UMA REVISÃO TEÓRICA ACERCA DO PENSAMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO 1930 – 1964 QUEIROZ. Indiane. Souza. Azevedo.1 GONÇALVES, Maria. Elizete.2 Resumo A partir da década de 30 do século passado, o debate ideológico econômico foi norteado pela concepção acerca do Desenvolvimento Econômico. Neste cenário, podem-se identificar três principais correntes, além do Pensamento Independente de Inácio Rangel A primeira consiste na corrente dos neoliberais sendo seu principal intelectual Eugênio Gudin. Adotava as concepções ortodoxas, defendendo a redução do Estado na Economia, bem como o equilíbrio monetário e financeiro e a omissão quanto às medidas de suporte ao projeto de industrialização, sendo frequentemente contrários. A corrente do pensamento socialista vinculava-se ao Partido Comunista Brasileiro – PCB e adotava um discurso referente a uma maior participação do estado na promoção das atividades econômicas e defendiam o “antifeudal” e “anti-imperialismo”, que são as duas forças herdadas pela história brasileira: o monopólio da terra e o imperialismo. Seu principal pensador foi Caio Prado Júnior. A corrente desenvolvimentista neste período formou o que na literatura é tido como primeiro ciclo desenvolvimentista. Essa corrente abordava que a indústria era o único meio para superação à pobreza e do subdesenvolvimento brasileiro e nesse contexto deveria existir um planejamento estatal para definir os instrumentos de promoção à expansão dos setores econômicos. Esse ciclo proporcionou a formação de três correntes desenvolvimentistas distintas, sendo estas a corrente desenvolvimentista do setor privado tendo como principal líder Roberto Simonsen, a corrente desenvolvimentista do setor público nacionalista, sendo Celso Furtado maior defensor e intelectual e a corrente desenvolvimentista do setor publico não nacionalista que tinha como expoente as ideologias de Roberto Campos. Em relação à Inácio Rangel, este foi um intelectual que elaborou a tese dualista, utilizando o materialismo histórico marxista e um arranjo de elementos das teorias econômicas de Smith e Keynes. Portanto, a partir de uma revisão bibliográfica, o presente artigo busca estudar e resgatar a ideologia do pensamento econômico durante os anos de 1930 a 1964 e identificar, ao longo de sua evolução, a inserção das questões relativas ao debate acerca do desenvolvimento econômico. Palavras-chaves: Desenvolvimento Desenvolvimentista, Inácio Rangel. Econômico, Neoliberal, Socialista, Graduando em Ciências Econômicas. Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes. E-mail: [email protected] 2 Professora do Departamento de Ciências Econômicas. Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes. E-mail: [email protected] 1 1 Introdução A compreensão das questões relacionadas à Economia Brasileira ao longo do século XX requer um estudo sobre as principais interpretações acerca do Desenvolvimento Econômico, que por definição, consiste fundamentalmente em um processo pelo qual há crescimento com transformação estrutural, condizente ao aumento da produtividade no trabalho e melhoria no bem estar, e ideologicamente por meio de uma combinação entre o estado e o mercado. Esse desenvolvimento por meio de uma combinação entre o estado e o mercado proporcionou a partir dos anos 30, o surgimento de uma corrente ideológica, que apesar de apresentar divergências entre seus defensores, tornou-se a principal política econômica brasileira até o início dos anos 80, o Desenvolvimentismo. Neste primeiro trabalho será uma breve abordagem das correntes do pensamento econômico no Brasil. É importante ressaltar que as definições utilizadas das correntes ideológicas foram baseadas nas definições do autor Ricardo Bielschowsky. Corrente Neoliberal A corrente Neoliberal, segundo Bielschowsky (2000), foi juntamente com a corrente desenvolvimentista nacional, a mais importante expressão do pensamento econômico brasileiro no período de 1930 a 1964. Seus pensadores adotavam três aspectos fundamentais. O primeiro consistia na redução da intervenção do Estado na economia; o segundo referia-se à continuidade das políticas em favor do equilíbrio monetário e financeiro e por fim, a omissão quanto às medidas de suporte ao projeto de industrialização, sendo frequentemente contrários. O principal núcleo de militância intelectual dos neoliberais foi a Fundação Getúlio Vargas – FGV, sendo Eugênio Gudin o mais importante economista conservador desse período. Sua base teórica encontra-se em seu livro-texto Princípios de Economia Monetária. Para compreendermos seu pensamento, podemos organizar suas ideias em cincos principais itens: desenvolvimento e industrialização; protecionismo e planejamento; controle e financiamento dos investimentos; questões monetárias e por fim, questões distributivas. Para Gudin, o principal instrumento de desenvolvimento é a livre movimentação das forças de mercado, se opondo, portanto, a boa parte das medidas de apoio governamental à indústria. Acreditava que o problema do Brasil quanto ao subdesenvolvimento estava na baixa produtividade, afirmando: “Indústria não é sinônimo de prosperidade, como agricultura não é sinônimo de pobreza (...) indústria ou agricultura de boa produtividade é que são sinônimos de prosperidade.” 1. Ele segue seu raciocínio, afirmando: “Exceto quando resulta de acontecimentos climáticos ou de fracassos de colheitas, o desemprego de forma alguma é usado nos sistemas econômicos 2 latino-americanos. As afirmativas a respeito do desemprego disfarçado na America Latina provem daqueles que confundem com “baixa produtividade” ou daqueles que desejam encontrar uma justificativa para a transferência ilimitada de mão de obra da agricultura para a indústria. O pior de tudo é que, muito frequentemente, a transferência se dá de uma agricultura de baixa produtividade para uma indústria de baixa produtividade, embora sejam possíveis salários melhores por que esta última é isolada da concorrência internacional através da proteção.” (GUDIN,1962, pág., 367-8)2 Quanto ao protecionismo, adotava o argumento da indústria infante, ignorando outros argumentos protecionistas. Já em relação ao planejamento, Gudin era fielmente contrário à ideia, abordando em seus textos uma série de ideários liberais, chegando a argumentar: “a marcha do progresso e do desenvolvimento dos países depende de fatores políticos, sociais e econômicos e não pode ser enquadrada na visão quantitativa dos economistas.”. Em relação ao controle e financiamento dos investimentos, Gudin abordava continuamente que os empreendimentos estatais eram ineficientes e denominou a hostilidade ao capital privado estrangeiro de “nacionalismo xenofóbico”. No âmbito das questões monetárias, principalmente a inflação, acreditava que era necessário combater a raiz desse problema, ou seja, os déficits públicos, através de contenções salariais e restrição creditícia. Foi chamado por muitos, principalmente os esquerdistas, de “monetarista”, dado que a política monetária que preconizava obstruiria, na visão deles, o desenvolvimento industrial. Já no âmbito das questões distributivas, Gudin pouco se pronunciou, restringindo-se apenas a momentos induzidos pelo calor do debate na sociedade brasileira. Para ele, as pressões sindicais e a intervenção estatal representavam um obstáculo à eficiência distributiva e alocativa garantida ao sistema econômico pelo mecanismo de mercado. Corrente Socialista O pensamento da corrente socialista estava associado ao Partido Comunista Brasileiro – PCB. Essa corrente partia da perspectiva de revolução brasileira, ou de transição para o socialismo, e sua discussão quanto ao processo revolucionário tinha como matriz teórica o materialismo histórico. Como aborda Bielschowsky (2000, p.182): “a concepção marxista de que a evolução histórica da humanidade se processa através de uma sucessão bem definida de modos de produção, e de que o movimento se dá através da luta de classes.” Os principais autores desta corrente eram Nelson Werneck Sodré, Jacob Gorender, Aristóteles Moura e Caio Prado Júnior como principal intelectual. Este era dedicado à divulgação da análise marxista no país. Os socialistas defendiam, portanto, a industrialização e a intervenção governamental, organizando seu pensamento socialista em função das táticas das lutas “antifedual” e “anti-imperialista”, ou seja, às duas forças herdadas pela história brasileira: o monopólio da terra e o imperialismo. 3 O pensamento socialista foi profundamente dependente da evolução do PCB, podendo-se identificar quatros fases nessa evolução. São elas: o período de 1945-48; o de 1948-54; outro de 1954-58; e por fim o período de 1958-64. No período de 1945-48, o PCB teve seu efêmero período da legalidade. O partido passou a editar alguns jornais, e chegou à publicação da História Econômica do Brasil, de Caio Prado Júnior, no qual, dado sua óptica marxista, abordou o contraste entre o desenvolvimento das forças produtivas brasileiras e o imperialismo. O curto período de legalidade do PCB impediu um amadurecimento do debate entre os socialistas. No segundo período, referente aos anos de 1948-54, o PCB praticou uma política sectária, influenciado por dois principais acontecimentos. O primeiro referente a cassação do seu registro e consecutivamente de seus parlamentares, e o segundo pela ascensão nas relações de políticas internacionais, acirrando-se as divergências entre a URSS e os Estados Unidos. Nesse período não houve publicações de grande relevância ao debate socialista, havendo uma participação na campanha do petróleo e a assinatura por parte de Carlos Prestes referente ao Manifesto de Agosto de 1950, no qual abordava três posições econômicas do cunho socialista: a entrega da terra a quem trabalha, o desenvolvimento independente da economia nacional e o imediato melhoramento das condições de vida das massas trabalhadoras. No terceiro período compreendido entre 1954-58, podemos determiná-lo como um período de reaproximação da vida política brasileira, visto que em 1956 houve uma “reconciliação” dada a tese “etapa democrática-burguesa”. Quanto ao debate intelectual, a principal inovação refere-se a inauguração da Revista Brasiliense. No último período, referente a 1958-64, o PCB lança a declaração de Março, um documento que o Partido legitima a tendência liberalizante. Com esse documento, a direção do PCB oficializava entre seus membros o engajamento na vida política na maior fase de avanço democrático de toda a história brasileira. Nessa análise, o PCB define da seguinte maneira a etapa revolucionaria brasileira: “A sociedade brasileira encerra também a contradição entre o proletariado e a burguesia, que se expressa nas várias formas de luta de classes entre operários e capitalistas. Mas esta contradição não exige uma solução radical na etapa atual. Nas condições presentes de nosso país, o desenvolvimento capitalista corresponde aos interesses do proletariado e de todo o povo. A revolução no Brasil, por conseguinte, não é ainda socialista, mas antiimperialista e antifeudal, nacional e democrática.” (Comitê Central do PCB, 1980, p 130) Segundo Bielschowsky (2000), foi nesse período também que os socialistas fizeram a mais intensa militância intelectual em toda a história brasileira. Os anos 60 se tornaram um período fértil em novas publicações socialistas, que resistiram ao golpe militar de 1964. Corrente Desenvolvimentista 4 Antes de abordarmos as três correntes desenvolvimentistas (setor privado, setor público nacionalista e não nacionalista), é importante entendermos a evolução dessa corrente ao longo do período compreendido entre 1930 a 1964. Bielschowsky (2004) define “desenvolvimentismo” como a ideologia de transformação da sociedade brasileira definida a partir do projeto de desenvolvimento econômico e social que compõe quatros pontos fundamentais: i. A industrialização integral é subdesenvolvimento brasileiro; via de superação à pobreza e do ii. Não há meios de alcançar uma industrialização eficiente e racional no Brasil através das forças espontâneas de mercado; por isso, é necessário que o Estado planeje; iii. O planejamento deve definir a expansão desejada dos setores econômicos e os instrumentos de promoção dessa expansão; iv. O Estado deve ordenar também a execução da expansão, captando e orientando recursos financeiros e promovendo investimentos diretos naqueles setores em que a iniciativa privada seja insuficiente. O pensamento desenvolvimentista proporcionou a formação de dois grandes ciclos ideológicos: o primeiro constituiu-se entre 1930 a 1964 e o segundo, entre 1964 a 1980. De forma sucinta, o primeiro ciclo organizou o debate sobre o nacional desenvolvimentismo, enquanto o segundo destacou-se pelo aprofundamento da internacionalização do processo de industrialização. Além desses ciclos, alguns pensadores, como Silva (2010) e Bresser-Pereira (2002) debatem atualmente um ressurgimento do desenvolvimento, chamado de neo-desenvolvimentismo, no período entre 2002 a 2010 compreendido pelo Governo do Presidente Luis Inácio Lula da Silva. Entre os ciclos ideológicos citados, será enfatizado apenas o primeiro, que abrange as políticas econômicas referente ao recorte histórico do trabalho. Dentro do primeiro ciclo, 1930-64, o pensamento desenvolvimentista pode ser dividido em três fases. A primeira, referente à origem do desenvolvimentismo, entre os anos de 1930-44; a segunda, fase de amadurecimento, no período de 1944-55; e a terceira e última, compreendida entre 1956-64, referente tanto ao auge quanto à crise do pensamento desenvolvimentista. No seu período de origem, dois principais fatores deram sustentação a seu surgimento: um vigoroso surto industrial e a formação de uma consciência desenvolvimentista. Neste período também foram criados seis órgãos de planejamento de alcance nacional, sendo eles: O Departamento Administrativo do Serviço Público – DASP, Conselho Federal de Comercio Exterior - CFCE, Conselho técnico de Economia e Finanças - CTEF, CME - Coordenação de Mobilização Econômica, CNPIC Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial e a CPE - Comissão de Planejamento Econômico. Em sua fase de amadurecimento, compreendida pelo período de 1944-55, a economia brasileira encontrava-se nos anos finais da guerra, em franca expansão econômica. As taxas anuais do PIB giravam em torno de 8%. O grande problema, se 5 assim podemos colocar, em relação ao pensamento desenvolvimentista, era que os principais temas econômicos mais debatidos (protecionismo, intervenção estatal, inflação, balanço de pagamentos), possuíam semelhanças em relação ao ponto de vista da ideologia liberal, além dos debates girarem em torno de uma concepção que o Brasil tinha uma “vocação agrária”. Neste contexto, o pensamento econômico também estava voltado às discussões sobre o pacto social. Neste momento, as lideranças empresariais começaram juntamente com membros do Congresso a apontar o Estado como guardião da “justiça social”. Passou-se assim o período de ressurgimento liberal no imediato pós-guerra e dessa forma, as ideias desenvolvimentistas foram amadurecendo. Dentre os fatores básicos para o fortalecimento da corrente temos uma insistente demanda por parte dos empresários no sentido de viabilizar a reposição do maquinário industrial, ou seja, uma política de “reaparelhamento econômico” e um momento mundial de planejamento, não só na Europa como um todo, mas em países subdesenvolvidos, como a Índia. O principal fator, no entanto, foi sem dúvida, a criação da CEPAL – Comissão Econômica para a America Latina. Este órgão das Nações Unidas declarou que estava ocorrendo um violento processo de transformação nas economias do continente, liderado pela indústria espontânea. Essa indústria dos países periféricos correspondia a um novo estágio no desenvolvimento da humanidade, sendo que a industrialização vinha ocorrendo de forma problemática, dado sua infinidade de dificuldades inerentes às estruturas econômicas pouco diversificadas. O último período deste ciclo desenvolvimentista correspondente ao momento de auge e crise. Seu auge ocorreu durante o governo de Juscelino Kubitschek, que logo após se empossar no cargo de Presidente lançou o Plano de Metas, maior instrumento de planejamento da história do Brasil. Neste período, o projeto de industrialização planejada já estava plenamente difundido no país, podendo-se afirmar que havia predomínio sobre a corrente neoliberal e a reflexão econômica tornava-se plenamente sobre o desenvolvimento do Brasil. Quanto à crise da corrente, podemos associá-la certamente às transformações que ocorreram no quadro político brasileiro que levaram, consecutivamente, a uma mudança na dinâmica da economia brasileira. Sintetizando seu quadro de crise, no âmbito econômico podemos destacar os problemas conjunturais de inflação, a crise no balanço de pagamentos e as “reformas de base”, em particular, a reforma agrária, além da crise monetária financeira de 1961-62 até a recessão de 1963. Já no âmbito político, a crise se acentuou dado a renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961, gerando forte oposição militar e a extinção do parlamento através do plebiscito nacional, por decisão da maioria dos eleitores. A mobilização e a participação popular ganharam profundidade jamais alcançada, bem como os movimentos sociais. Essas duas abordagens, além de outros fatores, como a reformulação analítica do pensamento da CEPAL, contribuíram para a crise do pensamento desenvolvimentista, 6 que só veio a retomar nos debates do pensamento econômico brasileiro em meados da década de 60. Corrente Desenvolvimentista do Setor Privado A corrente desenvolvimentista do setor privado assumia uma posição antiliberal e desenvolvimentista, sendo que, quanto ao nível de intervenção estatal que convinha a processo, bem como ao capital estrangeiro, não havia dentro da corrente um pensamento único e homogênico. Dentre seus principais intelectuais, podemos citar Euvaldo Lodi, Jorge Street, Morvan Figueiredo e seu principal expoente, Roberto Simonsen. Essa pequena parcela do empresariado brasileiro vivenciou a experiência pioneira de planejamento econômico. Simonsen dirigia-se a classe empresarial brasileira tentando convencê-la da importância do papel do Estado na promoção do planejamento. Em umas de suas principais obras, ele sentencia: “O Estado (...) pode estimular e amparar a produção, proteger o trabalho, determinar os rumos coordenadores e sãos para que esses fatores se processem num ambiente de harmonia, reduzindo ao mínimo os atritos criadores dos problemas sociais, nunca, porém, (...) agindo por descabidas intervenções no campo da produção, perturbando e cerceando iniciativas dignas de amparo, fazendo desaparecer os estímulos criadores do processo, quando o Estado ainda não se mostrou tecnicamente capaz de resolver problemas fundamentais de nossa nacionalidade, como os da educação e da valorização do nosso homem.”. ( Simonsen, 1934, pág. 43) Segundo Teixeira e Gentil (2010), seu pensamento desenvolveu-se através de alguns eixos estruturantes. O primeiro reside na ideia de que a industrialização era a forma de superar os graves problemas sociais do país. Em um de seus textos, ele afirma: “O índice de progresso da civilização é o constante aumento de toda sorte de produtos e serviços. Essa multiplicidade de produtos tem que ser criada pela indústria (...). A indústria de um país como o Brasil é indispensável para que ele possa atingir um estágio de alta civilização”3. O segundo eixo aborda a evolução da industrialização. Simonsen argumentava que estava em curso um processo de reestruturação profunda das economias latino americanas. Um exemplo é seu forte protesto contra o Plano Marshall4. O terceiro eixo visa à participação do Estado como fundamental para o sucesso do projeto de industrialização empreendido pelo país, dado que os mecanismos de mercado seriam insuficientes e, muitas vezes, nocivos aos objetivos pretendidos. Simonsen aborda com maior ênfase o protecionismo e o planejamento como principais instrumentos governamentais de apoio a indústria. O último eixo que Simonsen se referia consistia na opinião de que a intervenção estatal deveria ir além das formas indiretas de direcionamento, ou seja, de modo a incluir investimentos diretos nos setores básicos em que a iniciativa privada não se fizesse presente. 7 Em 1948, Simonsen veio a falecer. Seu pioneirismo foi um referencial importante para os intelectuais brasileiros que buscaram entender a importância do empresariado nacional no processo de desenvolvimento econômico. Sua maior contribuição foi, portanto, o legado ideológico deixado para o debate desenvolvimentista. O vazio teórico apontado por alguns historiadores, como Bielschowsky5, foi preenchido a partir da chegada da teoria Cepalina do Desenvolvimento. Vale ressaltar ainda que Simonsen deixou, após sua morte, dois importantes núcleos de reflexão desenvolvimentistas, o Conselho e o Departamento Econômico na CNI – Confederação Nacional das Indústrias, mantidos ativos até meados dos anos 50. Corrente Desenvolvimentista do Setor Publico – “Não Nacionalista” A corrente desenvolvimentista não nacionalista acreditava que a industrialização iria absorver o progresso técnico mundial e que o capital estrangeiro teria uma enorme participação nisso. Seus principais defensores, foram Horácio Lafer, Valentim Bouças, Ary Glycon de Paiva, Lucas Lopes e Roberto Campos. Apesar de defenderem o apoio do Estado à industrialização, preferiam soluções privadas nos casos em que havia disputa de investimentos de origem pública, e por temerem processos inflacionários, esses pensadores tinham traços liberais, com inclinações para políticas de estabilização monetária. O nascimento dessa corrente ocorreu na Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o desenvolvimento econômico – CMBEU, no ano de 1951, no âmbito do Ministério da Fazenda e integrada por técnicos brasileiros e norte-americanos no governo do então Presidente Eurico Gaspar Dutra. Esta comissão tinha como objetivo elaborar projetos de infraestrutura para algumas entidades a serem criadas no Brasil, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – BNDE. Segundo Silva (2010), os trabalhos da Comissão Mista e a criação do BNDE ajudaram a introduzir uma prática mais racional de gestão, planejamento e aplicação de recursos públicos em investimentos da grandeza requerida pelo país. Já Bielschowsky (2010) destaca o papel de Roberto Campos, enquanto principal nome da corrente, tendo maior atuação, tanto na carreira diplomática, política, quanto desempenhando o papel de economista no setor público. Bielschowsky destaca ainda que Campos foi o que mais se aproximou do projeto desenvolvimentista implementado no país ao longo da década de 50, como escreveu: “Observado retrospectivamente à luz do processo histórico efetivamente ocorrido no país, Campos destaca-se nos anos 50 como um pensador certeiro. Foi sem dúvida, o economista da nova ordem do Brasil, que passava da velha estrutura agrário-exportadora à nova estrutura de economia industrial internacionalizada. Campos apostou na industrialização pela via da internacionalização de capitais e do apoio do Estado – e ganhou. De todos os economistas brasileiros mais ativos, foi aquele cujo projeto desenvolvimentista esteve mais próximo da política de investimentos efetivamente realizada” (BIELSCHOWSKY, 2000, pág, 107) 8 A partir de sua visão cronológica, Bielschowsky distingue a obra de Campos6 em três principais fases. A primeira e principal fase compreende o período em que trabalhou na CMBEU e no BNDE, na qual o autor enfatiza as propostas de planejamento do desenvolvimento. Um exemplo norteador da filosofia de Campos consistiu no Plano de Metas, sob denominação de “planejamento seccional”, apesar do autor não ser totalmente contrário ao “planejamento integral” recomendado pela CEPAL. Campos dizia que o planejamento não deveria implicar em desestímulo á iniciativa privada, “a qual, na falta de uma burocracia esclarecida, apostólica e alerta, é elemento mais dinâmico para acelerar o desenvolvimento” 7. A segunda fase da obra de Roberto Campos passa pelo foco à critica da política monetária e cambial. Ele identificava a causa da inflação do país pelo excesso de demanda, viabilizada por déficits públicos, e por expansão de crédito anormal, provocada pela insuficiência da oferta, advinha muito mais da má gestão da política econômica pelo governo, do que da rigidez estrutural do país. Campos afirma ainda que havia insuficiência de capitais interno privado e o estatal, falta do domínio de técnicas mais avançadas e baixa capacidade de importar. Quanto a participação do Estado em investimentos, Campos preferia o capital estrangeiro, mesmo em áreas estratégicas, como o setor de energia elétrica. A terceira fase de sua obra consiste após sua demissão do BNDE. A partir desse momento Campos expressou-se com maior radicalismo suas críticas à política econômica do governo e às proposições nacionalistas da esquerda brasileira. Corrente Desenvolvimentista do Setor Público – Nacionalista A corrente desenvolvimentista nacionalista era composta por intelectuais, como Celso Furtado, Américo Barbosa de Oliveira e Rômulo de Almeida. Esses economistas tiveram o seu grande encontro em uma reunião de fundação do Clube dos Economistas. Deste encontro saiu a Revista econômica brasileira, que veio a se tornar posteriormente, o principal veículo de difusão das ideias Cepalinas no Brasil. Segundo Silva (2010), os economistas desenvolvimentistas nacionais defendiam, assim como os demais grupos desenvolvimentistas, a constituição de um capitalismo industrial moderno no Brasil, mas tinham como principal traço distintivo uma clara inclinação para o aumento da intervenção do Estado na economia, através de políticas de apoio à industrialização dentro de um sistema de planejamento abrangente, que incluía investimentos públicos em setores básicos. Esses pensadores pautavam seus trabalhos pela ideologia da industrialização planejada como solução histórica para o atraso da economia e da sociedade brasileira. Silva (2010) destaca que além da profunda intervenção do Estado na economia, citada acima, a defesa da subordinação da política monetária às políticas de desenvolvimento econômico e a defesa de medidas econômicas de cunho social. Isso ocorre dado que para esses autores, sejam em suas produções intelectuais ou ações políticas, se mostravam preocupados com as condições de emprego, pobreza e atraso cultural da população, apesar deste aspecto ter ganhado menos importância e tratar-se 9 de um traço menos marcante em relação aos demais. Bielschowsky (2000, p.131) deixa claro que a “fé” na industrialização como via de superação da miséria, era uma visão otimista e ingênua destes nacionalistas. Celso Furtado tornou-se o maior representante dessa corrente, dado que seu trabalho possibilitou a compreensão da problemática do subdesenvolvimento do país, fornecendo aos demais nacionalistas o instrumento teórico necessário para combater as análises e propostas de políticas das correntes adversárias, principalmente a neoliberal. Bielschowsky (2004) aborda três das principais características que Furtado apresenta em sua obra, que singularizam o pensamento econômico da corrente nacionalista desenvolvimentista. Na primeira, está a defesa, enquanto líder do Estado, da promoção do desenvolvimento através do planejamento abrangente da economia e dos investimentos em setores estratégicos. O cerne da questão de Furtado estava na ideia de que somente com a coordenação estatal seria possível internacionalizar os centros de decisão sobre os rumos da economia brasileira e com isso romper com a submissão das economias periféricas às economias centrais. Como segunda característica, Furtado baseia-se na tese estruturalista de submissão das políticas monetária e cambial à política de desenvolvimento. Por fim, a terceira característica refere-se aos compromissos com as reformas de cunho social. Esse tema ganhou espaço a partir da tributação progressiva, passando pela questão das desigualdades regionais e culminando com apoio à reforma agrária. No que se refere aos estruturalistas, Mollo–Fonseca (2005.p 6) destaca a frase de Prebisch8, em que ele define o desenvolvimentismo: “Significa um esforço deliberado de atuar sobre as forças da economia a fim de acelerar seu crescimento, não pelo crescimento mesmo, mas como meio de conseguir um melhoramento persistente da renda nos grupos sociais de renda inferiores e médias e sua participação progressiva na distribuição de renda global.” (...) “está intimamente ligado ao curso das exportações”, cujo ritmo, “impõe limites ao desenvolvimento espontâneo da economia”. Tratase, portanto de um problema estrutural, em que requer não apenas políticas anticíclicas do estado, mas ações persistentes e de longo prazo (PREBISCH,1961, pág. 35) As concepções de Celso Furtado eram expressões de um diálogo que ocorria nas esferas nacional e internacional. É valido ressaltar, que além de estruturalista, Furtado era keynesiano, como aborda Silva (2010), definindo que a presença do keynesianismo apresentava-se principalmente a uma derivação de análise macroeconômica, tendo o mercado interno como um elemento fundamental para a dinamização da produção e renda e a questão do planejamento. Feito a abordagem das principais características dos desenvolvimentistas do setor público, cabe uma síntese entre as principais diferenças existentes nas ideologias desta corrente: a nacionalista de Celso Furtado e a não nacionalista de Roberto Campos. Bielschowsky (2000) aborda para a existência de quatro principais diferenças: A primeira consistia no processo de alocação dos recursos no Brasil. Para os nacionalistas, o processo decisório tinha que ficar nas mãos de agentes nacionais, fossem eles estatais 10 ou não; já para os não nacionalistas, a sede de decisão poderia estar na Europa ou Estados, por exemplo. A segunda refere-se à ideia de uma possível harmonia entre as políticas desenvolvimentistas e anti-inflacionárias. Os economistas nacionalistas não consideravam a inflação um impedimento para a implantação de políticas desenvolvimentistas, ao contrário dos não nacionalistas, que preferiam maior austeridade monetária e fiscal. A terceira aborda aos ganhos obtidos pelo desenvolvimento. Os nacionalistas queriam a distribuição de renda. Essa preocupação não apareceu nos textos dos autores não nacionalistas. A quarta e última característica consiste do modelo de planejamento, em que este seria setorial ou integral. O modelo setorial defendido pelos não nacionalistas se sobressaiu em relação ao integral defendido pelos nacionalistas. O primeiro ciclo desenvolvimentista encerrou-se no início dos anos 60, com uma crise instalada no país, dada a forte instabilidade política, agravada pela renúncia de Jânio Quadros, e a mobilização em torno de reformas sociais. O pensamento desenvolvimentismo nesta fase passou por um processo de amadurecimento, ou seja, adequação aos novos tempos em que consistiu em ajustes e reformas. Esses ajustes somente foram possíveis, através de três principais questionamentos. O primeiro em relação a sua sustentação macroeconômica, o segundo na sua composição de capitais que o sustentava e o terceiro na questão social, principalmente na reforma agrária e na distribuição de renda. O pensamento de Inácio Rangel Segundo Bielschowsky (2000), Inácio Rangel foi o mais criativo e original analista do desenvolvimento econômico brasileiro. Militante intelectual em vários órgãos do país, como o Clube dos Economistas, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB. Divergiu em seus trabalhos de todas as correntes existentes, construindo um quadro analítico original, teorizando sobre o desenvolvimento econômico brasileiro. Sua teoria do desenvolvimento foi uma adaptação do materialismo histórico marxista e um arranjo de elementos das teorias econômicas de Smith, Keynes e Marx. O elemento chave do autor foi a Tese da Dualidade, redigida em 1953 e publicada em 1957 em Dualidade básica da economia brasileira. Na tese da dualidade, subdivide o conceito marxista de “relações de produção” em “relações internas” e “relações externas”. Com tal subdivisão, Rangel diz que a história do país se dá numa sequência de pares de modo de produção simultâneos. Dessa forma, Bielschowsky (2000) destaca dois aspectos básicos em relação ao dualismo. O primeiro em que a dinâmica da história brasileira distingue-se dos casos clássicos, por que os processos sociais, econômicos e políticos não decorrem apenas da interação do desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção internas ao país, mas também da evolução das relações que o país mantém com as economias centrais e, portanto, as “relações externas” são determinantes do desenvolvimento das forças produtivas internas e das relações de produção internas. O segundo aspecto 11 decorre da forma como os modos de produção vão se sucedendo e compondo, a cada etapa, um novo par. A dualidade para Rangel, portanto, é a lei fundamental da economia brasileira, abordando: “A economia brasileira se rege basicamente, em todos os níveis, por duas ordens de leis tendenciais, que imperam respectivamente no campo das relações internas de produção e no das relações externas de produção.” “Essas duas formações econômicas básicas – cada uma por suas leis próprias, formuladas com precisão maior ou menor pela ciência econômica universal – não se limita a coexistir. Pressionam continuamente uma sobre a outra, estão em permanente conflito. No caso do latifúndio, por exemplo, o mercado capitalista pressiona constantemente para modificar as relações vigentes no interior do instituto, ao mesmo tempo em que a presença, nesse mercado, de uma produção e de fatores de produção (inclusive homens) oriundos do latifúndio modifica a sua fisionomia. Assistimos, assim, em nossos dias, à generalização do salariato na vida interna do latifúndio e também a certa desvinculação do caráter do salariato fora do latifúndio, graças aos homens por eles expelidos.” (Rangel, 1957, pág.32)9 Essa tese da dualidade consistiu na base analítica do posicionamento de Rangel que se posicionou também em relação a outras questões, como a reforma agrária, estatização do comércio exterior e planejamento, inflação e a formação do Sistema Financeiro Nacional. Em síntese, Inácio Rangel define o desenvolvimento com a formação do capitalismo de Estado, que representa na luta pela transição ao socialismo, um trunfo para os trabalhadores, que na fase da dualidade, participam do novo pacto de poder com os capitalistas. Considerações Finais A intenção deste artigo foi realizar um registro da concepção inicial do desenvolvimento brasileiro a partir do pensamento econômico nos anos de 1930 a 1964. Neste período tivemos grandes contribuições que até nos dias atuais, debatem as questões da promoção do desenvolvimento econômico. Dentre elas podemos citar a criação da Comissão Econômica para a America Latina – CEPAL em 1944, período pós-segunda guerra mundial. Considera-se que em uma abordagem crítica, dentre as vertentes estudadas, sem dúvida foi a corrente desenvolvimentista a de maior importância no período, estabelecendo as ideologias que proporcionam um desenvolvimento econômico obtido no período. Notas 1 APUD. Bielschowsky (2000). 2 APUD Bielschowsky (2000) 12 3 Simonsen, 1973, p. 288 4 O plano Marshall foi concebido pelo secretário de Estado Americano, George Marshall em 1947. Este, consistia em uma política de estabilização dos países da parte Ocidental da Europa e tinha como principal objetivo a expansão do comércio internacional, a garantia da estabilidade financeira interna, o desenvolvimento da cooperação econômica europeia além de uma ampliação da margem de manobra dos Estados Unidos, que se via reduzida dentro das instituições de Bretton Woods. O Plano Marshall, de forma mais específica, previa a concessão de empréstimos a juros baixos aos governos europeus, para que adquirissem mercadorias dos Estados Unidos. Os países que aceitavam o Plano deveriam, em contrapartida, abrir suas economias aos investimentos estadunidenses. Simon (2011. pag. 33 e 34). Bielschowsky (2000. p 83) afirmou: “No nível analítico (...) seu pensamento ainda se situa num vazio teórico”. 5 6 Dado o período que suas obras foram identificadas, em alguma medida, com o desenvolvimentismo, a maior parte da obra de Roberto Campos consiste em artigos, ensaios e conferências, em geral publicados pelo diário “Correio da Manhã” e pelo periódico “Digesto Econômico”. 7 (Campos, 1953) 8 Raul Prebisch foi um economista argentino, sendo o mais destacado intelectual da Comissão Econômica para America Latina e Caribe, tendo iniciado a linha estruturalista do pensamento econômico. 9 APUD.Bresser-Pereira & RÊGO 1993. Referências BIELSCHOWSKY. Ricardo. O desenvolvimentismo: do pós-guerra até meados dos anos 1960. _____________- Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. 5. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000. _____________- MUSSI.Carlos. O pensamento desenvolvimentista no Brasil: 19301964 e anotações sobre 1964-2005. 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