`A estabilidade de preços deveria estar na

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A ssunto: 'A estabilidade de preços deveria estar na Constituição', diz Bacha - Parte 1
Veículo: YA HOO!
Data Fonte: 20/10/2012
Página:
Seção: OUTROS
'A estabilidade de preços deveria estar na Constituição', diz Bacha
RIO - Um dos formuladores dos planos Cruzado e Real, Edmar Bacha quer ver a inflação controlada
como conquista definitiva da sociedade. Ele, que lança amanhã "Belíndia 2.0 - Fábulas e ensaios sobre
o país dos contrastes" (Civilização Brasileira), alfineta as elites que não querem ver o mercado aberto às
importações e sugere que a distribuição de renda melhorou, mas o país ainda está no meio do caminho
Em 1974, o economista Edmar Bacha cunhou o termo "Belíndia" em um artigo no qual mostrava como o
milagre econômico estava levando a uma enorme concentração de renda, fazendo do Brasil um misto de
Bélgica com Índia. Mais tarde, em 1985, Bacha recorreu novamente às fábulas para mostrar o Brasil
como o país dos contrários ao assinar "O fim da inflação no reino de Lisarb". Após a redemocratização,
ele participou da elaboração dos planos Cruzado e Real, foi presidente do IBGE e do BNDES. Em julho
deste ano, em artigo no GLOBO, abordou "O discreto erotismo da macroeconomia", mostrando as
dificuldades de se alcançar o equilíbrio das posições entre oferta e demanda, entre a dor da verticalidade
e o prazer da horizontalidade, explicitando a eterna disputa entre desenvolvimentistas e monetaristas.
No livro, o senhor discute a dificuldade de reduzir os juros reais no Brasil. O Banco Central (BC) indicou,
na última ata do Comitê de Política Monetária (Copom), que vai parar de cortar os juros. Começam a
surgir críticas de que eles já estariam baixos demais e que a inflação é um risco. Alguns falam que o
BC estaria sendo irresponsável. Qual é a sua avaliação?
A minha avaliação é que o Banco Central foi oportunista, no bom sentido da palavra. A conjuntura
internacional estava muito deprimida, com repercussões na economia brasileira, então o BC aproveitou a
ocasião para usar o instrumento dos juros. Eu não tenho nada a reprovar nesta ação, inclusive porque o
BC antecipou muito melhor do que a grande maioria dos economistas a gravidade da situação
internacional, principalmente na Europa. A questão é que o Banco Central agora está reduzindo os juros
enquanto a taxa de inflação do Brasil está bem acima da meta, isso é o que preocupa. Então, se olhar
só o cenário interno, qualquer um diria que o Banco Central está sendo irresponsável. Mas,
independentemente das oportunidades que o mundo ofereça, a questão é como elaborar uma política de
médio prazo para, simultaneamente, baixar os juros e baixar a inflação.
Uma das propostas que o senhor apresenta no livro é incluir na Constituição o objetivo de manter a
inflação baixa. Como seria isso?
Na Constituição, há vários itens que preveem a manutenção do poder de compra, do salário mínimo, das
pensões, dos salários dos funcionários públicos. Os juízes, inclusive no Supremo, quando legislam
sobre o seu próprio salário, citam que não estão aumentando o salário, estão apenas repondo a
inflação, como a Constituição prevê. Isso é perigoso. Não é perigoso agora, quando a inflação está
relativamente baixa, mas estabelece um precedente. Já que os juízes podem, os aposentados podem, o
salário mínimo pode, então pode-se usar o princípio da isonomia, que está na Constituição também, e
garantir reajuste salarial independentemente de negociação. A minha proposta é incluir na Constituição
que o alcance da estabilidade de preços é um objetivo básico da organização econômica do país. Com
a estabilidade de preços na Constituição, é possível introduzir uma meta de inflação de longo prazo, de
3% ao ano, para que haja convergência dos reajustes, não pela inflação passada, mas por esses 3%.
O senhor afirma no novo livro que um problema da economia brasileira é o excesso de indexação. Como
resolver isso?
O Banco Central hoje só atua sobre 70% (dos preços), porque 30% estão indexados pela inflação
passada. Então, sobre esses 70%, o BC tem que atuar muito mais fortemente. Outro problema mais
complicado do que os preços administrados é o crédito direcionado. Ao mexer com a Selic, o BC não
mexe com as taxas dos créditos subsidiados, que são 30% do total (de crédito). Quando o BC aperta o
crédito, o único crédito que ele aperta é o crédito livre, então o Banco Central precisa apertar muito mais
do que seria necessário caso a Selic valesse para total de crédito da economia.
Recentemente, temos visto o governo usando os bancos públicos para reduzir o 'spread' bancário e
diminuir os juros na ponta final ao consumidor. Isso também é um complicador para a política de juros
do Banco Central?
Essa iniciativa tem um objetivo estrutural, que é aumentar o grau de competitividade do sistema
bancário. Eu sou totalmente a favor a, e em alguma medida, usar os bancos públicos para liderarem
esse processo, desde que seja em termos controlados, sem ter que eventualmente recapitalizar os
bancos públicos se eles tiverem indo além da linha. Acho inclusive que poderíamos liberar o acesso a
empréstimos no exterior, para ter mais concorrência.
O senhor diz que, na conquista da estabilidade, o país acaba testando o tempo todo os lobbies das
elites. Como senhor vê esse lobby hoje?
Eu acho que, neste país, existe uma enorme resistência à palavra abertura. Nós somos o país mais
fechado do mundo. É patético você olhar tanta reclamação contra importação e constatar que ainda
hoje, mesmo com as importações tendo aumentado, a sua participação no PIB é a menor do mundo.
Temos algo muito peculiar no Brasil, que é essa enorme abertura para investimento estrangeiro da qual
não resulta em exportação. Fico abismado quando vejo a nossa presidente dizer "vamos proteger o
nosso mercado", e quem está explorando o nosso mercado são as multinacionais, que estão aqui tendo
lucros extraordinários. Estamos protegendo as multinacionais para explorarem os consumidores
brasileiros.
O livro cita o exemplo da Noruega e da Austrália como países que se saíram bem com uma economia
baseada em recursos naturais. Esse modelo é possível para o Brasil, um país com quase 200 milhões
de habitantes?
Os Estados Unidos são grandes e, até hoje, 20% do que exportam são produtos naturais.
Evidentemente, por serem um país grande, os EUA geraram uma diversificação. Não acho que o Brasil
vá virar um país exclusivamente exportador de produtos primários. Não existe nada errado em exportar
produto primário. Mesmo porque quem exporta nossos produtos primários são a Petrobras, a Vale, a
Gerdau, a Friboi. O que essas empresas não têm de modernas se comparadas a nossos produtores de
sapatos e roupas? O que temos é um conjunto agro-minero-industrial-exportador integrado.
Há quase 40 anos, o senhor cunhou o termo Belíndia e agora temo o Belíndia 2.0. Nesse meio tempo, o
país estabilizou a inflação, cresceu e distribuiu renda...
Quem melhor definiu a Belíndia 2.0 foi o Marcelo Neri (novo presidente do Ipea), lembrando que
continuamos sendo uma Belíndia, só que agora os mais pobres têm o crescimento indiano e os mais
ricos, o crescimento belga (numa referência ao fato de a Bélgica estar crescendo pouco hoje, e a Índia
crescendo mais, ao contrário do que ocorria na década de 1970, quando o termo Belíndia foi cunhado).
É um grande alívio saber que finalmente paramos de concentrar e começamos a desconcentrar renda.
Mas o coeficiente de Gini de 2010 (indicador que mede a desigualdade de renda) está no mesmo nível
que estava em 1960, por enquanto só conseguimos voltar ao ponto de partida para onde a ditadura nos
levou.
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