o processo , a jurisdição e a ação sob a otica de elio fazzalari

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O PROCESSO, A JURISDIÇÃO E A AÇÃO SOB A ÓTICA DE ELIO
FAZZALARI
Flaviane de Magalhães Barros Pellegrini
Já faz uma década que entre nós foi publicada a obra do Professor
Aroldo Plínio Gonçalves e, desde então, um número crescente de autores
passou a estudar, no Brasil, os fundamentos da teoria do processo como
procedimento em contraditório. Essa teoria teve seu início com a obra de Elio
Fazzalari, que a partir da reconstrução do conceito de processo e de
procedimento, modificou toda a estrutura do processo, ideária desde os
pandectas, baseada no direito de ação e no processo entendido como relação
jurídica.
O que se pretende neste pequeno ensaio é explicitar as formulações de
Elio Fazzalari, a partir da noção de processo como procedimento em
contraditório, unindo-a com os conhecimentos que foram agregados a ela nesta
última década no Brasil, utilizando para tanto as reflexões do professor Aroldo
Plínio, bem como de outros autores que vêm estudando a referida teoria,
formando uma nova Escola de processo, que se distingue da Escola paulista,
formulada a partir das influências de Enrico Tulio Liebman e dos ensinamentos
de Giuseppe Chiovenda.
1- A inserção do processo no ordenamento jurídico
1.1- O conceito de norma
Precede ao estudo do processo a formulação do conceito de norma.
Fazzalari estabelece, no plano lógico-formal, o seguinte conceito de norma: a
norma consiste em um cânone de valoração de uma conduta. Estabelece a
descrição de um comportamento e seus elementos e requisitos e o qualifica de
lícito e devido. Já a conduta ilícita é estabelecida pelo comportamento contrário
ao estabelecido na norma. (Cf. FAZZALARI, 1992: 45.)

Doutora e Mestre em Direito Processual pela PUC-Minas. Professora do Programa de Pósgraduação em Direito e do Curso de Graduação em Direito da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais. Professora da Universidade de Itaúna.
Parece-nos importante salientar esta noção de ilicitude, construída pelo
autor, pois a ilicitude não se busca pela leitura da norma; não está, portanto,
contida na norma em sua abstração, ela assume a forma de um
comportamento valorado frente à situação concreta. “ “Illecito” è la qualifica
che puó collegarsi non all’astratta condotta contemplata dalla norma, ma a
quelle concretamente tenuta da un soggetto, e difforme dal modelo di condotta
“doverosa”.” ( FAZZALARI, 1992, p 46)
Como assevera Aroldo Plínio:
(...) enquanto Kelsen concentrou o estudo da juridicidade no
ilícito, Fazzalari trabalha exatamente em linha contrária. O
ilícito para ele não é o cânone de conduta. A conduta é
valorada pelo lícito, e o ordenamento jurídico é o complexo
de normas, de faculdades, de poderes, de deveres, o
complexo de licitudes. O ilícito nele comparece, mas como a
conduta que consiste na inobservância do dever. Mesmo
quando trabalha a norma penal, Fazzalari demonstra que o
cânone de conduta em relação à norma que define, por
exemplo, o homicídio, é o não matar, e a norma penal tem,
para ele, o caráter de norma processual, porque se dirige ao
poder jurisdicional.”(GONÇALVES, 1992, p.155)
Portanto, o ilícito não faz parte, não integra a estrutura do procedimento,
e do processo por conseqüência.( Cf. GONÇALVES, 1992:107)
A norma, como cânone de valoração, contém, além da descrição de um
comportamento, de seus elementos e requisitos, a indicação do pressuposto
em presença do qual o comportamento previsto é submetido à valoração
jurídica. O autor denomina este pressuposto de “fattispecie”, que pode ser um
fato ou um ato, por exemplo, um incêndio, que desencadeia a obrigação do
ressarcimento.
Em alguns casos, a norma geral estabelecida pelo Estado, como por
exemplo, a norma que determina aos pais o dever de educar os filhos, pode
comportar diversas situações singulares, susceptíveis de um número indefinido
de repetições, todas entendidas como comportamentos qualificados a partir da
norma em abstrato, como a disposição de um pai que estabelece um horário
para seu filho chegar à noite em casa.
A norma se comporta de diversas formas. Dentre as quais, como cânone
de valoração, como ato jurídico, ou como posição jurídica subjetiva.
Na interpretação de Aroldo Plínio:
A norma jurídica, do ponto de vista de sua estrutura
lógica, é contemplada não apenas como “cânone de
valoração de uma conduta”, isto é, como regra vinculante
e exclusiva que expressa os valores da sociedade, mas
também em relação à conduta por ela descrita, a que se
liga a valoração normativa. Sendo o ato sinônimo de
conduta (que tem no comportamento o seu conteúdo),
dessa valoração resulta a qualificação do ato jurídico
como lícito (o uso do próprio bem), ou como devido. A
posição do sujeito em relação à norma permite falar em
posição subjetiva, ou posição jurídica subjetiva, e
qualificar a conduta como faculdade ou poder, se é
valorada como lícita, e como dever, se é valorada como
devida. (GONÇALVES, 1992, p. 106)
A norma pode ser vista destes três ângulos. A posição jurídica subjetiva
é uma das interfaces da norma, que precede ao cânone de valoração e
antecede ao ato jurídico, fazendo uma ponte entre eles. Assim, antes que um
sujeito pratique um ato jurídico, evidencia-se a posição jurídica, que pode ser
uma faculdade, um dever ou um direito. Pode ser considerada pela sua
abstração, quando não estabelece um sujeito real para sua aplicação, ou pela
sua concretude, quando prevê um sujeito determinado. (Cf. FAZZALARI, 1992,
p.49.)
São consideradas posições subjetivas primárias: a faculdade, o poder e
o dever. De modo que a partir da norma se perquire uma posição subjetiva,
que pode ser uma faculdade, um poder ou um dever, que assegura ao sujeito
uma posição de vantagem, que é um direito subjetivo, uma posição
fundamental de segundo grau. (Cf. FAZZALARI, 1992, p. 51) Para o autor, o
direito subjetivo é uma posição de vantagem que um sujeito possui frente a um
bem, descrito na norma jurídica. Como ressalta Aroldo Plínio, o conceito de
direito subjetivo é extraído a partir da posição do sujeito em relação ao
comportamento determinado pela norma. (GONÇALVES, 1992, p.106) Desta
posição subjetiva do sujeito frente a um determinado bem,
prevista pela
norma, surge um dever para os demais sujeitos – considerados terceiros em
relação ao bem. Este dever pode ser relativo, como o dever de pagar a
prestação decorrente de um direito de crédito, ou um dever de caráter absoluto,
como o dever de abstenção frente a um direito absoluto.
1.2- A estrutura do procedimento
Após essa digressão inicial à Teoria das Formas, o autor inicia o estudo
da estrutura do procedimento, que é uma das formas possíveis, pois é uma
seqüência de normas, atos e posições subjetivas. Na compreensão do autor, o
procedimento evidencia-se quando há previsão de uma seqüência de normas,
em que uma norma valora uma conduta como lícita ou devida, e esta conduta
qualificada é pressuposto para qualificação da conduta prevista na norma
precedente. Em outras palavras, o procedimento é uma seqüência de normas,
atos e posições subjetivas, que se encadearão até a realização do ato final, na
qual a norma precedente – que estabelece uma conduta valorada como lícita
ou devida – é pressuposto para realização da conseqüente. A primeira norma e
a conduta dela decorrente ligam-se à segunda como um pressuposto ou como
sua fattispecie. ( Cf. FAZZALARI, 1992, p. 59)
Nas palavras autor:
(...) procedimento se coglie quando ci si trova de fronti ad
una serie di norme ciascuna delle quali regola una
determinata condotta (qualficandola come lecita o
doverosa), ma enuncia come presupposto della propria
incidenza el compimento di un’attività regolata da altra
norma della serie, e così via fino a la norma regolatrice de
un atto finale. ( FAZZALARI, 1992, p. 60)
A esse conceito de procedimento, o autor agrega o conceito de
processo, que se distingue pelo critério lógico de inclusão – como justifica
Aroldo Plínio (Cf.GONÇALVES, 1992, p. 67,68) –, pois o processo é uma das
espécies de procedimento, que se distingue pelo tratamento dispensado aos
partícipes que sofrerão os efeitos do ato final, que devem participar do
procedimento em posição de simétrica paridade, ou seja, em contraditório.
Se, poi, el procedimento è regolato in modo che ci
particepino anche coloro nelle cui sfera giuridica l’atto
finale è destinato svolgere effetti (talché l’autore di esso
debba tener conto della loro attività), e se tale
participazione è consegnata in modo che i contrapposti
“interessatti” (quelli che aspirano alla emanazione dell’atto
finale – “interessati” in senso stretto – e quelle che
vogliono evitarla – “controinteressati”-,siano sul piano de
simetrica parità; allora il procedimento compreende il
contraddittorio, si fa più articolato e complesso, e dal
genus procedimento è consentito enucleare la species
processo. (FAZZALARI, 1992: 60)
Como ressalta Aroldo Plínio Gonçalves, Bülow e seus sucessores
realizaram a separação entre os conceitos de processo e procedimento, eis
que anteriormente se absorvia o processo no procedimento, como simples
seqüência de atos, e construiu uma distinção baseada no critério teleológico.
Por este critério, o processo se distingue por seu fim, pois é o instrumento pelo
qual a jurisdição é operada e o procedimento se torna a simples sucessão
lógica de atos, desvestido de qualquer finalidade. Assim, a reação que se
iniciou com Bülow destituiu o procedimento de qualquer fim e o absorveu no
processo, realizando o caminho inverso do antes criticado por eles. Contudo,
não se pode negar ao procedimento sua finalidade.
Foi sob esse espectro histórico que Fazzalari, excluindo o critério
teleológico, buscou em um critério lógico de inclusão, definir o que seja
processo e o que seja procedimento. Nas palavras do mestre mineiro:
Pelo critério lógico, as características do procedimento e
do processo não devem ser investigadas em razão de
elementos finalísticos, mas devem ser buscadas dentro
do próprio sistema jurídico que os disciplina. E o sistema
normativo revela que, antes que distinção, há entre eles
uma relação de inclusão, porque o processo é uma
espécie do gênero procedimento, e, se pode ser dele
separado é por uma diferença específica, uma
propriedade que possui e que o torna, então, distinto, na
mesma escala em que pode haver distinção entre gênero
e espécie. A diferença específica entre o procedimento
em geral, que pode ou não se desenvolver como
processo, e o procedimento que é processo, é a presença
neste do elemento que o especifica: o contraditório. O
processo é um procedimento, mas não qualquer
procedimento; é o procedimento de que participam
aqueles que são interessados no ato final, de caráter
imperativo, por ele preparado, mas não apenas
participam; participam de uma forma especial, em
contraditório entre eles, porque seus interesses em
relação ao ato final são opostos.(GONÇALVES, 1992, p.
68)
Fazzalari (1992, p. 77,78) analisa o procedimento, e o define com a
seguinte estrutura:
a) série de normas através da qual se regulamenta a produção do ato final,
que, normalmente, se trata de um provimento, ou mero ato. Cada norma
regula uma determinada conduta (qualificada como lícita ou devida), mas
enuncia-se como pressuposto para a execução de uma conduta regulada
por outra norma;
b) o procedimento apresenta-se como uma seqüência de atos, previstos e
valorados pela norma;
c) o procedimento compõe-se de uma série de faculdades, poderes e deveres:
quantos e quais, são as posições subjetivas, que se obtêm pela norma em
questão.
O procedimento pode ser definido como uma série ou seqüência de
normas, atos e posições subjetivas, que se conectam e inter-relacionam em um
complexo normativo, constituindo a fase preparatória de um provimento, visto
como ato final de caráter imperativo. 1
1.3- A estrutura do processo e o contraditório
E o processo, como adiantamos há pouco, é uma espécie do gênero
procedimento, que possui o contraditório como elemento definidor de sua
estrutura. O processo, como procedimento em contraditório, exige que os
interessados e os contra-interessados – entendidos como os sujeitos do
processo que suportarão o resultado favorável ou desfavorável do provimento –
participem em simétrica paridade do iter procedimental, para a formação do
provimento.
“Tale struttura consiste nela partecipazione dei destinatari degli effetti
dell’atto finale alla fase preparatoria del medesimo; nella simmetrica parità delle
loro posizioni” ( FAZZALARI, 1992, p. 82), na fundamentação do autor.
Em sendo o contraditório o elemento definidor do processo, que o
distingue
do
procedimento,
é
necessário
analisar
a
sua
estrutura.
Anteriormente, o contraditório era visto como a simples participação dos
1
Ou, nas palavras de Aroldo Plínio Gonçalves: “o procedimento , como atividade preparatória
do provimento, possui sua específica estrutura constituída da seqüência de normas, atos e
posições subjetivas, em uma determinada conexão, em que o cumprimento de uma norma
da seqüência é pressuposto da incidência de outra norma e da validade do ato nela previsto”
(GONÇALVES, 1992, p.112)
interessados no processo. Mas, como ressalta Fazzalari, a participação é
exigida não só do autor ou do réu; participam do processo, como sujeitos
processuais: o juiz, os seus auxiliares, o Ministério Público, os peritos e
também os autores e os réus. Sob este enfoque, todos são partes.
Para se definir quem serão os contraditores, ou seja, quem participará
do processo em contraditório, é necessário verificar quais sujeitos serão
afetados pelo ato final, quais serão os sujeitos destinatários do provimento.
Estes, que suportarão os resultados favoráveis ou desfavoráveis do
provimento, é que serão os participantes em contraditório e que possuem
legitimidade para agir, como adiante veremos.
Nas palavras de Fazzalari: “L’essenza stessa del contraddittorio esige
che
vi
partecipano
almeno
due
soggetti,
un
“interessati”
e
un
“controinteressato”: sull’uno dei quali l’atto finale è destinato a svolgere effetti
favorevoli e sull’altro effetti pregiudizievoli.” (FAZZALARI, 1992: 85)
Mas o contraditório entre os interessados e os contra-interessados não
pode ser entendido como mera participação destes sujeitos no processo, mas a
participação em simétrica paridade. É esta participação em simétrica paridade
que define o contraditório, nesta nova concepção.
1.4- Plano de trabalho
Parece-nos importante, neste momento, ressaltar o quanto o estudo
dessa nova estrutura de procedimento e processo interfere em conceitos há
muito arraigados na ciência do Direito Processual. Pois, a partir da adoção da
noção de processo como procedimento realizado em contraditório, o conceito
de jurisdição, o conceito de direito de ação e o de direito subjetivo, em
conseqüência, e mesmo a noção de processo como relação jurídica, têm que
ser repensados, a fim de excluirmos aqueles incompatíveis com a nova
concepção de processo, ou a fim de adequarmos os demais à nova concepção.
Para procedermos a tal releitura, optamos por fazê-la através de uma
análise comparativa. Utilizaremos os ensinamentos de dois grandes mestres
italianos, Giuseppe Chiovenda e Enrico Tulio Liebman, tendo em vista a grande
influência dos ensinamentos destes autores na Escola de Processo brasileira.
Desse modo, trataremos, no próximo capítulo, da noção de processo como
relação jurídica e como situação jurídica, e dos reflexos frente à teoria do
processo como procedimento em contraditório. Posteriormente, estudaremos o
conceito de jurisdição, atribuído pelos relacionistas, e as modificações inseridas
pela teoria do processo como procedimento em contraditório; e por fim, os
reflexos frente à teoria do direito de ação.
2- Processo: relação jurídica, situação jurídica ou procedimento em
contraditório.
Como revela o título acima, a teoria do processo como procedimento em
contraditório não se harmoniza com a noção de processo como relação
jurídica. Senão, vejamos primeiramente as formulações a respeito do processo
como relação jurídica, propostas por Chiovenda e Liebman.
O estudo de Chiovenda sobre o processo inicia-se com a demonstração
de alguns conceitos imprescindíveis, como o de direito subjetivo. Para o autor,
o direito objetivo é a lei, em sentido lato, ou seja, “a manifestação da vontade
coletiva geral”. (CHIOVENDA, A, p. 3) . Em conseqüência, o autor assim define
o direito subjetivo:
Fundado-se, com efeito, na vontade da lei, o sujeito
jurídico pode aspirar à consecução ou à conservação
daqueles bens, inclusive por via de coação. Constitui tal
aspiração o denominado – direito subjetivo, que se pode,
portanto, assim definir: a expectativa de um bem da vida
garantida pela vontade da lei. (...) a idéia do direito
subjetivo, verificamos que se resolve numa vontade
concreta da lei. (CHIOVENDA, A , p. 3)
De modo que o autor compreende o direito subjetivo como a vontade
concreta da lei, dirigida a um bem da vida, que surge para aquele que reclama
a atuação da lei. Assim, se duas pessoas realizam um contrato de compra e
venda, a primeira forma de atuação da vontade concreta da lei é o
cumprimento da obrigação – a prestação. Se esta não se efetiva, ela será
substituída pela atuação da vontade concreta da lei, que é o objeto do
processo.(Cf. CHIOVENDA, A , p. 4, 37,50)
O autor, que sempre foi um crítico da doutrina que reduzia o processo à
reação do direito material lesado (Cf.CHIOVENDA, 1903),
entende ser o
processo uma unidade, que contém uma relação jurídica. Definido, assim, o
processo: “o processo civil é o complexo dos atos ordenados ao objetivo da
atuação da vontade da lei ( com respeito a um bem que se pretende garantido
por eles), por parte dos órgão da jurisdição ordinária.” ( CHIOVENDA, A , p.
37)
Assim, antes de o juiz se pronunciar a favor ou contra o pedido do autor,
ele passa por um “estado de pendência”, no qual são dados às partes diversos
direitos e deveres, para que possam fazer valer o seu direito. (Cf.
CHIOVENDA, A , p.56)
O autor analisa a relação jurídica processual como uma relação de
direito público, autônoma e complexa. É uma relação de direito público, pois o
processo realiza uma função pública e suas normas reguladoras são de direito
público. O processo é uma relação jurídica autônoma, pois mesmo não se
evidenciando, ao final, no pronunciamento do juiz, a vontade concreta da lei,
referente ao pedido do autor – direito de ação – , a relação processual existiu.
Assim, diz o autor: “uma coisa é, pois, a ação, outra a relação processual;
aquela compete à parte que tem razão, essa é fonte de direito para todas as
partes.” ( CHIOVENDA, A , p. 57) E, por fim, a relação jurídica é complexa,
pois no seu interior se vislumbra um conjunto de direitos e deveres em número
indefinido, que se conectam em virtude do objetivo comum, que corresponde à
unidade da relação jurídica.
É importante confrontar o pensamento supra do autor com algumas de
suas fundamentações iniciais, concernentes a dois conceitos: o de direito
subjetivo, como atuação concreta da lei, e o de relação jurídica, a partir da
distinção entre estes dois conceitos. Diz o autor:
Se alguém pretende um bem da vida aduzindo como
fundamento uma vontade concreta da lei, que em
realidade, não subsiste, forma-se, então, uma vontade
concreta da lei em virtude da qual essa pretensão deve
receber-se, declarar-se e tratar-se como destituída de
fundamento, o que eqüivale a dizer que se forma uma
vontade concreta negativa da lei.
Ora, o processo civil, que se encaminha por demanda de
uma parte (autor) em frente a outra parte (réu), serve
justamente, (...) , não mais a tornar concreta a vontade da
lei, pois essa vontade já se formou como vontade
concreta anteriormente ao processo, mas a certificar qual
seja a vontade concreta da lei e efetivá-la, quer dizer,
traduzi-la em ato: ou a vontade da lei afirmada pelo autor,
a qual, se existente, é efetivada com o recebimento da
demanda, ou em caso contrário a vontade negativa da lei,
efetivada pela recusa. (CHIOVENDA, A , p. 05)
O autor ainda ressalta que a relação jurídica é a fonte de um direito
subjetivo, sendo a relação jurídica uma relação entre homens, regulada pela
vontade da lei.
Mas, sugere o autor:
O conceito de relação jurídica é mais amplo do que o de
direito subjetivo, não tanto porque exprima, além da
posição daquele que goza de um direito, aquela de quem
lhe está submetido, quando porque normalmente a
relação jurídica não se exaure num único direito subjetivo
de uma parte e na correspondente sujeição da outra
parte: normalmente a relação jurídica é complexa, ou
seja, compreende mais de um direito subjetivo de uma
parte em referência a outra. (CHIOVENDA, A , p. 05)
Sintetizando, Chiovenda analisa o direito subjetivo como preexistente ao
processo, mas que será declarado no processo, através da adoção ou rejeição
da demanda. Apesar de se referir posteriormente, como já citamos, ao caráter
abstrato da relação jurídica processual, ele a vincula à realização positiva ou
negativa do resultado útil do processo, de seu objeto. Ao mesmo tempo, ele
compreende a relação jurídica como um complexo de direitos subjetivos das
partes nela inseridas.
Interessa-nos, deste momento, salientar a inexistência, nas Instituições
de Chiovenda, de referência ao procedimento, na passagem em que o autor
estuda o processo e a relação processual. Essa situação é justificável pela
própria evolução da ciência do direito processual. Como Chiovenda era
contrário à inserção do processo na relação de direito material, que dava valor
apenas ao procedimento, o referido autor, para defender a autonomia do
processo e da ciência processual, exclui, por sua falta de importância frente ao
instituto do processo, o procedimento.
Passaremos, agora, ao estudo das formulações de Enrico Tulio
Liebman, que define processo da seguinte forma:
A atividade mediante a qual se desempenha em concreto
a função jurisdicional chama-se processo. Essa função
não se cumpre, em verdade, a um só tempo e com um só
ato, mas através de uma série coordenada de atos que se
sucedem no tempo e que tendem à formação de um ato
final.( LIEBMAN, 1985, p. 33)
Como leciona o autor, o ato final do processo é de competência do
órgão jurisdicional, mas o processo se desenvolve com a participação não só
do juiz, mas das partes, autor e réu, sendo que o ato que dá início ao processo
cabe ao particular, ao autor. Entre o ato inicial e o final “desenvolve-se uma
atividade intermediária, mais ou menos complexa, destinada a tornar possível
justamente a prolação do ato final.” (LIEBMAN, 1985, p.34)
O autor compreende o procedimento como um conjunto de atos que se
sucedem no processo e que se dispõem como uma unidade formal, que é o
procedimento, (Cf. LIEBMAN, 1985, p. 39) diferindo das formulações de
Chiovenda, que não se preocupava com a noção de procedimento. Como
ressalta
Aroldo
Plínio
Gonçalves,
Liebman
reabilitou
o
conceito
de
procedimento, já que considera o processo uma entidade complexa, integrada
pela relação jurídica e pelo procedimento.(Cf. GONÇALVES, 1992, p. 05)
Pois, para o autor, a tessitura jurídica interna do processo revela-se a
partir de diversas posições subjetivas definíveis como autoridade, direitos
subjetivos, sujeições e ônus, e dirigidas a um sujeito específico, como ao juiz,
que, após a iniciativa das partes, se vê investido em sua função jurisdicional.
De forma que as posições subjetivas formam uma unidade, que é a relação
jurídica processual, que se distingue da relação jurídica litigiosa, que é o
conteúdo do processo. (Cf. LIEBMAN, 1985, p. 41)
2.2.
Crítica ao processo como relação jurídica
Como se nota, apesar da distância temporal que se guarda entre os
ensinamentos de Chiovenda e Liebman, ambos sustentam que o processo é
uma relação jurídica. Como fundamenta Liebman :
(...) deve ser realçado que a pendência do processo
determina a existência de toda uma série de posições e
de relações recíprocas entre os seus sujeitos, as quais
são reguladas juridicamente e forma, no seu conjunto,
uma relação jurídica, a relação jurídica processual.
(LIEBMAN, 1985: 40)
Essa noção de relação jurídica foi definitivamente inserida na ciência
processual no século XIX. Após a teoria da relação jurídica, poucos foram os
autores que formularam novas proposições a respeito da natureza do processo
como relação jurídica. Essa teoria se apóia no conceito civilístico de relação
jurídica, não podendo ser dissociada do conceito de direito subjetivo,
compreendido como o poder de alguém exigir de outrem a realização de uma
conduta. Como ressalta Aroldo Plínio, o conceito de relação jurídica foi
construído com base na idéia de “que é ela (a relação jurídica) um enlace
normativo entre duas pessoas, das quais uma pode exigir da outra o
cumprimento de um dever jurídico.” (GONÇALVES, 1992, p. 74)
Foi a partir da obra clássica de Oscar von Bülow, Dos pressupostos
processuais e das exceções dilatórias, que se iniciou o estudo deste enlace
normativo no processo. Assim, como analisou Helio Tornaghi, autores, como
Kohler, descreviam a relação jurídica como uma relação linear, formada pelo
autor e o réu, e de natureza privada. Essa teoria foi amplamente criticada, haja
vista que o processo surgiu como instrumento para se evitar a vingança privada
e que, no processo, o juiz possui, sim, interesse, não se tratando
exclusivamente de uma relação entre autor e réu, pois esta é a relação de
direito material. (Cf. TORNAGHI, 1987, p. 8)
Outros autores defendiam a natureza angular da relação jurídica, como
Planck e Helwig, ou seja, o processo é formado a partir de uma relação jurídica
em cujo vértice se encontra o juiz e em cada uma das extremidades do ângulo
se colocam o autor e o réu. (cf. ARAUJO, 1999, p. 53-59). Por fim, alguns
autores, como Wach e Degenkolb, que defendiam que a relação jurídica era
triangular, e em cada vértice se encontravam, respectivamente, o juiz, o autor e
o réu.
Mas todas essas teorias padecem do mesmo problema, pois como
estruturam o processo como relação jurídica, é necessário verificar como se dá
o enlace normativo entre os sujeitos da relação jurídica. Portanto, todas essas
teorias se apóiam na compreensão civilista da teoria da relação jurídica, que se
liga ao conceito de direito subjetivo e baseada na autonomia da vontade.
Assim, a relação jurídica sempre estará ligada à relação entre dois sujeitos,
compreendida como vínculo entre dois sujeitos, no qual um pode exigir do
outro que realize uma conduta, ou, na formulação inversa, vínculo no qual um
sujeito deve uma prestação negativa ou positiva, que o outro pode exigir. Como
se depreende, a relação jurídica é um vínculo de sujeição ou supra-ordenação,
no qual um sujeito tem poder sobre a conduta do outro.
Se analisarmos esse conceito de direito subjetivo, ele não pode ser
aplicado ao processo, pois onde está o vínculo de sujeição entre a conduta do
autor frente ao réu, ou mesmo do réu frente ao juiz e deste frente ao autor?
Como demonstra Aroldo Plínio:
A se admitir o processo como relação jurídica, na acepção
tradicional
do
termo,
ter-se-ia
que
admitir,
conseqüentemente, que ele é um vínculo constituído entre
sujeitos em que um pode exigir do outro uma determinada
prestação, ou seja, uma conduta determinada. Seria o
mesmo que se conceber que há direito de um dos sujeitos
processuais sobre a conduta do outro, que perante o
primeiro é obrigado, na condição de sujeito passivo, a
uma determinada prestação, ou que há direitos das partes
sobre a conduta do juiz, que, então, compareceria como
sujeito passivo de prestações, ou, ainda, que há direitos
do juiz sobre a conduta das partes, que então, seriam
sujeitos passivos da prestação. (GONÇALVES, 1992, p.
97)
O que Fazzalari propõe é justamente deixar de lado esse conceito de
direito subjetivo, entendido como o poder de um sujeito sobre a conduta de
outro sujeito, adotando a noção de direito subjetivo como posição de vantagem
em relação a um bem estabelecido pela norma jurídica, como já ressaltado no
item 1 deste trabalho.
2.3- A teoria do processo como situação jurídica
A teoria do processo como situação jurídica, estruturada a partir do
pensamento de Bonnecase, Roubier e Goldschmidt, tem importante valor na
formulação da crítica à teoria da relação jurídica.
A base dessa crítica funda-se no conceito de direito subjetivo, como já
salientado no item anterior, compreendido como o poder sobre a conduta de
outrem.
Ressalta James Goldschmidt que o direito subjetivo se relaciona a um
imperativo, um poder de um sujeito sobre a conduta de outrem, que possui um
dever conexo.
Pero no existe derecho subjetivo al cual no corresponda
um deber, porque derechos subjetivos únicamente
pueden imaginarse a base de un imperativo.(...)
en realidad, desde el punto de vista de la teoría de los
imperativos, Derecho subjetivo no es lo que se prohibe o
lo que se permite; tampoco es, sólo, el reflejo de un
imperativo, sino más bien, el poder de hacer eficaces, en
interés propio,(...)
En la naturaleza de las normas como imperativos estriban
los dos conceptos jurídicos fundamentales: le deber e el
derecho. Aquéles la sujección a un imperativo, éste el
poder sobre un imperativo. (GOLDSCHMIDT, 1936 A, p.
44,45)
Assim, o conceito de imperativo e de relação jurídica, por conseqüência,
pertence ao direito privado, compreendendo a face estática do direito. Ao
passo que o direito processual compreende a sua face dinâmica, na qual não
existem relações jurídicas – entre juiz e as partes (teoria angular), ou entre juiz,
demandante e demandado (teoria triangular), ou entre demandante e
demandado exclusivamente (teoria linear) – (Cf. GOLDSCHMIDT, 1936B, p. 7),
mas sim, situações jurídicas, compreendidas como expectativas, possibilidades
e ônus. Nas palavras do autor da teoria das situações jurídicas:
Los vínculos jurídicos que nacen de aquí entre las partes
no son propriamente “relaciones jurídicas” (consideración
“estática” del Derecho) esto es, no son facultades ni
deberes en sentido de poderes sobre imperativos o
mandatos, sino “situaciones jurídicas” (consideración
dinámica del derechos), es decir, situaciones de
expectativas, esperanzas de la conduta judical futura; en
una palabra; expectativas, possibilidades e cargas. Sólo
aquéllas son derechos en sentido procesal – el mismo
derecho a la tutela jurídica ( acción procesal) no es, desde
este punto de vista, más que una expectativa jurídicamente
fundada –, y las últimas – las cargas –, “imperativos del
proprio interés”, ocupan en el processo el lugar de las
obligaciones ( GOLDSCHMIDT, 1936B, p. 8)
Podemos
destacar
como
pontos
importantes
dessa
teoria,
primeiramente, a desmistificação dos conceitos de direito subjetivo e de relação
jurídica. Em segundo lugar, merece destaque a estrutura proposta pelo
situacionista, ou seja, expectativas, possibilidades e ônus.
Como ressalta Aroldo Plínio:
O direito que decorre da norma passou a ser visto não
mais como poder sobre outrem, mas uma posição de
vantagem de um sujeito em relação a um bem”, posição
que não se funda em relação de vontades dominantes e
vontades subjugadas, mas na existência de uma situação
jurídica , em que se pode considerar a posição subjetiva,
a posição do sujeito em relação à norma que a
disciplina.(GONÇALVES, 1992: 93)
Assim, essa “posição subjetiva” pode ser considerada como uma
faculdade, um poder, um dever ou um ônus. A conceituação da situação
jurídica como uma posição subjetiva, como faculdades, poderes, deveres e
ônus, foi de grande relevância para a ciência processual. Até mesmo os
relacionistas exaltam a formulação de Goldschmidt dos conceitos de ônus e
sujeição. (Cf. CINTRA, GRINOVER & DINAMARCO, 1998: 280)
Contudo, não se pode unir o conceito de posição subjetiva, considerada
como uma situação jurídica decorrente de uma posição de vantagem de um
sujeito em relação ao bem, com o conceito de relação jurídica, compreendido
como posição de supra-ordenação de um sujeito frente a outro sujeito.
Como fundamenta Aroldo Plínio:
Há ainda que se registrar problemas que surgem quando
se explica a natureza do processo pela eclética mistura de
dois quadros conceituais diferentes. Posições subjetivas
são faculdades, poderes e deveres que decorrem de uma
situação jurídica. Subordinação e subjugação são
conceitos que se situam no quadro da relação jurídica.
(...) Faculdade, poderes e deveres, na situação jurídica,
são qualificado de condutas valoradas como lícitas,
faculdade e poderes como possibilidade juridicamente
asseguradas, e deveres, como a conduta a ser cumprida.
O ato gerado por uma vontade implícita (faculdade), ato
gerado por uma vontade declarada (poder) e o ato de
cumprimento da norma (dever) são manifestações
exteriorizadas do comportamento dos sujeitos, ou seja,
conteúdo de condutas.(GONÇALVES, 1993: 100)
Essa estrutura de posições subjetivas foi posteriormente reelaborada por
Fazzalari. Pois a posição do sujeito frente à norma – compreendida como
cânone de valoração – pode ser definida como “posição jurídica subjetiva, e
qualificar a conduta como faculdade ou poder, se é valorada como lícita, e
como dever, se é valorada como devida.” (GONÇALVES, 1992: 106)
O conceito de posição subjetiva, compreendido como poderes,
faculdades, deveres e ônus, é importante para a definição dos conceitos de
situação legitimante e situação legitimada, importantes para superar o conceito
de direito de ação de estrutura pandectista e, portanto, estes conceitos serão
retomados em item posterior, relativo ao direito de ação.
3- Jurisdição
A compreensão da ciência processual está estruturada com base em
três grandes pilares, como já ressaltamos: ação, jurisdição e processo.
Claro que o conceito de jurisdição possui contornos de Teoria Geral do
Estado, pois o Estado moderno divide a atuação estatal em três grandes
grupos. Assim, a jurisdição se caracteriza pela aplicação da lei ao caso
concreto.
Na Concepção de Liebman, a atividade jurisdicional baseia-se na
atividade do juiz de “julgar”, ou seja, “valorar um fato do passado como justo ou
injusto, como lícito ou ilícito, segundo critério de julgamento fornecido pelo
direito vigente, enunciando a regra jurídica concreta destinada a valer como
disciplina do caso (fattispecie)” (LIEBMAN, 1985, p. 4)
Ressalta o autor que as duas mais importantes definições dadas a
Jurisdição são da lavra de Chiovenda e de Carnelutti. “A primeira delas – de
Giuseppe Chiovenda – define a jurisdição como a atuação da vontade concreta
da lei mediante substituição da atividade alheia pela de órgãos públicos, seja
afirmando a existência da vontade da lei, seja tornando-a efetiva na prática.”
(LIEBMAN, 1985, p. 6)
Esta definição busca a justificação na função substitutiva da jurisdição,
pois o Estado, ao proibir a justiça pelas próprias mãos, teve que incumbir um
órgão – no caso moderno, um órgão público –, da aplicação da vontade
concreta da lei ao caso concreto, quando os particulares não conseguem
aplicá-la sem a intervenção estatal.
Já a definição de Carnelutti, diz o autor: “prefere ver na jurisdição a justa
composição da lide, entendendo por lide qualquer conflito de interesses
regulado pelo direito e por justa a composição feita nos termos deste.”
(LIEBMAN, 1985, p. 6)
Carnelutti trabalha com a noção de solução de conflito como ponto
convergente da Jurisdição.
Liebman entende que estes dois conceitos – de Chiovenda e de
Carnelutti –, na atualidade, se complementam. Desta forma seu conceito
acerca da jurisdição é o seguinte:
(...) podemos considerar a jurisdição como a atividade dos
órgãos públicos do estado, destinada a formular e atuar
praticamente a regra jurídica concreta que, segundo o
direito
vigente,
disciplina
determinada
situação
jurídica.(LIEBMAN, 1985, p. 6)
Dentre os conceitos oferecidos, até então se denota a vinculação do
conceito de jurisdição exclusivamente à atividade do juiz de aplicar a lei. De
modo que a atividade jurisdicional fica a cargo do juiz. Como se este fosse um
super juiz. Essa crítica é melhor compreendida quando se analisa o conceito de
Fazzalari.
Ademais, é a partir do conceito de jurisdição de Liebman, que seu
principal discípulo no Brasil, Cândido Rangel Dinamarco, construiu a doutrina
da instrumentalidade, na qual a jurisdição é instrumento para a pacificação
social,
e o processo possui escopos metajurídicos, sociais, políticos e
jurídicos. (Cf. DINAMARCO,1993)
Fazzalari, ao analisar a atividade jurisdicional, diz:
questa atività de ricognizione dei pressuposti del
provedimento giurisdicionale, cioè l’atività attraverso la
quale el giudice verifica che ricorrano, nel caso concreto,
le circonstanzaa in presenza delle quali scatta la norma
che gl’impone di emanare il provimento, à lunga, faticosa,
costosa; ad essa partecipano non soltanto el giudiche, ma
anche suoi ausiliaree, soprattutto, i soggetti nela cui sfera
giuridica l’emananda misura giurisdicionale è destinata ad
incidere, in contradittorio fra loro.(FAZZALARI, 1992, p.
100)
Desta feita a jurisdição não se limita à realização da lei pelo juiz. A
jurisdição tem seu principal fundamento na estrutura procedimental que se
segue até o provimento jurisdicional, e esta estrutura é caracterizada pelo
contraditório, pela participação em simétrica paridade dos afetados pelo
provimento.
Como fundamenta Fazzalari:
pertanto, lo studio della giurisdicione ( e così de quella
civile) deve far perno sul processo. Il processo à la sola
struttura nella quale, e in virtù dellla quale, i vari aspetti di
quell’atività fondamentale possono essere coerenziati ed
ordinati: (FAZZALARI, 1992, p.101)
Portanto, a estrutura jurisdicional se realiza baseada na existência do
processo. A partir do monopólio da jurisdição pelo Estado, que possui caráter
imperativo, e da estrutura jurisdicional, que se caracteriza pela função
substitutiva, a jurisdição se realiza porque as partes que serão afetadas pelo
jurisdicional atuam no processo em contraditório, a fim de se chegar a um
provimento final.
4- O direito de ação e sua evolução nas teorias processualistas
A formulação do conceito de ação é constituída de grandes debates e de
diversas teorias. Inicia-se com as teorias imanentistas, que inseriam a ação
como parte imanente do direito material. Como se refere Rosemiro Leal:
“Assim, para essa escola, o direito material (bem da vida jurídica) era imanente
à ação para exercê-lo, o que queria dizer que ação e direito surgiam de modo
geminado, não sendo possível separá-los.” (LEAL, 2001, p. 122)
Antes de adentramos em nossa proposta de trabalho, que se inicia pelo
estudo da teoria de Chiovenda, passando pelas formulações propostas por
Liebman, para, por fim, agregarmos o pensamento de Fazzalari, mister se faz
revermos a história do direito de ação até então. Assim começamos pela teoria
imanentista, que, atualmente, tendo em vista a própria autonomia da ciência
processual, foi francamente rejeitada, já que fundada na teoria privatista.
A publicização do conceito de ação erigiu-se mediante a célebre
controvérsia entre Windscheid e Muther. Antes, como revela Chiovenda,
“encarava-se a ação como um elemento do próprio direito deduzido em juízo,
como um poder, inerente ao direito mesmo, de reagir contra a violação. ( ...)”.
(CHIOVENDA, B , p. 21)
Windscheid formula o conceito de anspruch, que corresponde a
pretensão ou razão, e está direcionado ao particular a quem o detentor da
pretensão exercerá o seu direito de exigir a prestação. ( Cf. CHIOVENDA, B, p.
22) Muther, principal crítico de Windscheid, definia dois elementos para a ação,
fazendo frente à noção proposta por este que relacionava a actio ao direito
dirigido ao obrigado. Já que aquele identificava dois elementos para a ação, um
de direito privado e um segundo, dirigido ao Estado, entendido como o direito à
tutela jurídica.
Como esclarece Aroldo Plínio:
Na Alemanha, adotavam-se duas terminologias para a
tutela dos direitos subjetivos, a actio (que rememorava o
direito de o particular pedir ao magistrado a fórmula em
que a proteção estava condensada, e esse direito
formulário era a actio) e a Klage, ou Klagerecht – o direito
de demanda, de querela, de queixa. A actio, que
Windscheid quis substituir por pretensão (anspruch)
significava o direito de exigir de alguém uma ação ou
omissão.(GONÇALVES, 1992, p. 135)
Assim, a controvérsia dos referidos autores trouxe grande ganho, pois o
direito de ação foi dissociado do direito material e passou a ter um caráter
público, como denota Rosemiro Leal : “(...) significando, nessa escola, a ação
como direito à jurisdição e ao procedimento, que seriam de caráter público,
porque devidos pelo Estado, e autônomo, porque desvinculado de outro direito
que lhe pudesse retirar a ampla liberdade do respectivo exercício.” ( LEAL,
2001, p. 122)
Mas a controvérsia em torno do direito de ação produz novas teorias,
como a de Wach, que entende a ação como o direito a uma sentença
favorável, ou seja, a ação como direito público e concreto, ou como a de
Degenkolb e Plosz, que defendem o caráter abstrato da ação, dissociando-o do
resultado favorável ou desfavorável.
Chiovenda analisa essas duas novas tendências, aproximando-se de
Wach, e criticando os teóricos do abstrativismo:
Se a doutrina de Wach contém um grande fundo de
verdade, ao por em evidência a autonomia da ação,
devem-se, não obstante, reconhecer como exagero
inaceitável dessa idéia de autonomia da ação aquelas
teorias que, de um ou outro modo, revertem ao conceito
do denominado direito abstrato de agir, conjecturado
como simples possibilidade jurídica de agir em juízo,
independentemente de um êxito favorável.( CHIOVENDA,
A , p. 23)
Chiovenda repudia essas teorias, e justifica o erro de Wach em virtude
do incipiente desenvolvimento da teoria do direito potestativo, com a qual
construiu o autor italiano a teoria da ação como direito potestativo.
Para a referida teoria, é necessário esclarecer o conceito de direito
potestativo. Distingue o autor duas grandes categorias de direito: “direitos
tendentes a um bem da vida a conseguir (direito a uma prestação) e direitos
tendentes à modificação do estado jurídico existentes (direitos potestativos)”.
São exemplos de direitos potestativos: a denúnica de um contrato, o poder de
revogar uma doação ou um mandato. O direito potestativo é aquele pelo qual,
através da manifestação de vontade de alguém, surge um novo estado jurídico,
ou se faz cessar o existente. Contudo, essa modificação dispensa a atuação da
vontade de outrem, isto é, daquele que será atingido pelo ato.
Nas palavras de seu defensor:
Em muitos casos, a lei concede a alguém o poder de
influir, com sua manifestação de vontade, sobre a
condição jurídica de outro, sem concurso da vontade
deste:
a) ou fazendo cessar um direito ou um estado jurídico
existente;
b) ou produzindo um novo direito, ou estado ou efeito
jurídico.(...)
Esses poderes se exercitam e atuam mediante simples
declaração de vontade, mas, em alguns casos, com a
necessária intervenção do juiz (sentença constitutiva ) (...)
(CHIOVENDA, A, p.15)
Chiovenda parte, portanto, do conceito de direito potestativo, e formula o
conceito de ação em conexão à lesão. Assim, na compreensão do autor, a
ação é um direito que pode fluir da lesão de um direito. Assim, a vontade
concreta da lei pode ser satisfeita pelo cumprimento da obrigação pelo
devedor, ou pelo processo. ( Cf. CHIOVENDA, A , p. 20,21)
Assim, a atuação concreta da lei no processo se funda no direito de
ação, para o autor, sob a seguinte argumentação:
Observei que, se em verdade a coação é inerente à idéia
do direito; se em verdade a vontade concreta da lei,
quando o devedor deixa de satisfazê-la com sua
prestação, tende à sua atuação por outra via, e que,
mesmo, em numerosíssimos casos, há vontades
concretas de lei cuja atuação só se concebe por obra dos
órgãos públicos no processo; todavia, normalmente,
esses órgãos só a pedido de uma parte podem prover a
atuação (nemo iudex sine actore), de modo que,
normalmente, a atuação da lei depende de uma condição,
a saber, da manifestação de vontade de um indivíduo; e
diz-se que esse indivíduo tem ação, querendo dizer-se
que tem o poder jurídico de provocar, com seu pedido, a
atuação da vontade da lei.(CHIOVENDA, A , p. 21)
A teoria de Chiovenda entende a ação como o direito de provocar a
atividade do órgão jurisdicional contra o adversário. Esse direito de ação é
autônomo, e não se vincula à existência de um direito subjetivo, como se refere
o autor:
a independência e a autonomia da ação se tornam mais
evidentes nos casos em que a ação tende a um bem
impossível de conseguir-se por obrigação, mas que só se
pode conseguir no processo; ou em que tende a um bem
sem que exista, ou sem que se saiba se existe algum
direito subjetivo atribuível àquele que dispõe da ação”.
(CHIOVENDA, A, p. 27)
O autor defende a autonomia do direito de ação, mas não defende a
idéia de sua abstração, até porque, para ele, somente tem ação quem tem
razão. Portanto, trata-se de um autor concretista, que vincula o direito de ação
ao resultado favorável do processo.
O autor sofreu muitas críticas, principalmente, por relacionar-se com o
caráter concreto da ação. Como analisa Rosemiro Leal:
Chiovenda exibia, como assinala o insigne Ovídio Baptista
da Silva, característica de “direito concreto atual, existente
antes do processo e precisamente como uma potestade?
jurídica para obter, contra o adversário, um resultado
favorável no processo. Em tendo a ação, do ponto de
vista chiovendiano, o sentido de direito de movimentar a
jurisdição por um querer que o Estado não poderia
impedir, entende-se que, por esse ângulo, se lidas as
constituições do Estado moderno, estaria Chiovenda
plenamente justificado em antever na ação um direito
incondicionado à jurisdição, o que o afastaria de Wach, se
não fora o caráter privatístico de um vínculo de sujeição,
imposto pelo autor ao réu, que Chiovenda imaginava
existir antes mesmo de se instaurar o procedimento.
(LEAL, 2001, p. 123)
Creio que o entendimento do autor italiano não se adequa ao paradigma
do Estado Democrático de Direito e à noção do processo como procedimento
em contraditório, pois o direito potestativo seria o poder do autor de submeter o
réu ao processo, sem que esta sujeição seja objeto de manifestação de
vontade. Não é somente em razão de o poder de sujeição se relacionar com
uma relação jurídica de natureza privada, que tem-se por inadequada a teoria
chiovendiana. A sujeição – como poder de modificar uma situação jurídica –,
sem a intervenção do sujeito que poderá suportar os ônus desta modificação,
não se compreende na noção de contraditório, na qual o processo se constrói
com a participação em simétrica paridade dos sujeitos que suportarão o
provimento. Pois, se o processo, como garantia constitucional (bem como o
princípio da ampla defesa), se estrutura com a participação do autor e do réu,
em simétrica paridade, não pode se conciliar com um poder baseado na
atuação exclusiva de uma das partes.
Passaremos, agora, a analisar a doutrina do direito de ação erigida por
Enrico Tulio Liebman. O autor inicia seu estudo da ação a partir do princípio da
iniciativa das partes, haja vista que a jurisdição é inerte e não permite ao juiz
iniciar o processo, seja porque não é possível ao órgão jurisdicional conhecer
de todas as lesões a direitos, seja em virtude da garantia da imparcialidade e
da neutralidade do juiz frente à situação material que será objeto de decisão.
A iniciativa da parte, isto é, do autor, de iniciar a ação, pode ser
analisada como direito, ou como ônus. Nas palavras de Liebman:
Essa iniciativa, pois, que se exerce propondo a ação em
juízo pela forma adequada, representa para a parte antes
de tudo um ônus, ou seja, ato necessário para que aquele
que espera obter a proteção do seu direito dê início a um
procedimento.(...)
Mas a iniciativa do processo é, ao mesmo tempo, também
um direito da parte, ou seja, o direito de provocar o
exercício da jurisdição com referência a uma situação
jurídica em que ele é interessado, visando a obter do juiz
a proteção de um interesse próprio que se afirma
insatisfeito. (LIEBMAN, 1985, p.146)
Liebman sustenta a existência de um direito subjetivo, processual por
excelência, que denomina direito de agir em juízo, que é garantido pela norma
constitucional (art. 24 da Constituição da italiana). Assim, preleciona: “(...) a
satisfação desses direitos, especialmente a satisfação coativa, depende da
vontade dos titulares, isto é, da sua livre determinação; eis por que lhes é
reconhecido esse exclusivo poder (...)” ( LIEBMAN, 1985, p. 147)
O autor compreendia a ação como o direito a um julgamento de mérito.
(Cf. LIEBMAN, 1985, p. 151)
Cabe ressaltar a diferença entre a teoria do direito de ação do autor, que
se diferenciava da doutrina mais aceita até então, que entendia a ação como
direito abstrato, e não concreto. Pois, como sustenta o autor:
só tem direito à tutela jurisdicional aquele que tem razão,
não quem ostenta um direito inexistente. Mas a única
maneira de assegurar a quem tem razão a possibilidade
de impor seu reconhecimento em juízo consiste em
permitir que todos tragam os seus pedidos aos tribunais,
aos quais incumbirá a tarefa de examiná-los e de acolhêlos ou rejeitá-los, conforme sejam procedentes ou
improcedentes. (LIEBMAN, 1985: 147)
Apesar de a ação ser um direito subjetivo processual, esta, para
Liebman, difere do direito subjetivo substancial, pois a ação se dirige ao
Estado, ao órgão jurisdicional, e o direito subjetivo substancial relaciona-se
com o direito material, com a obrigação que decorre da lesão de um direito.
O (?) ponto da teoria de Liebman de grande relevância para a doutrina
brasileira, como justificam os autores CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, é
“o destaque às condições da ação, colocadas como verdadeiro ponto de
contato entre a ação e a situação de direito material” (CINTRA, GRINOVER,
DINAMARCO, 1997, p. 251), pois, para Liebman, a iniciativa da parte se
individualiza, no caso concreto, na pessoa que pode agir em juízo (o que se
define como legitimidade de agir), e na tutela de um interesse que se encontra
ameaçado e necessita do processo para que seja protegido (o que se
denomina interesse de agir).
Mas a teoria de Liebman recebeu críticas, principalmente, em razão da
relação que o autor estabelece entre o direito de ação e o resultado final do
processo, como ressalva Rosemiro Leal : “que a vinculou a uma pretensão de
direito material, retornando ao imanentismo da corrente de Savigny, deixando
mesmo de reconhecer no direito-de-ação qualquer implicação constitucional
de direito incondicionado de movimentar a jurisdição.” ( LEAL, 2001, p. 123)
Dinamarco, nas notas inseridas na edição brasileira do Manual de direito
processual civil, de Liebman, defende a filiação do autor italiano à corrente dos
abstratistas, pois sua teoria se funda na ação como direito ao provimento de
mérito. Nas palavras de Dinamarco:
são abstratistas todas as teorias para as quais a ação se
considere existente ainda que inexistente o direito
subjetivo material afirmado.(...) O que afasta nosso
Mestre dos abstratistas mais extremados é a distinção,
que ele faz, entre a ação como garantia constitucional
(esta sim condicionada) e a ação como instituto
disciplinado a nível de direito processual civil.(LIEBMAN,
1985: 153)
Gostaríamos de analisar a compreensão que Aroldo Plínio dá à obra de
Liebman:
A existência da ação, em Liebman, tem como requisitos
duas condições: o interesse de agir e a legitimação e
esses requisitos são dados na norma processual.
O fato de que Liebman haja admitido que o provimento
pode não ser favorável à pretensão do autor não é
significativo, pois lesão e ameaça a direitos se provam no
processo(...)
Significativa, na verdade, é cisão feita por Liebman entre
“direito de agir em juízo” e “direito de ação” delineado no
art. 24 da Constituição italiana, tendo sua existência
caracterizada na norma infra-constitucional em relação à
situação jurídica concreta: a ação separada do poder de
agir, o corte entre o genérico poder de agir como garantia
constitucional e o direito de ação , a ação como direito ao
processo e ao julgamento do mérito.(GONÇALVES, 1992,
p.139)
Contudo, todas as teorias a respeito da ação foram erigidas inserindo-a
como um dos três grandes pilares da ciência processual, quais sejam: ação,
jurisdição e processo. Todas elas foram construídas a partir da noção de
processo como relação jurídica, estruturadas a partir do conceito de direito
subjetivo, entendido como o poder de exigir uma conduta de outrem, ou seja,
um vínculo de sujeição.
De modo que, ao estruturar a teoria do processo como procedimento em
contraditório, Fazzalari propõe uma nova formulação para o direito de ação. O
autor repudia tanto a formulação chiovendiana de ação como direito potestativo
substancial e seu caráter concreto ou ainda, as daqueles que, refutando a
teoria de Chiovenda, sustentam ser o direito de ação de caráter processual e
abstrato, mas limitando-o ao direito de demandar a tutela jurisdicional, como
simples proposizione della domanda. (Cf. FAZZALARI, 1992, p. 418,419)
Vale ressaltar que Fazzalari propõe um novo conceito de ação, retirando
toda a carga de tradições pandectistas, mudando o enfoque da ação, antes
relacionada ao pedido e à demanda, para um relacionado com o provimento.
Para tanto, utiliza-se do conceito geral de direito de legitimação, em seu duplo
aspecto – situação legitimante e situação legitimada – e o conceito processual
de legitimação para agir.
Assim, distingue-se situação legitimante de situação legitimada, segundo
Aroldo Plínio, com base nos ensinamentos de Fazzalari:
enquanto a situação legitimante é contemplada como
aquela em presença da qual um poder, uma faculdade ou
um dever são conferidos ao sujeito, a situação legitimada
consiste em uma série de poderes, faculdades, deveres,
que se põem como expectativa para cada um dos sujeitos
do processo.(GONÇALVES, 1992, p. 152)
Ou ainda, nas palavras do autor italiano:
La legitimazione ad agire va considerata – alla stregua
della legitimazione genere, quale nozione di teoria
generale- da due angoli. Chiamiano situazione legitimante
il punto di agancio delle legitimazione de agire, fuor de
metafora la situazione in base alla quale si determina
qual’è il soggetto che, in concreto, può e deve compiere
un certo atto, e situazione legitimata il potere, o la facoltà,
o il dovere – o una serie dei medesimi – che, di
conseguenza, viene a spettare al soggetto individuato, val
dire il contenuto delle legitimazione, ciò in cui esse
consiste.( FAZZALARI, 1992, p. 300)
Se nos detivermos no conceito de situação legitimante, verificaremos
que a legitimação para agir no processo se baseia no provimento jurisdicional
que se originará do referido processo, e, por conseqüência, é com base no
provimento jurisdicional que se define quem serão as partes no processo, pois
são elas as responsáveis pela realização dos atos relativos à garantia do
contraditório. Assim, para se definir quem serão as partes em um processo, em
concreto, deve-se analisar o provimento jurisdicional requerido e os sujeitos
que serão afetados pelo respectivo provimento.(Cf. FAZZALARI: 1992, 301)
Assim, o conceito de parte no processo se define a partir dos afetados pelo
provimento jurisdicional, que atuarão no processo em posição de simétrica
paridade.
Como ressalta Aroldo Plínio, a respeito do conceito de parte:
Anote-se que a própria concepção de parte já tem seu
ponto focal de definição deslocado do pedido (parte não é
mais apenas “aquele que pede...”) para o destinatário do
provimento, e, por isso, é sujeito do processo, com a
garantia de participação nos atos que o preparam.
(GONÇALVES, 1991, p.146)
Como analisa Fazzalari, não se pode entender a ação como, única e
exclusivamente, o direito ou faculdade do autor de colocar o processo em
movimento, ou o direito de ação como o ato inaugural do processo. Pois a ação
é uma situação subjetiva composta, que analisada sob o aspecto de uma
posição subjetiva, compreende uma série de poderes, deveres e faculdades
que a parte possui ao longo do processo, até a produção do provimento final.
De forma que ação, entendida como uma série de posições processuais de
uma parte, é um conceito que se aplica não exclusivamente ao autor, mas a
todos
os
sujeitos
do
processo:
réu,
interveniente,
denunciado,
juiz,
serventuário, pois todos possuem legitimação para agir no processo.
O que o autor distingue é que o juiz, por exercer uma atividade
jurisdicional de natureza pública, possui função, e não ação, pois sua atuação
compreende a realização de atos e cumprimento de deveres, não podendo se
referir a faculdades e direitos.
Nas palavras de Fazzalari:
configurata l’azione come la sequenza delle posicioni
processuali spettanti allá parte, lungo il corso Del
processo, non à, poi, consentito ritenere che abbia azione
soltanto la parte che promuove il processo (...) La verità è,
invece, che ha propria azione qualsiasi altra parte (così,
ancora nel processo civile, il convenuto, l’inteveniente):
infatti ciascuna para ha una serie di poteri, facoltá, doveri,
assegnatile proprio per realizare, con una serie di atti, la
sua
partecipazione
la
processo,
quindi
il
contraddittório.(FAZZALARI, 1992, p. 420)
Importantes, parece-nos, são as implicações dessa conclusão, pela qual
têm ação no processo todos aqueles que realização uma série de atos,
poderes, faculdades e deveres. Principalmente, no que tange ao confronto
entre as atuações do autor e do réu. Pois, tanto um, quanto outro, possuem
faculdades, poderes e deveres, relativos à construção do processo como
procedimento em contraditório, entendido como posição de simétrica paridade
entre eles. Logo, não se pode falar em legitimação ativa do autor e legitimação
passiva do réu. Pois, ambos são legitimados ativos do contraditório. Se há
alguma legitimação passiva das partes, esta se refere à legitimação ao
provimento jurisdicional, pois serão eles os afetados pela sentença do juiz.
Do mesmo modo, não se deve contrapor ação e exceção, como ressalta
Fazzalari, pois exceção é uma figura muito mais limitada, já que compreende
apenas a alegação de fatos extintivos, impeditivos do direito alegado pelo
autor.(Cf. FAZZALARI, 1992, p. 422) Portanto, um conceito muito mais restrito
que o compreendido na posição de simétrica paridade dos interessados e
contra-interessados, que gera para ambos uma série de poderes, deveres e
faculdades simétricos.
O processualista italiano ressalta que a ação não está ligada ao êxito ou
não do processo. Pois a legitimação para agir se distingue da legitimação do
juiz para emanar um provimento, e da legitimação das partes ao provimento.
La spendita in concreto dell’azione, quale largita in
absratto, non à mai pregoudicata, a posteriori, dall’esito
del processo, nel senso che se, alla fine, la misura
giurisdicionale richiesta viene riufutata, non per questo
potrà dirsi che le parti siano state private di Legitimazione
ad agire: tutt’altro, proprio perché el processo si è
ormaissvolto; e si è svoltoappunto per mettere in grado il
giudice de prender partito.(FAZZALARI, 1992, p. 424)
Cabe apenas relacionar que a legitimação de agir do juiz, denominada
função, se evidencia em duas análises: a legitimação deste para emitir o
provimento, em razão da competência, e sua imparcialidade. Nas palavras de
Aroldo Plínio:
O juiz deve controlar se pode ser sujeito do processo, se
pode desenvolver suas funções de dirigir o iter que
conduz ao ato final (...) O exame, a partir do provimento,
deve dar relevo, também, ao princípio inerente à
jurisdição
que exige que o juiz, sendo autor do
provimento seja terceiro,em relação aos efeitos que este
irá produzir in universum ius das partes.(GONÇALVES,
1992, p.151)
Conclui-se, portanto, que a ação é a atuação que se evidencia a partir
do provimento, e não do pedido do autor, como era anteriormente. Se a parte
for afetada pelo provimento, sua posição será de simétrica paridade com o seu
contraditor e, portanto, terá ação e sua posição é de direção do iter processual
para emissão de um provimento.
5- Conclusão
A superação da teoria do processo como relação jurídica, fundada em
um vínculo de sujeição entre as partes, de supra-ordenação, demanda uma
reflexão a respeito dos demais institutos estruturantes da teoria do processo.
A adoção da teoria do processo como procedimento em contraditório
funda-se na adoção do paradigma do Estado Democrático de Direito, mas ela
deve ser compreendida a partir deste marco definidor e da compreensão do
Modelo Constitucional do Processo, pois o processo se estrutura a partir da
atuação participada dos afetados pela decisão .
A proposta deste trabalho foi demonstrar, portanto, as importantes
modificações para a Teoria do Processo, em razão da adoção da teoria do
processo como procedimento em contraditório, principalmente no que tange
aos conceitos de Jurisdição e Direito de Ação. Pois adotar a compreensão do
processo como procedimento em contraditório, como a natureza do processo,
impede a simples transposição de conceitos estruturados com base nas teorias
relacionistas. Esta é a árdua tarefa que deve ser alcançada.
6- Bibliografia
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