Qual a eficácia e a segurança dos inibidores das glicoproteínas plaquetárias IIb/IIIa no sindrome coronário agudo? - Metanálise Bento M., Borges M., Brandão M., Figueiredo L., Jácome J., Neves J., Oliveira M., Sousa L., Sousa M., Vilaça M. Serviço de Bioestatística e Informática Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Abstract Contexto: Vários estudos têm vindo a fortalecer o papel benéfico dos inibidores das glicoproteínas plaquetárias IIb/IIIa (GPIIb/IIIa) na prevenção da agregação de plaquetas característica dos síndromes coronários agudos (SCAs). Todavia, muitas questões se colocam ainda relativamente à segurança e eficácia destes fármacos face às terapêuticas convencionais. Objectivo: Estudar a eficácia e segurança dos inibidores GPIIb/IIIa nos SCAs. Métodos: Os estudos seleccionados correspondem a ensaios clínicos randomizados com mais de 500 pacientes com SCAs sem supradesnivelamento do segmento ST e que comparam os inibidores das glicoproteínas IIb/IIIa com placebo ou terapêutica de controlo. Foram excluídos os estudos cujos pacientes estavam recomendados para revascularização precoce. Resultados: Para um total de 49316 pacientes, o uso destes fármacos em estratégias de tratamento conservadoras reflectiu-se numa redução de 3% do OR da taxa de morte ou enfarte de miocárdio a 30 dias (IC 95% 0.91 a 1.03), sem significado estatístico e sem diferenças significativas entre a heterogeneidade dos estudos. Existe evidência estatisticamente significativa do aumento do risco associado a hemorragia major (OR 1.32 [IC95% 1.19 a 1.46]) e hemorragia minor (OR 1.89 [IC95% 1.75 a 2.05]). A análise das categorias quanto ao risco de morte e enfarte do miocárdio a 30 dias favorece significativamente os inibidores de administração intravenosa (OR 0.92 [IC95% 0.86 a 0.99]). Os inibidores orais não só aumentam esta incidência (OR 1.12 [IC95% 0.98 a 1.27]), como também a de hemorragias major (OR 1.51 [IC95% 1.27 a 1.81]) e minor (OR 1.92 [1.75 a 2.12]). Em diabéticos, a taxa de morte e enfarte do miocárdio a 30 dias sofreu um decréscimo significativo de 26% (OR 0.74 [IC95% 0.59 a 0.92]). Conclusão: Embora os 1 inibidores GPIIb/IIIa de administração intravenosa sejam mais vantajosos no combate aos SCAs, estes fármacos são, globalmente, menos seguros e aparentemente menos eficazes que a terapêutica convencional. Introdução Os SCAs, como o enfarte agudo do miocárdio (MI) resultante da rotura das placas ateroscleróticas, promovem a formação de trombos por agregação plaquetária [1]. A activação plaquetária conduz a uma alteração conformacional dos receptores das glicoproteínas plaquetárias IIb/IIIa (GPIIb/IIIa) existentes na superfície das plaquetas. Por conseguinte, dá-se o aumento da afinidade dos receptores ao fibrinogénio e a outros ligandos, induzindo a agregação plaquetária que, em situações patológicas, pode levar à formação de trombos. Não obstante, a activação dos receptores das GPIIb/IIIa é a via final comum a mais de 100 vias de agregação de plaquetas [2]. Existem dois locais de união das GPIIb/IIIa, sendo um deles a sequência de aminoácidos Arginina-Glicina-Aspartato, designada de sequência RGD. Deste modo, os inibidores das GPIIb/IIIa são fármacos cuja acção passa pela ocupação dos receptores, de forma a inibir a agregação das plaquetas. Estes têm assim, um efeito protector contra o enfarte de miocárdio e morte ao impedir a formação de trombos em pacientes propostos para intervenção coronária percutânea (PCI) [3]. Estes fármacos podem dividir-se em quatro grupos distintos, consoante o seu mecanismo de acção. O primeiro engloba o abciximab que é um anticorpo monoclonal quimérico que actua de forma irreversível. Os inibidores peptídicos ou integrilinas correspondem ao eptifibatide que é um heptapéptido cíclico que contem uma sequência KGD (Lisina-GlicinaAsparagina) que interage selectivamente com a sequência RGD já referida. A terceira família dos inibidores em estudo são fármacos não peptídicos, nomeadamente o tirofiban e o lamifiban [4]. Os inibidores GPIIb/IIIa orais são “pré-fármacos” uma vez que são activados quando administrados aos pacientes (orbofiban, xemilofiban, sibrafiban, roxifiban, ledrafiban...) [5]. De um modo geral, podem-se distinguir estes fármacos em intravenosos e 2 orais, dependendo do modo de administração [6]. A eficácia destes fármacos é avaliada por comparação com placebos usualmente utilizados como a aspirina ou famílias de anticoagulantes. Nestas incluem-se os anticoagulantes que necessitam de cofactor e os que actuam directamente no trombo Os primeiros dividem-se em duas classes: as heparinas não fraccionadas (são administradas intravenosamente e reduzem significativamente a incidência de morte, enfarte e angina refractária aguda, patenteando-se tal benefício apenas entre 30 e 90 dias – heparina) e as heparinas de baixo peso molecular (dalteparina e enoxaparina) com uma vida mais prolongada e uma maior biodisponibilidade. Os inibidores directos de trombos são um grupo de fármacos que actuam directamente contra os trombos quer livremente, quer ligados a estes sem necessitarem de um cofactor para actuar, embora muitos destes fármacos (por exemplo, a hirudina) possuírem um peso molecular mais elevado que a heparina [7] . Ensaios clínicos anteriores demonstraram que os inibidores das GP IIb/IIIa, em comparação com placebo e/ou terapêutica de controlo, reduziram a frequência da morte ou enfarte em 38% [8]. Portanto, propusemo-nos a realizar uma revisão sistemática que apresentava como objectivo primário a análise do efeito dos inibidores das glicoproteínas plaquetárias IIb/IIIa, tendo como base ensaios clínicos randomizados. Métodos I. Selecção e descrição dos estudos 1. Pesquisa bibliográfica Procedeu-se a uma pesquisa cuja população alvo correspondia a publicações indexadas na MEDLINE de ensaios clínicos randomizados. Foi utilizada a query ("Platelet Aggregation Inhibitors"[MeSH] AND "Platelet Glycoprotein GPIIb-IIIa Complex"[MeSH]) AND (("Angina, Unstable"[MeSH] OR "Myocardial Infarction"[MeSH] OR "Myocardial Ischemia"[MeSH]) OR "acute coronary syndromes"), considerando como limites “Randomized Controlled Trials” e “Humans” de modo a obter artigos que explorassem o 3 papel dos inibidores de agregação plaquetária relacionados com as GP IIb/IIIa nos síndromes coronários agudos. Refira-se que o termo “síndrome coronário agudo” é relativamente recente, daí a utilização da disjunção desta palavra-chave com as suas especificações. Obteve-se um total de 162 artigos. 2. Revisão sistemática dos estudos Foram definidas antecipadamente uma série de critérios de exclusão e inclusão. Com a aplicação destes critérios, 8 artigos foram considerados válidos. Os artigos obtidos foram divididos por 2 grupos de revisores, ambos de 3 elementos, ficando o primeiro com os 80 artigos iniciais e o segundo com os restantes. a) Critérios de exclusão Foram rejeitados os estudos que não avaliavam a eficácia dos inibidores das glicoproteínas plaquetárias IIb/IIIa, já que a sua aceitação estaria a violar o objectivo primário inerente a esta revisão sistemática. Também foram ignorados os estudos cujos pacientes estavam recomendados para cirurgia de revascularização precoce, assim como aqueles que comparavam estratégias conservadoras com estratégias interventivas de revascularização. Nestes casos, o uso dos inibidores está totalmente dependente de uma intervenção cirúrgica de revascularização, a qual nunca poderia, pelas razões apontadas, ser considerada um endpoint primário nesta revisão sistemática. Os estudos com menos de 500 doentes foram também rejeitados, de modo a garantir uma maior fiabilidade e validade na aferição de generalizações. b) Critérios de inclusão A selecção de estudos processou-se através da escolha de casos clínicos randomizados de pacientes com síndromes coronários agudos cujo electrocardiograma (ECM) não apresentava supradesnivelamento do segmento ST. Quando tal acontece, o paciente é imediatamente recomendado para revascularização dada a situação de gravidade que patenteia o ECM. Interessava também a comparação dos inibidores GPIIb/IIIa com placebo 4 ou com a terapêutica de controlo, pois somente tal possibilitava a aferição de vantagens ou desvantagens destes fármacos em relação a outras terapias. c) Avaliação da qualidade dos estudos Para avaliar a qualidade dos estudos foi utilizado um sistema de classificação para estudos experimentais [10]. Esta avaliação de qualidade teve em conta vários critérios, designadamente a selecção de participantes associada à ocultação da randomização, as diferenças de bases de dados e seu ajustamento, a unidade e os desenhos de estudo e a taxa de seguimento dos doentes, isto é, o seu follow-up completo. Dos 8 artigos seleccionados, todos comportavam os requisitos indispensáveis para proceder à sua integração numa metanálise. d) Concordância Recorreu-se a um teste de avaliação de concordância Kappa de Cohen (1960) para avaliar esta mesma propriedade entre as escolhas dos diferentes revisores. Como se formaram dois grupos de revisores de artigos, esta análise foi feita separadamente para os 2 grupos. Os resultados obtidos foram: 0,74 para o primeiro grupo e 0,46 para o segundo. Perante as conclusões de Landis e Koch (1977) podemos classificar estas concordâncias, respectivamente, como substancial e moderada. II. Gestão da informação 1. Definição das variáveis Consideraram-se variáveis relativas ao indivíduo potencialmente determinantes na avaliação de outcomes [3], como idade, sexo, peso, pressão arterial, nível de colesterol, história cardíaca e medicação cardíaca. Foram também definidas variáveis relacionadas com os ensaios clínicos como o fármaco e sua categoria, o número de pacientes e os endpoints primários respectivos. 2. Definição dos endpoints de eficácia (primários) e de segurança (secundários) Os endpoints (variáveis que permitem avaliar a eficácia da terapêutica) podem ser classificados como endpoints de eficácia (a administração do fármaco é interrompida devido 5 a desvantagens irrefutáveis em relação ao placebo) ou de segurança (impossibilidade de continuar a prática da terapia ou porque a sua administração seria irrelevante para o estudo, devido à alteração das condições do estudo). É considerado como endpoint de eficácia (primário) “morte e enfarte do miocárdio a 30 dias”. Por outro lado, os endpoints de segurança correspondem a complicações de vários tipos, destacando-se as hemorrágicas. Tanto a hemorragia major como a hemorragia minor encontram-se definidas de acordo com os critérios TIMI [9]. Foram também definidos como endpoints de segurança a transfusão sanguínea (realizada sempre que necessária) e situações em que a contagem de plaquetas fosse inferior a 50000 por mm3 de sangue. 3. Criação de uma base de dados Os dados relativos aos estudos seleccionados foram compilados numa base de dados electrónica, através do software “SPSS 12.0 for Windows”. III. Análise estatística 1. Metanálise Os estudos incluídos eram semelhantes, ou seja, a amostra, a intervenção e os desfechos clínicos eram homogéneos, o que possibilitou a metanálise. Desta forma, recorrendo ao software Review Manager 4.2.3 (RevMan 4.2), foram calculadas estatísticas apropriadas ao estudo em causa, através do cálculo dos odds ratio (OR) e intervalos de confiança a 95% de uma série de variáveis consideradas relevantes para a análise, assim como através da aplicação de testes de heterogeneidade, de modo a avaliar a validade das generalizações. Para efeitos de análise, foi sempre tomado como nível significância o valor 0,05. Resultados 1. Características dos pacientes Os oito estudos seleccionados incluíram, no total, 49316 doentes (29744 no grupo experimental e 19572 no grupo de controlo). A média de idade da população foi de 64,5 anos, 68% eram homens e 21% eram diabéticos (Tabela 1) 6 2. Endpoints de eficácia Ao fim de 30 dias, o número de doentes que morreram ou tiveram um enfarte de miocárdio no grupo experimental foi 2545 (8,6%) e no grupo de controlo 1894 (9,7%). No entanto, esta diferença não é estatisticamente significativa (p=0,31). Para verificarmos se haveria, neste resultado, a interferência de um ou mais estudos que fossem muito discrepantes dos restantes, aplicámos um teste de heterogeneidade, cujo p=0,12, ou seja, não existe uma heterogeneidade significativa entre os estudos seleccionados (Fig. 1). Procedeu-se a uma comparação entre os diferentes grupos e classes de inibidores quanto a esta mesma variável. A única categoria de inibidores GPIIb/IIIa que apresenta uma diferença entre inibidores e placebo estatisticamente significativa é a dos peptídicos, cujo p=0.04. A heterogeneidade (Fig. 2) calculada entre as categorias de inibidores (p=0.03) proporcionou a identificação dos grupos entre os quais se encontravam diferenças, tendo-se somente aferido uma única diferença estatisticamente significativa entre os inibidores não peptídicos e os orais (p=0.03), sendo que é no caso dos não peptídicos que o tratamento com inibidor é mais benéfico que o com a terapêutica de controlo. Foi efectuada a comparação entre os inibidores GPIIb/IIIa intravenosos e orais (p=0.002). Além disso, a administração do inibidor intravenoso é significativamente mais vantajosa do que a terapêutica de controlo (p=0.03 para OR 0.92 [IC95% 0.86 a 0.99]) contrariamente aos orais que, apesar de não existirem diferenças estatisticamente significativas na comparação placebo vs. inibidor (p=0,09), parecem ser clinicamente menos eficazes. 3. Endpoints de segurança O uso de inibidores das glicoproteínas IIb/IIIa está associado a um risco acrescido de hemorragia major e minor, em comparação com o grupo de controlo (p<0,0001 em ambos os casos) (Fig 3). Quer na hemorragia major como na minor, os grupos são homogéneos. Na Tabela 2 podem observar-se os Odds Ratios e Intervalos de Confiança a 95% para todos os endpoints de segurança considerados. As hemorragias são menos frequentes com o 7 placebo do que com o inibidor aparentemente em todos os casos (OR>1), mas apenas significativamente nos orais e nos peptídicos. Relativamente ao placebo, os inibidores intravenosos aumentam significativamente a incidência de hemorragia major (OR 1.21 [1.07 a 1.38]) e de hemorragia minor (OR 1.78 [1.56 a 2.03]). Quando comparados, verificaram-se diferenças significativas entre os inibidores orais e os peptídicos quanto à hemorragia major (p=0.02) apresentando, respectivamente, OR e IC 95% de 1.52 [1.27;1.82] e 1.19 [1.03;1.36]. Quanto à hemorragia minor, verificaram-se apenas diferenças significativas entre orais e não peptídicos (p=0.02) e peptídicos e não peptídicos (p=0.03). Verificou-se também que existe uma diferença estatisticamente significativa entre os efeitos dos inibidores comparativamente a placebo, quanto à concentração de plaquetas < 50000 mm3, nos inibidores orais (p=0.03; OR 1.83 [IC95% 1.07 a 3.13]) Os pacientes submetidos a placebo necessitam de menos transfusão sanguínea (p<0,001; OR 1.44 [IC95% 1.22 a 1.70]), comparativamente aos que recorreram a inibidores. 4. Efeitos do tratamento em subgrupos Verificou-se uma diferença estatisticamente significativa na análise de pacientes diabéticos (p=0,007; OR 0,74 [IC95% 0,59 a 0,92]) (Fig 4). Esta não era verificada nos pacientes não diabéticos (p=0.99). Isto foi confirmado pela diferença significativa entre os efeitos dos inibidores nos pacientes diabéticos e nos não diabéticos (p=0.03). Aparentemente, os inibidores são vantajosos nos pacientes diabéticos mas não o são nos não diabéticos. Discussão Face ao objectivo primário do estudo, verificou-se que os inibidores GPIIb/IIIa não apresentam, globalmente, vantagens significativas face à terapia convencional, apesar de existir um ligeiro favorecimento destes (Fig. 1) quanto à incidência de morte ou enfarte do 8 miocárdio a 30 dias. O uso destes fármacos leva, porém, a um aumento significativo de hemorragia major (1,32 vezes) e de hemorragia minor (1,89 vezes). No entanto, a análise dos inibidores intravenosos permite concluir que estes são mais eficazes que a terapêutica convencional (p=0,03), havendo uma significativa redução do OR em 8%. Apesar desta vantagem implicam uma taxa hemorrágica maior que o placebo, ou seja, aumento da hemorragia major em 21% e da minor em 78%. Refira-se, no entanto, que o cálculo do OR dos endpoints de segurança para os inibidores intravenosos não comporta os anticorpos monoclonais. Outros estudos revelam que a utilização de inibidores GPIIb/IIIa intravenosos após PCI (Percutaneous Coronary Intervention) reduz o risco de morte entre 20 e 30%. Este efeito é, todavia, mais significativo a curto prazo (30 dias) do que a 6 meses ou períodos superiores [18]. A comparação das famílias de inibidores permitiu a obtenção de conclusões mais relevantes: primeiramente, o uso dos inibidores peptídicos é realmente mais eficaz que a terapêutica convencional, uma vez que há uma redução da incidência de morte ou MI a 30 dias de 11%; contudo, os pacientes tratados com estes fármacos apresentam uma incidência significativamente maior de hemorragia que os respectivos controlos (aumento de 19% para hemorragia major e 85% para hemorragia minor). Em contrapartida, é de realçar que os anticorpos monoclonais apresentam desvantagens aparentes (p=0.36) no combate aos síndromes coronários agudos, pois verifica-se uma maior incidência, repetindo, não significativa, de morte ou enfarte de miocárdio a 30 dias nos pacientes. O abciximab foi o primeiro inibidor a ser usado. Os primeiros ensaios clínicos efectuados sobre os efeitos deste no homem demonstraram que este fármaco seria de grande importância para o tramtamento dos SCA. Com o GUSTO-IV ACS, primeiro estudo de grandes dimensões com seguimento póstumo dos intervenientes, surge a ideia de que talvez este fármaco não apresente tantas vantagens no tratamento de SCA como seria de esperar (Fig 5). 9 Os inibidores orais demonstraram ser aqueles que apresentam mais desvantagens relativamente ao controlo: embora não aumentem significativamente a incidência de morte ou enfarte a 30 dias (p=0,09) parece haver um aumento considerável do endpoint primário no grupo sujeito a esta classe de fármacos (1,12 [0,98; 1,28]). Promovem também uma maior incidência de hemorragia major (51%) e hemorragia minor (92%). Efectivamente, a comparação entre estes e os inibidores intravenosos favorece significativamente os últimos, quanto a eficácia (p=0,002), como segurança (hemorragia major – p=0,009). É de focar o facto de os pacientes que foram tratados com inibidores orais apresentarem uma contagem de plaquetas inferior a 50.000 mm3 significativamente inferior ao grupo de controlo, o que se deve provavelmente a efeitos colaterais que este método de administração terá em dadas vias metabólicas. No entanto, outros estudos demonstraram que a utilização de inibidores orais promove a redução de intervenções de revascularização precoce, ao mesmo tempo que provoca um aumento da incidência de morte [19]. Assim se compreende o desuso clínico desta categoria de fármacos, relativamente, por exemplo, aos inibidores intravenosos. Curiosamente os estudos que testam inibidores não peptídicos (destacando-se o PRISM), apresentam resultados bastante diferentes de todos os outros ensaios – os seus resultados destacam-se positivamente em termos de eficácia e de segurança. Os inibidores não peptídicos adivinham-se os mais seguros pois a comparação entre os dois grupos sujeitos ao ensaio traduz-se em resultados não significativos. Pelos resultados obtidos (Fig 4) observa-se que os inibidores são vantajosos nos pacientes com diabetes, não o sendo nos que estão na situação inversa, ainda que para esta análise tenham sido incluídos somente pacientes cujos fármacos usados eram de administração intravenosa. A utilização de inibidores nestes pacientes leva a um decréscimo de 26% na incidência de morte ou enfarte do miocárdio a 30 dias, perante o controlo. Compreende-se assim que, embora sejam um grupo de risco, os diabéticos são actualmente recomendados para administração destes fármacos em detrimentos de terapêuticas convencionais. Certos 10 estudos que se debruçaram sobre esta vantagem relativa dos inibidores concluiram que, efectivamente, a presença de inibidores GPIIb/IIIa reduz significativamente a activação plaquetária que despoleta os SCAs em pacientes diabéticos (p=0,02), propondo, inclusivamente, que a menor taxa de ligação do fibrinogénio às plaquetas se deve à glicação das proteínas das membranas plaquetárias que, deste modo, ocorre em maior escala em pacientes diabéticos do que em pacientes sem esta patologia [21]. Limitações Este trabalho sujeitou-se a inúmeras limitações metodológicas, estatísticas e relativas à obtenção de resultados. Por um lado, as limitações inerentes à pesquisa bibliográfica dizem respeito à problemática de definição da query e à possível não catalogação de todos os ensaios relevantes na Medline. Quanto aos problemas estatísticos, note-se, por exemplo que no PRISM, o enpoint primário foi obtido a 48 horas e no PRISM-PLUS a 7 dias (embora todos os eventos a 30 dias sejam referidos), além de que determinados endpoints não vinham referidos em todos os ensaios clínicos. Portanto, os resultados obtidos para cada estudo são, de certo modo, muito rígidos, já que o facto de somente ter sido considerado como endpoint de eficácia “morte ou MI a 30 dias” condicionou possíveis aferências temporais que advêm da administração dos inibidores, designadamente no efeito destes a curto e a longo prazo. De facto, certos estudos [20], ao considerarem os diferentes endpoints em diferentes alturas, conseguem prever qual o efeito dinâmico dos inibidores GPIIb/IIIa: por exemplo, repare-se que a 30 dias o tirofiban (inibidor não peptídico, alvo do estudo PRISM) favorece o tratamento, não o favorecendo entre as 48 e 96 horas após randomização. Embora de forma menos clara, passa-se o contrário com o lamifiban utilizado no PARAGON e o eptifibatide utilizado no PURSUIT (Fig 6). Estatisticamente, a heterogeneidade entre os protocolos, agentes terapêuticos, regimes e população limitou a capacidade inferencial da revisão sistemática, tal como foi confirmado em determinadas situações pelos testes de heterogeneidade aplicados. Em tais situações, 11 procedeu-se a outra análise. Na análise de subgrupos, os estudos não estavam desenhados para a análise dos efeitos em pacientes diabéticos, embora tenha sido adquirida informação para análise deste efeito. Os resultados obtidos possibilitam aferir que a aplicação clínica dos inibidores GPIIb/IIIa é, de um modo geral, incerta quando comparada com as terapêuticas tradicionais. No entanto, esta realidade é condicionada pela inclusão de um grande número de pacientes submetidos a inibidores orais, visto que estudos anteriores que não incluíam inibidores orais mostraram que, globalmente, os inibidores GPIIb/IIIa são estatisticamente favorecidos, reduzindo a morte ou MI a 30 dias em 9% [3]. A utilização de determinadas categorias destes fármacos como os peptídicos e não peptídicos e especificamente a utilização de inibidores intravenosos em pacientes diabéticos revela-se promissora no combate à rotura das placas ateroscleróticas que desencadeia os SCAs. Perante isto, pode-se concluir que o objectivo primário do estudo foi cumprido. Referências 1 The PURSUIT Trial Investigators. Inhibition of platelet glycoprotein IIb/IIIa with eptifibatide in patients with acute coronary syndromes. The New England Journal of Medicine. 1998 Ago 13; 339(7): 436-43 2 Chanu B. Inhibitors of GP IIb/IIIa platelet receptors. Arch Mal Couer Vaiss. 1999; 92(7):893-902 3 Boersman E et al. 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The Platelet IIb/IIIa Antagonist for the Reduction of Acute coronary syndrome in a Global Organization Network. Circulation. 2002 Jan 22; 105:316-21 18 Karvouni E et al. Intravenous Glycoprotein IIb/IIIa Receptor Antagonists Reduce Mortality After Percutaneous Coronary Interventions. Journal of the American College of Cardiology. 2003 Jan 1; 41(1):26-32 19 Chew D et al. Increased Mortality With Oral Platelet Glycoprotein IIb/IIIa Antagonists – A Meta-analysis of Phase III Multicenter Randomized Trials. Circulation. 2001 Jan 16; 103:201-206 20 Kong D et al. Clinical Outcomes of Therapeutic Agents That Block the Platelet Glycoprotein IIb/IIIa Integrin in Ischemic Heart Disease. Circulation. 1998 Dez 22/29; 98: 2829-35 21 Keating FK et al. Augmentation of inhibitory effects of glycoprotein IIb/IIIa antagonists in patients with diabetes. Thromb Res. 2004; 113(1):27-34 13 Figura 1 – Morte ou enfarte de miocárdio a 30 dias. Figura 2 – Morte ou enfarte de miocárdio a 30 dias para cada categoria de inibidor GPIIb/IIIa. Figura 3 – Hemorragias major (em baixo) e minor para cada ensaio clínico. Figura 4: Morte e enfarte do miocárdio a 30 dias para pacientes diabéticos. 14 Figura 5 – Morte e MI a 30 dias para ensaios que utilizam o anticorpo monoclonal abciximab (in 16). Figura 6 – OR e IC95% para o risco de morte entre as 48 e 96 horas após randomização de inibidores GPIIb/IIIa vs placebo (à esquerda) e a 30 dias (in 20). Não peptídicos Peptídicos Orais OR [IC 95%] (hemorragia major) 1.47 [0.99, 2.17] OR [IC 95%] (hemorragia minor) 1.03 [0.63, 1.70] 1.19 [1.03, 1.36] 1.85 [1.61, 2.13] 1.52 [1.27, 1.82] 1.95 [1.77, 2.15] OR [IC 95%] (plaquetas) 2.54 [0.80, 8.12] OR [IC 95%] (transfusão) 1.57 [1.19, 2.07] ------------- ------------------------- ------------1.84 [1.07, 3.14] 1.37 [1.11, 1.69] Tabela 2 – OR para enspoints secundários nas várias classes (inibidor vs controlo) 15 PRISM [11] 1994-1996 Período de estudo 3232 Nº de pacientes Nº de pacientes do 2199 (68,1%) sexo masculino Grupo de inibidor Intravenoso Família de inibidor Não peptídico 62.5 Idade média da amostra (anos) 79.0 Peso médio da amostra (kg) Último episódio de ≤24h angina de peito Medicação em estudo Inibidor Tirofiban Regime a) 0,6 μg/kg + infusão de 0,15 μg/kg/min + heparina placebo b) placebo + heparina PRISM-PLUS [12] 1994-1996 1915 1291 (67.4%) PARAGON [13] 1995-1996 2282 1495 (65.5%) PURSUIT [1] 1995-1997 9461 6102 (64.5%) OPUS-TIMI 16 [14] 1997-1998 10288 7625 (74.1%) SYMPHONY [14] 1997-1998 9233 6692 (72.5%) GUSTO-IV ACS [16] 1998-2000 7800 4870 (62.4%) Intravenoso Não peptídico 63.0 Intravenoso Não peptídico 66.0 Intravenoso Peptídico 64.0 Oral Oral 60.5 Oral Oral 60.0 Intravenoso Intravenoso Anticorpo monoclonal Não peptídico 77.4 63.0 Sem informação disponível ≤12h 76.2 80.0 80.0 65.2 77.0 ≤12h ≤24h Sem informação disponível ≤72h ≤7dias ≤24h ≤12h Tirofiban a) 0,6 μg/kg/min durante 30 min + infusão 0.15 μg/kg/min + heparina placebo b) 0.4 μg/kg/min durante 30 min + infusão 0.1 μg/kg/min + heparina c) Placebo + heparina Lamifiban a) 300 μg + infusão de 1 μg/min + heparina ou heparina placebo b) 750 μg + infusão de 5 μg/min + heparina ou heparina placebo c) Placebo + heparina Eptifibatide a) 180 μg/kg/min + infusão 1.3-2 μg/kg/min b) Placebo Orbofiban a) 50 mg 2 vezes por dia (grupo 50/50) b) 50 mg 2 vezes por dia durante 30 dias seguido de 30 mg 2 vezes por dias (grupo 50/30) c) Placebo Abciximab a) 250 μg/kg + infusão 0.125 μg/kg/min (máximo 10 μg/min) durante 24h b) 250 μg/kg + infusão 0.125 μg/kg/min (máximo 10 μg/min) durante 48h c) Placebo Lamifiban a) 500 μg + infusão de 1.0-2.0 μg/min b) placebo Tratamento Aspirina/dia 48-96 h 325 mg 72-120h 75-325 mg 72-96 h 80-325 mg 2-4 semanas 150-162 mg Sibrafiban a) Baixa dose (permite 25% de inibição da agregação plaquetária) b) Alta dose (permite 50% de inibição da agregação plaquetária) c) Aspirina (2 vezes 80 mg) 2-4 semanas 80 mg (só ao grupo de controle) 24 ou 48 h 150-325 mg 72-120 h 150-325 mg Endpoints Primários Secundários 48 h 300-325 mg Morte, EM, Isquemia Morte, EM, Isquemia refractória a 48 horas. refractória a 7 dias Hemorragia intracraniana, sangramento que leva à diminuição da concentração de hemoglobina a 50g/L Hemorragia intracraniana; sangramento levando à diminuição da concentração de hemoglobina para valores inferiores a 40 g/L Morte ou EM a 30 dias Morte ou EM a 30 dias Morte, EM, Isquemia, Paragem cardíaca a 6 meses Hemorragia Hemorragia Frequência de intracraniana, intracraniana; hemorragia major ou sangramento sangramento minor a 90 dias comprometedor de comprometedor de (determinado por um intervenção cirúrgica intervenção cirúrgica algoritmo informático) PARAGON-B [17] 1998-1999 5225 3448 (66.0%) Morte, EM, Isquemia Morte ou EM a 30 refractória a 90 dias dias Morte, EM, ou Isquemia refractória a 30 dias Hemorragias major e Hemorragia minor intracraniana; diminuição da concentração de hemoglobina para valores inferiores a 50 g/L Hemorragia intracraniana; sangramento comprometedor de intervenção cirúrgica Tabela 1 – Características dos ensaios clínicos seleccionados, respectivo desenho de estudo e endpoints primários e secundários 16