Bursite Trocantérica

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Texto de apoio ao curso de Especialização
Atividade Física Adaptada e Saúde
Prof. Dr. Luzimar Teixeira
Bursite trocantérica
Wiliam Soltau Dani
Elaine de Azevedo
Introdução
As dores na região trocantérica são queixas comuns podendo ser causadas por problemas
clínicos locais como a bursite trocantérica, tendinite dos glúteos ou por doenças da
articulação coxofemoral e da região lombossacra.
A bursite trocantérica também conhecida como síndrome da dor no trocânter maior é uma
das doenças mais freqüentes na região do quadril(1,2), apresentando grande variedade de
sinais e sintomas.
A articulação do quadril tem uma anatomia difícil e uma biomecânica complexa, e a falta de
conhecimento anatômico e propedêutico da região faz com que o diagnóstico seja
confundido, muitas vezes, com outras doenças(3).
Os primeiros relatos do envolvimento inflamatório da bursa trocantérica se devem a
Partridge em 1846. Duplay, em 1877, denominou essas afecções como "periartrite
coxofemoral"(4).
Em 1952, Spear & Lipscomb, contrariando a idéia da maioria dos autores na época, de que
as bursites trocantéricas eram relacionadas à tuberculose ou infecções piogênicas,
publicaram um trabalho com 40 casos de pacientes que apresentavam queixas de dor no
quadril, irradiadas para a região lateral da coxa, piorando com movimentos e
ocasionalmente levando a claudicação, sem sinais infecciosos locais(3).
Swezey(5), em 1976, estudou 70 pacientes idosos com quadro de dor lombar e suspeita de
radiculopatia, encontrando 31 pacientes em que a queixa era ocasionada por quadro de
bursite trocantérica e apenas 5 com radiculopatia lombar.
Em 1996, Kagan(6,7) descreveu em seu trabalho que a bursite trocantérica poderia ser
causada por lesão na inserção dos tendões do glúteo médio e mínimo, provocando o quadro
clínico característico da doença.
Figura 1 - Bursas constantes na região do grande trocânter: a)subglútea mínima; b)
subglútea média; c) subglútea máxima.
Anatomia
Os anatomistas do século XVIII utilizaram o termo bursa (do latim, pequena bolsa) para
designar pequenas quantidades de fluidos embolsados entre tendões e osso. A natureza
exata e sua função não são bem definidas, mas acredita-se que servem para diminuir o
atrito entre os tendões e músculos sobre proeminências ósseas(8).
Existem dois tipos de bursas: as constantes, presentes desde o nascimento e de localização
anatômica definida, que são estruturas sacoliformes, revestidas de tecido fibroso e
apresentando uma membrana semelhante a sinovia; e as bursas adventícias, que se
formam em áreas de hiperpressão ou trauma (p.ex.: hálux valgo), elas não apresentam
endotélio verdadeiro ou revestimento sinovial(9).
A região do quadril é formada por aproximadamente 14 a 21 bursas, sendo as de maior
interesse a trocantérica, a iliopectínea e a isquioglútea(8,10). Das quatro bursas geralmente
presentes na região do grande trocânter três são constantes: subglútea máxima, média e
mínima (Figura 1).
A bursa subglútea máxima, localiza-se profundamente às fibras convergentes do tensor da
fascia lata e do glúteo máximo que se agrupam para formar o trato iliotibial. Pode
apresentar-se como cavidade única, separada ou não, ou estar dividida em duas partes.
Tem forma de amêndoa de 4 a 6 cm no comprimento e 2 a 4 cm na largura. Esta bursa
funciona como um mecanismo deslizante para a parcela anterior do tendão do glúteo
máximo enquanto passa sobre o trocânter maior(10).
A bursa subglútea média, está interposta entre o tendão do glúteo médio e a parte ânterosuperolateral do grande trocânter. Já a subglútea mínima, entre o tendão do glúteo mínimo
e a parte ântero-medial do grande trocânter. Toda a inflamação ou irritação destas bursas
pode resultar nos sintomas da bursite trocantérica(10).
Etiopatogenia
A causa mais freqüentemente associada à bursite trocantérica é o microtrauma repetitivo
causado pelo uso ativo dos músculos que se inserem no grande trocânter, resultando em
mudanças degenerativas dos tendões, dos músculos, ou de tecidos fibrosos. As alterações
na biomecânica da extremidade inferior conjuntamente com a mudança dos mecanismos
dos músculos do quadril podem predispor ao desenvolvimento da doença.
Embora o trauma seja uma das causas conhecidas, somente 23% a 64% dos pacientes
recordam um evento traumático específico(10).
A calcificação na região do trocânter maior na associação com bursite foi observada desde
os relatórios iniciais. Desconhece-se que estas calcificações estejam relacionadas a um
processo degenerativo nos tendões devido ao trauma, idade do paciente ou a outras
variações biomecânicas possíveis. É mais provável que a inflamação do local associada com
a calcificação tendínea seja um fenômeno secundário.
As doenças músculo-esqueléticas comuns associadas com a bursite trocantérica incluem a
artrite degenerativa do quadril, doenças na coluna, discrepância nos membros inferiores,
doença reumatóide, infecção, gota, obesidade, fibromialgia, osteoartrose das articulações
inferiores, síndrome da banda iliotibial, pós-operatório de artroplastia, entre outras. Embora
muitas destas circunstâncias fossem casualmente relacionadas, nenhuma foi bem estudada
e conseqüentemente a natureza exata deste relacionamento é incerta(8,9,10).
Epidemiologia e quadro clínico
As mulheres, em uma relação de 4:1 comparada com os homens, são mais freqüentemente
afetadas, com a prevalência aumentada entre a quarta e sexta décadas de vida(7).
A dor é de característica crônica, intermitente sobre o aspecto lateral do quadril.
Ocasionalmente, o início da dor é agudo ou subagudo, podendo ser intensa. Normalmente a
dor piora a noite e o paciente tem dificuldade para dormir(8,10). A localização da dor é
atrás e posteriormente ao trocânter maior, podendo se estender no aspecto lateral da coxa
em 25 a 40% dos casos, e até a perna e tornozelo, mas não até o pé. Pode ser localizada
também na região lombar baixa e, em alguns casos, ser acompanhada de parestesia na
face lateral da coxa mas sem localização de dermátomo específico. A dor pode ser ainda
provocada ficando-se na mesma posição por muito tempo ou quando o paciente deita-se
contra o lado afetado.
Exame físico
A dor localizada na palpação em cima do grande trocânter pode ser encontrada em todos os
pacientes sintomáticos. Tipicamente, esta área estará no local da inserção do glúteo médio.
A dor pode ser reproduzida pela abdução ativa resistida e pela rotação externa e é
provocada ocasionalmente pela rotação interna. Raramente a dor é reproduzida pela
extensão do quadril. A ausência do movimento doloroso na flexão e da extensão do quadril
ajuda distinguir a bursite trocantérica da doença intra-articular do quadril.
Mais da metade dos pacientes tem dor ao teste de Patrick-Fabere do quadril. O edema
óbvio, como o perceptível no olécrano e na bursite pré-patelar, é incomum porque as bursas
trocantéricas são estruturas relativamente profundas abaixo de alguns dos músculos mais
volumosos no corpo. O exame físico pode também revelar a evidência de condições
associadas tais como as doenças da coluna, artrite do quadril, a discrepância do
comprimento dos membros inferiores, que devem ser sempre avaliadas.
Exames de imagem
Nenhum exame radiológico específico é diagnóstico da bursite trocantérica. As radiografias
do quadril, da pelve e da coluna lombar podem mostrar a evidência de uma ou mais das
circunstâncias musculoesqueléticas geralmente associadas. As calcificações em torno do
grande trocânter podem ser evidentes em 40% dos pacientes. Variam na forma e no
tamanho, de alguns milímetros a 3 a 4 cm no diâmetro. Aparecem como massas lineares ou
pequenas, arredondadas que são separadas ou agrupadas, e sua densidade varia (Figura
2).
A cintilografia óssea pode mostrar uma hipercaptação na região do trocânter maior, que é
geralmente linear (Figura 3).
A imagem de ressonância magnética (RM) pode mostrar um hipersinal em seqüências curtas
na região do grande trocânter. Pode oferecer ainda a informação valiosa a respeito de
outras patologias no nível do quadril como lesões na cartilagem, fraturas de estresse,
necrose avascular, osteoartrose, lesões musculares e a osteodistrofia(11) (Figura 4).
Estes estudos de imagem não são necessariamente diagnósticos porque os pacientes podem
ter radiografias, cintilografia ou RM com alterações sugestivas de bursite, mas podem não
ter os sintomas clínicos. Desta forma o diagnóstico se faz principalmente pela história e o
exame físico.
Figura 2 - Radiografia em ântero-posterior do quadril evidenciando calcificações em nível do
grande trocânter.
Figura 3 - Cintilografia óssea demonstrando hipercaptação em nível do grande trocânter a
direita.
Figura
4
-
RM
mostrando
hipersinal
na
região
do
grande
trocânter
à
direita.
Tratamento
A maioria dos tratamentos para bursite do quadril são conservadores incluindo seis a oito
semanas de medicamentos antiinflamatórios não esteróides e, associadamente, gelo (num
primeiro momento). Recomenda-se também o uso do contraste térmico (gelo e calor),
repouso e fisioterapia com a utilização de ultra-som em nível do trocânter maior e do
triângulo femoral, associado a alongamento muscular da banda iliotibial e do tendão do
iliopsoas(3,8,9,10).
Outro fator importante é tentar descobrir se a doença é a manifestação de uma causa
secundária como relatado anteriormente (p. ex.: encurtamento do membro inferior).
Nos casos em que não ocorra uma melhora significativa da dor do paciente, está indicada a
realização de infiltração local com corticóide associado à substância anestésica (lidocaína
2%) em proporções iguais. Estudos recentes relataram que as taxas de resposta variam de
70% a 100% após uma ou mais injeções do corticóide(2,3,8-12). A recorrência é de 8,3%
em 17 meses. Na prática, as complicações desta injeção são incomuns, mas os seguintes
eventos adversos podem ocorrer: abscesso, reação granulomatosa, lesões no local da
entrada, lesões nervosas e atrofia da pele, especialmente com injeções repetidas(10).
Embora a grande maioria dos pacientes apresente resposta favorável às medidas
conservadoras e à infiltração, nos casos refratários a esses tratamentos (depois de afastada
todas as outras fontes possíveis de dor), está indicada a cirurgia. Uma grande variedade de
técnicas cirúrgicas foi descrita variando de bursectomia aberta a fasciotomia da banda
iliotibial, retirando-se toda e qualquer tipo de calcificação local. Atualmente com a evolução
das técnicas cirúrgicas esses procedimentos podem também ser realizados por via
artroscópica possibilitando, desta forma, a recuperação pós-operatória mais rápida do
paciente(2,3,12).
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