ROSÁRIO LAUREANO 1 Cálculo Diferencial em R — Continuidade n [Elaborado por Rosário Laureano] [2012/13] Este ficheiro contém: 1. Tópicos de teoria - continuidade (p. 1) 2. Exercícios resolvidos (p. 3) 3. Exercício propostos (p. 10) 1 Tópicos de teoria - continuidade Continuidade num ponto Sejam f : Df ⊆ R2 → R e (a, b) ∈ R2 um ponto de acumulação de Df . A função f diz-se contínua no ponto (a, b) se e só se são verificadas as três condições seguintes: (i) existe a imagem f (a, b), ou seja, (a, b) ∈ Df ; (ii) existe o limite lim(x,y)→(a,b) f (x, y); (iii) são iguais os elementos garantidos em (i). e (ii), isto é, lim (x,y)→(a,b) f (x, y) = f (a, b) . A função diz-se contínua se for contínua em todos os pontos do seu domínio. A continuidade de f no ponto (a, b) traduz-se no essencial por: "sempre que se tomam objectos (x, y) suficientemente próximos de (a, b) obtêm-se valores f (x, y) das imagens tão próximos de f (a, b) quanto se queira". Prolongamento por continuidade num ponto Sejam f : Df ⊆ R2 → R e (a, b) ∈ R2 um ponto de acumulação de Df . A função f diz-se prolongável por continuidade no ponto (a, b) (ou que f tem no ponto (a, b) uma descontinuidade removível) se e só se são verificadas as duas condições seguintes: (i) (a, b) ∈ / Df (logo não existe a imagem f (a, b)); ROSÁRIO LAUREANO 2 (ii) existe com valor finito (como número real) o limite lim (x,y)→(a,b) f (x, y) . Seja l o valor deste limite. Define-se a função f ∗ , designada por prolongamento por continuidade de f ao ponto (a, b), por f ∗ (x, y) ≡ f (x, y) se (x, y) ∈ Df l se (x, y) = (a, b) com domínio Df ∗ = Df ∪ {(a, b)}. Note-se que Df ∗ = Df , pois Df ∗ = Df ∪ {(a, b)} e (a, b) ∈ / Df . Descontinuidade num ponto Sejam f : Df ⊆ R2 → R e (a, b) um ponto de acumulação de Df . A função f diz-se descontínua no ponto (a, b) se f não é contínua nem prolongável por continuidade nesse ponto. Neste caso, o ponto (a, b) diz-se um ponto de descontinuidade da função f . Qualquer função polinomial é uma função contínua, independentemente do número de variáveis. Tais funções podem ser designadas por funções elementares. Operações entre funções Sejam f : Df ⊆ R2 → R, g : Dg ⊆ R2 → R e (a, b) ∈ Df ∩ Dg . Se f e g são contínuas no ponto (a, b) então são contínuas f se nesse ponto as funções |f |, f + g, f − g, f × g, k · f (para c ∈ R) e g g (x, y) = 0 para todo (x, y) ∈ Dg . − → − → − ⊆ Rn → Rm e G : D→ − ⊆ Rm → Rp Função composta Sejam F : D→ F G − → − → − → − − (portanto a função composta G ◦ F está funções tais que F D→ ⊂ D→ F G − → − . Se F é contínua no ponto (a1 , . . . , an ) e bem definida) e (a1 , . . . , an ) ∈ D→ F − → − → − → − → G é contínua em F (a1 , . . . , an ) então a função composta G ◦ F também é contínua em (a1 , . . . , an ). CASO PARTICULAR 1: Sejam f : Df ⊆ R2 → R, g, h : D ⊆ R → R tais que g (D) × h (D) ⊂ Df e (a, b) = (g (c) , h (c)) ∈ g (D) × h (D) ⊂ Df um ROSÁRIO LAUREANO 3 ponto obtido a partir do valor real c ∈ D. Se f é contínua no ponto (a, b) e g e h são contínuas em c então a função composta F definida por F (t) = f (g(t), h(t)) também é contínua em c. CASO PARTICULAR 2: Sejam f : Df ⊆ R2 → R, g, h : D ⊆ R2 → R tais que g (D)×h (D) ⊂ Df e (a, b) = (g (c, d) , h (c, d)) ∈ g (D)×h (D) ⊂ Df um ponto obtido a partir do ponto (c, d) ∈ D. Se f é contínua no ponto (a, b) e g e h são contínuas em (c, d) então a função composta F definida por F (x, y) = f (g(x, y), h(x, y)) também é contínua em (c, d). No caso de uma função vetorial, a continuidade num ponto é garantida pela continuidade de cada uma das suas funções componentes nesse ponto. 2 Exercícios resolvidos Exercício Estude a continuidade da função f definida por sin (x2 + y 2 ) se (x, y) = (0, 0) x2 + y 2 f(x, y) = . 1 se (x, y) = (0, 0) RESOLUÇÃO: O domínio de f é todo o plano R2 . A função f é contínua em qualquer ponto (a, b) = (0, 0) por ser o quociente de funções contínuas (notemos que w = sin (x2 + y 2 ) é contínua por ser a composta de funções contínuas, e v = x2 + y 2 é uma função polinomial). A função f também é contínua em (a, b) = (0, 0) porque lim (x,y)→(0,0) f (x, y) = sin (x2 + y 2 ) =1 (x,y)→(0,0) x2 + y 2 lim (atendendo ao limite de referência limA→0 (sin A) /A = 1) e 1 é valor da imagem de f em (0, 0), f (0, 0) = 1. Concluímos então que f é contínua. ROSÁRIO LAUREANO 4 Exercício Considere a função f dada por x4 y 3 se (x, y) = (0, 0) 4 x + y8 f (x, y) = . 0 se (x, y) = (0, 0) Averigúe se a função f é contínua no ponto (0, 0). RESOLUÇÃO: Notemos que (0, 0) ∈ Df = R2 . Temos f (0, 0) = 0 logo f é contínua em (0, 0) se x4 y 3 = 0 = f (0, 0) . (x,y)→(0,0) x4 + y 8 lim 0 A substituição de x por 0 e y por 0 conduz à indeterminação . Procedemos 0 então ao estudo dos limites relativos. Limites iterados ou sucessivos: x4 y 3 0 lim lim 4 = lim 4 = lim 0 = 0 8 x→0 y→0 x + y x→0 x x→0 (caso exista o limite pedido, ele terá o valor 0) e também é nulo o limite x4 y 3 0 lim lim = lim 8 = lim 0 = 0. y→0 x→0 x4 + y 8 y→0 y x→0 Aproximação ao ponto (0, 0) por retas (limites direcionais): 0 x4 y 3 x4 m3 x3 x7 m3 = lim lim = lim x→0,y=mx x4 + y 8 x→0 x4 + m8 x8 x→0 x4 (1 + m8 x4 ) 0 0 · m3 x3 m3 0 = = = 0, 8 4 8 x→0 1 + m x 1+m ·0 1 = lim para todo o m. Aproximação ao ponto (0, 0) por parábolas verticais y = kx2 , com k = 0: x4 y 3 x4 k 3 x6 0 x10 k 3 = lim lim 2 4 = lim x→0 x4 + k 8 x16 x→0 x4 (1 + k 8 x12 ) x→0,y=kx x + y 8 0 x6 k 3 0 · k3 0 = = = 0. 8 12 8 x→0 1 + k x 1+k ·0 1 = lim ROSÁRIO LAUREANO 5 Dado que todos os limites relativos estudados conduzem ao mesmo valor 0, há que analisar pela definição se 0 é, de facto, o valor do limite em estudo. Temos 4 3 4 3 4 3 4 3 xy = |x y | = |x | · |y | ≤ x · |y | |f (x, y) − 0| = 4 − 0 |x4 + y 8 | x + y8 x4 + y 8 x4 + y 8 3 x4 · |y 3 | 3 3 2 2 ≤ = y = |y| ≤ x +y < ε3 4 x Portanto, é garantido que |f (x, y) − 0| < δ √ √ sempre que ε3 ≤ δ, ou seja, sempre que ε ≤ 3 δ. A relação ε ≤ 3 δ mostra √ que a diminuição do δ tomado implica a diminuição do valor ε = ε (δ) = 3 δ respetivo. Assim, concluímos que lim (x,y)→(0,0) f (x, y) = 0. e que a função f é contínua em (0, 0). Exercício Considere a função f definida por x2 y se xy < 0 2 x + y2 . f (x, y) = ln (xy + 1) se xy ≥ 0 Averigúe a continuidade de f em pontos do eixo dos xx com abcissa positiva. RESOLUÇÃO: Notemos que os pontos do eixo dos xx com abcissa positiva pertencem ao domínio da função, Df = R2 . Estes pontos têm imagem nula, f (a, 0) = ln (a · 0 + 1) = ln 1 = 0. Há que saber se também é nulo o limite de f em pontos da forma (a, 0), com a > 0. Estes pontos (x, y) estão no 1o ou no 4o quadrantes. Então, dada a forma como a função f está definida (podemos fazer um esquema ROSÁRIO LAUREANO 6 com a expressão válida em cada um dos quadrantes pois ajuda a clarificar o exercício), é necessário calcular os limites [1o Q] lim f (x, y) = lim ln (xy + 1) = ln (a · 0 + 1) = 0, (x,y)→(a,0) (x, y) → (a, 0) y>0 e [4o Q] x2 y a2 · 0 0 lim f (x, y) = lim = = 2 = 0. 2 2 2 2 (x,y)→(a,0) x + y a +0 a (x, y) → (a, 0) y<0 Como são iguais (note que não estamos a calcular limites relativos), concluímos que o limite de f nos pontos (a, 0), com a > 0, existe e tem o valor 0. Assim, a função f é contínua em todos os pontos do eixo dos xx com abcissa positiva. Exercício Considere a função f definida por 2x3 − y 3 se (x, y) = (0, 0) 2 x + y2 f(x, y) = . α se (x, y) = (0, 0) Existe algum valor de α ∈ R para o qual a função f é contínua? Justifique. RESOLUÇÃO: Notemos que a função f está definida em todo o plano R2 . A função f é contínua em qualquer ponto (a, b) = (0, 0) por ser o quociente de funções contínuas (funções polinomiais), independentemente do valor de α. A função f é contínua no ponto (a, b) = (0, 0) se 2x3 − y 3 = α, (x,y)→(0,0) x2 + y 2 lim visto que f (0, 0) = α. A substituição de x por 0 e y por 0 no limite conduz 0 à indeterminação . Procedemos então ao estudo dos limites relativos: 0 Limites iterados ou sucessivos: 2x3 − y 3 2x3 lim lim 2 = lim = lim 2x = 0 x→0 y→0 x + y 2 x→0 x2 x→0 ROSÁRIO LAUREANO 7 (caso exista o limite pedido, ele terá o valor 0) e também é nulo o limite 2x3 − y 3 −y 3 lim lim 2 = lim = lim (−y) = 0. y→0 x→0 x + y 2 y→0 y 2 x→0 Aproximação ao ponto (0, 0) por retas (limites direcionais): 2x3 − y 3 2x3 − m3 x3 0 x3 (2 − m3 ) lim = lim = lim x→0,y=mx x2 + y 2 x→0 x2 + m2 x2 x→0 x2 (1 + m2 ) 0 0 · (2 − m3 ) x (2 − m3 ) = = 0, x→0 1 + m2 1 + m2 = lim para todo o m. Aproximação ao ponto (0, 0) por parábolas verticais y = kx2 , com k = 0: 2x3 − y 3 2x3 − k 3 x6 0 x3 (2 − k 3 x3 ) = lim lim 2 2 = lim x→0 x2 + k 2 x4 x→0 x2 (1 + k 2 x2 ) x→0,y=kx x + y 2 0 0 · (2 − 0) x (2 − k 3 x3 ) = = 0. 2 2 x→0 1 + k x 1+0 = lim Dado que todos os limites relativos estudados conduzem ao mesmo valor 0, há que analisar pela definição se 0 corresponde, de facto, ao valor do limite em estudo. Temos 3 2x − y 3 |2x3 − y 3 | |2x3 | + |−y 3 | = − 0 ≤ |f (x, y) − 0| = 2 x + y2 x2 + y 2 x2 + y 2 |2x3 | + |−1| · |y 3 | |2x3 | + |y 3 | 2 |x|3 + |y|3 = = x2 + y 2 x2 + y 2 x2 + y 2 3 3 3 2 2 2 2 2 2 2 x +y + x +y 3 x +y ≤ = x2 + y 2 x2 + y 2 3 (x2 + y 2 ) x2 + y 2 = = 3 x2 + y 2 < 3ε. x2 + y 2 = Portanto, é garantido que |f (x, y) − 0| < δ ROSÁRIO LAUREANO 8 sempre que 3ε ≤ δ, ou seja, sempre que ε ≤ δ/3. A relação ε ≤ δ/3 mostra que a diminuição do δ tomado implica a diminuição do valor ε = ε (δ) = δ/3 respetivo. Assim, concluímos que lim (x,y)→(0,0) f (x, y) = 0. Dado que f (0, 0) = α, a função f é contínua em (a, b) = (0, 0) se α = 0. Portanto, para α = 0 a função f é contínua (significa ser contínua em todo o seu domínio). Exercício Seja f : Df ⊆ R2 → R definida por x2 + y 2 se x2 + y 2 < 1 e (x, y) = (0, 0) 2 + y2 ) ln (x f (x, y) = . 0 se (x, y) = (0, 0) Estude a continuidade da função f na origem. RESOLUÇÃO: Notemos que (0, 0) ∈ Df e é ponto de acumulação de Df . Na verdade, o domínio da função é Df = (x, y) ∈ R2 | x2 + y 2 < 1 , ou seja, os pontos do interior do círculo de centro (0, 0) e raio 1. Temos f (0, 0) = 0 e há que verificar se também lim (x,y)→(0,0) f(x, y) = 0. De facto, a substituição de x por 0 e y por 0 conduz a lim (x,y)→(0,0) f(x, y) = x2 + y 2 0 = = 0, 2 2 x→0,y→0 ln (x + y ) −∞ lim pelo que 0 é o valor do limite da função f no ponto (0, 0) e esta é então contínua em (0, 0) (pois também f (0, 0) = 0). Exercício Seja a função f : R2 → R definida por sin (x3 + y 3 ) se (x, y) = (0, 0) 2 + y2 x f (x, y) = . 2 se (x, y) = (0, 0) ROSÁRIO LAUREANO 9 Estude a continuidade da função f na origem. RESOLUÇÃO: Notemos que (0, 0) ∈ Df = R2 . Temos f (0, 0) = 2. Quanto ao limite de f no ponto (0, 0), a substituição de x por 0 e y por 0 0 conduz à indeterminação . Procedemos então ao estudo dos limites rela0 tivos. O limite iterado sin (x3 + y 3 ) sin x3 sin x3 lim lim = lim = lim ·x =1·0 =0 x→0 y→0 x→0 x2 x→0 x2 + y 2 x3 tem valor nulo logo, caso o limite exista, ele terá valor 0 = 2 = f(0, 0). Tal permite concluir de imediato que a função não é contínua na origem. Exercício Seja a função f : R2 → R definida por xy n + py se (x, y) = (0, 0) 2 x + y2 f (x, y) = 0 se (x, y) = (0, 0) onde n é um número natural e p um número real. Mostre que a função f é contínua em (0, 0) se e só se n ≥ 2 e p = 0. RESOLUÇÃO: Notemos que (0, 0) ∈ Df = R2 . Temos f (0, 0) = 0. Como tal, a função f é contínua no ponto (0, 0) se e só se lim (x,y)→(0,0) f(x, y) = 0. Tomemos δ > 0 e, por hipótese, que (x, y) − (0, 0) = x2 + y 2 < ε para certo ε = ε (δ) > 0. Temos n xy + py |xy n + py| = |f (x, y) − 0| = 2 x + y2 x2 + y 2 ≤ |xy n | + |py| |x| · |y|n + |p| · |y| = . x2 + y 2 x2 + y 2 ROSÁRIO LAUREANO 10 √ x2 ≤ x2 + y 2 e |y| = y 2 ≤ x2 + y 2 , concluímos que n 2 2 2 2 x +y · x +y + |p| · x2 + y 2 |f (x, y) − 0| ≤ x2 + y 2 n 2 2 2 2 x +y · x +y + |p| = x2 + y 2 n x2 + y 2 + |p| = x2 + y 2 n−1 |p| · = x2 + y 2 + . x2 + y 2 Dado que |x| = Temos então |f (x, y) − 0| < δ se tomarmos ε > 0 tal que εn−1 ≤ δ com n−1≥1 (para que ε diminua quando δ diminui e aumente quando δ aumenta) e |p| = 0. Concluímos então que a função f é contínua no ponto (0, 0) se e só se n ≥ 2 e p = 0. 3 Exercício proposto Exercício Dada a função real f : R2 → R definida por x+y−2 se x ≤ 0 ∧ y > 0 x + y2 se y ≤ 0 . f(x, y) = x + 3y se x > 0 ∧ y > 0 2xy Determine o conjunto do pontos onde a função f é contínua.