DA INTERDICIPLINARIEDADE DO DIREITO COM A ECONOMIA OU PONTOS DE DIÁLOGO CIENTÍFICO EM CONSTRUÇÃO Por Nelson Moraes Rêgo1 O saber humano, cada vez mais múltiplo e acumulativo, em suas mais diversas áreas, sobretudo se considerado mais de seis mil anos de civilização do homus sapiens sobre a face da terra, está a exigir, para uma maior aproximação da realidade, que se realize cruzamentos de dados, informações e postulados científicos de caráter interdiciplinar. A busca da verdade, enquanto parâmetro científico, e mesmo filosófico, é tarefa inesgotável, irredutível e infinita. Mas que, não obstante, mostra-se prenha de concretude e atualidade sempre renovável. Assim é, por exemplo, a interdiciplinariedade entre o direito e a economia na pós modernidade, que tem buscado pontos de diálogo científico, para uma maior compreensão da realidade social. Convém observar que a relação existente entre Direito e Economia é tão antiga quanto a existência destes dois ramos do conhecimento humano, e que torna-se injusto, descabido e desatualizado, principalmente com o avançar da globalização econômica, atribuir importância marginal ao diálogo entre o Direito e a Economia. Pelo contrário, reconhece-se que, ao propor soluções para questões atuais, a imensa contribuição desta interdiciplinariedade, enquanto Ciências Sociais aplicadas.2 Sobressai-se sobremaneira, tal importância interdiciplinar, quando incursionamos em determinadas áreas, como contratos, obrigações e comércio, fiscalidade e tributação, relações laborais e administração pública (na prestação de serviços essenciais à coletividade). 1 O Autor é Juiz de Direito, Mestrando em Direito Processual pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Doutorando em Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca, membro do IMBInstituto dos Magistrados do Brasil e do IBDP- Instituto Brasileiro de Direito Processual. 2 Neste sentido vide DÉCIO ZYLBERSZTAJN e RACHEL STAJN, Direito & Economia, Análise Econômica do Direito e das Organizações, Editora Campos/Elsevier, S.Paulo, 2.005; M. GEOFFREY HODGSON, Economia e Instituições, Oeiras:Celta, 1994; CASTELLAR PINHEIRO, em diversos artigos IPEA/FGV, Credit, Markets in Brazil: the role of the judiciary and other instituiciones; Direito e Economia num Mundo Globalizado:Cooperação ou Confronto; Decisões Judiciais, Desenvolvimento Econômico e Crédito no Brasil, Brasília/Rio de Janeiro, 2.003. CASTELAR PINEIRO & JAIRO SADDI, Direito, Economia e Mercados, Ed. Campus, S.Paulo, 2005. 2 A própria dimensão do Direito Econômico, como disciplina jurídica e como ramo de direito pressupõe, ao menos, a formulação de dois problemas. O primeiro é o das relações entre o Direito e a Economia, enquanto fenômenos da vida social e disciplinas enquadradas como ciências sociais e humanas que estudam esses fenômenos. O segundo é o de saber que fundamentos justificam a emergência de um novo ramo e disciplina jurídica, o Direito Econômico. Inserida naquela primeira acepção, tem-se a análise econômica do direito, de formulação anglo-saxônica.3 Oportuna a advertência, que não poderia faltar em considerações como estas, de que os fenômenos e relações sociais são totais, sendo econômicos e jurídicos, apenas dois aspectos muito relevantes e em muitas vezes indissociáveis um do outro, que integram esses fenômenos ou relações sociais.4 Consequentemente, é de fácil constatação, mesmo quando se está diante de fenômenos, de aparente predominância jurídica, como a produção de normas de direito e a sua aplicação ou mesmo a resolução de conflitos de interesses por meio de processos e decisões judiciais, que tais fenômenos são portadores de inequívocas dimensões econômicas.5Assim, queda-se evidenciado a ocorrência no meio social, de importantes interpenetrações das dimensões jurídicas e econômicas e mesmo destas com outras dimensões, que não podem passar despercebidas por quem se debruça a esgassar, cientificamente, a complexidade desses fenômenos e relações sociais.6 3 RICHARD A. POSNER, Economic Analysis of Law, Boston, Litte Brown, 1973; COASE, Ronald, the Firm, the Market and Law, Chicago/London, University of Chicago Press, 1988 e KOMESAR, NEIL K., Imperfect Alternatives, Choosing Institutions in Law, Economics, and Public Policy, Chicago/London, University of Chicago Press, 1996. 4 DÉCIO ZYLBERSZTAJN e RACHEL STAJN, Direito & Economia, Analise Econômica do Direito e das Organizações, p.11/12,ed. Campus, S.Paulo, 2005. Para quem as facetas conexas e interdependentes do direito e da economia, são dotadas de relativa autonomia entre si, a legitimar o seu estudo segundo óticas e metodolgias distintas. Ainda que certos fenômenos sociais sejam marcadamente econômicas não são distituídos de dimensão jurídica. É como afirmam Marques, Gonçalves e Santos, às referidas pp.:“ por exemplo as ligadas ao circuito econômico (produção, circulação, distribuição, consumo) são providas de importantes dimensões jurídicas(disciplina jurídica da força de trabalho, estatuto e perfis da empresa, regulação do mercado e das trocas, regime jurídico de tributação, direito dos consumidores, etc.)”. 5 MARIA MANOEL MARQUES; MARIA EDUARDA GONÇALVES e ANTÔNIO CARLOS SANTOS, Direito Econômico, , Livraria Almedina, Coimbra, 3ª ed. 1999, p.12. Os AA. ressaltam que: “Não raro, as diversas teorias económicas (clássicas e neo-clássicas, marxistas e neo-marxistas, institucionalistas e keynesianas e pós-keynesianas) têm procurado, a partir de suas diferentes premissas, contribuir para o aprofundamento do problema.”. 6 Começa a despontar no Brasil, algumas experiências de âmbito acadêmico com este caráter científico. Como exemplo, o trabalho realizado na Universidade de S.Paulo – USP, entre a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade - FEA-USP e a Faculdade de Direito do Largo de S.Francisco – FADUSP. 3 Exsurge da interdisciplinariedade científica do Direito com a Economia, a concepção do escopo econômico do processo civil, enquanto efeitos de ordem econômico-social, que advém do processo e das decisões judiciais, quer aqueles queridos e previstos pelo prolator da sentença, quer os não antevistos, mas que tiveram origem decorrente da aplicação da lei ao caso concreto e ainda aqueles que, somente indireta e reflexivamente, tiveram o seu nascedouro, emanados de uma decisão judicial.7 Constata-se que a Justiça, emanação dos Juizos e Tribunais de um determinado país, é, sem qualquer sombra de dúvidas, uma das instituições socias mais importantes e de implicação decisiva para o êxito de uma economia nacional 8 e para a consecução dos objetivos sociais priorizados pelo Estado e, muitas vezes até inserido em sua carta constitucional.9 Há, que advertir desde logo, que não se pode confundir as funções de planejamento macro-econômico e de políticas governativas, próprias do Executivo, enquanto formulador das políticas sócio-econômicas e enquanto agente estatal responsável pelo planejamento e implementação dessas políticas públicas, apoiadas que são pela atuação legislativa, com a função que os prestadores jurisdicionais assumem sempre que prolatam decisões, em atuação do direito concreto, como concebeu Giuseppe Chiovenda, ou em composição dos conflitos de interesses, na 7 Reflexões extraidas em Do Processo Como Fator de Desenvolvimento Sócio-Econômico (Dissertação monográfica do Mestrado em Ciências Jurídico-Processuais, FDUC, Coimbra, Portugal, 2006, em fase conclusiva). 8 Esta afirmação evidencia-se em melhor conformidade com a economia neo-institucionalista, não pretendendo enxergar na atividade do Judiciário, aquilo que não é ínsito ao seu papel sócio-institucional, apenas ver como exercício reflexivo, algo sobre os efeitos dessas decisões sobre o prisma econômico. 9 Verbi Gratia, na Constituição Federal brasileira/1988, já desde o preâmbulo, percebe-se os compromissos axiológicos do Estado brasileiro: “ Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinados a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”. (negritos nossos). No art.1º, insculpidos os fundamentos do Estado, autoproclamado Estado Democrático de Direito : “ I- a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político”. O art.3º, tem-se os objetivos fundamentais: “ I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional ; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outra forma de discriminação”. (negritos nossos). Estas orientações constitucionais de um Estado Social, a pautar a atividade do Estado para a conformação de um desenvolvimento sustentado, mediante garantias da dignidade da pessoa humana e valorização do trabalho e da livre iniciativa, extende-se por toda a constituição. Ademais, no art. 170, ao estatuir a ordem econômica do Estado brasileiro, o legisladorconstituinte firmou, dentre outros valores: “ tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. 4 concepção de Francesco Carnelluti.10É que o processo civil, não poderia estar limitado unicamente aos escopos jurídico e político, mas também pode assumir um importante papel sócio-econômico, enquanto instituição social que, tendo indispensável função social ordenadora e de segurança jurídica, passa a desempenhar também, em decorrência desta sua missão institucional, uma missão econômica indireta e reflexiva ( e talvez até mesmo alguns efeitos diretos), de destacado equilíbrio social. Consabido é que uma sociedade não convive sem o direito, sendo este próprio da dimensão social 11 e que, nesta sua dimensão social os reflexos econômicos são ínsitos e conexos com sua atuação institucional. Ao aplicar a lei ao caso concreto, de uma forma correta, célere (com duração razoável dos processos, sem morosidade além dos prazos preconizados nos ritos processuais) e eficiente, os juízos e tribunais estão também contribuindo para o êxito da economia nacional e, consequentemente, para o alcance daqueles ideais preconizados pelo Estado, que vem a constituir o seu ideário de bem-comum, como erradicação da pobreza, diminuição das diferenças sociais e desenvolvimento econômico, justo e sustentado. E em considerando países semi-periféricos como Portugal e Brasil, esta função econômica do processo civil, mostra-se ainda mais importante , por possibilitar a atração de recursos financeiros e investimentos de grandes grupos econômicos de caráter transnacional. Vislumbra-se desde logo um dos maiores desafios dos órgãos encarregados da administração da justiça: pautar sua atuação por estes patamares de qualidade e eficiência, isto é, com imparcialidade, segurança jurídica e com entrega da prestação jurisdicional em prazo razoável 12 10 GIUSEPPE CHIOVENDA, Instituições de Direito Processual, Bookseller, Campinas, 1998; FRANCESCO CARNELLUTTI, Sistema de Derecho Procesal Civil (trad. Alcalá-Zamora y Castillo e Santiago Sentís Melendo), UTEHA, Buenos Aires, 1994. 11 Os romanos já conheciam a máxima ubi societa ibi ius (onde há sociedade há direito). Invocamos outrossim, a seguinte concepção de EROS ROBERTO GRAU, O Direito Posto e o Direito Pressuposto, Malheiros Editores, 6ª ed, p.20/21: “ Assim, ainda que em cada modo de produção social esteja instalado um determinado direito, peculiarizado, em cada sociedade coexistem vários modos de produção, de sorte tal que o direito de cada sociedade resulta da coexistência, nela, de vários modos de produção. Em cada sociedade estatal coexistem vários modos de produção social, ainda que um deles seja característico dela. Ora, ainda que domine, nela, o direito pressuposto, do modo de produção dominante, o direito posto (pelo Estado) de cada sociedade é resultante da coexistência histórica de todos esses modos de produção. Daí por que, embora se possa referir um direito do modo de produção capitalista, em cada sociedade manifesta-se um determinado direito, diverso e distinto dos outros direitos, que se manifestam em outras sociedades”. 12 Oportuna a remissão à Emenda Constitucional nº 45, à Constituição da República Federativa do Brasil, que albargou a razoabilidade nos prazos da administração da Justiça; norma constitucional de caráter processual.