Desenvolvimento e reforma do Estado JOSEF BARAT* Só se pode avaliar a importância de um estadista levando em conta, em perspectiva histórica, o momento e as razões das decisões tomadas. A propósito das recentes tentativas de "desconstrução" do mito JK, a análise deste personagem que descortinou para os brasileiros novos horizontes deve trazer à memória as forças sociais em conflito, as necessidades de mudanças e os obstáculos a elas interpostos. Portador daquela chama mágica que impulsiona os grandes visionários, JK mudou, sobretudo a escala do pensamento brasileiro. O que não foi pouca coisa. A ele devemos a propagação da palavra "desenvolvimento", que hoje volta à cena. JK surgiu no bojo de um processo: a complexa transição para a industrialização e a ampliação do mercado interno após a 2ª Guerra Mundial. Uma profunda redefinição do papel do Estado fez com que este deixasse de ter a função de espectador e árbitro de conflitos que tinha numa economia exportadora de produtos primários. Tornou-se, gradualmente, o ator principal da cena econômica, como motor do desenvolvimento por meio de uma atuação intervencionista. Novos modelos organizacionais e funcionais das instituições públicas deram agilidade às decisões e propiciaram respostas mais rápidas das políticas de governo. Passou-se a ter a visão clara das deficiências na infra-estrutura de transportes, energia e comunicações como obstáculos ao desenvolvimento. Autarquias e empresas públicas, como executoras de investimentos e operadoras de serviços, sucederam às empresas concessionárias privadas que não acompanharam o crescimento da demanda. Mecanismos de financiamento de longo prazo baseados na vinculação de tributos setoriais relacionados ao consumo de serviços permitiram dar continuidade à expansão e à manutenção das infra-estruturas. Nos anos 50, a economia brasileira acelerou seu crescimento em razão da industrialização baseada na substituição de importações. O fechamento crescente da economia, iniciado nos anos 30 como decorrência da crise internacional, foi mantido e a produção industrial foi estimulada por meio das reservas de mercado e proteções aos produtos nacionais na forma de tarifas alfandegárias e legislações de proteção ao similar nacional. Surgiram grandes unidades de produção para atendimento de um mercado nacional ampliado e, em conseqüência, vieram as etapas mais avançadas no processo de industrialização. O surto de industrialização deve ser analisado, portanto, à luz de um conjunto complexo de fatores políticos, institucionais e econômicos. A vitória da tese da industrialização nos importantes segmentos da elite dirigente do País - políticos, militares, empresários e lideranças sindicais e estudantis - permitiu o apoio às iniciativas-chave no setor industrial e nas infra-estruturas. Havia a consciência crescente quanto à inviabilidade do desenvolvimento acelerado e à vulnerabilidade da economia nacional se mantida sua condição de exportadora de uma gama restrita de produtos primários. Os que se opuseram a essa concepção foram relegados ao esquecimento, não sem conflitos e crises recorrentes. JK soube interpretar o momento histórico e agir no sentido de levar adiante a industrialização. No entanto,após cem anos de crescimento continuado, a economia brasileira sofre uma prolongada estagnação de mais de duas décadas. Na verdade, a crise de crescimento expôs o esgotamento do ciclo de substituição de importações e reservas de mercado, bem como do Estado desenvolvimentista. A abertura econômica e a crise fiscal apontaram para a premente necessidade de reformar o Estado. Não se criaram, porém, sólidas alternativas econômicas, institucionais e políticas ao quadro recessivo, como as ocorridas na transição do ciclo exportador de matérias-primas. Não houve tese que mobilizasse e empolgasse políticos, militares, empresários e lideranças sindicais e estudantis para uma transformação da economia e a abertura de novas perspectivas para o País. A palavra "desenvolvimento" foi substituída pela "estabilização", sem dúvida necessária diante do caos inflacionário, mas insuficiente para atender a nossas necessidades em termos de infra-estrutura econômica e social. Com a derrocada do Estado desenvolvimentista, sucedeu-lhe um Estado assistencialista hipertrofiado e ineficaz. Vinte e cinco anos de estagnação econômica e mediocridade política não propiciaram o surgimento de um estadista do porte de JK. ____________________________________________________________ *Josef Barat, consultor, é membro do Conselho de Economia e Política da Federação do Comércio do Estado de São Paulo. Este texto foi publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, caderno Economia & Negócios, no dia 11 de fevereiro de 2006.