A crítica deweyana ao ensino tradicional e a sua herança como credo pedagógico* Cosmo Rafael Gonzatto* Resumo: O pensamento de Dewey buscava compreender as grandes necessidades que a sociedade americana passava no início do século XX, como o processo de industrialização e o modelo de ensino usado pela escola tradicional, que através dos seus métodos de ensino não conseguia formar cidadãos aptos para viver em uma sociedade democrática. Dessa maneira, Dewey acreditava que um dos erros cometidos por esse ensino se encontrava nesse distanciamento entre os conteúdos que eram transmitidos aos alunos e na dificuldade que eles encontravam para assimilá-los em seu cotidiano. O texto foi divido em três partes: na primeira, apresentaremos o contexto em que a escola tradicional surgiu, para que logo em seguida, possamos descrever as suas principais características, e na última parte, principalmente, mostraremos as críticas que Dewey desenvolveu a esse modelo de ensino. * A primeira versão desse texto foi apresentada como parte do terceiro capítulo da monografia O pragmatismo de Dewey como instrumento pedagógico, apresentada ao curso de licenciatura plena em filosofia na Universidade de Passo Fundo (UPF). ** Licenciado em filosofia plena e mestre em educação bolsista taxa/Capes, ambos pela Universidade de Passo Fundo (UPF), RS. Professor efetivo de filosofia da rede municipal de Gaspar, SC. E-mail: <[email protected]>. Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 48, jan./jun. 2016 127 Palavras-chaves: Escola Tradicional. Escola Nova. Dewey. Transmissão de Conhecimentos. Experiência. Considerações iniciais A história da educação registra que ela sempre esteve fortemente relacionada com a teoria, e mais precisamente alicerçada em teorias elaboradas por filósofos. Expressando-se em diversas civilizações, diversas culturas, cada teoria era elaborada de acordo com as necessidades sociais de uma determinada época. Desde a época de Platão e Sócrates na Grécia antiga, o homem tem se ocupado em querer responder algumas questões: o que é o conhecimento? Como se dá a relação de aprendizado entre o sujeito e o objeto? No decorrer da história da filosofia, pensadores como Platão, Descartes e Hume, dissertaram a respeito dessa temática, formulando teses a respeito desses problemas. Contudo, é em 20 de outubro de 1859 em Burlington, Vermont, que nasce o filósofo/educador americano John Dewey. O filósofo elabora as suas teorias a partir do pragmatismo proposto por Willian James e Charles Sanders Peirce. O filósofo pragmatista assume como postura inicial para elaborar a sua teoria do conhecimento, o conceito de experiência, este que recebe uma forte influência do empirismo inglês de Hume e Locke. Contudo, o conceito de experiência para Dewey é diferente do elaborado pelo empirismo inglês. A experiência, para Dewey, é aquela que possui fatores que também perturbam a vida do homem, e que ao vivenciar esses fatores e observá-los, o homem adquire a capacidade de poder conduzi-los a outras experiências futuras, retendo assim nas ações anteriores, experiências em forma de aprendizado, estas que futuramente poderão ser usadas em novas experiências. No entanto, se experiência para Dewey é aprendizado, como ele concebe esse conceito no âmbito educacional? O filósofo educador acredita que é preciso que o professor assuma uma nova postura diante do seu aluno, é importante que a partir desse momento o educando deixe a sua posição atual como sujeito passivo, como era até então no modelo de educação tradicional, e adquira liberdade suficiente para se tornar o próprio sujeito ativo da construção do seu conhecimento, o professor, para Dewey, nesse modelo de educação, atuará apenas como um me128 Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 48, jan./jun. 2016 diador. Com essa nova postura diante do problema da construção do conhecimento, o filósofo pragmatista passa a negar e reformular muitas características que a escola tradicional possuía até o atual momento. O interesse de investigar um modelo de Educação Nova direcionado para o aprendizado do educando, em que o mesmo consiga aprender através do seu processo de reconstrução da experiência, é uma tentativa proposta por Dewey para tentar superar as carências existentes no ensino tradicional. Entretanto, ao provocar esse conflito de teorias entre essas duas propostas educacionais, originaram-se algumas questões: Quais são as principais características do ensino tradicional? Quais são as críticas que Dewey tece a escola tradicional? Quais os motivos que deram origem ao surgimento dessa nova proposta pedagógica elaborada pelo autor? Tentando dar conta das perguntas apresentadas acima o texto foi divido em três partes: na primeira, apresentaremos o contexto em que a escola tradicional surgiu, para que logo em seguida, possamos descrever as suas principais características, e na última parte, principalmente, mostraremos as críticas que Dewey desenvolveu a esse modelo de ensino. Origem Cada momento da história humana possuiu um modelo de educação, que foi se modificando conforme as necessidades da sua época. A antiga educação foi se transformando diante dos conflitos que surgiram com a nova educação, isso aconteceu devido a novas exigências que foram se estabelecendo no cenário social. A educação de cada época se constituiu por fatores sociopolíticos e pelo próprio interesse do homem em buscar o conhecimento. Nesse sentido, torna-se importante estudarmos a educação a partir de um contexto histórico, pois é através dele que poderemos melhor compreender o presente. Como nos diz Aranha (1996, p. 72), “a instituição escolar não existiu sempre, e sua natureza e importância variaram no tempo, dependendo das necessidades socioeconômicas dos grupos em que esteve inserida”. Nos povos primitivos, a educação existia através de grupos de pessoas que as constituíam. No entanto, segundo Aranha (1996), as primeiras escolas surgiram nos séculos XVI e XVII, e são fundadas pelas ordens religiosas, que tinham como principal objetivo tirar as crianças Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 48, jan./jun. 2016 129 do mundo, para que os vícios existentes nele não as corrompessem. Tentando dar conta do problema, a escola tradicional cometeu um dos seus maiores erros, não se baseou nos interesses da criança, mas apenas desejou controlar os seus impulsos naturais através de uma rígida formação moral, para que os jovens estivessem aptos no futuro para viver em conjunto em uma sociedade. Em consequência disso, surge uma educação moral rígida e severa, que tem como principal característica manter a disciplina entre os alunos através do controle do seu comportamento. É necessário situar no tempo a escola tradicional que interessa a essa discussão. A escola tradicional se institucionalizou de maneira mais complexa a partir do Renascimento e da Idade Moderna, como fruto de uma ideia elaborada pela burguesia, com o interesse da mesma em querer proteger os seus filhos dos vícios da sociedade, dando a eles uma educação voltada para o passado. Nessas escolas, era exigido que as crianças fossem colocadas em internatos, separadas por idades, e a graduação em séries; começaram também a ser organizados os currículos e o uso dos manuais didáticos. Outra suposta teoria do surgimento da escola tradicional, estaria relacionada com a não mais aceitação da Escola Medieval, escola essa que tinha como principal prática a inspiração religiosa, e era totalmente contemplativa. Acreditava-se que com o surgimento da escola tradicional seria possível obter uma escola que fosse mais realista, adaptada ao mundo moderno que se encontra em constante modificação. Com isso, as necessidades da burguesia exigiam outro tipo de educação, uma educação que protegesse as crianças dos problemas do mundo, dando ênfase aos ensinamentos do passado. Mas é somente a partir do século XIX que a legislação de alguns países assume o interesse da educação tornando ela, assim, gratuita para todos (ARANHA, 1996, p. 157). Vejamos melhor nas palavras de Saviani: A constituição dos chamados “sistemas nacionais de ensino” data de meados do século XIX. Sua organização inspirou-se no princípio de que a educação é direito de todos e dever do Estado. O direito de todos à educação decorria do tipo de sociedade correspondente aos interesses da nova classe que se consolidara no poder: a burguesia. Tratava-se, pois, de construir uma sociedade democrática, de consolidar a democracia burguesa. (2008, p. 5). 130 Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 48, jan./jun. 2016 Nesse contexto, a educação surgiu com a finalidade de erradicar a ignorância, pois ela havia surgido com o desígnio de acabar com esse problema e tinha como principal objetivo transmitir os conhecimentos do passado que haviam sido acumulados pela humanidade aos homens. O responsável por essa tarefa era o professor, o qual transmitia tais conhecimentos aos alunos, que tinham como única função assimilá-los. Principais características da pedagogia tradicional A pedagogia tradicional concentrava-se na transmissão de conhecimentos, os quais estavam armazenados nos livros e nas produções históricas. O ensino era centrado no professor, desconsiderando o aprendizado do aluno como um ser individual. Não se dava importância para o aprendizado psicológico das crianças. Era uma escola que se mantinha afastada da vida delas. Na escola tradicional conhecer significava aprender determinados assuntos em sua forma bruta, pegando esse material pronto que se encontrava nos manuais elaborados pelos homens, e transmitindo ele para aqueles que estavam dispostos a aprender. Na compreensão de Mizukami (1986, p.10), nesse modelo de ensino “parte-se do pressuposto de que a inteligência, ou qualquer outro nome dado à atividade mental, seja uma faculdade capaz de acumular/armazenar informações”. O conhecimento que o ser humano construiu no decorrer da sua trajetória sobre o mundo, são sistematizados e transmitidos aos alunos através das escolas. Conforme descreve Mizukami (1986, p. 10), na escola tradicional existe uma imensa “preocupação com o passado, como modelo a ser imitado e como lição para o futuro”. Portanto, a função da escola é conservar esses conteúdos adquiridos no passado e assegurar a transmissão para os seus alunos. O aluno não possui um papel ativo na construção do seu conhecimento, ele deve obedecer às ordens que são impostas pelo professor. Essas ordens se resumem a atividades, como por exemplo, fazer resumos, memorizar. Na escola tradicional, os conteúdos são transmitidos aos alunos na forma de produto pronto, ou seja, seu fim já é pré-determinado antes mesmo de iniciar o processo de aprendizagem, fato esse que desconsidera a imporRevista Filosofazer. Passo Fundo, n. 48, jan./jun. 2016 131 tância do processo de aprendizagem, os meios que serão usados para se chegar a esse objetivo. Nas palavras de Mizukami (1986, p. 12), a escola tradicional “é o lugar por excelência onde se realiza a educação”. Educação essa que na maioria das vezes é realizada através de um processo de transmissão de conhecimento, a escola também funciona como um organismo responsável por sistematizar toda a cultura humana e transmiti-la aos seus alunos na sala de aula. Deste modo, a escola tradicional tinha como um dos seus principais objetivos preparar os alunos para o futuro (vida) em sociedade, desenvolvendo neles corpos cheios de informações e instruções, os quais, a partir disso, estariam prontos para enfrentar os problemas no futuro. Por meio dos seus professores os alunos podiam ter contato com os livros e manuais, os quais eram considerados os principais artefatos de “armazenamento” da sabedoria do passado. O conhecimento era transmitido através de uma relação vertical entre professor e aluno. Aprender significava assimilar/reter aquilo que se encontrava nos livros e memorizar aquilo que era transmitido pelos professores. Nesse sentido, Dewey reafirma: O esquema tradicional é, em essência, esquema de imposição de cima para baixo e de fora para dentro. Impõem padrões, matérias de estudo e métodos de adultos sobre os que estão ainda crescendo lentamente para a maturidade. A distância entre o que se impõe e os que sofrem a imposição é tão grande, que as matérias exigidas, os métodos de aprender e de comportamento são algo de estranho para a capacidade do jovem em sua idade. Estão além do alcance da experiência que então possui. (DEWEY, 1979, p. 05-06). Os professores são os responsáveis por manter as normas, a disciplina dentro da sala de aula. A disciplina na escola é vista como um mecanismo capaz de controlar a atenção dos alunos, fazendo com que eles não desviem a sua atenção e consigam aprender os conteúdos ensinados pelo professor. A relação social nesse modelo de ensino é caracterizada pela autoridade moral e intelectual do professor diante do aluno. Quando necessário, os bons professores usavam métodos brutais para manter a disciplina dentro da sala de aula e poder manter a transmissão de conhecimentos. 132 Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 48, jan./jun. 2016 Na relação ensino/aprendizagem os professores instruem os alunos dentro da sala de aula. Como descreve Mizukami (1986, p. 13) “subordina-se a educação à instrução, considerando a aprendizagem do aluno como um fim em si mesmo: os conteúdos e as informações têm de ser adquiridas, os modelos imitados”. Acredita-se que os alunos conseguirão gravar em sua memória os conteúdos transmitidos pelo professor. O aprendizado acontecerá por meio da repetição, do hábito, da memorização, que fará com que os alunos gravem esses conteúdos que foram transmitidos pelo professor em sua memória. Como discorre Mizukami (1986, p. 14), “as tarefas de aprendizagem quase sempre são padronizadas, o que implica poder recorrer-se à rotina para se conseguir a fixação de conhecimentos/conteúdos/informações”. A relação professor-aluno acontecerá de uma maneira vertical, o seja, o professor detém todo o poder sobre as decisões a serem tomadas na sala de aula (conteúdos, avaliação, metodologia, participação dos alunos na aula). Na compreensão de Mizukami (1986, p.14), “ao professor compete informar e conduzir seus alunos em direção a objetivos que lhes são externos, por serem escolhidos pela escola e/ou pela sociedade em que vive e não pelos sujeitos do processo”. O professor é o responsável por transmitir os conteúdos aos alunos dentro da sala de aula e pede-se que os alunos reproduzam ou usem-nas racionalmente em sua vida. Nesse sentido, a metodologia da escola tradicional é descrita por Mizukami (1986, p.15), por se fundamentar “mais frequentemente na aula expositiva e nas demonstrações do professor à classe, tomada como auditório”. O professor leva para a sala de aula o conteúdo pronto para o aluno, que se limita passivamente a escutá-lo. Nas palavras de Mizukami (1986, p.15) o professor em determinados momentos da aula solicita exercício de “reprodução dos conteúdos feita pelo aluno, de forma automática e sem variações, na maioria das vezes, é considerada como um poderoso e suficiente indicador de que houve aprendizagem e de que, portanto, o produto está assegurado“. Nesse momento da aula, deseja-se apenas o produto final da aprendizagem. Não se dá ouvidos aos elementos pessoais da vida dos alunos, ao que poderá acontecer no percurso de aprendizagem, pois esse modelo de ensino acredita que esses fatores possam desviar o foco principal da aula. Após encerrada essa etapa da aula, se inicia o momento de testar a inteligência do aluno através dos exercícios que serão realizados. A Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 48, jan./jun. 2016 133 motivação do aluno dependerá do professor e não do aluno. O professor será o responsável por prender a atenção dele. Nas palavras de Mizukami (1986, p. 16), “o assunto tratado é terminado quando o professor conclui a exposição, prolongando-se, apenas, através de exercícios de repetição, aplicação e recapitulação”. Mesmo que o aluno não tenha compreendido o conteúdo, a aula segue, e o professor só constatará esse fato no momento da prova. Existem ainda algumas dificuldades que surgem no decorrer das aulas, como descreve Mizukami (1986, p. 16), principalmente nas “que se referem ao atendimento individual, pois o resto da classe fica isolada quando se atende a um dos alunos particularmente”. É bastante complicado “para o professor saber se o aluno está necessitando de auxílio, uma vez que usualmente quem fala é o professor”. Ainda temos na escola, na visão de Mizukami (1986, p. 16), a hierarquia das matérias, pois algumas “são consideradas mais importantes que outras, o que se contata pela diferença de carga horária entre as disciplinas do currículo”. Na avaliação é solicitado a reprodução fiel dos conteúdos que foram ensinados na sala de aula. A aprendizagem dos alunos é medida pela abundância e concisão de conhecimentos que o aluno alcança na prova. Portanto, as notas adquiridas pelos alunos comprovam a sua competência de gravar o patrimônio cultural. Enfim, como podemos perceber, a organização da escola os seus planos de estudos, conteúdos, os horários, as regras das disciplinas, as relações dos professores com os alunos, e dos alunos entre si, atribuiu a esse modelo de ensino, um caráter ímpar, diferente das demais instituições sociais. Críticas ao modelo tradicional de ensino O dualismo ontológico herdado do filósofo grego Platão que ao elaborar a sua teoria das ideias criou uma separação entre os mundos, classificando-os em sensível e inteligível, fez com que tudo isso refletisse diariamente na conduta humana, como por exemplo com tudo isso que acontece atualmente, a separação entre a teoria e a prática, perfeito e imperfeito. Essa oposição existente mostra que a educação é o desenvolvimento de dentro para fora e a instrução se realiza em um processo 134 Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 48, jan./jun. 2016 de fora para dentro, e é marcada por um processo de vencer as inclinações naturais, através de hábitos que são adquiridos sobre pressão externa. Nesse sentido, descreve Mizukami (1986, p. 08), “o homem é considerado como inserido num mundo que irá conhecer através de informações que lhe serão fornecidas e que se decidiu serem as mais importantes e úteis para ele”. Ele é um sujeito passivo no processo de transmissão desses conhecimentos, que são transmitidos a ele através da escola, pelo professor. Nas palavras de Mizukami (1986, p.09), “a realidade é algo que será transmitido ao indivíduo principalmente pelo processo de educação formal”, e o mundo que é percebido como algo que se encontra fora do indivíduo, somente será reconhecido por ele no momento em que ele conseguir gradualmente formular um entendimento a respeito dele, entendimento esse que será cada vez mais aprimorado na medida em que for colocado contra os modelos tecnológicos e científicos existentes, e as teorias que foram elaboradas pelos homens no decorrer dos séculos. Pois ao adquirir o domínio desse mundo que o cerca, o homem será capaz de obter uma maior compreensão sobre os seus fenômenos. Nesse modelo de ensino, como discorre Mizukami (1986, p. 9), “o objetivo educacional normalmente se encontra intimamente relacionado aos valores apregoados pela sociedade na qual se realiza”. Em cada matéria se apresentam os conteúdos que serão aprendidos durante a trajetória escolar. Quando o aluno não consegue obter um mínimo porcentual para aquela disciplina ele é reprovado. Os exames e as provas são usados como mecanismo de controle desse indicie de avaliação. Após concluir a escola os alunos obtêm um diploma, esse que, segundo Mizukami (1986, p.10) irá “desempenhar um papel de mediador entre a formação cultural, e o exercício de funções determinadas”, estabelecendo uma hierarquia de funções na sociedade. Conforme Dewey (1959b), a pedagogia tradicional possui como uma de suas características, negar a existência das faculdades dos seus educandos, e dar grande ênfase para as matérias de estudo, as quais ela acredita que sejam as responsáveis pelo desenvolvimento mental e moral dos alunos. Vejamos melhor nas palavras do Dewey: De acordo com ela, a educação não é um processo de desdobramento das qualidades internas nem o aperfeiçoamento de faculdades existentes no espírito. É antes a formação do espírito pelo Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 48, jan./jun. 2016 135 estabelecimento de certas associações ou conexões de conteúdo por meio da matéria representada do exterior. A educação se efetua pela instrução tomada em sentido estritamente literal; é uma edificação feita, de fora para dentro, no espírito. (DEWEY, 1959b, p. 75). Sem dúvida, que a educação tem como caráter a transformação do espírito, todos nós já sabemos, mas o que estamos a criticar é um modelo de educação que tem como significado técnico e que faz uso de elementos do exterior para o interior para se poder realizar. Na compreensão de Dewey (1959b, p.75), “Herbart é o melhor representante histórico desta teoria. Ele nega absolutamente a existência de faculdades inatas. O espírito é simplesmente dotado” da capacidade de poder realizar “várias qualidades de reação segundo as várias realidades que atuam sobre ele”. Herbart sistematiza os métodos de ensino, elaborando um método perfeitamente uniforme que se encontrasse interligado com todas as matérias e todos os alunos das mais diversas idades. Ensinar deixou de ser aquele conjunto de atividades das quais buscavam auxilio na tradição, e passou a ser uma atividade consciente com intenção e processos definidos. Na visão de Dewey (1959b, p. 77), “Herbart aboliu a noção das finalidades inatas que se poderiam aperfeiçoar pelo exercício com qualquer espécie de material e tornou-se importante acima de tudo, a atenção ao material concreto de ensino, ao conteúdo”. O pedagogo alemão organiza os métodos de ensino, estabelecendo a conexão dos mesmos com os conteúdos, tomando cuidado para que esses novos materiais ao serem apresentados pudessem estar relacionados com os velhos. Mas, o erro desse modelo de ensino elaborado por Herbart está em desconsiderar a existência do ser vivo como um indivíduo que participa ativamente, e tem interações com o seu meio, as quais auxiliam no seu desenvolvimento. Essa pedagogia reflete a força e a importância que o mestre (professor) exerce sobre o espírito do educando. As teorias ensinadas pelo professor serão usadas por seus alunos no futuro. Isso mostra a necessidade que o professor tem de instruir corretamente os seus alunos enquanto eles ouvem (aprendem) aquilo que o seu mestre tem a lhe dizer (ensinar). Dá-se também uma grande importância à influência que o meio intelectual exerce sobre o espírito, se esquecendo de que o meio natural 136 Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 48, jan./jun. 2016 pressupõe uma participação individual que cada educando tem em conjunto com as atividades realizadas com os demais. Discorre Dewey (1959b, p. 78), que nesse modelo de ensino existe “uma combinação particular das teorias do desenvolvimento e da formação efetuados do exterior para o interior deu origem à teoria da educação como recapitulação biológica e cultural”. A evolução e o aprendizado do indivíduo consistem em reproduzir sistematicamente a história humana. Nesse sentido, o espírito somente aprende e se modela através do processo de recapitulação e repetição dos produtos literários do passado. No entanto, há uma enorme diferença entre conhecer a literatura criada no passado e a utilizar para melhor ajudar a contribuir na formação do caráter humano no presente, do que se apropriar da mesma e tomá-la como modelo e/ou regra, com as mesmas características de quando ela foi criada em sua época. Vejamos melhor, nas palavras de Dewey, o que ele diz sobre isso: O estudo dos produtos do passado não nos auxiliará a compreender o presente, porque o presente não é devido a esses produtos e sim à vida da qual eles eram os produtos. O conhecimento do passado e sua herança é de importância quando esse conhecimento se incorpora ao presente mas não por outro motivo. E o erro de fazer os escritos e outras relíquias do passado constituírem o material da educação é que seciona a conexão vital do presente e do passado e tende a tornar o passado um rival do presente, e o presente uma imitação mais ou menos inútil do passado. (DEWEY, 1959b, p. 82). Portanto, a cultura do passado não vem para ajudar a melhorar as imperfeições dos homens, mas como um consolo, um lugar onde os homens fogem das suas perturbações do presente para viver na perfeição de um passado distante. Mas, muitos dos problemas que encontramos no nosso presente podem ser solucionados se nós buscarmos auxílio no passado para tentar resolvê-los. Passado esse que, quando utilizado corretamente, só tem a contribuir para o presente. Uma das principais críticas elaboradas por Dewey a escola tradicional é que ela acreditava que educar fosse apenas revisitar tudo aquilo que se encontra no passado, através da transmissão de conhecimentos que se encontravam nos livros ou no próprio professor. A educação, nesse modelo, faz do passado um fim em si mesmo, o qual, quando revisitado Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 48, jan./jun. 2016 137 com uma finalidade pré-determinada, desconsidera os demais processos de aprendizagem os quais podem decorrer durante o seu percurso. Essa é a principal característica da educação tradicional, uma pedagogia direcionada apenas em cumprir o seu papel intelectual na educação, ou seja, formar alunos com corpos prontos e cheios de conteúdos, para que se tornem capazes no futuro de enfrentar a vida. Dewey (1959b) ainda crítica esse modelo de ensino, pois ele não conseguiria perceber que a escola não é apenas preparação para o futuro, que não existe esse distanciamento entre os conteúdos ensinados na escola e a realidade na vida do aluno. Para o filósofo, a escola é a vida, os conteúdos ensinados na escola não devem estar distantes da realidade do mundo em que os alunos vivem. Enfim, como podemos perceber as críticas ao modelo tradicional de ensino ainda continuam em nosso contexto atual, pois a civilização ainda é marcada fortemente por esses dogmas que esse modelo de ensino deixou enraizados em nossas vidas em forma de uma herança pedagógica. Agora, cabe a nós educadores saber suprir as reais necessidades que o ensino atual apresenta, para que de uma maneira sistemática possamos organizar a educação no sentido verdadeiro que ela dever ter, uma educação democrática para todos, onde os indivíduos possam atuar de uma maneira única no seu modo de pensar e agir. Considerações finais O foco principal da nossa pesquisa foi o modelo de ensino tradicional. Nesse sentido, foi necessário na primeira parte investigarmos sobre o seu surgimento, para que logo em seguida pudéssemos apresentar as suas principais características, e por último as críticas elaboradas por Dewey a esse modelo de ensino. Dewey investigou e analisou dois modelos de educação, a tradicional e a progressiva. A primeira era caracterizada pela transmissão de conteúdos enciclopédicos e não estimulava o interesse dos alunos pelos conteúdos, e a busca pela solução dos problemas apresentados em sua época. Como uma possível solução a esse modelo de ensino tradicional, o filósofo argumentou em defesa da escola progressiva. Pedagogia essa que tem como base o cultivo da individualidade e atividade livre dos 138 Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 48, jan./jun. 2016 seus alunos. O filósofo criticou o modelo tradicional de ensino, pois ele acreditava que o mesmo era incapaz de atender as principais transformações históricas, sociais e econômicas que aconteciam entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX nos Estados Unidos da América. Desse modo, o modelo educacional proposto por Dewey visava mostrar uma relação entre a nossa experiência e a educação, e como a experiência pode ser útil ao processo de construção do aprendizado humano. Dewey preocupou-se bastante em estudar todas as tradições filosóficas e em querer entender todos os seus significados, dirigindo assim a elas inúmeras críticas. Uma das suas principais críticas se concentra ao modelo de ensino proposto pela escola tradicional, que segundo o filósofo buscou a sua origem do conhecimento em uma esfera transcendente e racional. Dewey considera esse modelo de ensino como algo insuficiente, visto que ele acredita que o homem não pode desconsiderar todas as suas experiências mundanas como influência no resultado do seu conhecimento. A escola nova foi responsável por muitas das mudanças que aconteceram no atual cenário da educação. Entre essas mudanças podemos citar as críticas que foram elaboradas à escola tradicional, a qual tinha como umas das suas principais características manter a disciplina entre os alunos e os conteúdos com caráter intelectual, distanciando-a assim da realidade dos educandos. Dewey elaborou as suas críticas a esse modelo de ensino por acreditar que o mesmo era incapaz de atender as principais transformações históricas, sociais e econômicas que aconteciam entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX nos Estados Unidos da América. Concluímos, então, com a nossa pesquisa, que a proposta pedagógica elaborada por Dewey visava um modelo de ensino totalmente oposto ao da sua época, o da escola tradicional. O filósofo da educação desejava que todos os alunos não mais reconhecessem a escola como um local tedioso, chato, em que os conteúdos são desconexos da sua realidade. No entanto, ele desejava fazer da escola um lugar um ambiente prazeroso e convidativo para a construção do seu aprendizado, onde esses conteúdos aprendidos em sala de aula teriam sentido e aplicabilidade na sua vida. Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 48, jan./jun. 2016 139 REFERÊNCIAS ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da educação. 2. ed. 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