as prescrições jurídicas

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AS PRESCRIÇÕES JURÍDICAS - IX
I - Em busca de um critério:
Neste capítulo o autor quer estabelecer um critério de diferença entre as
normas jurídicas e outros tipos de normas;
II - De alguns critérios:
1. O de individualizar o caráter da norma jurídica através do seu
conteúdo:
A esta categoria pertencem todas as teorias que afirmam como característica
da norma jurídica regular sempre uma relação intersubjetiva, ou seja, uma
relação não entre uma pessoa e uma coisa, e nem uma pessoa em si mesma,
mas entre uma pessoa e uma outra pessoa. Esta teoria se exprime também
atribuir à norma jurídica o caráter da bilateralidade, diversamente da norma
moral, que seria unilateral, ou seja, a norma jurídica institui ao mesmo
tempo um direito a um sujeito, e um dever a um outro. A relação
intersubjetiva consistiria, na relação de interdependência entre um
direito e um dever. Esta doutrina tem como base de que o direito regula as
ações do homem que vive em sociedade com os seus semelhantes. Este
critério serve para distinguir o direito da moral, mas não para distinguir o
direito das chamadas normas sociais;
2 – Do fim:
Por este critério se responde que o direito regula sim, como as normas sociais,
relações intersubjetivas, mas não relações intersubjetivas genéricas. As
relações intersubjetivas reguladas pelo direito são específicas, e a sua
especificidade é dada pelo fim a que o ordenamento normativo jurídico se
propõe no confronto com todos os outros ordenamentos normativos vigentes
em uma determinada sociedade. E este fim é a conservação da sociedade. Nem
todas as ações são necessárias ou essenciais para a conservação da sociedade.
Essenciais: restituir o débito; ressarcir o dano causado por culpa. Não
essencial: o cumprimentar-se na rua. As regras que se atribui à qualificação de
jurídicas são as primeiras. A objeção que se faz a esta teoria é que as regras
consideradas essenciais em uma sociedade podem ser diferentes das regras
consideras essenciais em uma outra sociedade. Assim não serve ao fim a que
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deveria servir uma definição da norma jurídica, ou seja, o de reconhecer como
norma jurídica, no meio de outras normas;
3. Do sujeito que estabelece a norma:
Quem decide o que serve ou não serve a uma determinada sociedade seria
aquele ou aqueles que detêm o poder de soberano. Por esta teoria a norma
jurídica é aquela que, independentemente da forma que assuma, do conteúdo
que possua, do fim a que se proponha, é estabelecida pelo poder soberano.
Esta teoria retrata o mais autêntico positivismo jurídico, segundo o qual o
soberano não edita apenas as normas essenciais para a conservação da
sociedade, mas as normas estabelecidas pelo soberano tornam-se essenciais,
só pelo fato de que se fazem valer também recorrendo à força;
4. Dos valores ou ideais em que o legislador se inspira:
Encontramos neste critério os defensores da teoria do jusnaturalista, ou seja,
aquela que busca a essência do direito nos valores (ou ideais) em que o
legislador se inspira. Assim para uma norma ser jurídica, é preciso que seja
justa. Segundo o autor o defeito da teoria jusnaturalista é que as opiniões são
muito divergentes sobre o que se deve entender por justiça;
5. Da forma como a norma jurídica é acolhida pelo destinatário:
Existem aqui duas soluções: a) a norma jurídica é obedecida pelas vantagens
que dela se possam tirar, e como tal se satisfaz com uma mera adesão exterior,
isto é uma ação conforme o dever, enquanto que a norma moral deve ser
obedecida por si mesma e com tal exige uma obediência interior que não pode
ser constrangida, isto é uma ação pelo dever; b) afirma-se que se está
diante de uma norma jurídica somente quando aquele a quem é dirigido
está convencido da sua obrigatoriedade, enquanto que as demais normas
(não jurídicas), como as sociais, são caracterizadas por uma obrigação não
incondicionada, mas condicionada à livre escolha do fim, pelo sujeito passivo.
Para o autor a primeira solução tem um caráter comum às normas jurídicas
e sociais; a segunda solução tem um caráter comum às normas jurídicas e às
morais;
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III – Um novo critério: a resposta à violação:
- Uma norma prescreve o que deve ser. Se uma determinada ação real
não corresponde à ação prescritiva, afirma-se que a norma foi violada.
À violação dá-se o nome de ilícito, assim teremos:
a) o ilícito consiste numa ação quando a norma for um imperativo
negativo, ou seja, de não fazer (proibição). Ex.: “o proprietário não
pode praticar atos que tenham por objetivo causar dano ou moléstia aos
outros”. Se a ação real não corresponder a esta ação prescritiva, haverá
uma ação contrária ao que determina a norma, podendo ser afirmado
que a norma não foi observada (inobservância);
b) o ilícito consiste numa omissão quando a norma for um imperativo
positivo, ou seja, de fazer. Ex.: “o usufrutuário deve restituir as coisas
que constituem objeto do seu direito, ao término do usufruto”. Se a ação
real não corresponder a esta ação prescritiva, haverá uma omissão no
atendimento da norma, podendo ser afirmado que a mesma não foi
executada (inexecução);
- Em resposta à violação temos a sanção, a qual é aplicada em todo o
sistema normativo, porque há um pressuposto de que o mesmo pode vir
a ser violado. A partir desta afirmação o autor faz um estudo sobre as
respostas dadas pelos diversos sistemas normativos, quanto à violação
dos mesmos, e como forma de distinguir os vários tipos de normas com
base nos diversos modos em que são sancionadas, e mais
especificamente uma norma jurídica de uma outra norma:
1. Sanção Moral:
- Como a sanção pressupõe a violação da norma, aquela só se verifica
quando esta vier a ocorrer. Na questão da norma moral temos como
forma de melhor defini-la o enfoque sancionatório, ou seja, que são
morais aquelas normas cuja sanção é puramente interior, de
conseqüência desagradável da violação, cujo fim é prevenir a violação
ou no caso de violação de eliminar as conseqüências nocivas, que no
caso da moral seria o sentimento de culpa, um estado de incômodo, de
perturbação, de angustia, traduzida na linguagem ética em remorso ou
arrependimento;
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- O legislador moral poderá, para obter a obediência, poderá formular a
seguinte regra moral: “se você não quiser se encontrar naquela situação
de perturbação se que chama remorso, e que deriva do sentir-se em
contradição consigo mesmo, não minta”;
- Na norma moral o destinatário somente responde frente a si mesmo, a
sua consciência, onde a punição é interior. Caso tiver que responder
frente aos outros, apareceria um novo elemento, ou seja, a relação com
outros, denominada externa, intersubjetiva, bilateral, fazendo entrar
numa esfera normativa social ou jurídica;
- Chama-se de moral a ação que é cumprida somente para a satisfação
íntima, o que leva à sua adesão.
- O defeito da sanção interior é de ser escassamente eficaz, pois se a
sanção é um expediente utilizado para conseguir que as normas sejam
menos violadas, a sanção interior por certo seria um meio inadequado,
uma vez que nem todos os indivíduos têm inclinação ao respeito das
normas morais, e assim a sanção interior não produz nenhum efeito;
2. A Sanção Social:
- Se por um lado temos a sanção interna, a qual infligimos a nós mesmos,
pode-se chamar externa aquela que nos atinge provenientes dos outros,
individualmente ou enquanto grupos sociais, Quando a violação de uma
norma suscita uma resposta por parte dos outros com quem
convivemos, a norma é externamente sancionada;
- A sanção externa é própria das normas sociais (normas de costume; da
educação, da vida em sociedade) que são destinadas a tornar mais fácil
ou menos difícil o convívio social;
- As normas sociais nascem de um grupo social que respondem à sua
violação com diversos comportamentos que constituem as sanções, que
partem da simples reprovação ou a eliminação do grupo, pelo
isolamento, no interesse do próprio grupo, ou até o linchamento pela
multidão;
- Estas sanções externas são eficazes. Há muitos tipos de
comportamentos que não são assumidos com receio da desaprovação
dos outros e as conseqüências que este juízo poderá ter no futuro.
Quanto mais um for grupo homogêneo, a sanção social terá maior
eficácia;
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- O defeito das sanções sociais é a falta de proporção entre a violação e a
resposta, porque sendo a resposta confiada ao grupo impessoalmente ou
alguns membros do grupo não definidos pessoalmente, ela não é guiada
por regras precisas. Também a resposta não é sempre igual para o
mesmo tipo de comportamento de violação, porque depende do humor
do grupo. Assim a resposta pode ser desproporcional à gravidade da
violação, como no caso do linchamento;
- Os inconvenientes deste tipo de sanção provem da falta de
institucionalização das mesmas, por não serem reguladas por normas
fixas ou por não estarem confiadas estavelmente a alguns membros do
grupo, expressamente designados para isto, carecem de organização,
não são ainda instituições. Para que esta exista é necessário que haja
uma organização, fundadas sobre regaras do próprio grupo. Afirma-se
que um grupo se organiza quando passa da fase da sanção incontrolada
à sanção controlada, e usualmente denomina-se grupo jurídico e mais
propriamente instituição;
3. A Sanção Jurídica:
- Com objetivo de evitar os inconvenientes da sanção interna, com
escassa eficácia, e os da sanção externa não institucionalizada e a falta
de proporção entre violação e resposta, o grupo social institucionaliza a
sanção, regulando o comportamento das pessoas e a reação aos
comportamentos contrários, distinguindo-se da moral por ser externa, e
da social por ser institucionalizada, distinguindo-se, portanto, das
normas morais e sociais. Trata-se das normas cuja violação tem por
conseqüência uma resposta externa e institucionalizada. Bobbio define
norma jurídica como sendo “aquelas cuja execução é garantida por
uma sanção externa e institucionalizada”;
- Quando se fala em sanção institucionalizada, deverá ser entendida esta
três coisa ainda que ela nem sempre se encontram simultaneamente, as
quais tem por objetivo de reforçar ou aumentar a eficácia das regras
institucionais e das próprias instituições:
a) para toda violação de uma regra primária, é estabelecida a relativa
sanção (certeza da resposta);
b) é estabelecida, se bem que dentro de certos termos, a medida da sanção
(proporcionalidade);
c) são estabelecidas pessoas encarregadas de efetuar a execução
(imparcialidade);
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IV – Argumentos contrários:
- A seguir serão apresentados alguns argumentos que negam à sanção o
caráter de elemento constitutivo de um ordenamento jurídico, e
consideram, ao invés, a sanção como um elemento secundário, os quais são
refutados por Bobbio:
1. A adesão espontânea:
- Segundo argumento da adesão espontânea a sanção não é um elemento
constitutivo do direito, porque um ordenamento conta com a adesão
espontânea às suas regras, ou seja, uma obediência não por temor às
conseqüências desagradáveis de uma eventual violação, mas por
consenso, ou convenção, ou mero hábito que não pressupõem a sanção;
- Bobbio rebate este argumento, dizendo que ninguém desconhece o fato
da adesão espontânea, mas este fato não exclui um outro, e, portanto,
compõem-se com outras regras os meios para corrigir eventual falta de
adesão espontânea. Assim se eliminada a adesão espontânea, a regra
permanece violada, ou dever-se-á aplicar a sanção? A resposta é
afirmativa;
2. Normas sem sanção:
- Um outro argumento contrário é o que se funda na presença, em todo
ordenamento jurídico, de normas não garantidas por sanção. Bobbio diz
que existem, em todo ordenamento jurídico, normas que ninguém
saberia indicar qual é a conseqüência desagradável imputada em caso de
violação. Cita como exemplo, no direito privado, o art. 315/CCI: “O
filho, qualquer que seja sua idade, deve honrar e respeitar os
genitores”. No direito público, o art. 154 do antigo CPCI: “Os
magistrados, os secretário, os oficiais e agentes de policia são
obrigados a observar as normas estabelecidas neste Código, ainda
quando a inobservância não importe em nulidade ou em outra
sanção em particular”, neste artigo o legislador parte do pressuposto
de possam existir normas não sancionadoras;
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- Um argumento de Bobbio para os defensores desta corrente, é que uma
saída seria a de negar às normas não sancionadas o caráter de normas
jurídicas, o que para ele seria uma solução muito radical e
desnecessária, podendo ser resolvida de uma outra forma, ou seja,
observando-se que quando se fala em uma sanção organizada como
elemento constitutivo do direito, quer se referir não às normas
singulares, mas ao ordenamento normativo tornado no seu conjunto,
razão pela qual, dizer que a sanção organizada distingue o ordenamento
jurídico de outro tipo de ordenamento não implica que todas as normas
desse sistema sejam sancionadas, mas apenas que o seja a maior parte;
3. Ordenamento sem sanção:
- Outra corrente contraria é de que existem ordenamentos inteiros, que
mesmo denominados jurídicos, carecem completamente da
institucionalização da sanção, dando como exemplo o ordenamento
internacional;
- Refuta este argumento dizendo que a violação de uma norma
internacional por parte de um Estado constitui um ato ilícito, e a
conseqüência é a represália e, nos casos extremos, a guerra, como
resposta à violação, logo o ordenamento internacional é um
ordenamento jurídico com sanção regulada;
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BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica, Bauru, SP: EDIPRO, 2001, p. 145-170
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