como a PB realizou seu
trabalho com a AL, respondendo às mesmas perguntas de pesquisa e seguindo os mesmos
pontos propostos no tópico 3.3.
3.3.2.1 As concepções de língua e de gramática da professora e o como se deu o trabalho
com a Análise Linguística.
Semelhantemente ao que fizemos com a PA, iniciaremos as análises das aulas da PB
discutindo como se estabeleceram as relações entre a AL e o trabalho com os gêneros
textuais.
Diferentemente da PA, a PB não organizou, durante o período de observação, seus
trabalhos em sequências de atividades e nem trabalhou na perspectiva dos gêneros textuais.
Na verdade, a PB trabalhou com inúmeros textos, como poderemos comprovar na sequência
das análises e através dos anexos que estão na parte final da dissertação, mas não explorou os
gêneros como “entidades sociodiscursivas e formas de ação social.” (MARCUSCHI, 2005, p.
19).
Sobre essa discussão de se trabalhar com gêneros e se trabalhar com textos, Santos,
Mendonça e Cavalcante (2007) nos esclarecem que levar um gênero textual para a sala de
aula ou até uma diversidade deles, não significa trabalhá-los enquanto gêneros. Para as
autoras, para se trabalhar com os gêneros na sala de aula
é preciso trabalhar, de fato, com essa diversidade. Abordar efetivamente os
gêneros textuais naquilo que têm de específico supõe conhecer o que os
111
distingue uns do outros, isto é, as suas características. (SANTOS;
MENDONÇA; CAVALCANTI, 2007, p. 30).
No caso da PB, não observamos um trabalho com o que os gêneros têm de específico,
mas sim havia somente a presença do texto na sala de aula, ou para se trabalhar aspectos de
interpretação de sua temática ou, na maioria das vezes, para a exploração de aspectos
linguísticos.
Diante disso, não temos como dividir as análises da PB em sequências de atividades,
como foi feito com a PA, pois não conseguimos visualizar momentos que demarcassem o
início ou término de um trabalho baseado em uma sequência ou em um determinado conteúdo
de AL. Muitos temas de AL se misturaram no decorrer das aulas, chegando o mesmo tema a
ser trabalhado no início e no final do período da observação.
Para iniciarmos as análise e organizar as ideias acerca do trabalho da docente,
elaboramos a tabela abaixo, fazendo uma relação entre os textos trabalhados pela PB e os
assuntos de AL que, a partir deles, foram propostos. Queremos deixar claro que em muitos
momentos do trabalho com o texto a PB informava aos alunos o nome do gênero a ser
trabalhado e, em alguns casos, como veremos na sequência, ela levantava pequenas
discussões sobre suas características, mas nem sempre pautava as discussões com a AL a
partir do seu estudo de determinado gênero.
Na tabela abaixo, colocamos o título do texto e a qual gênero ele pertence. Adotamos a
classificação dos gêneros proposta pela PB.
Textos
Temas de análise linguística trabalhados pela
Professora B
Artigo
de
opinião:
“Cidadão
Brasileiro”
Letra de música: “Tente outra
vez”
Piada: “A galinha”
Crônica: Atitude suspeita












Tipologia textual
Plural do substantivo
Pontuação
Artigos
Pronomes
Conotação e denotação
Texto em prosa e texto em verso
Verbos no imperativo
Funções da linguagem
Eu lírico
Semântica
Coesão textual: Pronomes e o uso de
sinônimos para evitar repetição
 Pronomes: demonstrativos, pessoais,
112
Crônica: simplicidade
possessivos e demonstrativos
 Pronomes: demonstrativos,
pessoais,
possessivos e demonstrativos
Quadro 7: Temas de análise linguística e os textos trabalhados pela professora B
Além desses cinco textos, a PB utilizou outros. Preferimos não colocá-los nesse
quadro por se tratar de textos – e alguns não passaram de sentenças isoladas apresentadas em
slides – que apenas serviram para explicitar o uso de algum aspecto linguístico ou para servir
de proposta de reescrita para a adequação do uso dos pronomes.
Na tentativa de facilitar a análise e a obtenção de resultados mais claros para
atingirmos os nossos objetivos, dividiremos a exposição das análises em duas partes. A
primeira compreenderá o trabalho com os dois primeiros textos da tabela acima e a segunda
com os três últimos e mais as análises de pequenos textos e sentenças utilizados pela PB. Essa
divisão nos pareceu mais pertinente porque a segunda parte proposta para as análises gira em
torno de um mesmo assunto (os pronomes) e dessa forma ficará mais fácil manusear os dados
e levantarmos algumas considerações sobre a prática da professora.
É importante frisar também que inseriremos, juntamente com as análises, algumas
declarações dadas na entrevista e nas conversas informais para tentarmos explicar com mais
clareza alguns posicionamentos da docente.
Além da tabela apresentada acima, com os textos e os conteúdos de AL trabalhados
pela PB, apresentamos abaixo uma tabela com a organização dos dias das aulas da PB, com o
intuito de facilitar a leitura durante as análises que virão na sequência deste tópico.
No caso da PB, suas aulas estavam divididas em dois dias na semana e cada dia a
docente ministrava 3 aulas geminadas. Nesse sentida, cada dia de aula descrito abaixo
corresponderá a três aulas.
SÍNTESE DOS DIAS DE AULAS OBSERVADOS – PROFESSORA A
Número da aula
Descrição
Leitura do texto “Cidadão Brasileiro” (anexo 9). Exploração de
1º DIA
questões de interpretação textual (anexo 10). Trabalho com
Tipologia textual, plural do substantivo e pontuação.
Exploração de questões de interpretação textual (anexo 11).
2º DIA
Trabalho com os artigos e com pronomes.
Leitura da letra da música “tente outra vez”, com algumas
questões de interpretação do texto.(anexo 12). Trabalho com
3º DIA
Conotação e denotação, texto em prosa e texto em verso,
verbos no imperativo, revisão de funções da linguagem, Eu
113
lírico e semântica.
Produção de cartazes com mensagens de otimismo.
4º DIA
5º DIA
Leitura do texto “A galinha”, de Millor Fernandes (anexo 14).
Trabalho com coesão textual.
Leitura da crônica “atitude suspeita” (anexo 14).
Leitura da a crônica “Simplicidade” de Luís Fernando
Veríssimo (anexo 18).
Trabalho com os pronomes demonstrativos (anexo 17).
6º DIA
7º DIA
Exercícios do livro didático (anexo 16 e 19)
Quadro 8: Síntese dos dias de aula da PB
3.3.2.2. Primeira parte das aulas da PB
Essa primeira parte se iniciou com a volta do segundo semestre letivo do ano de 2013.
Nesse dia, a PB levou para sala um pequeno texto (anexo 9) cujo título era “Cidadão
Brasileiro” para, a partir dele, suscitar um debate sobre a questão da cidadania – muito
comum à época, devido ao grande número de protestos que estavam ocorrendo em nosso país
– e para realizar algumas reflexões sobre aspectos linguísticos do texto.
Durante a leitura do texto, a docente chamou a atenção para a palavra “cidadão”, que
fazia parte do título, e levantou o questionamento sobre o seu plural:
PB: Qual o plural de cidadão?
A: Cidadões
PB: É Cidadões o plural de cidadão?
A1: Acho que sim
PB: A2, Você concorda com A1, é Cidadões? A3, o plural de cidadão é Cidadões? Vejam só,
o plural dessa palavra é uma das dúvidas que é comum na cabeça de todo mundo. O plural de
cidadão não é Cidadões, é Cidadãos.
(1º dia)
Não houve uma aula específica sobre plural dos substantivos, nem uma sistematização
formal, com apresentação de listas e regras, somente foi colocado em pauta o plural da
palavra “cidadão”, que era parte do título do texto.
A postura de chamar a atenção dos alunos para o plural da palavra “cidadão” nos
pareceu bastante interessante, pois sabemos que esse plural, apesar de ser muito usado, causa
grande dúvida entre as pessoas, inclusive entre falantes com certo grau de escolaridade e até
entre personalidades públicas.
Segundo a própria docente, conforme afirmação ao
114
pesquisador, os alunos precisam conhecer a escrita padrão de algumas palavras para poder
usá-las com adequação. Esse ponto também nos remeteu a outra declaração dada pela PB
durante a entrevista, ao ser questionada sobre o ensino da norma padrão:
PB: Estudar a norma padrão, que eu acho que a escola tem que ensinar a norma padrão,
porque é a tarefa da escola. Não significa que as aulas de língua portuguesa sejam aulas de
norma padrão. Eu acho a aula de Língua Portuguesa é aula de Língua Portuguesa.
Compondo todas as variações. Agora, e, levando esses meninos, principalmente de 9º ano, a
perceber que essa norma padrão, você tem contextos que você vai precisar usar. Aí você vai
ter que aprender, dominá-la. Ter competência pra fazer uso dela nas situações que você vai
ser cobrado socialmente.
Além da discussão promovida a partir da leitura coletiva do texto, a PB trabalhou com
diversos temas de AL, conforme podemos visualizar na tabela acima, a partir de inúmeras
perguntas de compreensão textual (anexos 10 e 11). Para esse trabalho, foram elaboradas onze
questões. Dessas onze, cinco exploraram questões sobre a temática do texto, uma tratava
sobre tipologia textual, duas sobre pontuação, duas sobre os pronomes e uma sobre os artigos.
Sobre as tipologias textuais, houve, logo após a leitura silenciosa dos alunos, uma
pequena discussão:
PB: Esse textozinho aqui vocês acham que é um texto que dá uma opinião, é um texto que
narra uma história? É um poema?
A1: poema não
PB: Não é poema. E é o quê?
A1: Narra uma história.
PB: Narra uma história? Se narra uma história, qual a história que ele narrou? Tem
personagens essa história?
A1: Tem. O cidadão.
PB: O cidadão aqui é um personagem? O que é que o cidadão fez? E aí? Não é um poema,
hein?
A2: Não é um poema, é tipo um...
PB: É um texto de opinião? Aqui tem alguém dando uma opinião?
A1: Não.
PB: Tem não? É um texto narrativo?
A2: Não
PB: Se é um comentário e eu estou falando sobre a chegada do Papa, um comentário meu, não
é uma opinião minha?
A: é
PB: Esse texto aqui eu não posso dizer que é um texto de opinião?
A: Pode
(1º dia)
Nesse trecho percebemos a clara intenção da PB em levantar uma discussão sobre a
tipologia do texto trabalhado. Ela fez a pergunta e saiu dando possibilidades de respostas aos
alunos. Não houve uma explicação formal sobre as tipologias, apenas se chegou à conclusão
de que o texto em análise era um texto que trazia a opinião do autor. Segundo a professora,
115
essa discussão não é típica do 9º ano, não havendo a necessidade de uma explicação mais
formal sobre o assunto, já que o trabalho com essa temática fazia parte de séries anteriores.
Como constatamos, no tópico 3.2.2, a discussão sobre as tipologias não estava descrita no
planejamento da PB, mas mesmo assim ela resolveu levantar esse debate, pois lhe pareceu
importante.
Após essa discussão inicial sobre as tipologias, a docente passou a explorar as
questões de interpretação textual propostas. Comentaremos, a seguir, apenas as questões que
envolvem algum tipo de reflexão linguística, mas não nos deteremos às questões que
exploraram a temática do texto.
A partir de uma das questões de pontuação, a docente explicou o uso da vírgula com
função enumerativa:
PB: Quero que vocês observem no texto o uso da vírgula e que vocês observem também para
que ele utilizou os parênteses.
A1 lê a questão de compreensão: Copie a parte do texto que enumera alguns direitos do
cidadão e explique com que função a vírgula foi utilizada?
PB: O que é enumerar?
A1: Dar números.
PB: Não. Se eu disser assim: “A1, enumere aí suas qualidades”. O que você vai fazer?
A2: Falar que ele é bonito...
PB: Colocar, expor as qualidades, né isso? Enumere aí o nome dos seus irmãos. Aí você vai
fazer uma lista com o nome deles.
(1º dia)
A professora copia as seguintes frases no quadro:
1. Gabriel tem vários irmãos, como: João, José, Fábio e Maria.
2. A escola é boa porque tem professores, merenda, livros, biblioteca e laboratórios.
PB: Vejam só esses dois exemplos aqui. A vírgula foi utilizada com a mesma função que o
autor utilizou a vírgula no texto. Veja só aqui: “Gabriel tem vários irmãos, como:
João,(vírgula) José, (vírgula) Fábio e Maria”. Veja que eu fiz aqui a enumeração do nome dos
irmãos de Gabriel.
A1: Se não tivesse vírgula ia ficar um nome só.
PB: Pois é. Se não tivesse colocado vírgula não tinha como saber quantos irmãos eram. Olha
o segundo exemplo: “A escola é boa porque tem professores, (vírgula) merenda, (vírgula)
livros, (vírgula) biblioteca e laboratórios”. A vírgula aqui foi utilizada com a mesma função.
Aqui eu enumerei o que a escola tem. Aí no texto, quando ele (referindo-se ao autor) separou
com vírgulas, ele separou o quê?
A2: os direitos.
PB: Os direitos. Ele ai fez uma enumeração dos direitos, num foi? Ele ai citou quais são esses
direitos. Então, se a gente pergunta “explique com que função a vírgula foi utilizada”. Qual
vai ser a resposta?
A1: ele separou...
PB: A vírgula foi utilizada para?
A2: Para separar os direitos.
PB: separar os direitos que foram... Que foram o quê?
A1: Enumerados.
(1º dia)
116
A partir da questão, a professora explicou o uso da vírgula para enumerar termos, deu
outros exemplos e voltou ao texto para comprovar esse uso. No trecho da aula acima, também
percebemos a intenção de mostrar aos alunos a importância que o uso da pontuação tem, no
caso específico da vírgula, para a construção do sentido do texto. Isso ficou claro quando a
docente conduziu os alunos a pensarem na alteração do sentido da sentença em análise caso as
vírgulas não fossem usadas adequadamente.
Após responder a essa questão, a PB solicitou um produção, na qual os alunos usassem
a vírgula com a função anteriormente citada. Abaixo segue o comando da professora:
PB: Eu quero que vocês criem uma frase que utilize a vírgula com função de enumeração.
Elaborem pra mim um pequena frase, como eu elaborei aqui, quando a vírgula vai ser
utilizada para enumerar itens. Você pode enumerar as coisas que você tem, você pode
enumerar as qualidades que você tem, você pode enumerar as coisas que você quer comprar,
você pode enumerar os sonhos que você quer realizar, você pode fazer uma enumeração do
que você quiser.
(1º dia)
Conforme comando acima, a docente solicitou a produção de uma frase para
exemplificar o uso da vírgula com função enumerativa, não recorrendo à produção de um
gênero que exemplificasse o uso do aspecto linguístico em questão. Percebemos que não
houve nenhum propósito comunicativo na produção dessa frase. Neste caso, a produção foi
um pretexto para o uso de um determinado aspecto linguístico.
Em outra questão, também sobre pontuação, a PB explorou, além do uso da vírgula, o
uso dos parênteses e do travessão. A professora pediu para que os alunos reescrevessem a
frase, transcrita abaixo, eliminando o uso dos parênteses, substituindo-os por outros sinais de
pontuação.
1. ... Ter acesso aos serviços públicos (por exemplo, hospitais e escolas), organizar-se ...
PB: Peguem aí o texto, por favor. No texto, no segundo período, onde ele faz a enumeração
dos direitos. Aí ele diz assim ó. “Entre os seus direitos, estão votar nos governantes, que
fazem as leis, ter acesso aos serviços públicos”. Aí nessa hora que ele fala dos serviços
públicos, ele abre um parêntese aí coloca: “por exemplo, hospitais e escolas”. Ele coloca dois
exemplos de serviço público, né isso? Quando ele para pra dar esses exemplos ele usa um
sinal aqui é exatamente os parênteses. Como ele deu essa parada, ai ele botou parênteses. Aí o
que é que eu quero que vocês pensem aqui. Que outro sinal a gente poderia usar pra também
fazer essa parada?
A1: ponto
PB: Ponto? Se eu fosse colocar um ponto aqui eu teria que tirar esses outros direitos aqui. Se
eu fosse colocar esse ponto aqui, esses exemplos seriam de outras coisas. Alguém sugere
outro sinal, outra pontuação que a gente pode utilizar sem ser esses parênteses? Ponto não
pode.
A1. Pode ser esse aqui? (A aluna coloca no quadro as aspas.)
PB: As aspas aqui, não ficariam muito legal.
A1: Aquele...
117
PB: Qual? Mostra aí.
(A aluna coloca colchetes no quadro)
PB: Pensem melhor. Eu vou colocar aqui e vocês veem.
(A professora reescreve as frases no quadro e em seguida discute o que foi feito.)
PB: Eu tirei os parênteses e coloquei o quê? Que sinal é esse que eu usei?
A1: Um travessão
PB: Isso. Eu usei o travessão para detalhar, para dar exemplos de serviços públicos. Ao invés
dos parênteses eu usei travessão. O travessão aqui vai ter a mesma função dos parênteses.
Veja que ele dá uma quebra na continuidade do texto para que ele pudesse dar exemplos de
que serviços públicos ele tava falando.
(1º dia)
Além da dificuldade de utilizar os sinais de pontuação, a professora percebeu, através
da discussão transcrita acima, que alguns alunos tiveram problemas para reconhecer e dar
nome aos sinais de pontuação e por isso ela solicitou que os estudantes realizassem uma
pesquisa sobre o nome e os usos desses sinais, conforme comando abaixo:
PB: anotem ai. Eu quero uma pesquisa sobre sinais de pontuação. Em qualquer gramática da
biblioteca.
(1º dia)
Os alunos foram à biblioteca da escola e pesquisaram em livros didáticos e em
gramáticas o nome dos sinais de pontuação e exemplos de seus usos, conforme solicitação da
professora.
Ainda falando sobre o fato de solicitar o nome dos sinais de pontuação, perguntamos à
docente, enquanto os alunos realizavam a pesquisa, se essa atividade estava programada.
Abaixo segue o diálogo:
PESQUISADOR: Esse assunto de pontuação, ele já estava planejado ou surgiu a partir das
necessidades dos alunos?
PB: Pra mim, acentuação e pontuação têm que estar o tempo todo. Apareceu, aí entra. Eles
não sabiam os nomes, aí tem que trabalhar.
PESQUISADOR: Então, essa atividade de pesquisar o nome foi porque eles não sabiam.
PB: Porque se não fizesse, eles iam continuar sem saber. Aí se aparecer de novo, aí vão
lembrar.
PESQUISADOR: Às vezes, é necessário essa questão de conhecer os nomes?
PB: É, é. Esses três pontinhos, só um menino sabia. Eles estão na oitava e vão para o
primeiro. Eles têm que saber o nome. Aqui, “pratrasmente”, como diz em Saramandaia, ele
pode saber o uso pra usar, mas daqui pra frente ele tem que saber o nome.
PESQUISADOR: Um trabalho como esse talvez não seria julgado como tradicional?
PB: É. Mas é aquela história das necessidades. Eu preciso, ele precisa.
Quando observamos o planejamento da PB, percebemos a presença da temática da
pontuação. Mas, pelo que observamos através do discurso da docente, transcrito acima, ela
118
não havia pensado em sistematizar o nome dos sinais de pontuação. Ao perceber a dificuldade
dos alunos em nominar os sinais, ela propôs um trabalho de pesquisa sobre esses nomes e
declarou ao pesquisador que sentiu a necessidade de adotar tal postura.
No discurso dela também percebemos que, ao ser questionada sobre o caráter
tradicional dessa atividade de pesquisa, a docente não se sentiu pressionada a seguir uma
tendência e não temeu ser tachada como tradicionalista. Essa declaração dada pela PB remete
ao discurso de Travaglia (1996, 2006) quando o autor, ao discutir sobre o ensino gramatical
na escola, afirma que o trabalho com algum tipo de gramática ou a escolha de determinado
assunto e enfoque dado a ele dependerá muito dos objetivos do professor e da necessidade dos
alunos.
Também parece interessante retomar uma discussão levantada quando analisamos os
Parâmetros para a educação básica do Estado de Pernambuco. Nesse documento há um tópico
que discute a relação dos conteúdos de AL com as séries. Nesses parâmetros se defende a
ideia de que já nos anos finais do ensino fundamental, que corresponde ao caso dos alunos da
PB, as discussões linguísticas podem ser ampliadas e pode haver a necessidade de uma maior
sistematização de algumas categorias gramaticais e certas nomenclaturas.
Seguindo essa tendência, e atendendo às necessidades dos alunos, a PB levou em
consideração a necessidade que os docentes tinham em conhecer o nome dos sinais de
pontuação para poderem compreender futuras reflexões linguísticas, inclusive o fato de os
estudantes estarem prestes a ingressar no ensino médio. Para isso, ela lançou mão de um
trabalho também dedicado ao estudo da metalinguagem sobre os sinais de pontuação e
justificou, no seu discurso, que além de saber utilizar os sinais, os alunos precisavam conhecer
o nome deles para a realização de futuros trabalhos.
Após o trabalho com os sinais de pontuação, a PB voltou a explorar o texto “o cidadão
brasileiro”, através de mais um bloco de perguntas de compreensão textual (anexo 11). Em
uma dessas perguntas foi solicitada aos alunos a explicação da diferença do emprego do artigo
definido “O” e do indefinido “UM”. Para promover a explicação da diferença entre os dois
artigos, a docente copiou no quadro o seguinte esquema:
ARTIGO: palavra que antecede o substantivo, definindo-o ou indefinindo-o
Os artigos classificam-se em:
DEFINIDOS: o, a, os, as, quando definem o substantivo, indicando que se trata de um ser
conhecido entre vários ou que já foi mencionado antes.
INDEFINIDOS: um, uma, uma, umas, quando indefinem o substantivo, indicando um ser
qualquer entre vários e ao qual ainda não se fez referência.
119
Houve uma sistematização formal sobre os artigos, contendo sua definição e
classificação. Após esse trabalho, os alunos conseguiram responder à questão que solicitava o
conhecimento desse tópico gramatical. Essa explicação mais formal ajudou os alunos a
compreenderem o sentido do uso do artigo definido e do indefinido utilizados no texto.
No caso desse momento da aula, observamos que a docente tentou, inicialmente,
levantar uma reflexão sobre o uso dos artigos, mas, ao sentir a necessidade, ela introduziu o
uso da metalinguagem para levar os alunos a desenvolverem reflexões sobre o uso dos artigos.
Nesse sentido, podemos afirmar que a metalinguagem foi importante para levar os alunos a
construírem uma reflexão sobre a classe gramatical estudada.
Esse movimento sugere um caminho inverso ao proposto por Geraldi (1991, 2003c)
quando o autor afirma que “para que as atividades metalinguísticas tenham alguma
significância, é preciso que as atividades epilinguísticas as tenham antecedido” (GERALDI,
1991, 2003, p. 192). Percebemos, nesse exemplo da aula, que a atividades metalinguísticas
também podem, dependendo da situação, ter uma importância ao preceder uma reflexão
epilinguística, inclusive sendo fundamental para o desenvolvimento da reflexão sobre o objeto
de estudo.
Sobre as questões que se referiam aos pronomes, não houve nenhuma discussão
específica, somente foram respondidas as duas questões que tratavam sobre essa temática,
sem nenhuma exploração mais específica, apesar da professora ter usado, nos enunciados das
questões, nomenclaturas específicas de classificação dos pronomes (pronome possessivo e
pronome relativo).
Passaremos agora a analisar o trabalho de AL a partir do segundo texto (anexo 12).
A professora entregou aos alunos a ficha com a letra da música “tente outra vez”, com
algumas questões de interpretação do texto. A letra foi lida e discutida coletivamente e logo
em seguida os alunos iniciaram o trabalho com as questões. Enquanto os alunos expuseram
suas dúvidas sobre cada questão, a professora foi-lhes explicando e exemplificando cada
temática. A todo, a atividade era composta por cinco questões, sendo duas voltadas à
interpretação do sentido do texto: uma fazia referência à definição de Eu lírico, outra, ao
sentido conotativo de alguns versos retirados da letra da música, e a última era referente às
funções da linguagem. Iremos nos deter à análise de algumas questões e às discussões
travadas ao redor delas, através da transcrição de alguns diálogos travados em sala de aula e,
ao final, faremos alguns comentários.
Sobre a questão que tratava sobre o Eu lírico, trazemos o trecho abaixo para análise e
discussão.
120
A1: Professora, o que é o Eu lírico?
PB: Eu lírico né? Na poesia, sempre tem alguém falando na poesia. Esse ser que fala na
poesia é o Eu lírico. Veja só, tem aqui duas questões, a questão 1 e a questão 2, que envolvem
o texto, sobre a mensagem do texto. A primeira diz assim: “a letra dessa canção nos transmite
um conselho”. Veja que a todo o momento ele tá nos aconselhando: “faça”, “beba”, “tente”
“levante”. O tempo todo ele aconselhando a gente a fazer alguma coisa. Aí a pergunta é: “O
que o Eu lírico insiste em nos dizer”? O que é o eu lírico? Se o texto fosse uma fábula, um
conto, um romance, a gente teria a presença de um narrador. Alguém que ta narrando aquela
história, narrando aquele episódio. Aqui, não é uma narrativa. Aqui eu tenho um texto, em
versos, um poema ou a letra de uma música. Mas eu tenho alguém aqui que tá mandando ou
aconselhando, num tem? Esse ser, essa pessoa, que ta aqui dizendo “veja”, “beba” é um
indivíduo, mas não é um indivíduo real, não é um indivíduo físico, é um indivíduo que a gente
chama de Eu lírico. Aquele que fala no poema. E aquele que fala no poema pra nós.
Entendido? Então a pergunta é, “O que esse eu lírico insiste em nos dizer?” O que ele quer
que a gente faça?
(3º dia)
Durante a leitura e exploração do texto “Tente outra vez” e a partir do enunciado de
uma das questões que solicitava a interpretação de alguns versos, surgiu a discussão sobre o
significado da palavra “verso”. A partir dessa dúvida, a professora inseriu uma discussão
sobre as definições de texto em prosa e texto em verso.
PB: O que é um texto escrito em verso e o que é um texto escrito em prosa? Hein, gente? Esse
texto ai foi escrito em verso ou em prosa?
A: Em verso
PB: cada linha é um verso. E o que é um texto escrito em prosa?
A2: É um texto completo.
PB: É um texto completo prosa é?
A1: Não
PB: E o que é um texto completo? Se eu pedir pra vocês escreverem aqui sobre a opinião de
vocês sobre o preconceito. Quando vocês vão escrever essas opiniões, vocês vão escrever
usando prosa ou usando versos?
A: Prosa.
PB: Prosa. E o que escrever em prosa?
A1: É escrever normalmente.
PB: E o que é escrever normalmente?
A2: É escrever o que eu estou pensando.
PB: Mas se eu quiser fazer um poema, eu posso colocar no poema também o que eu estou
pensando, só que vai ser em verso, não vai ser em prosa. Gente, o texto em prosa é aquele:
Sistematiza no quadro: PROSA – texto escrito em parágrafos
A1: Nada a ver professora, porque aqui tem um bocado de parágrafo também.
PB: Olha só, o texto em verso, cada linha é um verso e cada conjunto de versos é o quê?
Vamos contar quantos versos têm esse texto. Quantos versos tem o texto?
A: Seis
PB: Seis versos? Não. Cada verso está presente em uma linha. Cada linha do texto é um
verso. Então quantos versos eu tenho? Fora o título, porque o título não seria um verso.
Os alunos contam os versos do texto.
A: 23
PB: Agora veja só, presta atenção. O conjunto de versos, separados um do outro, a gente dá o
nome de ESTROFE. Então quantas estrofes a gente tem aí?
A: Seis.
(3º dia)
121
Sobre os verbos no imperativo
PB: É normal nas estrofes aparecer verbos que mandam fazer, veja na primeira estrofe,
“veja”; na segunda estrofe, “beba”; na terceira, tente; aí no quinto, “Queira”; ainda no quinto,
tem assim ó: “Vai”; e no último tem “tente”, “tente”. Esses verbos são verbos que a gente
nomina de verbos no imperativo. Verbos no imperativo são aqueles que mandam, que
ordenam, que aconselham “faça”, “vá”. Veja que a letra dessa música... é como se ela tivesse
aconselhando a gente. “veja isso”, “beba”, “tente”. E principalmente na última estrofe: “tente
outra vez. Tente”. Aconselhando a gente a não perder a esperança, a sempre tentar, a nunca
desistir dos sonhos.
(3º dia)
Sobre as funções da linguagem
PB: A questão 5 envolve o que a gente viu lá na segunda unidade, a função da linguagem. Aí
tem que olhar lá no caderno pra ver. Esse texto, esse gênero, que é letra de música, qual é a
função de linguagem que tem presente? Tem duas funções aqui presentes nesse texto,
basicamente duas. Pelo fato de ser um poema, qual é a função? E pelo fato de aparecer esses
verbos “beba”, “tente”, “queira”, qual é a outra função? Vou colocar no quadro lembrando as
funções, ta?
PB: Poética, tem função poética aí porque é em versos. Há um trabalho com as palavras.
Uma das funções da linguagem que predomina nesse texto é a função poética. A função
poética é aquela que o autor tem o trabalho de escolher palavras, combinar, fazer rimas.
Geralmente texto em verso tem função poética. Agora, qual é a outra função? Veja só, veja
que eu destaquei aqui. Eu tenho “veja”, “beba”, “tente”, são verbos no imperativo,
aconselhando, mandando o outro fazer alguma coisa. A presença desses verbos indica o que
pra gente? Qual é a outra função presente nesse texto? Dá uma olhadinha na anotação pra ver
se vocês acham. Quem tiver com o livro, esse assunto de funções da linguagem também tá no
livro.
Quem lembra da propaganda da C&A? Como é? Abuse...
A: e use.
PB: Ta mandando. Veja só. Uma das características de uma função que tá aqui, que a gente
identifica no texto, é a presença de verbos no imperativo. “Abuse e use” é o slogan da C&A.
“Vem pra caixa você também, vem!”. “Compre batom”. “Beba Coca-cola”. Veja que, são
slogans, são textos publicitários, que estão mandando o consumidor consumir aquele produto.
O texto publicitário, o texto da propaganda tem muitos verbos no imperativo e isso é
característica pra gente identificar a função da linguagem apelativa/conativa, que é aquela que
está o tempo todo chamando o outro, o interlocutor, mandando, aconselhando. (...)
PB: Aqui, predominantemente a gente tem duas funções, que é a função poética, porque é um
texto escrito em versos, não é um texto escrito em prosa, e apelativa porque tem a presença
dos verbos no imperativo aconselhando, mandando fazer, né isso? (...)
(3º dia)
Sobre conotação e denotação
PB: A terceira questão fala de denotação e conotação, quem lembra?
A1: Eu me lembro.
PB: A1, o que é conotativo?
A1: É o texto direto.
PB: Conotativo? É o direto? O que é uma palavra no sentido denotativo?
A1: Ah! É aquela palavra que diz assim: “Meu coração arder de fogo de amor”.
PB: Isso é denotativo é? Eu vou dar uma dica pra vocês. A dica é pra lembrar qual é o sentido
figurado e qual é o sentido real.
A2: Figurado é aquele que não existe.
PB: E qual é? Denotativo ou conotativo? Conotação começa com C. Denotação começa com
D. Dicionário começa com quê?
122
A: D
PB: Quando a gente abre um dicionário, a gente vai encontrar o sentido denotativo ou
conotativo da palavra?
A: Denotativo
PB: Então, denotação é o sentido real. Sentido conotativo é o sentido figurado. Aí vamos ver a
questão 3 como é que fica. A questão é bem simples: “interprete o sentido conotativo desses
versos”. Se ele já ta dizendo que o sentido é conotativo, significa o quê? Se eu digo assim:
“A1 é uma pessoa que falta um parafuso na cabeça.” A palavra “parafuso” aí, está no sentido
conotativo ou denotativo?
A: conotativo
PB: conotativo. Porque não é um parafuso de ferro de verdade.
(3º dia)
Como parte final da sequência de aulas descrita, a PB solicitou que os alunos
produzissem cartazes que contivessem mensagens de esperança e de otimismo, baseando-se
na letra da música. Os alunos produziram os cartazes e os colaram nas paredes da sala de aula.
Essa atividade de produção dos cartazes foi mais uma produção de texto sem estar ligada a
uma sequência de atividades baseada no trabalho de exploração de algum gênero.
Durante a produção desses cartazes, a professora realizou momentos de reflexões
linguísticas a partir da escrita dos textos dos alunos, escrito em uma folha de caderno, que na
sequência foram transcritos para os cartazes. Dentre essas reflexões, a PB chamou a atenção,
na maioria das vezes, para os aspectos ligados à ortografia e à pontuação e também levantou
uma pequena discussão sobre o tamanho do texto que deveria ser escrito no cartaz, afirmando
que nesse gênero não se deveria colocar textos longos e que o tamanho das letras deveria ser
grande para chamar a atenção dos leitores.
Observamos que, as reflexões linguísticas exploradas pela PB, com exceção da
pontuação, não estavam ligadas aos temas de AL que foram trabalhadas no período que
antecedeu a produção dos cartazes, ou seja, não havia um planejamento de se avaliar os
aspectos linguísticos a partir da produção dos alunos.
Além do que foi dito acima, sobre a produção e reescrita dos cartazes dos alunos, ao
chegarmos ao final da descrição da primeira parte das aulas da PB, podemos levantar algumas
considerações.
Observamos através da descrição do trabalho com esses dois textos, que a PB
promoveu as reflexões linguísticas, em quase todos os momentos, através das questões
propostas pela exploração da leitura do texto. O trabalho com os dois textos se iniciou a partir
da leitura e a maioria das reflexões linguísticas foi desencadeada através das questões de
interpretação textual. Para auxiliar na resolução das questões, a docente procedia à
sistematização formal de um conteúdo ou uma explicação menos sistemática, ou seja, cada
questão desencadeava uma discussão. Essa postura pode ser exemplificada a partir das
123
discussões travadas acima sobre conotação e denotação e sobre texto em prosa e texto em
versos.
Sobre os verbos no imperativo, observamos que, diferentemente da PA – que realizou
um trabalho mais sistemático com esse modo verbal e organizou a sequência baseada no
gênero receita culinária – A PB não sistematizou o uso desses verbos e partiu da letra de uma
música, sem fazer uma relação mais explícita entre o uso do imperativo e o propósito
comunicativo do gênero. Pareceu-nos, na realidade, que trabalho com os verbos no imperativo
estava atrelado à temática das funções da linguagem, mais especificamente com a função
conativa.
A partir do que foi dito acima, concluímos que os conteúdos de AL trabalhados pela
PB foram propostos através do eixo de leitura, principalmente a partir da exploração de
questões de interpretação.
Em relação ao eixo de produção, percebemos que não houve momentos de produção
de texto que explorassem o uso dos aspectos linguísticos trabalhados durante as aulas.
Podemos até nos referir à produção final dos cartazes, mas afirmamos que não houve uma
preparação para a produção desse gênero e as reflexões promovidas pela reescrita do texto
não estavam relacionadas às temáticas de AL trabalhadas pela docente.
Sobre as frases para exemplificar o uso da vírgula com função enumerativa, como
afirmamos anteriormente, essa produção não exigiu dos alunos a criação de uma situação
discursiva na qual eles tivessem um motivo para escrever. Somente houve a produção de
frases sem articulação com nada e sem nenhum propósito comunicativo. Tudo não passou de
uma produção como pretexto para utilizar a vírgula na função estudada.
3.3.2.3 Segunda parte das aulas da PB
Os trabalhos dessa segunda parte foram iniciados a partir da leitura e exploração do
texto “A galinha”, de Millor Fernandes (anexo 14). A PB leu o texto com os alunos e o
classificou como uma piada. Após a leitura, a docente deu início às reflexões linguísticas,
pautadas no processo de coesão textual, como podemos comprovar a partir do trecho abaixo:
PB: Tem algo que poderia melhorar? Não se importem com o conteúdo.
A1: Ficou muito galinha.
PB: Esse texto poderia ser escrito sem tanta galinha?
A2: É tanta galinha que eu me perdi.
PB: Pois agora eu quero que vocês reescrevam esse texto, substituindo a palavra “galinha” por
outra palavra. Eu quero só que essa “galinha” fique. (a professora fez referência à primeira
124
palavra “galinha” do texto). Vocês podem substituir por outra palavra, retirar do texto,
contanto que o texto fique bom. Eu vou circular aquelas “galinhas” que eu quero que vocês,
ou substituam ou retirem do texto. Galinha pode ser chamada de quê?
A1: de ave
PB: de ave. Pode ser chamada mais de quê? Se está na feira, ela é um...
A2: produto.
PB: isso. Que mais? Eu posso usar um pronome?
A1: Pode
PB: Que pronome eu posso substituir galinha? Um pronome possessivo, “dele” ou “dela”?
Um pronome pessoal, “ela”? Tem que ter cuidado porque já foi usado “ela” pra se referir à
senhora. Se eu colocar outro “ela” aqui pode confundir a senhora com a galinha.
(4º dia)
A partir da leitura e analise desse trecho e principalmente da frase “Não se importem
com o conteúdo”, percebemos que o foco da aula não foi a leitura ou exploração de algo
relacionado à temática do texto nem dos aspectos do gênero. O que, na verdade, a professora
pretendeu foi iniciar o trabalho com coesão textual, especialmente o estudo dos pronomes.
Para realizar essa tarefa, a docente chamou atenção dos alunos sobre a repetição do
termo “galinha” e solicitou que os estudantes reescrevessem o texto, conforme o comando
acima, substituindo o termo em questão por ouras palavras ou pronomes. Antes de os alunos
iniciarem a reescrita do texto, a PB levantou uma pequena discussão sobre o gênero do texto.
Ela justificou, conforme trecho abaixo, a repetição do termo “galinha” como uma estratégia
discursiva do autor para provocar o riso do leitor.
PB: O texto da galinha é uma piada. E por que vocês acham que ele repetiu tanto o nome
galinha e não usou pronomes? Em que momento da narrativa dessa piada o nome “galinha” se
repete tanto?
A1: Quando a mulher está analisando a galinha.
PB: Quando a gente lê um texto muito repetitivo, o que ele causa na gente?
A2: cansaço
PB: cansaço, né? O texto repetitivo é um texto lento, né? O autor, quando repetiu tanto a
palavra galinha, fez com que essa parte do texto ficasse lenta. O exame que a mulher fez na
galinha foi tão minucioso que até a narrativa ficou lenta. É uma construção estilística. Agora,
se eu for escrever uma carta para alguém, essa repetição, estilisticamente, não vai ter função
nenhuma.
(4º dia)
Os alunos realizaram a tarefa de reescrita do texto e a docente solicitou que dois deles
copiassem suas versões no quadro para expor ao restante da turma. A PB levantou uma
discussão sobre as estratégias de uso dos pronomes e de palavras que substituíram o termo
“galinha”, empregados pelos alunos nos textos reescritos. Ao discutir sobre as possibilidades
de troca da palavra galinha, a professora fez referências aos pronomes pessoais, partindo do
uso do pronome “ela”.
125
PB: O “ela” é um pronome. Qual foi a função do pronome ai? O pronome “ela” teve que
função ai?
A1: ficou no lugar do nome.
PB: então o pronome substituiu o nome. Aqui A1 utilizou a palavra “ave” para substituir
galinha, mas ave também num pode substituir passarinho?
A: Pode.
PB: Peru. Ave aqui, a gente diz que é uma palavra de sentido geral, Por quê? A gente chama
ela de hiperônimo.
A1: Hiperônimo?
PB: Por que ave aqui é chamada de hiperônimo? Porque ave pode substituir galinha,
passarinho, peru...
PB: “suas”, como é o nome desses pronomes? Que diz que pertence a elas? Quem lembra? É
um pronome que indica posse, é um pronome possessivo. Animal também é um hiperônimo,
porque eu posso substituir galinha, homem, macaco. Quando A1 substituiu “galinha” pelo
termo “suas”, esse “suas” aqui fez uma ligação, fez uma referência à palavra “galinha” que
tava em cima, né isso? Quando A2 chamou “galinha” de “dela”, também fez uma referência a
“galinha”, a mesma coisa com a palavra “produto”. Então esses elementos aqui “produto”,
“dela”, “suas”, são elementos do texto que a gente diz que fazem coesão. O que é coesão? É a
união no texto. Esses elementos todos se juntaram para se referir a “galinha” e dar união ao
texto.
(4º dia)
A partir dos textos reescritos pelos alunos, a docente foi analisando as possíveis
estratégias de uso dos pronomes e foi fazendo as relações de referenciação entre esses termos
e a palavra “galinha” do texto. Em vários momentos a docente lançou mão do uso da
metalinguagem para classificar os tipos de pronomes (pessoal, possessivo), além de falar
sobre o uso dos hiperônimos.
Após realizar essa atividade, a PB recorre à explicação do LD (anexo 14) para a
realização de um estudo mais sistemático sobre o uso dos elementos de coesão, como foco
nos pronomes. Nesse material, havia o exemplo de um pequeno trecho de um texto no qual se
usara o pronome “isto” como elemento de referência ao conteúdo que havia sido citado
anteriormente. A PB partiu da leitura deste trecho, ilustrado abaixo, para dar início à
explicação mais formal, partindo do LD, sobre os pronomes.
(BORGATTO, Ana; BERTIN, Terezinha; MARCHEZI, Vera, 2009 b, p. 166)
Após esse exemplo, a atividade do LD propôs a leitura de uma crônica (anexos 14 e
15). Como atividade de exploração do texto, o LD propunha algumas questões de
compreensão textual, bem como questões de exploração do uso dos pronomes. Mas a PB só
pediu para que os alunos respondessem às questões referentes ao uso dos pronomes (questões
126
2, 6, 7, 8, 9). Essa postura de escolher apenas as questões de exploração do uso dos pronomes
demonstra, mais uma vez, qual era o foco do trabalho da docente. Seu olhar estava
direcionado aos aspectos linguísticos do texto, mais especificamente ao uso dos pronomes e
por isso as questões de compreensão que exploravam as características do gênero crônica
foram deixadas de lado.
Já durante a leitura da crônica, A PB foi chamando a atenção para algumas palavras
que estabeleciam relações de referenciação e também foi destacando alguns pronomes que
havia no texto. Não observamos uma leitura crítica do texto, nem um momento de discussão
sobre o papel comunicativo do gênero crônica. Era claro o objetivo de focar a atenção da
leitura nos aspectos coesivos do texto, quando a docente a todo o momento a interrompia para
mostrar as relações coesivas que se estabeleciam entre as palavras e a função dos pronomes
no texto.
Antes da primeira questão que explorava o uso dos pronomes, havia um pequeno
quadro apresentando algumas funções sobre essa classe gramatical e os relacionava ao
processo coesivo do texto:
(BORGATTO, Ana; BERTIN, Terezinha; MARCHEZI, Vera, 2009 b, p. 168)
Após a leitura desse pequeno quadro, a PB solicitou que os alunos respondessem às
questões sobre os pronomes (anexo 16). Essas questões exploraram o entendimento do
processo de referenciação que se estabeleciam no texto, bem como o conhecimento de
substituição de uma palavra por outra. Dentre essas questões, havia uma que trazia a
nomenclatura dos “pronomes demonstrativos”. Nesse caso, o LD propôs um pequeno quadro,
ilustrado abaixo, que trouxe algum tipo de informação sobre esse tipo de pronome.
(BORGATTO, Ana; BERTIN, Terezinha; MARCHEZI, Vera, 2009 b, p. 168)
127
Após a realização dessa atividade, a PB utilizou-se da explicação gramatical do LD
(anexo 17) para sistematizar as regras de uso dos pronomes demonstrativos. No quadro
apresentado pelo LD, havia a explicação do uso dos pronomes acima citados, com referência
ao espaço e ao tempo, a explicação de suas funções, bem como exemplos de uso. A PB
procedeu à leitura do quadro e foi explicando a partir dos exemplos trazidos pelo LD.
Como sequência do trabalho com os pronomes demonstrativos, a PB trouxe a crônica
“Simplicidade” de Luis Fernando Veríssimo (anexo 18). Após a realização da leitura, a PB
deu início à exploração do uso dos pronomes demonstrativos no texto, conforme trecho de
aula abaixo:
PB: Vejam aí, no terceiro parágrafo. Tem vários pronomes demonstrativos. Eu quero que
vocês destaquem esses pronomes e me digam a quem eles fazem referência. Por exemplo, na
linha 3, tem o pronome “aquilo”. Que “aquilo” é esse? Nós vimos ontem, quando lemos o
outro texto, que os pronomes estavam se referindo a algo do texto. O “ele” se referia a
“cidadão suspeito”, o “eles" “aos agentes”. Só que eu quero que vocês vejam que esses
pronomes relativos que aparecem aqui neste texto se referem a nada do texto. Esse “isso”
aqui tá se referindo a quê?
A1: A lavar as mãos.
PB: Esse “esta” é outro pronome demonstrativo. Tá se referindo a que esse “esta”?
A2: À desculpa dele.
PB: Esses dois pronomes da tirinha estão se referindo a algo do texto. Já nesse texto o
“aquilo” e o “isso” se referem a algo que não está no texto. Na última linha do texto nós
temos outros dois pronomes. “Sonhar é o melhor de tudo e muito melhor do que nada”. A
pergunta é: A que “tudo” ele se refere e a que “nada” ele se refere?
A1: A isso tudo que ele falou.
PB: Isso tudo o quê?
A2: Ir ao cinema, ficar em silêncio, caminhar.
PB: Esse tudo ter a ver com as ações simples ou com as novidades que ele acha graça?
(5º dia)
Mais uma vez, a PB trouxe para a sala um texto para trabalhar seus aspectos
linguísticos, mais especificamente o uso dos pronomes demonstrativos. Não houve reflexões
sobre o texto nem sobre o propósito comunicativo do gênero. O olhar da docente estava
direcionado aos aspectos textuais que ela queria explorar. No caso desse texto, observamos
que a PB explorou os pronomes demonstrativos que havia nele com o propósito de chamar a
atenção para a função desses pronomes, porque eles fazem referência a elementos externos ao
texto. A docente comparou a crônica “Simplicidade” com outra crônica “Atitude suspeita”,
levando os alunos a pensarem sobre a utilização dos elementos coesivos que faziam referência
a contextos externos ao texto.
128
Além do texto “Simplicidade”, a PB utilizou uma tirinha do LD (anexo 19) para a
exploração de duas questões que requeriam a habilidade de reconhecimento dos elementos de
referenciação do texto.
Nesse momento, a PB encerrou, durante o período de observação, a exploração de
matérias do LD e iniciou o trabalho com pequenos textos e trechos de frases, com o objetivo
de continuar a trabalhar com os aspectos de coesão textual. Como houve um longo trabalho
com vários textos (textos ou sequência de frases), apresentados com o auxílio de equipamento
de data show, e o trabalho como todos eles se deu de maneira muito semelhante,
escolheremos apenas dois desses materiais para proceder às análises e discussão sobre o
trabalho da docente.
Abaixo trazemos um desses materiais que nos chamou a atenção:
A professora retoma a discussão sobre o uso dos pronomes e apresenta o slide acima,
com o objetivo de fazer os alunos atentarem para a importância do uso dos pronomes a fim de
dar coesão ao texto.
PB: Esse “elas” da frase 2 faz referência a alguém que ainda será citado. Então, o pronome
pode fazer referência a alguém que já foi citado ou alguém que ainda será citado. Esse “suas”
tá fazendo referência a quê? É “suas”, de quem?
A1: Das oito dezenas de mulheres.
PB: Vejam só: aqui eu tenho um pronome pessoal fazendo referência a “oito dezenas de
mulheres” e um pronome possessivo também fazendo referência a “oito dezenas de
mulheres”. Se não fosse a coesão, se não fosse o uso que eu faço desses pronomes pra evitar a
repetição, a gente teria o texto assim: “oito dezenas de mulheres resolveram falar.
129
Quebrando o muro de silêncio, oito dezenas de mulheres decidiram contar como
aconteceu o fato que marcou as vida de oito dezenas de mulheres.”. Repetitivo, igual a
aquele texto da galinha. Só que no texto da galinha as repetições foram intencionais. O autor
ali tinha um propósito. Uma propaganda, uma propaganda de rádio, por exemplo, se eu quero
vender galinha, o meu texto eu tenho que repetir “galinha, galinha, galinha”. Ou se eu quero
que os consumidores decorem o nome do produto, eu repito bem muito o nome do produto.
Por quê? Porque eu quero que os consumidores memorizem o nome do produto. Se o texto
repetitivo ou não, isso não interessa, porque o mais importante é vender galinha.
(6º dia)
Semelhantemente ao trabalho que vinha sendo feito anteriormente, a PB tomou o texto
como fonte de exploração dos aspectos linguísticos voltados ao processo de coesão. A
docente chamou a atenção dos alunos para a função dos pronomes, afirmando que essa classe
gramatical pode fazer referência a algo que ainda poderá vir anunciado no texto, ampliando as
discussões sobre o processo de referenciação.
Chamou-nos atenção o nível de discussão, em relação aos aspectos coesivos, que a PB
travou com seus alunos. Ela ampliou muitas discussões clássicas trazidas pelos LD e propôs
reflexões mais amplas sobre o uso dos pronomes. No trabalho com o texto “Simplicidade”, a
docente trouxe uma discussão sobre o processo de referenciação de elementos externos ao
texto, chamando a atenção para a característica dos pronomes, que não necessariamente se
limitam a fazer referência a aspectos ou termos internos ao texto.
No trecho acima, a partir da exploração das sentenças, a PB também ampliou a ideia –
comummente difundida na escola e nos livros didáticos – de que o pronome é a palavra que
substitui o nome, mostrando que muitas vezes ele pode apresentar uma função de anunciar
algo que ainda será dito na sequência e que tudo vai depender da intenção do autor ao
construir o texto.
Um segundo material que queremos fazer referência é o texto transcrito abaixo.
130
Para esse trabalho, a PB apresentou o texto acima, mostrou aos alunos o excesso da
repetição da palavra “São Paulo” e pediu para que os estudantes reescrevessem apenas o
terceiro parágrafo, fazendo as devidas substituições. Não houve um trabalho com os aspectos
relacionados ao gênero, somente foram focalizados, semelhantemente ao que vinha sendo
feito anteriormente, os aspectos voltados à coesão do texto.
Chegando ao fim da descrição da segunda parte das aulas da PB, podemos levantar
algumas conclusões e hipóteses acerca do trabalho dessa docente com a AL.
De início, um ponto que nos chamou bastante atenção foi a grande dedicação dessa
docente aos aspectos voltados aos recursos da textualidade. A segunda parte da descrição das
aulas da PB foi dedicada aos aspectos ligados à coesão textual, com foco nos estudos dos
pronomes e no uso das palavras hiperônimas.
Também na primeira parte, quando olhamos o encaminhamento que a PB deu aos
conteúdos trabalhados, observamos que muitos desses assuntos também estavam voltados
para a construção do texto. Como exemplo dessa afirmação, podemos citar o estudo da
pontuação. Ao trabalhar essa temática, a professora demonstrou grande preocupação com o
uso dos sinais de pontuação para a construção do sentido do texto. A discussão desse assunto
girou em torno do processo de coesão textual promovido pelo uso adequado dos sinais de
pontuação.
131
Esse foco nos aspectos da textualidade já havia sido percebido no discurso da
professora, quando na entrevista, em vários momentos, ela destacou esse ponto como
fundamental em suas aulas, como podemos comprovar nos trechos abaixo:
PESQUISADOR: Que tipos de conteúdos você seleciona para o trabalho com a Análise
linguística?
PB: Basicamente os dois princípios linguísticos: coesão e coerência. Na discussão de coesão,
referencial e sequencial, eu introduzo, no 9º ano, aquelas discussões sobre subordinadas e
coordenadas, introduzo essa discussão a partir de coesão. Para eles compreenderem a
construção textual, a partir das unidades, dos conectivos...
Além da resposta dada acima a uma pergunta específica do pesquisador sobre os
aspectos da seleção dos conteúdos de AL, em muitos momentos, sem ser diretamente
questionada sobre tal ponto, a PB citou o processo de referenciação em seu discurso, deixando
claro o espaço que esse aspecto de estudo da língua teria em suas aulas. O trecho transcrito
abaixo ilustra bem essa afirmação.
PESQUISADOR: Que tipos de atividades você usa para que os alunos aprendam sobre as
reflexões linguísticas que foram enfocadas durante a aula?
Bem, por exemplo, eu to lendo um texto, e ai eu tenho um elemento lá que faz uma referência,
e digamos que faz uma referência, é... desqualificando o seu referente, então eu pontuo:
“Olha esse ‘ele’ aqui” ou então “olha esse ‘desgraçado’ aqui. O que esse ‘desgraçado’?
voltando pro seu referente, o que é que tá...”? Então eu tento na leitura que... porque assim,
é... você ta lendo um texto com os meninos, ou você foca mais no conteúdo, no tema, né, ou
você parte pra estudar o texto como ele é montado, como ele foi organizado. Então, no
momento em que eu vou discutir com meus alunos como o texto foi montado, como esse texto
foi organizado, ai eu estou revendo alguns elementos de análise linguística que nós
trabalhamos. É porque assim, claro que dá pra trabalhar os dois juntos. Eu discuti o tema, o
assunto foi bulying aqui, mas de que forma o assunto bulying ele foi referenciado pel autor?
Digamos que tenha sido uma narrativa. Esse “mal”... Aí eu tento, é, tento trabalhar o
conteúdo que tá ali posto, fazendo com que eles compreendam o que está dito e que eles
possam expor as experiências deles a partir daquele tema. E às vezes mostrando esses
elementos que compõem o texto e que foram utilizados pelo seu autor na tessitura.
Observamos nesse pequeno trecho da entrevista a importância que a docente deu ao
processo de referenciação, principalmente se levarmos em conta quantas vezes ela utilizou
termos que remetessem a esse processo. Para ela, trabalhar AL é em grande parte trabalhar
com os elementos que contribuem para a “montagem” do texto.
Ao falarmos em AL, também nos chamou a atenção a diferenciação que a PB fez, em
seu discurso, de AL e GT.
132
PESQUISADOR: Qual o seu objetivo em trabalhar a Análise linguística? Qual a importância
que esse trabalho tem no quadro geral da aula de Língua Portuguesa?
PB: Veja só, eu não coloco, como alguns colocam, que a análise linguística tá substituindo a
gramática, eu acho que as duas são coisas distintas. Pra mim, por exemplo, pra garantir a
boa compreensão de um texto, o aluno tem que compreender como ele é estruturado, e pra
mim a análise linguística vai dar essa visão. De como o texto ele é estruturado, ele é
montado, ele é...né? A coesão dele como se dá. Eu acho que a análise linguística vai garantir
isso. Os elementos que estão ali postos, que são necessários ali para dar esse corpo de texto.
Então pra mim, para que ele possa compreender melhor o texto, a análise linguística tem que
ta perto. Para que ele possa produzir um bom texto, ele tem que compreender esses elementos
que compõem, compõem (ênfase), que são necessários a um bom texto. Pra mim análise
linguística é isso.
A partir dos depoimentos acima e da análise das aulas da PB, observamos que ela
apresenta uma visão de AL muito ligada aos princípios da Linguística Textual. Conforme o
depoimento acima, a docente vê a AL como uma atividade pedagógica que visa ao estudo da
estrutura do texto, instrumento que garante a leitura e a produção de textos com coesão, e
consequentemente com coerência.
Não encontramos no discurso da PB nem em suas aulas a predominância do trabalho
com a GT. Em alguns momentos, como nos casos do estudo dos pronomes demonstrativos e
dos artigos, a docente lançou mão de explicitação de conteúdos na forma como são veiculados
da GT, mas esse não era o foco de suas aulas. Houve, neste sentido, uma coexistência de
estudos gramaticais voltados para a GT e estudos mais voltados para a área da textualidade.
Esse processo, mais uma vez, exemplifica o que Travaglia (1996, 2006) afirma em relação à
possibilidade de uma coexistência do trabalho com diferentes tipos de gramática na sala de
aula.
Sobre os momentos nos quais a PB inseriu um trabalho com prática de AL, podemos
afirmar que esses momentos se deram a partir do eixo da leitura, mais especificamente com a
exploração de questões que propuseram e demandaram algumas reflexões e sistematizações
de aspectos linguísticos. Em relação à produção, quase não observamos momentos em que o
trabalho com esse eixo de ensino demandou algum tipo de reflexão. Na verdade, observamos
que o trabalho da PB com a AL não visava à produção de texto e sim estava voltado ao eixo
de leitura. Essa postura remete ao trabalho de Bezerra e Reinaldo (2013), quando as autoras
propõem uma discussão entre a articulação da prática de AL e o eixo de leitura, propondo
“uma análise linguística voltada para o estudo do funcionamento linguístico-textual e
enunciativo do gênero” (BEZERRA; REINALDO, 2013, p. 67). Mas, no caso da PB, não
133
observamos, na maioria das vezes, uma articulação da AL com a exploração das
características dos gêneros.
Em relação ao trabalho com a AL a partir do texto dos alunos, só observamos um
momento em que esse fato se deu. Ao solicitar a produção de cartazes, a PB, ao auxiliar a
escrita dos estudantes, foi levantando algumas reflexões sobre a escrita dos textos, levando os
alunos a refletirem sobre o processo de escrita. Mas, como afirmamos anteriormente, as
reflexões propostas pela docente, com exceção da pontuação, não estavam no planejamento e
nem foram alvo de reflexões anteriores à produção.
Sobre as ações que se fazem sobre a linguagem e as ações da linguagem, ao
observarmos as aulas da PB, concluímos que, durante esse período, houve reflexões
metalinguísticas e epilinguísticas. O uso da metalinguagem foi muito recorrente quando a
professora apresentou as definições dos pronomes e dos artigos. Também destacamos que as
partes do LD utilizadas pela professora durante o período de observação apresentaram o uso
da metalinguagem, principalmente nas reflexões sobre o processo coesivo e nos estudos
tradicionais sobre os pronomes demonstrativos.
Também, em muitos momentos, observamos o trabalho com as reflexões
epilinguísticas, quando a PB tomou os recursos da própria língua para a construção de
reflexões sobre o uso, principalmente relacionados ao eixo da leitura.
Na verdade, também observamos uma forte preocupação em relacionar o uso dos
recursos linguísticos voltados à produção textual. Esse processo era claro quando a PB
chamava atenção dos alunos para a importância do uso da pontuação e dos elementos
coesivos para a construção textual, mas a docente não concretizava o trabalho com algum tipo
de produção que exigisse o emprego desses recursos linguísticos na escrita de um gênero, ou
seja, a docente relacionava a AL com a produção de texto, mas não concretizou um trabalho
que articulasse esses dois eixos.
Ainda sobre a articulação da AL com a produção de texto, também observamos que a
PB não conseguiu efetivar uma articulação entre esses dois eixos. Esse fato pode ser um
indício de que a docente tinha mais familiaridade com o trabalho com a leitura e por isso
houve uma maior articulação entre esse último eixo e a AL.
Ao falarmos sobre a provável facilidade que a PB tinha em relação ao trabalho com o
eixo de leitura, pareceu-nos importante destacar a boa seleção de textos que a docente fez
durante o período de observação. Embora não tenha explorado a leitura na perspectiva dos
gêneros, a PB levou para sala uma grande diversidade de textos que apresentavam uma ótima
134
qualidade e que chamava sempre a atenção dos alunos para a leitura, Entretanto, ela não
desenvolveu atividades visando à exploração dos sentidos presentes nos textos.
Observamos no trabalho da PB uma grande importância oferecida ao eixo de AL. Este
eixo de ensino passou a ter um lugar de prestígio em relação à leitura e à produção de textos,
principalmente se levarmos em consideração a quantidade de aulas e o tempo que a PB
dedicou à AL. Essa postura nos chamou a atenção principalmente pelo fato de sabermos que a
AL e também o ensino gramatical ainda são temas que, se comparados à leitura e à produção,
não têm recebido tanta atenção de pesquisas e discussões entre os docentes. E essa falta de
discussões leva muitos professores a se dedicarem mais aos eixos de produção de leitura e
produção de texto. Nesse sentido, a PB apresentou um trabalho bastante “incomum” ao que
esperávamos encontrar quando buscamos um docente com a formação requerida pela
pesquisa.
Ao tratarmos sobre o processo avaliativo, observamos que, diferentemente da PA, que
avaliou o aprendizado dos assuntos de AL através da produção dos alunos, a PB avaliava o
aprendizado de seus alunos através de questões de exploração dos aspectos linguísticos. Essas
atividades (exercícios), utilizadas pela PB para trabalhar as reflexões sobre a língua, giraram
em torno de questões a partir do texto, algumas elaboradas pela própria docente e outras
propostas pelo LD.
3.3.2.4 Mais algumas considerações sobre as aulas da Professora B
Após analisarmos as duas partes das aulas e o discurso da PB, podemos traçar
conclusões mais gerais sobre o seu trabalho com a AL. Sendo assim, observamos e
reafirmamos que os conteúdos de AL trabalhados pela PB estavam muito relacionados com os
conceitos da linguística textual. Esse fato ficou muito evidente a partir do seu discurso na
entrevista, quando a todo o momento a docente se referia à coesão, ao processo de
referenciação e a elementos de estruturação do texto.
A docente direcionou a AL a serviço da compreensão e produção da estrutura do texto,
ou seja, os aspectos focados em suas reflexões linguísticas quase sempre se referiram à análise
e produção de sentido de elementos do texto.
Tomando como referência as afirmações feitas até o momento, buscaremos entender
as relações que se estabelecem entre o conhecimento teórico da PB e sua prática de ensino de
AL, para buscar entender como a docente articulou, em seu fazer pedagógico, os seus
conhecimentos teóricos e os conhecimentos dos saberes em sua prática.
135
A PB demonstrou possuir grande conhecimento teórico sobre os pressupostos que
baseiam o ensino de língua, principalmente no que diz respeito ao uso dos gêneros como
objeto de ensino e da prática de AL. Isso pôde ser comprovado em seu discurso na entrevista
e nos depoimentos informais, bem como através de sua formação acadêmica.
Sobre a prática de AL, nos dois últimos trechos da entrevista transcritos anteriormente,
a PB falou sobre a definição de AL e também deu sua opinião sobre a diferença entre AL e
GT, posicionando-se criticamente sobre essa temática.
Também em muitos momentos da entrevista, como o ilustrado na sequência, a docente
se referiu aos gêneros textuais como um importante objeto de ensino de língua e afirmou
trabalhar com eles em suas aulas.
PB: (...) Eu peço a produção de um gênero que a gente escolhe. Uma carta, um memorial, um
relatório, alguma coisa desse tipo, sempre buscando produzir gêneros.
Em outros momentos da entrevista, ao falar sobre o LD, a professora toca na temática
dos gêneros e demonstra grande conhecimento sobre o tema, inclusive levantando críticas ao
trabalho proposto pelo LD
PB: Ele começa com crônica e conto aí ele faz uma descrição do que é crônica e conto. Ele
começa colocando as características do gênero, pra depois entrar... A partir das discussões
que são feitas sobre os gêneros, você não pode mais fazer isso. “Hoje vamos trabalhar
entrevista. Entrevista é...” Logo no início, como as pessoas começaram a pensar como
seriam os trabalhos com os gêneros na sala de aula, elas também pensavam que era assim.
“vou trabalhar gênero. Hoje vai ser conto. Conto é isso...” Ia definindo o que é cada gênero.
Como se o estudo da língua a partir do gênero fosse definir o gênero.
Esse trecho mostra que não foi devido ao desconhecimento teórico que a professora
deixou de propor, em sua prática, uma articulação entre os eixos de ensino. A escolha pelo
tipo de trabalho analisado foi uma postura prática da professora. Para ela, o trabalho com os
recursos de textualidade lhe pareceu mais relevante ao aprendizado de seus alunos.
Assim como afirmamos sobre o trabalho da PA, também observamos, no trabalho da
PB, muitas variáveis que interferiram na relação que se estabeleceu entre o domínio teórico da
docente e sua prática de ensino. Para planejar e executar suas aulas, principalmente no que diz
respeito a AL, a PB teve que levar em conta os objetivos de ensino de língua voltados para a
136
finalização do ensino fundamental, as necessidades de aprendizagem dos seus alunos, dentre
outros aspectos. E nesse processo observamos que a PB fez suas escolhas didáticas em relação
ao que privilegiar como foco de suas aulas.
Mais uma vez, não vemos tanta linearidade nas relações que se estabelecem entre o
domínio da teoria do professor e sua prática de sala de aula, pois a PB, como afirmamos
anteriormente, possui um grande conhecimento teórico sobre os pressupostos que norteiam o
ensino de Língua Portuguesa, mas desenvolveu um trabalho muito variado em relação à
prática de AL, apresentando desde uma prática mais ligada aos estudos da GT, até as
discussões voltadas para a textualidade.
Em relação à concepção de linguagem como interação assumida pela PB, também não
observamos um trabalho com AL que foi, em todos os momentos, teoricamente embasado
nessa concepção. Em muitos momentos a PB lançou mão de uso da GT para, inclusive, dar
sentido a algumas reflexões sobre o uso, como citamos anteriormente o caso dos artigos.
Nesse sentido, a PB realizou um trabalho que foi desde a exploração da GT, chagando
também a abordar aspectos discursivos da linguagem.
137
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com essa pesquisa, tentamos responder ao seguinte questionamento: quais as relações
que se estabelecem entre as concepções de linguagem e a prática de ensino de análise
linguística? Para cumprir tal objetivo, seguimos a opção de ir respondendo aos objetivos
específicos. Nesse sentido, buscamos: Analisar as concepções de linguagem e a proposta de
prática de ensino de análise linguística presentes nos documentos oficiais da Rede Estadual de
ensino e como elas se apresentam também nos materiais didáticos utilizados pelos professores
durante o período de observação. Evidenciar as concepções de língua e de ensino de língua do
professor, de gramática e o que ele consegue efetivar em relação à prática de análise
linguística. Verificar como o professor articula, em seu fazer pedagógico, os “conhecimentos
teóricos” e os conhecimentos dos “saberes em ação”, em relação à prática de análise
linguística.
A partir desses objetivos específicos e com base em algumas categorias teóricas,
analisamos a prática de duas professoras da Rede Estadual de Pernambuco. Essas docentes
foram selecionadas através de critérios que nos direcionassem a professores que poderiam ter
o perfil requerido pela presente pesquisa e que nos ajudassem a entender certas relações que
se estabelecem entre suas concepções teóricas e sua prática de ensino de AL.
Sabemos que o perfil dos professores selecionados não representou a realidade dos
professores da Rede Estadual, tanto que tivemos dificuldade em encontrá-los. Desse modo,
não tivemos o objetivo de traçar generalizações e dados que correspondessem à realidade da
Rede Estadual de Ensino de Pernambuco nem outra Rede qualquer. O que pretendíamos, ao
escolher tais perfis de docente, era analisar situações específicas no ensino de AL.
Quando afirmamos que foi difícil encontrarmos professores que fossem adequados aos
objetivos da pesquisa, referimo-nos ao fato de o conceito de AL ainda ser pouco conhecido
pelos professores da Rede Publica Estadual de Ensino. Durante a seleção dos sujeitos,
percebemos que muitos não estavam familiarizados com esse termo, outros já tinham ouvido
falar nele, mas não sabiam explicitar seus conhecimentos, alguns desconheciam a
nomenclatura – confundindo em alguns momentos com “Análise do discurso” e outros,
poucos, se compararmos ao número total de professores sondados, mostraram algum
conhecimento em relação ao que seria AL. Não era nosso objetivo apresentar números sobre a
afirmação levantada acima nem justificá-la, pois, na verdade, pretendemos afirmar que essa
questão merece ser alvo de futuras pesquisas para tentar entender a realidade dos professores
da Rede em relação ao trabalho com a AL.
138
Ao observarmos a prática de ensino e o discurso das duas professoras, concluímos que
não existe uma linearidade entre a concepção de linguagem que norteia o trabalho de cada
docente e sua prática em relação ao ensino de AL. Cada professora, ao seu modo,
desempenhou diferentes trabalhos em relação à prática de AL.
A PA desenvolveu, em quase todos os momentos do período de observação, um
trabalho que articulava os três eixos de ensino (leitura, produção e AL), partindo do trabalho
com sequência de atividades baseada no estudo de um gênero textual. Nessas sequências,
observamos que o trabalho com a AL partiu tanto do eixo de leitura, quanto do eixo de
produção de texto. Em relação à produção, verificamos que a prática de AL se deu tanto antes
como após o trabalho com esse eixo, principalmente com as reflexões oriundas da reescrita
dos textos produzidos pelos alunos.
Mesmo tendo como foco a sistemática de trabalho com a AL descrita acima –
trabalhando com a AL na perspectiva do uso, da enunciação – em um momento com o
trabalho com os verbos no imperativo, a PA lançou mão da GT para sistematizar o uso desses
verbos. Essa postura foi comentada pela própria docente que justificou esse trabalho como
sendo necessário ao aprendizado dos alunos, principalmente ao se referir a futuras
aprendizagens, seja em relação aos novos gêneros que seriam estudados ou a novas temáticas
de AL.
Já a PB, diferentemente da PA, realizou um trabalho com a AL em desarticulação com
os gêneros textuais. Na realidade a PB trabalhou com uma grande diversidade textual, mas
não partiu da exploração do trabalho com os gêneros. A partir desse trabalho com os textos, a
docente foi explorando a prática de ensino de AL.
Em quase todo o período de observação das aulas da PB, observamos que o trabalho
com o eixo de AL se deu a partir do trabalho com a leitura, principalmente com a exploração
de questões – seja de materiais elaborados pela professora ou do LD – e que tais reflexões se
voltaram para o entendimento do processo coesivo do texto enquanto unidade de sentido.
A PB só desenvolveu, durante o período de observação, duas produções de textos,
sendo uma produção de uma sentença com o pretexto de usar a vírgula como a função
estudada na aula e em um outro momento com a produção de uma cartaz. Nesse segundo
momento não observamos uma articulação entre as temáticas de AL trabalhadas pela PB e as
reflexões levantadas por ela durante o processo de reescrita dos textos produzidos pelos
alunos, ou seja, houve um momento de trabalho com a AL a partir do texto dos alunos, mas
não houve uma correspondência entre os assuntos de AL trabalhados pela professora e o que
ela na verdade chamou a atenção no texto dos alunos.
139
Ao olharmos os trabalhos realizados pelas docentes, concluímos que, apesar de
partirem da mesma perspectiva de linguagem – linguagem como forma de interação – elas
desenvolveram trabalhos diferentes, se comparamos uma com a outra, e também em suas
práticas individuais. Nesse sentido levantamos as considerações de que há muitas variáveis
que interferem na efetivação do trabalho do professor.
Sobre essa afirmação, concordamos com Tardif (2012), quando este autor afirma que o
conhecimento docente é composto por vários tipos de saberes: Saberes pedagógicos, Saberes
disciplinares, Saberes curriculares. E dentre esses saberes que compõem o conhecimento e a
prática dos professores, entendemos que a PA e PB desenvolveram diferentes tipos de práticas
levando em consideração as necessidades de aprendizagem de seus alunos, bem como as
possibilidades que tinham dentro da instituição escolar, julgando o que seria mais adequado e
necessário a seus alunos, dentro das exigências de cada série de ensino.
Esses resultados nos indicam que entre o domínio da teoria e a efetivação da prática de
ensino há muitas variáveis. Essas variáveis podem estar relacionadas às escolhas didáticas do
professor, às condições oferecidas pelas Redes de ensino ou por outras condições diversas.
Pensamos que novas pesquisas podem ser importantes para tentar descobrir esses meandros
que se apresentam entre a prática do professor e o seu conhecimento teórico.
140
APÊNDICE A - ROTEIRO DAS ENTREVISTAS
1. Eu queria que a senhora falasse sobre a sua formação acadêmica.
2. Qual a experiência que você tem com o ensino de Língua Portuguesa?
3. De que forma você organiza o trabalho com leitura, produção de texto e ensino de
análise linguística em suas aulas?
4. Que tipos de recursos didáticos são usados em suas aulas?
5. Que tipos de conteúdos você seleciona para o trabalho com a Análise linguística?
6. Quais os critérios de seleção desses assuntos que são abordados em suas aulas?
7. Qual o seu objetivo em trabalhar a Análise linguística? Para você qual a importância
de trabalhar gramática na sala de aula?
8. Como o estudo da análise linguística pode colaborar para o desenvolvimento das
habilidades de leitura, produção de texto e construção de conhecimentos dos alunos?
9. Que tipos de atividades você usa para que os alunos aprendam sobre as reflexões
linguísticas que foram enfocadas durante a aula?
10. Você costuma discutir com os alunos os conceitos (definições) trazidas pela
gramática? Como faz isso?
11. Como você avalia a aprendizagem dos seus alunos em relação às regras gramaticais?
141
APÊNDICE B - ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO
 O professor trabalha na perspectiva dos gêneros textuais, articulando os três eixos
(leitura, produção e análise linguística) de ensino da língua?
 Em que momentos da aula o professor insere um trabalho com prática de análise
linguística?
 Quais os tópicos de análise linguística são trabalhados pelo professor durante o
período de observação?
 Que tipos de reflexões o professor faz acerca do uso da linguagem? Há uma
predominância de reflexões metalinguísticas ou epilinguísticas?

No planejamento do professor, há um pré-seleção dos conteúdos de análise linguística
ou eles vão surgindo de acordo com a necessidade do processo de leitura e escrita?
 Que tipos de atividades (exercícios) o professor realizou para trabalhar as reflexões
sobre a língua?
 Buscando relações do eixo de análise linguística com a produção de texto, o professor
promove o processo de reescrita baseando-se em reflexões linguísticas a partir dos
textos dos alunos?
 As reflexões linguísticas realizadas pelos professores colaboram para o processo de
reconstrução do texto em relação aos aspectos linguísticos ou do conhecimento
produzido pelo uso dos gêneros como prática discursiva?
 No decorrer de um determinado trabalho de análise linguística, que concepção (ões) de
linguagem se revela(m)?
142
ANEXOS
Anexos Professora A
ANEXO 1 – O papa-figo
O papa-figo
O Papa-Figo, ao contrário dos outros mitos, não tem aparência extraordinária. Parece mais
com uma pessoa comum. Outras vezes, pode parecer como um velho esquisito que carrega
um grande saco às costas.
Na verdade, ele mesmo pouco aparece. Prefere mandar seus ajudantes em busca de suas
vítimas. Os ajudantes por sua vez, usam de todos os artifícios para atrair as vítimas, quer
dizer, as crianças.
Para isso vale distribuir presentes, doces, moedas ou cédulas de dinheiro, brincar fazendo
caretas, brinquedos ou comida. Eles agem em qualquer lugar público ou em portas de escolas,
parques, ou locais com pouco movimento.
Depois de atrair as distraídas vítimas, estas são levadas para o verdadeiro Papa-Figo, um
sujeito estranho, rico, que sofre de uma doença rara e sem cura. Alguns sintomas dessa
doença seriam o crescimento anormal de suas orelhas ou o corpo leproso.
Diz a lenda, que para aliviar os sintomas dessa terrível doença ou maldição, o Papa-Figo,
precisa se alimentar do Fígado de uma criança. Feito a extração do fígado, eles costumam
deixar junto com a vítima, uma grande quantia em dinheiro, que é para o enterro e também
para compensar a perda junto a família.
O Papa-Figo é uma espécie de Lobisomem da cidade. Nunca muda a forma. É um homem
velho, sujo, vestindo farrapos, com ou sem um saco às costas, ocupando-se em raptar crianças
para comer-lhes o fígado ou vendê-lo aos leprosos ricos. É alto e magro. Conforme a região é
pálido, sórdido, com barba sempre por fazer. Sai à noite, ou às tardes, ao por do sol. Aproveita
a saída das escolas, os parques onde as babás se distraem com os namorados, as praças
ensombradas.
Nesses ambientes atrai as crianças com gestos engraçados, ou mostrando brinquedos, dando
falsos recados ou prometendo levá-las para um local onde há muita coisa bonita.
143
ANEXO 2 – Cumade Fulozinha
144
ANEXO 3 – Conversando sobre o texto: “Cumade Fulozinha”
3) Em que parte do Brasil podemos “encontrar” Cumade Fulozinha?
4) Se “Cumade Fulozinha” aparece nesses estados, que brasileiros podem “encontrar”
essa assombração?
5) Descreva Comadre Florzinha fisicamente.
6) Segundo essa lenda, “Cumadre Fulozinha” é uma menina encantada considerada boa,
em algumas ações e má em outras. Escreva trechos do texto que comprovem tal
afirmação.
7) Ainda segundo a lenda, a Comadre Florzinha “aparece” em determinado lugar da
cidade do Recife. Cite o local e as pessoas que confirmaram isso.
8) Que animal é preferido por essa menina encantada que reina nas “brenhas” para suas
trelas?
9) Além desse animal, ela também faz tranças nos cabelos de meninos e meninas que
vagam no mato. Por quê?
10) Como podemos saber se “Cumade Fulozinha” está ou não presente?
11) Na sua opinião, você acredita que essa menina encantada vive pelas matas fazendo
suas trelas? Sim ou não? Justifique.
145
ANEXO 4 – Sinais de Pontuação
146
147
ANEXO 5 – Receitas da Culinária Nordestina
148
ANEXO 6 – Admirável Chip Novo
Admirável chip novo (Pit)
Pane no sistema alguém me desconfigurou
Aonde estão meus olhos de robô?
Eu não sabia, eu não tinha percebido
Eu sempre achei que era vivo
Parafuso e fluído em lugar de articulação
Até achava que aqui batia um coração
Nada é orgânico é tudo programado
E eu achando que tinha me libertado
Mas lá vem eles novamente, eu sei o que vão fazer:
Reinstalar o sistema
Pense, fale, compre, beba
Leia,vote, não se esqueça
Use, seja, ouça, diga
Tenha, more, gaste, viva
Pense, fale, compre, beba
Leia,vote, não se esqueça
Use, seja, ouça, diga
Não senhor, Sim senhor, Não senhor, Sim senhor
Pane no sistema alguém me desconfigurou
Aonde estão meus olhos de robô?
Eu não sabia, eu não tinha percebido
Eu sempre achei que era vivo
Parafuso e fluído em lugar de articulação
Até achava que aqui batia um coração
Nada é orgânico é tudo programado
E eu achando que tinha me libertado
Mas lá vem eles novamente, eu sei o que vão fazer:
Reinstalar o sistema
Pense, fale, compre, beba
Leia,vote, não se esqueça
Use, seja, ouça, diga
Tenha, more,gaste, viva
Pense, fale, compre, beba
Leia, vote, não se esqueça
Use, seja, ouça, diga
Não senhor, Sim senhor, Não senhor, Sim senhor
Mas lá vem eles novamente, eu sei o que vão fazer:
Reinstalar o sistema.
149
ANEXO 7 – Verbos no imperativo
150
151
ANEXO 8 - Avaliação
ESCOLA XX
Aluno(a)________________________________________________________Nº______ data_____/_____/___
Professora XX
Avaliação de língua portuguesa
Leia o texto abaixo para responder as questões de 01 e 02
Belo belo
Manuel Bandeira
Belo belo minha bela
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
Quero quero
01. O gênero do texto acima é
a) um cordel
b) um conto
c )uma fábula
d) um poema
02. No primeiro verso, que palavra(s) indica(m) qualidade?
_______________________________________
Leia o texto abaixo para responder as questões de 03 a 08
Continho
1
Era uma vez um menino triste, magro e barrigudinho. Na soalheira danada de meio-dia, ele estava
sentado na poeira do caminho, imaginando bobagem quando passou um vigário a cavalo.
– Você aí, menino, para onde vai essa estrada?
– Ela não vai não, nós é que vamos nela.
5
– Engraçadinho duma figa! Como você se chama?
– Eu não me chamo, não, os outros é que me chamam de Zé.
MENDES CAMPOS, Paulo. Para gostar de ler – Crônicas. São Paulo: Ática, 1996, v. 1 p. 76
03. (Prova Brasil) Há traço de humor no trecho
a)
b)
c)
d)
“Era uma vez um menino triste, magro”. (l.1)
“ele estava sentado na poeira do caminho”. (l. 1-2)
“quando passou um vigário”. (l. 2)
“Ela não vai não: nós é que vamos nela”. (l.4)
04. No trecho “quando passou um vigário...” a palavra destacada pode ser substituída por
a) professor
b) médico
c) padre
d) enfermeiro
152
05. Há palavras no texto que caracterizam o menino para que o leitor imagine como é seu físico e
como está seu comportamento naquele momento da narrativa. Retire, do texto, essas palavras
_________________________________________________________________________
06. As palavras que exprimem qualidades ou características de um ser são denominadas de “adjetivos”
na gramática portuguesa. Elabore qualidade(s) ou característica(s) para a personagem do vigário
do continho.
_________________________________________________________________________
07. No trecho “– Você aí, menino, para onde vai essa estrada?” Explique a utilização dos sinais de
pontuação:
d) Travessão_______________________________________________________________
e) Vírgula_________________________________________________________________
f) Ponto de interrogação_____________________________________________________
08. O vigário perguntou ao menino para onde ia a estrada porque ele
a) queria conversar com o menino porque este estava triste.
b) não conhecia o caminho.
c) saber o nome do menino.
d) reclamar com o menino.
Leia o aviso abaixo para responder as questões 09 e 10.
SE BEBER,
NÃO DIRIJA.
O aviso acima circula em meios midiáticos. É uma campanha contra o motorista que ingere bebida
alcoólica e pega o carro para dirigir.
09. Encontra-se
a) uma reclamação
b) um pedido
c) um chamado
d) uma afirmação
10. No aviso, o modo cujo verbo está conjugado é o imperativo negativo. Responda o nome de outro
gênero textual no qual podemos encontrar verbos no imperativo. Boa prova!
153
Anexos Professora B
ANEXO 9 – O cidadão brasileiro
154
ANEXO 10 – Atividades sobre o texto ( A )
Atividades sobre o texto:
1)
2)
3)
4)
5)
6)
7)
Liste 3 deveres e três direitos que vocês têm em relação à escola:
Sobre o que o texto fala? Qual o assunto desse texto?
O texto é informativo, narrativo ou poético?
O que caracteriza um cidadão brasileiro?
Quais os direitos do cidadão, segundo o texto?
E os deveres?
Copie a parte do texto que enumera alguns direitos do cidadão e explique com que
função a vírgula foi utilizada?
8) Reescreva a frase abaixo substituindo os parênteses por outros sinais de pontuação:
... Ter acesso aos serviços públicos (por exemplo, hospitais e escolas), organizar-se ...
155
ANEXO 11 – Atividade sobre o texto ( B )
Atividade sobre o texto
1) Na primeira linha do texto temos o pronome possessivo SEUS, a quem se refere esse
termo?
2) Na 3ª linha, temos o pronome QUE (pronome relativo), a quem esse pronome se
refere?
3) Na primeira linha, o termo cidadão vem acompanhado do artigo indefinido UM, já na
5ª linha o mesmo termo vem acompanhado do artigo definido O. Tente explicar o
porquê desse emprego.
156
ANEXO 12 – Ficha de Ensino de Língua Portuguesa
157
ANEXO 13 – A galinha
A galinha
"A senhora, uma dona de casa, estava na feira, no caminhão que vendia galinhas. O vendedor
ofereceu a ela uma galinha. Ela olhou para a galinha, passou a mão embaixo das asas da
galinha, apalpou o peito da galinha, alisou as coxas da galinha, depois tornou a colocar a
galinha na banca e disse para o vendedor:
- Não presta!
Aí o vendedor olhou para ela e disse:
- Também, madame, num exame assim, nem a senhora passava!"
(Millô Fernades)
158
ANEXO 14 – Exercícios do livro didático
159
ANEXO 15 – Atitude Suspeita
160
ANEXO 16 – Atitude Suspeita
161
ANEXO 17 – Pronomes: Classificação e Função
162
ANEXO 18 – Simplicidade
163
ANEXO 19 – Atividade com a tirinha
164
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