O PROCESSO, A JURISDIÇÃO E A AÇÃO SOB A ÓTICA DE ELIO FAZZALARI Flaviane de Magalhães Barros Pellegrini Já faz uma década que entre nós foi publicada a obra do Professor Aroldo Plínio Gonçalves e, desde então, um número crescente de autores passou a estudar, no Brasil, os fundamentos da teoria do processo como procedimento em contraditório. Essa teoria teve seu início com a obra de Elio Fazzalari, que a partir da reconstrução do conceito de processo e de procedimento, modificou toda a estrutura do processo, ideária desde os pandectas, baseada no direito de ação e no processo entendido como relação jurídica. O que se pretende neste pequeno ensaio é explicitar as formulações de Elio Fazzalari, a partir da noção de processo como procedimento em contraditório, unindo-a com os conhecimentos que foram agregados a ela nesta última década no Brasil, utilizando para tanto as reflexões do professor Aroldo Plínio, bem como de outros autores que vêm estudando a referida teoria, formando uma nova Escola de processo, que se distingue da Escola paulista, formulada a partir das influências de Enrico Tulio Liebman e dos ensinamentos de Giuseppe Chiovenda. 1- A inserção do processo no ordenamento jurídico 1.1- O conceito de norma Precede ao estudo do processo a formulação do conceito de norma. Fazzalari estabelece, no plano lógico-formal, o seguinte conceito de norma: a norma consiste em um cânone de valoração de uma conduta. Estabelece a descrição de um comportamento e seus elementos e requisitos e o qualifica de lícito e devido. Já a conduta ilícita é estabelecida pelo comportamento contrário ao estabelecido na norma. (Cf. FAZZALARI, 1992: 45.) Doutora e Mestre em Direito Processual pela PUC-Minas. Professora do Programa de Pósgraduação em Direito e do Curso de Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professora da Universidade de Itaúna. Parece-nos importante salientar esta noção de ilicitude, construída pelo autor, pois a ilicitude não se busca pela leitura da norma; não está, portanto, contida na norma em sua abstração, ela assume a forma de um comportamento valorado frente à situação concreta. “ “Illecito” è la qualifica che puó collegarsi non all’astratta condotta contemplata dalla norma, ma a quelle concretamente tenuta da un soggetto, e difforme dal modelo di condotta “doverosa”.” ( FAZZALARI, 1992, p 46) Como assevera Aroldo Plínio: (...) enquanto Kelsen concentrou o estudo da juridicidade no ilícito, Fazzalari trabalha exatamente em linha contrária. O ilícito para ele não é o cânone de conduta. A conduta é valorada pelo lícito, e o ordenamento jurídico é o complexo de normas, de faculdades, de poderes, de deveres, o complexo de licitudes. O ilícito nele comparece, mas como a conduta que consiste na inobservância do dever. Mesmo quando trabalha a norma penal, Fazzalari demonstra que o cânone de conduta em relação à norma que define, por exemplo, o homicídio, é o não matar, e a norma penal tem, para ele, o caráter de norma processual, porque se dirige ao poder jurisdicional.”(GONÇALVES, 1992, p.155) Portanto, o ilícito não faz parte, não integra a estrutura do procedimento, e do processo por conseqüência.( Cf. GONÇALVES, 1992:107) A norma, como cânone de valoração, contém, além da descrição de um comportamento, de seus elementos e requisitos, a indicação do pressuposto em presença do qual o comportamento previsto é submetido à valoração jurídica. O autor denomina este pressuposto de “fattispecie”, que pode ser um fato ou um ato, por exemplo, um incêndio, que desencadeia a obrigação do ressarcimento. Em alguns casos, a norma geral estabelecida pelo Estado, como por exemplo, a norma que determina aos pais o dever de educar os filhos, pode comportar diversas situações singulares, susceptíveis de um número indefinido de repetições, todas entendidas como comportamentos qualificados a partir da norma em abstrato, como a disposição de um pai que estabelece um horário para seu filho chegar à noite em casa. A norma se comporta de diversas formas. Dentre as quais, como cânone de valoração, como ato jurídico, ou como posição jurídica subjetiva. Na interpretação de Aroldo Plínio: A norma jurídica, do ponto de vista de sua estrutura lógica, é contemplada não apenas como “cânone de valoração de uma conduta”, isto é, como regra vinculante e exclusiva que expressa os valores da sociedade, mas também em relação à conduta por ela descrita, a que se liga a valoração normativa. Sendo o ato sinônimo de conduta (que tem no comportamento o seu conteúdo), dessa valoração resulta a qualificação do ato jurídico como lícito (o uso do próprio bem), ou como devido. A posição do sujeito em relação à norma permite falar em posição subjetiva, ou posição jurídica subjetiva, e qualificar a conduta como faculdade ou poder, se é valorada como lícita, e como dever, se é valorada como devida. (GONÇALVES, 1992, p. 106) A norma pode ser vista destes três ângulos. A posição jurídica subjetiva é uma das interfaces da norma, que precede ao cânone de valoração e antecede ao ato jurídico, fazendo uma ponte entre eles. Assim, antes que um sujeito pratique um ato jurídico, evidencia-se a posição jurídica, que pode ser uma faculdade, um dever ou um direito. Pode ser considerada pela sua abstração, quando não estabelece um sujeito real para sua aplicação, ou pela sua concretude, quando prevê um sujeito determinado. (Cf. FAZZALARI, 1992, p.49.) São consideradas posições subjetivas primárias: a faculdade, o poder e o dever. De modo que a partir da norma se perquire uma posição subjetiva, que pode ser uma faculdade, um poder ou um dever, que assegura ao sujeito uma posição de vantagem, que é um direito subjetivo, uma posição fundamental de segundo grau. (Cf. FAZZALARI, 1992, p. 51) Para o autor, o direito subjetivo é uma posição de vantagem que um sujeito possui frente a um bem, descrito na norma jurídica. Como ressalta Aroldo Plínio, o conceito de direito subjetivo é extraído a partir da posição do sujeito em relação ao comportamento determinado pela norma. (GONÇALVES, 1992, p.106) Desta posição subjetiva do sujeito frente a um determinado bem, prevista pela norma, surge um dever para os demais sujeitos – considerados terceiros em relação ao bem. Este dever pode ser relativo, como o dever de pagar a prestação decorrente de um direito de crédito, ou um dever de caráter absoluto, como o dever de abstenção frente a um direito absoluto. 1.2- A estrutura do procedimento Após essa digressão inicial à Teoria das Formas, o autor inicia o estudo da estrutura do procedimento, que é uma das formas possíveis, pois é uma seqüência de normas, atos e posições subjetivas. Na compreensão do autor, o procedimento evidencia-se quando há previsão de uma seqüência de normas, em que uma norma valora uma conduta como lícita ou devida, e esta conduta qualificada é pressuposto para qualificação da conduta prevista na norma precedente. Em outras palavras, o procedimento é uma seqüência de normas, atos e posições subjetivas, que se encadearão até a realização do ato final, na qual a norma precedente – que estabelece uma conduta valorada como lícita ou devida – é pressuposto para realização da conseqüente. A primeira norma e a conduta dela decorrente ligam-se à segunda como um pressuposto ou como sua fattispecie. ( Cf. FAZZALARI, 1992, p. 59) Nas palavras autor: (...) procedimento se coglie quando ci si trova de fronti ad una serie di norme ciascuna delle quali regola una determinata condotta (qualficandola come lecita o doverosa), ma enuncia come presupposto della propria incidenza el compimento di un’attività regolata da altra norma della serie, e così via fino a la norma regolatrice de un atto finale. ( FAZZALARI, 1992, p. 60) A esse conceito de procedimento, o autor agrega o conceito de processo, que se distingue pelo critério lógico de inclusão – como justifica Aroldo Plínio (Cf.GONÇALVES, 1992, p. 67,68) –, pois o processo é uma das espécies de procedimento, que se distingue pelo tratamento dispensado aos partícipes que sofrerão os efeitos do ato final, que devem participar do procedimento em posição de simétrica paridade, ou seja, em contraditório. Se, poi, el procedimento è regolato in modo che ci particepino anche coloro nelle cui sfera giuridica l’atto finale è destinato svolgere effetti (talché l’autore di esso debba tener conto della loro attività), e se tale participazione è consegnata in modo che i contrapposti “interessatti” (quelli che aspirano alla emanazione dell’atto finale – “interessati” in senso stretto – e quelle che vogliono evitarla – “controinteressati”-,siano sul piano de simetrica parità; allora il procedimento compreende il contraddittorio, si fa più articolato e complesso, e dal genus procedimento è consentito enucleare la species processo. (FAZZALARI, 1992: 60) Como ressalta Aroldo Plínio Gonçalves, Bülow e seus sucessores realizaram a separação entre os conceitos de processo e procedimento, eis que anteriormente se absorvia o processo no procedimento, como simples seqüência de atos, e construiu uma distinção baseada no critério teleológico. Por este critério, o processo se distingue por seu fim, pois é o instrumento pelo qual a jurisdição é operada e o procedimento se torna a simples sucessão lógica de atos, desvestido de qualquer finalidade. Assim, a reação que se iniciou com Bülow destituiu o procedimento de qualquer fim e o absorveu no processo, realizando o caminho inverso do antes criticado por eles. Contudo, não se pode negar ao procedimento sua finalidade. Foi sob esse espectro histórico que Fazzalari, excluindo o critério teleológico, buscou em um critério lógico de inclusão, definir o que seja processo e o que seja procedimento. Nas palavras do mestre mineiro: Pelo critério lógico, as características do procedimento e do processo não devem ser investigadas em razão de elementos finalísticos, mas devem ser buscadas dentro do próprio sistema jurídico que os disciplina. E o sistema normativo revela que, antes que distinção, há entre eles uma relação de inclusão, porque o processo é uma espécie do gênero procedimento, e, se pode ser dele separado é por uma diferença específica, uma propriedade que possui e que o torna, então, distinto, na mesma escala em que pode haver distinção entre gênero e espécie. A diferença específica entre o procedimento em geral, que pode ou não se desenvolver como processo, e o procedimento que é processo, é a presença neste do elemento que o especifica: o contraditório. O processo é um procedimento, mas não qualquer procedimento; é o procedimento de que participam aqueles que são interessados no ato final, de caráter imperativo, por ele preparado, mas não apenas participam; participam de uma forma especial, em contraditório entre eles, porque seus interesses em relação ao ato final são opostos.(GONÇALVES, 1992, p. 68) Fazzalari (1992, p. 77,78) analisa o procedimento, e o define com a seguinte estrutura: a) série de normas através da qual se regulamenta a produção do ato final, que, normalmente, se trata de um provimento, ou mero ato. Cada norma regula uma determinada conduta (qualificada como lícita ou devida), mas enuncia-se como pressuposto para a execução de uma conduta regulada por outra norma; b) o procedimento apresenta-se como uma seqüência de atos, previstos e valorados pela norma; c) o procedimento compõe-se de uma série de faculdades, poderes e deveres: quantos e quais, são as posições subjetivas, que se obtêm pela norma em questão. O procedimento pode ser definido como uma série ou seqüência de normas, atos e posições subjetivas, que se conectam e inter-relacionam em um complexo normativo, constituindo a fase preparatória de um provimento, visto como ato final de caráter imperativo. 1 1.3- A estrutura do processo e o contraditório E o processo, como adiantamos há pouco, é uma espécie do gênero procedimento, que possui o contraditório como elemento definidor de sua estrutura. O processo, como procedimento em contraditório, exige que os interessados e os contra-interessados – entendidos como os sujeitos do processo que suportarão o resultado favorável ou desfavorável do provimento – participem em simétrica paridade do iter procedimental, para a formação do provimento. “Tale struttura consiste nela partecipazione dei destinatari degli effetti dell’atto finale alla fase preparatoria del medesimo; nella simmetrica parità delle loro posizioni” ( FAZZALARI, 1992, p. 82), na fundamentação do autor. Em sendo o contraditório o elemento definidor do processo, que o distingue do procedimento, é necessário analisar a sua estrutura. Anteriormente, o contraditório era visto como a simples participação dos 1 Ou, nas palavras de Aroldo Plínio Gonçalves: “o procedimento , como atividade preparatória do provimento, possui sua específica estrutura constituída da seqüência de normas, atos e posições subjetivas, em uma determinada conexão, em que o cumprimento de uma norma da seqüência é pressuposto da incidência de outra norma e da validade do ato nela previsto” (GONÇALVES, 1992, p.112) interessados no processo. Mas, como ressalta Fazzalari, a participação é exigida não só do autor ou do réu; participam do processo, como sujeitos processuais: o juiz, os seus auxiliares, o Ministério Público, os peritos e também os autores e os réus. Sob este enfoque, todos são partes. Para se definir quem serão os contraditores, ou seja, quem participará do processo em contraditório, é necessário verificar quais sujeitos serão afetados pelo ato final, quais serão os sujeitos destinatários do provimento. Estes, que suportarão os resultados favoráveis ou desfavoráveis do provimento, é que serão os participantes em contraditório e que possuem legitimidade para agir, como adiante veremos. Nas palavras de Fazzalari: “L’essenza stessa del contraddittorio esige che vi partecipano almeno due soggetti, un “interessati” e un “controinteressato”: sull’uno dei quali l’atto finale è destinato a svolgere effetti favorevoli e sull’altro effetti pregiudizievoli.” (FAZZALARI, 1992: 85) Mas o contraditório entre os interessados e os contra-interessados não pode ser entendido como mera participação destes sujeitos no processo, mas a participação em simétrica paridade. É esta participação em simétrica paridade que define o contraditório, nesta nova concepção. 1.4- Plano de trabalho Parece-nos importante, neste momento, ressaltar o quanto o estudo dessa nova estrutura de procedimento e processo interfere em conceitos há muito arraigados na ciência do Direito Processual. Pois, a partir da adoção da noção de processo como procedimento realizado em contraditório, o conceito de jurisdição, o conceito de direito de ação e o de direito subjetivo, em conseqüência, e mesmo a noção de processo como relação jurídica, têm que ser repensados, a fim de excluirmos aqueles incompatíveis com a nova concepção de processo, ou a fim de adequarmos os demais à nova concepção. Para procedermos a tal releitura, optamos por fazê-la através de uma análise comparativa. Utilizaremos os ensinamentos de dois grandes mestres italianos, Giuseppe Chiovenda e Enrico Tulio Liebman, tendo em vista a grande influência dos ensinamentos destes autores na Escola de Processo brasileira. Desse modo, trataremos, no próximo capítulo, da noção de processo como relação jurídica e como situação jurídica, e dos reflexos frente à teoria do processo como procedimento em contraditório. Posteriormente, estudaremos o conceito de jurisdição, atribuído pelos relacionistas, e as modificações inseridas pela teoria do processo como procedimento em contraditório; e por fim, os reflexos frente à teoria do direito de ação. 2- Processo: relação jurídica, situação jurídica ou procedimento em contraditório. Como revela o título acima, a teoria do processo como procedimento em contraditório não se harmoniza com a noção de processo como relação jurídica. Senão, vejamos primeiramente as formulações a respeito do processo como relação jurídica, propostas por Chiovenda e Liebman. O estudo de Chiovenda sobre o processo inicia-se com a demonstração de alguns conceitos imprescindíveis, como o de direito subjetivo. Para o autor, o direito objetivo é a lei, em sentido lato, ou seja, “a manifestação da vontade coletiva geral”. (CHIOVENDA, A, p. 3) . Em conseqüência, o autor assim define o direito subjetivo: Fundado-se, com efeito, na vontade da lei, o sujeito jurídico pode aspirar à consecução ou à conservação daqueles bens, inclusive por via de coação. Constitui tal aspiração o denominado – direito subjetivo, que se pode, portanto, assim definir: a expectativa de um bem da vida garantida pela vontade da lei. (...) a idéia do direito subjetivo, verificamos que se resolve numa vontade concreta da lei. (CHIOVENDA, A , p. 3) De modo que o autor compreende o direito subjetivo como a vontade concreta da lei, dirigida a um bem da vida, que surge para aquele que reclama a atuação da lei. Assim, se duas pessoas realizam um contrato de compra e venda, a primeira forma de atuação da vontade concreta da lei é o cumprimento da obrigação – a prestação. Se esta não se efetiva, ela será substituída pela atuação da vontade concreta da lei, que é o objeto do processo.(Cf. CHIOVENDA, A , p. 4, 37,50) O autor, que sempre foi um crítico da doutrina que reduzia o processo à reação do direito material lesado (Cf.CHIOVENDA, 1903), entende ser o processo uma unidade, que contém uma relação jurídica. Definido, assim, o processo: “o processo civil é o complexo dos atos ordenados ao objetivo da atuação da vontade da lei ( com respeito a um bem que se pretende garantido por eles), por parte dos órgão da jurisdição ordinária.” ( CHIOVENDA, A , p. 37) Assim, antes de o juiz se pronunciar a favor ou contra o pedido do autor, ele passa por um “estado de pendência”, no qual são dados às partes diversos direitos e deveres, para que possam fazer valer o seu direito. (Cf. CHIOVENDA, A , p.56) O autor analisa a relação jurídica processual como uma relação de direito público, autônoma e complexa. É uma relação de direito público, pois o processo realiza uma função pública e suas normas reguladoras são de direito público. O processo é uma relação jurídica autônoma, pois mesmo não se evidenciando, ao final, no pronunciamento do juiz, a vontade concreta da lei, referente ao pedido do autor – direito de ação – , a relação processual existiu. Assim, diz o autor: “uma coisa é, pois, a ação, outra a relação processual; aquela compete à parte que tem razão, essa é fonte de direito para todas as partes.” ( CHIOVENDA, A , p. 57) E, por fim, a relação jurídica é complexa, pois no seu interior se vislumbra um conjunto de direitos e deveres em número indefinido, que se conectam em virtude do objetivo comum, que corresponde à unidade da relação jurídica. É importante confrontar o pensamento supra do autor com algumas de suas fundamentações iniciais, concernentes a dois conceitos: o de direito subjetivo, como atuação concreta da lei, e o de relação jurídica, a partir da distinção entre estes dois conceitos. Diz o autor: Se alguém pretende um bem da vida aduzindo como fundamento uma vontade concreta da lei, que em realidade, não subsiste, forma-se, então, uma vontade concreta da lei em virtude da qual essa pretensão deve receber-se, declarar-se e tratar-se como destituída de fundamento, o que eqüivale a dizer que se forma uma vontade concreta negativa da lei. Ora, o processo civil, que se encaminha por demanda de uma parte (autor) em frente a outra parte (réu), serve justamente, (...) , não mais a tornar concreta a vontade da lei, pois essa vontade já se formou como vontade concreta anteriormente ao processo, mas a certificar qual seja a vontade concreta da lei e efetivá-la, quer dizer, traduzi-la em ato: ou a vontade da lei afirmada pelo autor, a qual, se existente, é efetivada com o recebimento da demanda, ou em caso contrário a vontade negativa da lei, efetivada pela recusa. (CHIOVENDA, A , p. 05) O autor ainda ressalta que a relação jurídica é a fonte de um direito subjetivo, sendo a relação jurídica uma relação entre homens, regulada pela vontade da lei. Mas, sugere o autor: O conceito de relação jurídica é mais amplo do que o de direito subjetivo, não tanto porque exprima, além da posição daquele que goza de um direito, aquela de quem lhe está submetido, quando porque normalmente a relação jurídica não se exaure num único direito subjetivo de uma parte e na correspondente sujeição da outra parte: normalmente a relação jurídica é complexa, ou seja, compreende mais de um direito subjetivo de uma parte em referência a outra. (CHIOVENDA, A , p. 05) Sintetizando, Chiovenda analisa o direito subjetivo como preexistente ao processo, mas que será declarado no processo, através da adoção ou rejeição da demanda. Apesar de se referir posteriormente, como já citamos, ao caráter abstrato da relação jurídica processual, ele a vincula à realização positiva ou negativa do resultado útil do processo, de seu objeto. Ao mesmo tempo, ele compreende a relação jurídica como um complexo de direitos subjetivos das partes nela inseridas. Interessa-nos, deste momento, salientar a inexistência, nas Instituições de Chiovenda, de referência ao procedimento, na passagem em que o autor estuda o processo e a relação processual. Essa situação é justificável pela própria evolução da ciência do direito processual. Como Chiovenda era contrário à inserção do processo na relação de direito material, que dava valor apenas ao procedimento, o referido autor, para defender a autonomia do processo e da ciência processual, exclui, por sua falta de importância frente ao instituto do processo, o procedimento. Passaremos, agora, ao estudo das formulações de Enrico Tulio Liebman, que define processo da seguinte forma: A atividade mediante a qual se desempenha em concreto a função jurisdicional chama-se processo. Essa função não se cumpre, em verdade, a um só tempo e com um só ato, mas através de uma série coordenada de atos que se sucedem no tempo e que tendem à formação de um ato final.( LIEBMAN, 1985, p. 33) Como leciona o autor, o ato final do processo é de competência do órgão jurisdicional, mas o processo se desenvolve com a participação não só do juiz, mas das partes, autor e réu, sendo que o ato que dá início ao processo cabe ao particular, ao autor. Entre o ato inicial e o final “desenvolve-se uma atividade intermediária, mais ou menos complexa, destinada a tornar possível justamente a prolação do ato final.” (LIEBMAN, 1985, p.34) O autor compreende o procedimento como um conjunto de atos que se sucedem no processo e que se dispõem como uma unidade formal, que é o procedimento, (Cf. LIEBMAN, 1985, p. 39) diferindo das formulações de Chiovenda, que não se preocupava com a noção de procedimento. Como ressalta Aroldo Plínio Gonçalves, Liebman reabilitou o conceito de procedimento, já que considera o processo uma entidade complexa, integrada pela relação jurídica e pelo procedimento.(Cf. GONÇALVES, 1992, p. 05) Pois, para o autor, a tessitura jurídica interna do processo revela-se a partir de diversas posições subjetivas definíveis como autoridade, direitos subjetivos, sujeições e ônus, e dirigidas a um sujeito específico, como ao juiz, que, após a iniciativa das partes, se vê investido em sua função jurisdicional. De forma que as posições subjetivas formam uma unidade, que é a relação jurídica processual, que se distingue da relação jurídica litigiosa, que é o conteúdo do processo. (Cf. LIEBMAN, 1985, p. 41) 2.2. Crítica ao processo como relação jurídica Como se nota, apesar da distância temporal que se guarda entre os ensinamentos de Chiovenda e Liebman, ambos sustentam que o processo é uma relação jurídica. Como fundamenta Liebman : (...) deve ser realçado que a pendência do processo determina a existência de toda uma série de posições e de relações recíprocas entre os seus sujeitos, as quais são reguladas juridicamente e forma, no seu conjunto, uma relação jurídica, a relação jurídica processual. (LIEBMAN, 1985: 40) Essa noção de relação jurídica foi definitivamente inserida na ciência processual no século XIX. Após a teoria da relação jurídica, poucos foram os autores que formularam novas proposições a respeito da natureza do processo como relação jurídica. Essa teoria se apóia no conceito civilístico de relação jurídica, não podendo ser dissociada do conceito de direito subjetivo, compreendido como o poder de alguém exigir de outrem a realização de uma conduta. Como ressalta Aroldo Plínio, o conceito de relação jurídica foi construído com base na idéia de “que é ela (a relação jurídica) um enlace normativo entre duas pessoas, das quais uma pode exigir da outra o cumprimento de um dever jurídico.” (GONÇALVES, 1992, p. 74) Foi a partir da obra clássica de Oscar von Bülow, Dos pressupostos processuais e das exceções dilatórias, que se iniciou o estudo deste enlace normativo no processo. Assim, como analisou Helio Tornaghi, autores, como Kohler, descreviam a relação jurídica como uma relação linear, formada pelo autor e o réu, e de natureza privada. Essa teoria foi amplamente criticada, haja vista que o processo surgiu como instrumento para se evitar a vingança privada e que, no processo, o juiz possui, sim, interesse, não se tratando exclusivamente de uma relação entre autor e réu, pois esta é a relação de direito material. (Cf. TORNAGHI, 1987, p. 8) Outros autores defendiam a natureza angular da relação jurídica, como Planck e Helwig, ou seja, o processo é formado a partir de uma relação jurídica em cujo vértice se encontra o juiz e em cada uma das extremidades do ângulo se colocam o autor e o réu. (cf. ARAUJO, 1999, p. 53-59). Por fim, alguns autores, como Wach e Degenkolb, que defendiam que a relação jurídica era triangular, e em cada vértice se encontravam, respectivamente, o juiz, o autor e o réu. Mas todas essas teorias padecem do mesmo problema, pois como estruturam o processo como relação jurídica, é necessário verificar como se dá o enlace normativo entre os sujeitos da relação jurídica. Portanto, todas essas teorias se apóiam na compreensão civilista da teoria da relação jurídica, que se liga ao conceito de direito subjetivo e baseada na autonomia da vontade. Assim, a relação jurídica sempre estará ligada à relação entre dois sujeitos, compreendida como vínculo entre dois sujeitos, no qual um pode exigir do outro que realize uma conduta, ou, na formulação inversa, vínculo no qual um sujeito deve uma prestação negativa ou positiva, que o outro pode exigir. Como se depreende, a relação jurídica é um vínculo de sujeição ou supra-ordenação, no qual um sujeito tem poder sobre a conduta do outro. Se analisarmos esse conceito de direito subjetivo, ele não pode ser aplicado ao processo, pois onde está o vínculo de sujeição entre a conduta do autor frente ao réu, ou mesmo do réu frente ao juiz e deste frente ao autor? Como demonstra Aroldo Plínio: A se admitir o processo como relação jurídica, na acepção tradicional do termo, ter-se-ia que admitir, conseqüentemente, que ele é um vínculo constituído entre sujeitos em que um pode exigir do outro uma determinada prestação, ou seja, uma conduta determinada. Seria o mesmo que se conceber que há direito de um dos sujeitos processuais sobre a conduta do outro, que perante o primeiro é obrigado, na condição de sujeito passivo, a uma determinada prestação, ou que há direitos das partes sobre a conduta do juiz, que, então, compareceria como sujeito passivo de prestações, ou, ainda, que há direitos do juiz sobre a conduta das partes, que então, seriam sujeitos passivos da prestação. (GONÇALVES, 1992, p. 97) O que Fazzalari propõe é justamente deixar de lado esse conceito de direito subjetivo, entendido como o poder de um sujeito sobre a conduta de outro sujeito, adotando a noção de direito subjetivo como posição de vantagem em relação a um bem estabelecido pela norma jurídica, como já ressaltado no item 1 deste trabalho. 2.3- A teoria do processo como situação jurídica A teoria do processo como situação jurídica, estruturada a partir do pensamento de Bonnecase, Roubier e Goldschmidt, tem importante valor na formulação da crítica à teoria da relação jurídica. A base dessa crítica funda-se no conceito de direito subjetivo, como já salientado no item anterior, compreendido como o poder sobre a conduta de outrem. Ressalta James Goldschmidt que o direito subjetivo se relaciona a um imperativo, um poder de um sujeito sobre a conduta de outrem, que possui um dever conexo. Pero no existe derecho subjetivo al cual no corresponda um deber, porque derechos subjetivos únicamente pueden imaginarse a base de un imperativo.(...) en realidad, desde el punto de vista de la teoría de los imperativos, Derecho subjetivo no es lo que se prohibe o lo que se permite; tampoco es, sólo, el reflejo de un imperativo, sino más bien, el poder de hacer eficaces, en interés propio,(...) En la naturaleza de las normas como imperativos estriban los dos conceptos jurídicos fundamentales: le deber e el derecho. Aquéles la sujección a un imperativo, éste el poder sobre un imperativo. (GOLDSCHMIDT, 1936 A, p. 44,45) Assim, o conceito de imperativo e de relação jurídica, por conseqüência, pertence ao direito privado, compreendendo a face estática do direito. Ao passo que o direito processual compreende a sua face dinâmica, na qual não existem relações jurídicas – entre juiz e as partes (teoria angular), ou entre juiz, demandante e demandado (teoria triangular), ou entre demandante e demandado exclusivamente (teoria linear) – (Cf. GOLDSCHMIDT, 1936B, p. 7), mas sim, situações jurídicas, compreendidas como expectativas, possibilidades e ônus. Nas palavras do autor da teoria das situações jurídicas: Los vínculos jurídicos que nacen de aquí entre las partes no son propriamente “relaciones jurídicas” (consideración “estática” del Derecho) esto es, no son facultades ni deberes en sentido de poderes sobre imperativos o mandatos, sino “situaciones jurídicas” (consideración dinámica del derechos), es decir, situaciones de expectativas, esperanzas de la conduta judical futura; en una palabra; expectativas, possibilidades e cargas. Sólo aquéllas son derechos en sentido procesal – el mismo derecho a la tutela jurídica ( acción procesal) no es, desde este punto de vista, más que una expectativa jurídicamente fundada –, y las últimas – las cargas –, “imperativos del proprio interés”, ocupan en el processo el lugar de las obligaciones ( GOLDSCHMIDT, 1936B, p. 8) Podemos destacar como pontos importantes dessa teoria, primeiramente, a desmistificação dos conceitos de direito subjetivo e de relação jurídica. Em segundo lugar, merece destaque a estrutura proposta pelo situacionista, ou seja, expectativas, possibilidades e ônus. Como ressalta Aroldo Plínio: O direito que decorre da norma passou a ser visto não mais como poder sobre outrem, mas uma posição de vantagem de um sujeito em relação a um bem”, posição que não se funda em relação de vontades dominantes e vontades subjugadas, mas na existência de uma situação jurídica , em que se pode considerar a posição subjetiva, a posição do sujeito em relação à norma que a disciplina.(GONÇALVES, 1992: 93) Assim, essa “posição subjetiva” pode ser considerada como uma faculdade, um poder, um dever ou um ônus. A conceituação da situação jurídica como uma posição subjetiva, como faculdades, poderes, deveres e ônus, foi de grande relevância para a ciência processual. Até mesmo os relacionistas exaltam a formulação de Goldschmidt dos conceitos de ônus e sujeição. (Cf. CINTRA, GRINOVER & DINAMARCO, 1998: 280) Contudo, não se pode unir o conceito de posição subjetiva, considerada como uma situação jurídica decorrente de uma posição de vantagem de um sujeito em relação ao bem, com o conceito de relação jurídica, compreendido como posição de supra-ordenação de um sujeito frente a outro sujeito. Como fundamenta Aroldo Plínio: Há ainda que se registrar problemas que surgem quando se explica a natureza do processo pela eclética mistura de dois quadros conceituais diferentes. Posições subjetivas são faculdades, poderes e deveres que decorrem de uma situação jurídica. Subordinação e subjugação são conceitos que se situam no quadro da relação jurídica. (...) Faculdade, poderes e deveres, na situação jurídica, são qualificado de condutas valoradas como lícitas, faculdade e poderes como possibilidade juridicamente asseguradas, e deveres, como a conduta a ser cumprida. O ato gerado por uma vontade implícita (faculdade), ato gerado por uma vontade declarada (poder) e o ato de cumprimento da norma (dever) são manifestações exteriorizadas do comportamento dos sujeitos, ou seja, conteúdo de condutas.(GONÇALVES, 1993: 100) Essa estrutura de posições subjetivas foi posteriormente reelaborada por Fazzalari. Pois a posição do sujeito frente à norma – compreendida como cânone de valoração – pode ser definida como “posição jurídica subjetiva, e qualificar a conduta como faculdade ou poder, se é valorada como lícita, e como dever, se é valorada como devida.” (GONÇALVES, 1992: 106) O conceito de posição subjetiva, compreendido como poderes, faculdades, deveres e ônus, é importante para a definição dos conceitos de situação legitimante e situação legitimada, importantes para superar o conceito de direito de ação de estrutura pandectista e, portanto, estes conceitos serão retomados em item posterior, relativo ao direito de ação. 3- Jurisdição A compreensão da ciência processual está estruturada com base em três grandes pilares, como já ressaltamos: ação, jurisdição e processo. Claro que o conceito de jurisdição possui contornos de Teoria Geral do Estado, pois o Estado moderno divide a atuação estatal em três grandes grupos. Assim, a jurisdição se caracteriza pela aplicação da lei ao caso concreto. Na Concepção de Liebman, a atividade jurisdicional baseia-se na atividade do juiz de “julgar”, ou seja, “valorar um fato do passado como justo ou injusto, como lícito ou ilícito, segundo critério de julgamento fornecido pelo direito vigente, enunciando a regra jurídica concreta destinada a valer como disciplina do caso (fattispecie)” (LIEBMAN, 1985, p. 4) Ressalta o autor que as duas mais importantes definições dadas a Jurisdição são da lavra de Chiovenda e de Carnelutti. “A primeira delas – de Giuseppe Chiovenda – define a jurisdição como a atuação da vontade concreta da lei mediante substituição da atividade alheia pela de órgãos públicos, seja afirmando a existência da vontade da lei, seja tornando-a efetiva na prática.” (LIEBMAN, 1985, p. 6) Esta definição busca a justificação na função substitutiva da jurisdição, pois o Estado, ao proibir a justiça pelas próprias mãos, teve que incumbir um órgão – no caso moderno, um órgão público –, da aplicação da vontade concreta da lei ao caso concreto, quando os particulares não conseguem aplicá-la sem a intervenção estatal. Já a definição de Carnelutti, diz o autor: “prefere ver na jurisdição a justa composição da lide, entendendo por lide qualquer conflito de interesses regulado pelo direito e por justa a composição feita nos termos deste.” (LIEBMAN, 1985, p. 6) Carnelutti trabalha com a noção de solução de conflito como ponto convergente da Jurisdição. Liebman entende que estes dois conceitos – de Chiovenda e de Carnelutti –, na atualidade, se complementam. Desta forma seu conceito acerca da jurisdição é o seguinte: (...) podemos considerar a jurisdição como a atividade dos órgãos públicos do estado, destinada a formular e atuar praticamente a regra jurídica concreta que, segundo o direito vigente, disciplina determinada situação jurídica.(LIEBMAN, 1985, p. 6) Dentre os conceitos oferecidos, até então se denota a vinculação do conceito de jurisdição exclusivamente à atividade do juiz de aplicar a lei. De modo que a atividade jurisdicional fica a cargo do juiz. Como se este fosse um super juiz. Essa crítica é melhor compreendida quando se analisa o conceito de Fazzalari. Ademais, é a partir do conceito de jurisdição de Liebman, que seu principal discípulo no Brasil, Cândido Rangel Dinamarco, construiu a doutrina da instrumentalidade, na qual a jurisdição é instrumento para a pacificação social, e o processo possui escopos metajurídicos, sociais, políticos e jurídicos. (Cf. DINAMARCO,1993) Fazzalari, ao analisar a atividade jurisdicional, diz: questa atività de ricognizione dei pressuposti del provedimento giurisdicionale, cioè l’atività attraverso la quale el giudice verifica che ricorrano, nel caso concreto, le circonstanzaa in presenza delle quali scatta la norma che gl’impone di emanare il provimento, à lunga, faticosa, costosa; ad essa partecipano non soltanto el giudiche, ma anche suoi ausiliaree, soprattutto, i soggetti nela cui sfera giuridica l’emananda misura giurisdicionale è destinata ad incidere, in contradittorio fra loro.(FAZZALARI, 1992, p. 100) Desta feita a jurisdição não se limita à realização da lei pelo juiz. A jurisdição tem seu principal fundamento na estrutura procedimental que se segue até o provimento jurisdicional, e esta estrutura é caracterizada pelo contraditório, pela participação em simétrica paridade dos afetados pelo provimento. Como fundamenta Fazzalari: pertanto, lo studio della giurisdicione ( e così de quella civile) deve far perno sul processo. Il processo à la sola struttura nella quale, e in virtù dellla quale, i vari aspetti di quell’atività fondamentale possono essere coerenziati ed ordinati: (FAZZALARI, 1992, p.101) Portanto, a estrutura jurisdicional se realiza baseada na existência do processo. A partir do monopólio da jurisdição pelo Estado, que possui caráter imperativo, e da estrutura jurisdicional, que se caracteriza pela função substitutiva, a jurisdição se realiza porque as partes que serão afetadas pelo jurisdicional atuam no processo em contraditório, a fim de se chegar a um provimento final. 4- O direito de ação e sua evolução nas teorias processualistas A formulação do conceito de ação é constituída de grandes debates e de diversas teorias. Inicia-se com as teorias imanentistas, que inseriam a ação como parte imanente do direito material. Como se refere Rosemiro Leal: “Assim, para essa escola, o direito material (bem da vida jurídica) era imanente à ação para exercê-lo, o que queria dizer que ação e direito surgiam de modo geminado, não sendo possível separá-los.” (LEAL, 2001, p. 122) Antes de adentramos em nossa proposta de trabalho, que se inicia pelo estudo da teoria de Chiovenda, passando pelas formulações propostas por Liebman, para, por fim, agregarmos o pensamento de Fazzalari, mister se faz revermos a história do direito de ação até então. Assim começamos pela teoria imanentista, que, atualmente, tendo em vista a própria autonomia da ciência processual, foi francamente rejeitada, já que fundada na teoria privatista. A publicização do conceito de ação erigiu-se mediante a célebre controvérsia entre Windscheid e Muther. Antes, como revela Chiovenda, “encarava-se a ação como um elemento do próprio direito deduzido em juízo, como um poder, inerente ao direito mesmo, de reagir contra a violação. ( ...)”. (CHIOVENDA, B , p. 21) Windscheid formula o conceito de anspruch, que corresponde a pretensão ou razão, e está direcionado ao particular a quem o detentor da pretensão exercerá o seu direito de exigir a prestação. ( Cf. CHIOVENDA, B, p. 22) Muther, principal crítico de Windscheid, definia dois elementos para a ação, fazendo frente à noção proposta por este que relacionava a actio ao direito dirigido ao obrigado. Já que aquele identificava dois elementos para a ação, um de direito privado e um segundo, dirigido ao Estado, entendido como o direito à tutela jurídica. Como esclarece Aroldo Plínio: Na Alemanha, adotavam-se duas terminologias para a tutela dos direitos subjetivos, a actio (que rememorava o direito de o particular pedir ao magistrado a fórmula em que a proteção estava condensada, e esse direito formulário era a actio) e a Klage, ou Klagerecht – o direito de demanda, de querela, de queixa. A actio, que Windscheid quis substituir por pretensão (anspruch) significava o direito de exigir de alguém uma ação ou omissão.(GONÇALVES, 1992, p. 135) Assim, a controvérsia dos referidos autores trouxe grande ganho, pois o direito de ação foi dissociado do direito material e passou a ter um caráter público, como denota Rosemiro Leal : “(...) significando, nessa escola, a ação como direito à jurisdição e ao procedimento, que seriam de caráter público, porque devidos pelo Estado, e autônomo, porque desvinculado de outro direito que lhe pudesse retirar a ampla liberdade do respectivo exercício.” ( LEAL, 2001, p. 122) Mas a controvérsia em torno do direito de ação produz novas teorias, como a de Wach, que entende a ação como o direito a uma sentença favorável, ou seja, a ação como direito público e concreto, ou como a de Degenkolb e Plosz, que defendem o caráter abstrato da ação, dissociando-o do resultado favorável ou desfavorável. Chiovenda analisa essas duas novas tendências, aproximando-se de Wach, e criticando os teóricos do abstrativismo: Se a doutrina de Wach contém um grande fundo de verdade, ao por em evidência a autonomia da ação, devem-se, não obstante, reconhecer como exagero inaceitável dessa idéia de autonomia da ação aquelas teorias que, de um ou outro modo, revertem ao conceito do denominado direito abstrato de agir, conjecturado como simples possibilidade jurídica de agir em juízo, independentemente de um êxito favorável.( CHIOVENDA, A , p. 23) Chiovenda repudia essas teorias, e justifica o erro de Wach em virtude do incipiente desenvolvimento da teoria do direito potestativo, com a qual construiu o autor italiano a teoria da ação como direito potestativo. Para a referida teoria, é necessário esclarecer o conceito de direito potestativo. Distingue o autor duas grandes categorias de direito: “direitos tendentes a um bem da vida a conseguir (direito a uma prestação) e direitos tendentes à modificação do estado jurídico existentes (direitos potestativos)”. São exemplos de direitos potestativos: a denúnica de um contrato, o poder de revogar uma doação ou um mandato. O direito potestativo é aquele pelo qual, através da manifestação de vontade de alguém, surge um novo estado jurídico, ou se faz cessar o existente. Contudo, essa modificação dispensa a atuação da vontade de outrem, isto é, daquele que será atingido pelo ato. Nas palavras de seu defensor: Em muitos casos, a lei concede a alguém o poder de influir, com sua manifestação de vontade, sobre a condição jurídica de outro, sem concurso da vontade deste: a) ou fazendo cessar um direito ou um estado jurídico existente; b) ou produzindo um novo direito, ou estado ou efeito jurídico.(...) Esses poderes se exercitam e atuam mediante simples declaração de vontade, mas, em alguns casos, com a necessária intervenção do juiz (sentença constitutiva ) (...) (CHIOVENDA, A, p.15) Chiovenda parte, portanto, do conceito de direito potestativo, e formula o conceito de ação em conexão à lesão. Assim, na compreensão do autor, a ação é um direito que pode fluir da lesão de um direito. Assim, a vontade concreta da lei pode ser satisfeita pelo cumprimento da obrigação pelo devedor, ou pelo processo. ( Cf. CHIOVENDA, A , p. 20,21) Assim, a atuação concreta da lei no processo se funda no direito de ação, para o autor, sob a seguinte argumentação: Observei que, se em verdade a coação é inerente à idéia do direito; se em verdade a vontade concreta da lei, quando o devedor deixa de satisfazê-la com sua prestação, tende à sua atuação por outra via, e que, mesmo, em numerosíssimos casos, há vontades concretas de lei cuja atuação só se concebe por obra dos órgãos públicos no processo; todavia, normalmente, esses órgãos só a pedido de uma parte podem prover a atuação (nemo iudex sine actore), de modo que, normalmente, a atuação da lei depende de uma condição, a saber, da manifestação de vontade de um indivíduo; e diz-se que esse indivíduo tem ação, querendo dizer-se que tem o poder jurídico de provocar, com seu pedido, a atuação da vontade da lei.(CHIOVENDA, A , p. 21) A teoria de Chiovenda entende a ação como o direito de provocar a atividade do órgão jurisdicional contra o adversário. Esse direito de ação é autônomo, e não se vincula à existência de um direito subjetivo, como se refere o autor: a independência e a autonomia da ação se tornam mais evidentes nos casos em que a ação tende a um bem impossível de conseguir-se por obrigação, mas que só se pode conseguir no processo; ou em que tende a um bem sem que exista, ou sem que se saiba se existe algum direito subjetivo atribuível àquele que dispõe da ação”. (CHIOVENDA, A, p. 27) O autor defende a autonomia do direito de ação, mas não defende a idéia de sua abstração, até porque, para ele, somente tem ação quem tem razão. Portanto, trata-se de um autor concretista, que vincula o direito de ação ao resultado favorável do processo. O autor sofreu muitas críticas, principalmente, por relacionar-se com o caráter concreto da ação. Como analisa Rosemiro Leal: Chiovenda exibia, como assinala o insigne Ovídio Baptista da Silva, característica de “direito concreto atual, existente antes do processo e precisamente como uma potestade? jurídica para obter, contra o adversário, um resultado favorável no processo. Em tendo a ação, do ponto de vista chiovendiano, o sentido de direito de movimentar a jurisdição por um querer que o Estado não poderia impedir, entende-se que, por esse ângulo, se lidas as constituições do Estado moderno, estaria Chiovenda plenamente justificado em antever na ação um direito incondicionado à jurisdição, o que o afastaria de Wach, se não fora o caráter privatístico de um vínculo de sujeição, imposto pelo autor ao réu, que Chiovenda imaginava existir antes mesmo de se instaurar o procedimento. (LEAL, 2001, p. 123) Creio que o entendimento do autor italiano não se adequa ao paradigma do Estado Democrático de Direito e à noção do processo como procedimento em contraditório, pois o direito potestativo seria o poder do autor de submeter o réu ao processo, sem que esta sujeição seja objeto de manifestação de vontade. Não é somente em razão de o poder de sujeição se relacionar com uma relação jurídica de natureza privada, que tem-se por inadequada a teoria chiovendiana. A sujeição – como poder de modificar uma situação jurídica –, sem a intervenção do sujeito que poderá suportar os ônus desta modificação, não se compreende na noção de contraditório, na qual o processo se constrói com a participação em simétrica paridade dos sujeitos que suportarão o provimento. Pois, se o processo, como garantia constitucional (bem como o princípio da ampla defesa), se estrutura com a participação do autor e do réu, em simétrica paridade, não pode se conciliar com um poder baseado na atuação exclusiva de uma das partes. Passaremos, agora, a analisar a doutrina do direito de ação erigida por Enrico Tulio Liebman. O autor inicia seu estudo da ação a partir do princípio da iniciativa das partes, haja vista que a jurisdição é inerte e não permite ao juiz iniciar o processo, seja porque não é possível ao órgão jurisdicional conhecer de todas as lesões a direitos, seja em virtude da garantia da imparcialidade e da neutralidade do juiz frente à situação material que será objeto de decisão. A iniciativa da parte, isto é, do autor, de iniciar a ação, pode ser analisada como direito, ou como ônus. Nas palavras de Liebman: Essa iniciativa, pois, que se exerce propondo a ação em juízo pela forma adequada, representa para a parte antes de tudo um ônus, ou seja, ato necessário para que aquele que espera obter a proteção do seu direito dê início a um procedimento.(...) Mas a iniciativa do processo é, ao mesmo tempo, também um direito da parte, ou seja, o direito de provocar o exercício da jurisdição com referência a uma situação jurídica em que ele é interessado, visando a obter do juiz a proteção de um interesse próprio que se afirma insatisfeito. (LIEBMAN, 1985, p.146) Liebman sustenta a existência de um direito subjetivo, processual por excelência, que denomina direito de agir em juízo, que é garantido pela norma constitucional (art. 24 da Constituição da italiana). Assim, preleciona: “(...) a satisfação desses direitos, especialmente a satisfação coativa, depende da vontade dos titulares, isto é, da sua livre determinação; eis por que lhes é reconhecido esse exclusivo poder (...)” ( LIEBMAN, 1985, p. 147) O autor compreendia a ação como o direito a um julgamento de mérito. (Cf. LIEBMAN, 1985, p. 151) Cabe ressaltar a diferença entre a teoria do direito de ação do autor, que se diferenciava da doutrina mais aceita até então, que entendia a ação como direito abstrato, e não concreto. Pois, como sustenta o autor: só tem direito à tutela jurisdicional aquele que tem razão, não quem ostenta um direito inexistente. Mas a única maneira de assegurar a quem tem razão a possibilidade de impor seu reconhecimento em juízo consiste em permitir que todos tragam os seus pedidos aos tribunais, aos quais incumbirá a tarefa de examiná-los e de acolhêlos ou rejeitá-los, conforme sejam procedentes ou improcedentes. (LIEBMAN, 1985: 147) Apesar de a ação ser um direito subjetivo processual, esta, para Liebman, difere do direito subjetivo substancial, pois a ação se dirige ao Estado, ao órgão jurisdicional, e o direito subjetivo substancial relaciona-se com o direito material, com a obrigação que decorre da lesão de um direito. O (?) ponto da teoria de Liebman de grande relevância para a doutrina brasileira, como justificam os autores CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, é “o destaque às condições da ação, colocadas como verdadeiro ponto de contato entre a ação e a situação de direito material” (CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 1997, p. 251), pois, para Liebman, a iniciativa da parte se individualiza, no caso concreto, na pessoa que pode agir em juízo (o que se define como legitimidade de agir), e na tutela de um interesse que se encontra ameaçado e necessita do processo para que seja protegido (o que se denomina interesse de agir). Mas a teoria de Liebman recebeu críticas, principalmente, em razão da relação que o autor estabelece entre o direito de ação e o resultado final do processo, como ressalva Rosemiro Leal : “que a vinculou a uma pretensão de direito material, retornando ao imanentismo da corrente de Savigny, deixando mesmo de reconhecer no direito-de-ação qualquer implicação constitucional de direito incondicionado de movimentar a jurisdição.” ( LEAL, 2001, p. 123) Dinamarco, nas notas inseridas na edição brasileira do Manual de direito processual civil, de Liebman, defende a filiação do autor italiano à corrente dos abstratistas, pois sua teoria se funda na ação como direito ao provimento de mérito. Nas palavras de Dinamarco: são abstratistas todas as teorias para as quais a ação se considere existente ainda que inexistente o direito subjetivo material afirmado.(...) O que afasta nosso Mestre dos abstratistas mais extremados é a distinção, que ele faz, entre a ação como garantia constitucional (esta sim condicionada) e a ação como instituto disciplinado a nível de direito processual civil.(LIEBMAN, 1985: 153) Gostaríamos de analisar a compreensão que Aroldo Plínio dá à obra de Liebman: A existência da ação, em Liebman, tem como requisitos duas condições: o interesse de agir e a legitimação e esses requisitos são dados na norma processual. O fato de que Liebman haja admitido que o provimento pode não ser favorável à pretensão do autor não é significativo, pois lesão e ameaça a direitos se provam no processo(...) Significativa, na verdade, é cisão feita por Liebman entre “direito de agir em juízo” e “direito de ação” delineado no art. 24 da Constituição italiana, tendo sua existência caracterizada na norma infra-constitucional em relação à situação jurídica concreta: a ação separada do poder de agir, o corte entre o genérico poder de agir como garantia constitucional e o direito de ação , a ação como direito ao processo e ao julgamento do mérito.(GONÇALVES, 1992, p.139) Contudo, todas as teorias a respeito da ação foram erigidas inserindo-a como um dos três grandes pilares da ciência processual, quais sejam: ação, jurisdição e processo. Todas elas foram construídas a partir da noção de processo como relação jurídica, estruturadas a partir do conceito de direito subjetivo, entendido como o poder de exigir uma conduta de outrem, ou seja, um vínculo de sujeição. De modo que, ao estruturar a teoria do processo como procedimento em contraditório, Fazzalari propõe uma nova formulação para o direito de ação. O autor repudia tanto a formulação chiovendiana de ação como direito potestativo substancial e seu caráter concreto ou ainda, as daqueles que, refutando a teoria de Chiovenda, sustentam ser o direito de ação de caráter processual e abstrato, mas limitando-o ao direito de demandar a tutela jurisdicional, como simples proposizione della domanda. (Cf. FAZZALARI, 1992, p. 418,419) Vale ressaltar que Fazzalari propõe um novo conceito de ação, retirando toda a carga de tradições pandectistas, mudando o enfoque da ação, antes relacionada ao pedido e à demanda, para um relacionado com o provimento. Para tanto, utiliza-se do conceito geral de direito de legitimação, em seu duplo aspecto – situação legitimante e situação legitimada – e o conceito processual de legitimação para agir. Assim, distingue-se situação legitimante de situação legitimada, segundo Aroldo Plínio, com base nos ensinamentos de Fazzalari: enquanto a situação legitimante é contemplada como aquela em presença da qual um poder, uma faculdade ou um dever são conferidos ao sujeito, a situação legitimada consiste em uma série de poderes, faculdades, deveres, que se põem como expectativa para cada um dos sujeitos do processo.(GONÇALVES, 1992, p. 152) Ou ainda, nas palavras do autor italiano: La legitimazione ad agire va considerata – alla stregua della legitimazione genere, quale nozione di teoria generale- da due angoli. Chiamiano situazione legitimante il punto di agancio delle legitimazione de agire, fuor de metafora la situazione in base alla quale si determina qual’è il soggetto che, in concreto, può e deve compiere un certo atto, e situazione legitimata il potere, o la facoltà, o il dovere – o una serie dei medesimi – che, di conseguenza, viene a spettare al soggetto individuato, val dire il contenuto delle legitimazione, ciò in cui esse consiste.( FAZZALARI, 1992, p. 300) Se nos detivermos no conceito de situação legitimante, verificaremos que a legitimação para agir no processo se baseia no provimento jurisdicional que se originará do referido processo, e, por conseqüência, é com base no provimento jurisdicional que se define quem serão as partes no processo, pois são elas as responsáveis pela realização dos atos relativos à garantia do contraditório. Assim, para se definir quem serão as partes em um processo, em concreto, deve-se analisar o provimento jurisdicional requerido e os sujeitos que serão afetados pelo respectivo provimento.(Cf. FAZZALARI: 1992, 301) Assim, o conceito de parte no processo se define a partir dos afetados pelo provimento jurisdicional, que atuarão no processo em posição de simétrica paridade. Como ressalta Aroldo Plínio, a respeito do conceito de parte: Anote-se que a própria concepção de parte já tem seu ponto focal de definição deslocado do pedido (parte não é mais apenas “aquele que pede...”) para o destinatário do provimento, e, por isso, é sujeito do processo, com a garantia de participação nos atos que o preparam. (GONÇALVES, 1991, p.146) Como analisa Fazzalari, não se pode entender a ação como, única e exclusivamente, o direito ou faculdade do autor de colocar o processo em movimento, ou o direito de ação como o ato inaugural do processo. Pois a ação é uma situação subjetiva composta, que analisada sob o aspecto de uma posição subjetiva, compreende uma série de poderes, deveres e faculdades que a parte possui ao longo do processo, até a produção do provimento final. De forma que ação, entendida como uma série de posições processuais de uma parte, é um conceito que se aplica não exclusivamente ao autor, mas a todos os sujeitos do processo: réu, interveniente, denunciado, juiz, serventuário, pois todos possuem legitimação para agir no processo. O que o autor distingue é que o juiz, por exercer uma atividade jurisdicional de natureza pública, possui função, e não ação, pois sua atuação compreende a realização de atos e cumprimento de deveres, não podendo se referir a faculdades e direitos. Nas palavras de Fazzalari: configurata l’azione come la sequenza delle posicioni processuali spettanti allá parte, lungo il corso Del processo, non à, poi, consentito ritenere che abbia azione soltanto la parte che promuove il processo (...) La verità è, invece, che ha propria azione qualsiasi altra parte (così, ancora nel processo civile, il convenuto, l’inteveniente): infatti ciascuna para ha una serie di poteri, facoltá, doveri, assegnatile proprio per realizare, con una serie di atti, la sua partecipazione la processo, quindi il contraddittório.(FAZZALARI, 1992, p. 420) Importantes, parece-nos, são as implicações dessa conclusão, pela qual têm ação no processo todos aqueles que realização uma série de atos, poderes, faculdades e deveres. Principalmente, no que tange ao confronto entre as atuações do autor e do réu. Pois, tanto um, quanto outro, possuem faculdades, poderes e deveres, relativos à construção do processo como procedimento em contraditório, entendido como posição de simétrica paridade entre eles. Logo, não se pode falar em legitimação ativa do autor e legitimação passiva do réu. Pois, ambos são legitimados ativos do contraditório. Se há alguma legitimação passiva das partes, esta se refere à legitimação ao provimento jurisdicional, pois serão eles os afetados pela sentença do juiz. Do mesmo modo, não se deve contrapor ação e exceção, como ressalta Fazzalari, pois exceção é uma figura muito mais limitada, já que compreende apenas a alegação de fatos extintivos, impeditivos do direito alegado pelo autor.(Cf. FAZZALARI, 1992, p. 422) Portanto, um conceito muito mais restrito que o compreendido na posição de simétrica paridade dos interessados e contra-interessados, que gera para ambos uma série de poderes, deveres e faculdades simétricos. O processualista italiano ressalta que a ação não está ligada ao êxito ou não do processo. Pois a legitimação para agir se distingue da legitimação do juiz para emanar um provimento, e da legitimação das partes ao provimento. La spendita in concreto dell’azione, quale largita in absratto, non à mai pregoudicata, a posteriori, dall’esito del processo, nel senso che se, alla fine, la misura giurisdicionale richiesta viene riufutata, non per questo potrà dirsi che le parti siano state private di Legitimazione ad agire: tutt’altro, proprio perché el processo si è ormaissvolto; e si è svoltoappunto per mettere in grado il giudice de prender partito.(FAZZALARI, 1992, p. 424) Cabe apenas relacionar que a legitimação de agir do juiz, denominada função, se evidencia em duas análises: a legitimação deste para emitir o provimento, em razão da competência, e sua imparcialidade. Nas palavras de Aroldo Plínio: O juiz deve controlar se pode ser sujeito do processo, se pode desenvolver suas funções de dirigir o iter que conduz ao ato final (...) O exame, a partir do provimento, deve dar relevo, também, ao princípio inerente à jurisdição que exige que o juiz, sendo autor do provimento seja terceiro,em relação aos efeitos que este irá produzir in universum ius das partes.(GONÇALVES, 1992, p.151) Conclui-se, portanto, que a ação é a atuação que se evidencia a partir do provimento, e não do pedido do autor, como era anteriormente. Se a parte for afetada pelo provimento, sua posição será de simétrica paridade com o seu contraditor e, portanto, terá ação e sua posição é de direção do iter processual para emissão de um provimento. 5- Conclusão A superação da teoria do processo como relação jurídica, fundada em um vínculo de sujeição entre as partes, de supra-ordenação, demanda uma reflexão a respeito dos demais institutos estruturantes da teoria do processo. A adoção da teoria do processo como procedimento em contraditório funda-se na adoção do paradigma do Estado Democrático de Direito, mas ela deve ser compreendida a partir deste marco definidor e da compreensão do Modelo Constitucional do Processo, pois o processo se estrutura a partir da atuação participada dos afetados pela decisão . A proposta deste trabalho foi demonstrar, portanto, as importantes modificações para a Teoria do Processo, em razão da adoção da teoria do processo como procedimento em contraditório, principalmente no que tange aos conceitos de Jurisdição e Direito de Ação. Pois adotar a compreensão do processo como procedimento em contraditório, como a natureza do processo, impede a simples transposição de conceitos estruturados com base nas teorias relacionistas. Esta é a árdua tarefa que deve ser alcançada. 6- Bibliografia ARAÚJO, Sérgio Luis de Souza. Teoria geral do processo penal. Belo Horizonte: Mandamentos,1999. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 1997. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, v 1, 1965, A. _________________ ( 1903) Preleção de Bolonha. Tradução. (s.d) B. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. São Paulo: Malheiros,1993. FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale. Padova, Cedam, 1992 GOLDSCHMIDT, James. Teoria general del proceso. Barcelona: Labor, 1936, A. ____________ Derecho procesal civil. Barcelona: labor, 1936, B. GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: AIDE, 1992. LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo.São Paulo: Síntese, 2001. LIEBMAN, Enrico Túlio. Manual de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, v.1, 1985. TORNAGHI, Helio. A relação processual penal.São Paulo: Saraiva, 1987.