A TECNOLOGIA ASSISTIVA NO PROCESSO DE MEDIAÇÃO DA APRENDIZAGEM DO ALUNO AUTISTA Virgínia Bastos Carneiro 1 - PUCPR Maria Elizete da Silva2 - PUCPR Luciana Menezes de Souza Fidelis3 - PUCPR Jacques de Lima Ferreira4 - PUCPR Grupo de Trabalho – Comunicação e Tecnologia Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Um dos assuntos educacionais mais significativos da atualidade é a Tecnologia Assistiva (TA). Ela aparece com recursos múltiplos de ajuda para diminuir diferenças e potencializar a mediação no processo de aprendizagem de pessoas com deficiências. Nesta perspectiva, a temática deste artigo é “A Tecnologia Assistiva no processo de Mediação da Aprendizagem do aluno Autista” e surge do questionamento sobre as contribuições da TA no processo de ensino e aprendizagem da criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Os autistas apresentam déficits importantes de interação social, comunicação, linguagem e comportamento. Sendo assim, questiona-se: Quais as contribuições da tecnologia assistiva no processo de mediação da aprendizagem da criança autista? O objetivo geral da pesquisa foi o de refletir sobre a TA e discutir sobre as suas efetivas contribuições no processo mediático na aprendizagem do aluno com necessidades educacionais especiais. Este artigo apresenta uma pesquisa de abordagem qualitativa do tipo bibliográfico realizada em artigos, livros, teses e dissertações, com ênfase nos autores Bersch (2013) e Galvão Filho (2004 e 2009), Behrens (2013), Budel e Meier (2012), Perissinoto (2003), Schwartzman et al (2014), Teixeira (2013), Orrú (2012), Passerino, Bez e Coutinho (2013), Cunha (2011), entre outros. A partir da pesquisa realizada foi possível identificar alguns grupos de estudo em universidades brasileiras que desenvolvem softwares específicos para mediar e facilitar a oralidade de crianças com TEA e obtém resultados importantes com melhorias significativas no encadeamento comunicativo. A tecnologia assistiva tem como aliada a tecnologia digital e ambas mostram um leque de possibilidades de práticas educativas mediáticas bem contextualizadas. 1 Professora de Francês, Pedagoga, Especialista em Educação Especial com ênfase em Inclusão pela PUCPR, atua na Educação Básica no ensino privado. E-mail: [email protected] 2 Pedagoga, Professora da educação básica no ensino privado e público, Especialista em Educação Especial com ênfase em Inclusão pela PUCPR. E-mail: [email protected] 3 Pedagoga, Especialista em Supervisão Educacional, Psicopedagogia e em Educação Especial com ênfase em Inclusão pela PUCPR. E-mail: [email protected] 4 Pedagogo, Professor Universitário, Doutorando em Educação na PUCPR. E-mail: [email protected] ISSN 2176-1396 7392 Palavras-chave: Tecnologia Assistiva. Autismo. Mediação. Software. Comunicação Alternativa. Introdução Este artigo científico intitulado “A Tecnologia Assistiva no processo de Mediação da Aprendizagem do aluno Autista” apresenta uma pesquisa de abordagem qualitativa do tipo bibliográfica e fundamenta-se teoricamente em autores da área da tecnologia assistiva, como Galvão Filho (2009), Bersch (2013), Rodrigues e Alves (2013); outros estudiosos que enfocam mediação pedagógica como Behrens (2013) e educação especial como Budel e Meier (2012); Perissinoto (2003), Teixeira (2013), Cunha (2011), Passerino, Bez e Coutinho (2013), Orrú (2102) e Schwartzman (2014), para as considerações sobre comportamentos e características de crianças com Transtorno de Espectro Autista, entre outros pesquisadores das áreas de atenção deste artigo. Por tratar-se de um tema novo, ainda em franco processo de elaborações conceituais e de ações sistematizadas, apresenta-se aqui uma rápida definição de tecnologia assistiva, para melhor entendimento do tema e objetivos desta pesquisa. No entendimento de Bersch (2013), tecnologia assistiva atua “como um auxílio que promoverá a ampliação de uma habilidade funcional deficitária ou possibilitará a realização da função desejada e que se encontra impedida por circunstância de deficiência ou por envelhecimento” (BERSCH, 2013, p. 2). Ao longo dos últimos anos, muito se tem estudado sobre o comportamento e características da criança autista. Historicamente, trata-se de um diagnóstico recente e de um tema atual. O transtorno do espectro autista, TEA, “[...] é caracterizado por uma série de sintomas com alterações em três áreas específicas: a socialização, a linguagem/comunicação e o comportamento. Os componentes desse trio andam “de mãos dadas” e estão intimamente relacionados” (SILVA, 2012, p. 13). Com base nos contextos acima, esta pesquisa apresenta o seguinte questionamento: Quais as contribuições da tecnologia assistiva no processo de mediação da aprendizagem da criança autista? O objetivo geral deste trabalho busca refletir sobre a tecnologia assistiva e discutir sobre suas efetivas contribuições no processo mediático da aprendizagem da criança autista. Vale ressaltar a nova política educacional de inclusão escolar adotada pelo governo brasileiro, que não é tema direto deste trabalho, mas cuja amplitude de suas ações se reflete de maneira estreita à proposta desta pesquisa. 7393 Diante destes argumentos, acredita-se na relevância desta pesquisa. São questões contemporâneas e factuais que estão em acelerado processo de desenvolvimento. São realidades vivenciadas no dia a dia em vários segmentos da sociedade. Neste sentido, discutir sobre TA e seus benefícios para a criança autista na mediação de seu aprendizado será um viés de reflexões e cogitações. Tecnologia Assistiva Tecnologia Assistiva é a tradução para o português do termo inglês Assistive Technology. O novo vocábulo, que não consta nos dicionários de nenhuma das duas línguas, foi criado pela necessidade de nomear algo como “que assiste, ajuda, auxilia” (SASSAKI, 1999). Tecnologia Assistiva, TA, abrange uma gama de recursos cuja finalidade é a de assessorar o desenvolvimento de pessoas com deficiências e de proporcionar uma relativa melhora na qualidade de vida por meio de uma promoção na inclusão em meios sociais. A Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), assim definiu TA: Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação, de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social. (BRASIL, 2009, p. 26). Seu conceito, utilização e objetivos ainda estão em fase de elaborações, ajustes e concretizações. A abrangência do novo paradigma da inclusão de pessoas com deficiência em escolas regulares, e as leis que a promovem e difundem sua obrigatoriedade, funcionam como mola propulsora para o desenvolvimento e aprimoramento da tecnologia assistiva. 5 Se já nos tempos primitivos uma bengala feita artesanalmente a partir de um pedaço de árvore serviu para ajudar uma pessoa a melhorar seu andar, acredita-se que inúmeras opções de recursos poderão ser elaboradas com os atuais processos criativos e os requintes de tecnologia disponíveis (RODRIGUES; ALVES, 2013). Galvão Filho (2009) assinala com ênfase a prosperidade desses estudos e revela que: 5 O termo Tecnologia Assistiva teve sua nomenclatura decidida, votada e aprovada por unanimidade pelo CAT, para bem padronizar suas ideias e definir suas concepções. Foi também designado que a nova expressão - TA será utilizada no singular e não no plural uma vez que faz alusão a uma área do conhecimento (BRASIL, 2009). 7394 As novas descobertas e soluções nessa área têm sido constantes e cada vez mais abrangentes, com repercussões altamente significativas, principalmente para o aprendizado e inclusão de alunos com graves comprometimentos motores, sensoriais e/ou de comunicação e linguagem, a partir do uso dessa Tecnologia Assistiva, das adaptações e outros recursos de acessibilidade (GALVÃO FILHO, 2009, p. 25-26). Entretanto, o conceito de TA conduz a outros enfoques, além dos já mencionados acima. Primeiramente, e bem interessante, é o viés de entrelaçamento com as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). O autor exemplifica que com a movimentação dos olhos ou com um único músculo que se contraia, “uma pessoa com graves paralisias possa realizar qualquer atividade no computador, por meio de Softwares Especiais de Acessibilidade, acionadores artesanais e outros recursos de fácil acesso nos dias de hoje” (GALVÃO FILHO, 2009, p. 26). De acordo com Lévy (1999), a TIC avança de maneira exponencial e seu uso é um meio concreto de inclusão e de interação no mundo. Levando-se em conta as pessoas com deficiência esta verdade torna-se ainda mais evidente. Note-se que a TIC pode ser utilizada como tecnologia assistiva ou pode fazer da tecnologia assistiva um meio. Segundo o Instituto de Tecnologia Social Brasil (ITS Brasil) 2008, “[...] utiliza-se a TIC como TA quando o próprio computador é a ajuda técnica para atingir um determinado objetivo.” Um exemplo dessa linha de ação é, por exemplo, quando o computador passa a ser utilizado como caderno comum de papel por pessoas com deficiência motora ou paralisia cerebral. Por outro lado, há o entendimento da TIC, e em especial do computador como um meio, como um artifício à tecnologia assistiva, quando nele se acomodam ajustes técnicos que determinarão sua ajuda e assistência às pessoas com deficiência. Este propósito fica bem estabelecido nas seguintes linhas: [...] as TICs são utilizadas por meio de TA quando o objetivo final desejado é a utilização do próprio computador, para o que são necessárias determinadas ajudas técnicas que permitam ou facilitem esta tarefa. Por exemplo, adaptação do teclado, de mouse, softwares especiais, etc (ITS BRASIL, 2008, p. 28). Um segundo enfoque significativo de ser analisado nas pesquisas de Galvão Filho (2009) é que num contexto maior, a TA não se restringe a meras ferramentas, artefatos, práticas ou estratégias facilitadoras. Abarca também o sentido de processos e ideias de metodologias. Apreende-se, portanto, a possibilidade de uma mediação, ou seja, de uma intenção facilitadora e provocadora de ensinar que desperte na criança o desejo de aprender. 7395 Trata-se da recentemente chamada Tecnologia Assistiva, utilizada como mediadora, como instrumento, como ferramenta mesmo, para o “empoderamento”, para a atividade autônoma e para a equiparação de oportunidades, da pessoa com deficiência, na sociedade atual (GALVÃO FILHO, 2009, p. 115). De acordo com Budel e Meier (2012), escritores-referência da teoria da modificabilidade cognitiva estrutural de Reuven Feuerstein, “todo ser humano é modificável.” Essa verdade vale também, e em especial, para a pessoa com deficiência. As oportunidades e mecanismos que estiverem disponíveis na sociedade precisam ser explorados na tentativa de se encontrar o melhor modo de mediar seu aprendizado. Mediar, para Feuerstein, implica na ação de ensinar de tal forma “que o aluno perceba que ele está crescendo, progredindo, melhorando e aprendendo” (BUDEL e MEIER, 2012, p. 127). Desse modo, tenta-se aproximar o termo empoderamento6 citado por Galvão Filho, com o aprender e se desenvolver proposto na mediação da aprendizagem de Feuerstein. Assim, este parece ser o mote das várias metodologias, estratégias e práticas da tecnologia assistiva: o de auxiliar como mediadora, o empoderamento das pessoas com deficiência na inclusão social (GALVÃO FILHO, 2009). E, finalmente, um terceiro ponto a ser considerado é o da acessibilidade e do desenho industrial. São dois conceitos diretamente ligados a TA e à inclusão das pessoas com deficiência na sociedade. No decreto federal nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004, ficou definido em seu artigo 8º que acessibilidade é: Condição para utilização com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários, e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de transportes e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida (BRASIL, 2004). Já o conceito de desenho universal complementa a acessibilidade no sentido de criar espaços, edificações e artefatos, que promovam fundamentalmente conforto e segurança à diversidade humana. De acordo com Dischinger e Machado (2006): O desenho universal visa à máxima autonomia e independência na realização de atividades pelo maior número de pessoas, considerando suas diferenças e criando condições ambientais para a inclusão (DISCHINGER; MACHADO, 2006, p. 36). 6 Empoderamento: provém do termo da língua inglesa, empowerment. Na área da educação, é o processo pelo qual indivíduos e grupos sociais passam a refletir sobre – e a tomar consciência de – sua condição e a de seus pares, e assim formulam e objetivam mudanças que levem à transformação da condição individual e coletiva. (DICIONÁRIO AURÉLIO DA LÍNGUA PORTUGUESA, 2010). 7396 Deste modo, a observância da acessibilidade e do desenho industrial se relaciona à questão da tecnologia assistiva quando promovem entendimentos e soluções para sua realização. Isso posto, discorre-se sobre algumas das inúmeras possibilidades de recursos que a TA oferece. Elas são divididas, de acordo com Galvão Filho (2009), “em dois grandes grupos: os produtos de TA não relacionados às Tecnologias de Informação e Comunicação e, por outro lado, a TA relacionada às TICs” (GALVÃO FILHO, 2009, p. 157). Como recursos não relacionados às TIC, estão as órteses - adaptações físicas ou aparelhos fixados e utilizados no corpo da pessoa com deficiência. Como exemplos, recursos de adaptação para segurar o lápis, a escova de dente; produtos facilitadores de posicionamentos e movimentos são as pranchas de plástico ou acrílico acopladas à cadeira de rodas, carteira imantada, livros plastificados. Relacionados às TICS, estão adaptações de hardwares – ou seja, dos periféricos do computador, como a máscara de teclado ou colmeia, ponteira para digitação, estabilizador de punho e abdutor de polegar e pulseira de peso para digitação, entre outros. E finalmente, existem os softwares de acessibilidade, que são os componentes lógicos das TICs, em especial neste contexto - o computador - elaborados como TEA. Compreendem “os programas especiais de computador que possibilitam a interação do aluno com deficiência com a máquina” (ITS BRASIL, 2008, p. 30). O fato de facilitar o trespassar de severas barreiras em uma sociedade que se mostra mais permeável às diversidades, consiste a máxima da proposta da tecnologia assistiva (GALVÃO FILHO, 2009). Transtorno do Espectro Autista - TEA Autismo é uma palavra originária do grego - autós - com o significado de “por si mesmo”. O termo denomina na psiquiatria, comportamentos humanos que se centralizam em si mesmos, que se voltam ao próprio ser. Aparece pela primeira vez em 1906, na literatura psiquiátrica, para nomear o sinal clínico de isolamento. Entretanto, o termo foi difundido pelo psiquiatra suíço, Bleuler, em 1911, ao fazer referências a quadros de esquizofrenia, que definem quadros de limitações nas relações humanas e com o mundo externo (ORRÚ, 2012). De acordo com Orrú ( 2012), o psiquiatra austríaco Léo Kanner, descreve em seu livro “Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo”, o seguinte quadro autista: incapacidade para estabelecer relações, atrasos e alterações na aquisição e uso da linguagem, obsessividades, tendência a estereopatias - caracterizando este conjunto com a linha da esquizofrenia. Esta obra trata do estudo de onze crianças e Orrú (2012) detalha-o do seguinte modo: 7397 O alheamento em que viviam era extremo, desde os primeiros anos de vida, como se não estivessem no mundo, sem responder a nenhum estímulo externo, mantendo-se em um isolamento rígido e peculiar. Apresentavam, porém, aparência agradável e inteligente, alem de possuírem habilidades especiais e uma memória excepcional (ORRÚ, 2012. p. 18). Kanner revisa este conceito por várias vezes e em 1949 refere-se ao quadro como Autismo Infantil Precoce “pela dificuldade no contato com as pessoas, desejo obsessivo por certas coisas e objetos, pela rotina nas situações, alterações na linguagem e mutismo, que os levava a grandes problemas na comunicação interpessoal” (ORRÚ, 2012, p. 20). Em 1956, a descrição continuaria no quadro de uma verdadeira psicose, visto que nenhum exame clínico nem laboratorial fornecia dados consistentes à sua etiologia. Entretanto, foi a partir de Ritvo, em 1976, que se passa a considerar o autismo, não uma psicose, mas como uma síndrome e sua relação com déficits cognitivos inerentes à criança, ocorrida desde o nascimento, com suas singularidades comportamentais (ORRÚ, 2012). Hoje, a criança com Transtorno do Espectro Autista está incluída num quadro maior denominado de Transtornos Globais do Desenvolvimento ou TGD. Sua definição é entendida por prejuízos na interação social - visualizado pela inabilidade em relacionar-se com o outro usualmente combinado com déficits de linguagem e alterações comportamentais estereotipadas e repetitivas, englobando interesses e atividades restritas (TEIXEIRA, 2013). A palavra espectro abrange as variantes de intensidade de sintomas e situações que a pessoa autista pode apresentar, numa nuance que vai da mais severa, definindo o autismo de baixo funcionamento, até a mais leve, determinando o autismo de alto funcionamento (TEIXEIRA, 2013). Ainda neste contexto autista, é importante destacar o trabalho da médica inglesa, psiquiatra da infância e da adolescência, Dra. Lorna Wing. Em 1981 ela estabeleceu a análise das três principais carências autísticas que ficaram conhecidas como “Tríade de Wing”. Elas estão na área da imaginação, socialização e comunicação. Wing relaciona estas faltas de habilidades com a Teoria da Mente. Teixeira explicita que: As dificuldades na área de imaginação estão relacionadas com o conceito da Teoria da Mente, que é a capacidade que todos nós temos de nos colocar na posição do outro, isto é, de entendermos que outra pessoa é capaz de pensar diferentemente de você, de ter crenças, desejos e pensamentos distintos (TEIXEIRA, 2013, p. 172). A compreensão sobre o transtorno do espectro autista registra que cada autista é um ser único, como todo indivíduo assim o é. Mesmo com características específicas da síndrome que os acomete, cada comportamento é distinto de acordo com o temperamento, 7398 personalidade, quociente intelectual, entendimento linguístico e simbólico, histórico de vida, afetividade, condições ambientais e clínicas (ORRÚ, 2012). É importante este entendimento, pois nem todas as tentativas de práticas educacionais que podem ser um acerto para uma pessoa com autismo necessariamente acontecem do mesmo modo positivo para outra com a mesma síndrome. Deste modo, Orrú (2012) é bem pontual ao escrever que “quando o processo de intervenção é planejado de maneira contínua e avaliativa, não ocorrendo tardiamente, há uma maior oportunidade de a pessoa com autismo desenvolver-se e estruturar-se em seu próprio contexto.” (ORRÚ, 2012, p. 38). É, sobretudo por meio da linguagem, que se dá a interação social e cultural do todo ser humano, que cresce e se vê impulsionado naturalmente para definir sua própria identidade num envolvimento social. O déficit de comunicação e a falta ou pouca linguagem nos autistas, são suas maiores barreiras, uma vez que poucos deles conseguem habilidades suficientes para conversar, e consequentemente, se socializar (ORRÚ, 2012). Dentre os transtornos de maior relevância nos autistas, que são suas características mais distintas, estão os de interação social, linguagem e comunicação, e comportamento, de acordo com os autores Teixeira (2013), Pastorello (2007), Perissinoto, 2003 e Goldberg (2005), na Figura 1 Figura 1 - Características de pessoas com TEA. Fonte: Os autores. 7399 Este mundo exclusivo do autista é também citado por Orrú (2012), usando os termos “impenetrabilidade e distância” quando se refere à inabilidade comportamental e de interação social. Como o diagnóstico do autismo é clínico, ou seja, norteia-se em considerações e observações da história da pessoa, a sistematização para se chegar ao diagnóstico correto se faz necessária. Esses esforços de padronizar o diagnóstico partem de duas fontes principais de informação: a descrição dos pais sobre o desenvolvimento e padrões de comportamentos da criança e informações a partir de observações metódicas e diretas de um profissional (TEIXEIRA, 2013; PERISSINOTO, 2003). Entretanto, com os avanços sobre estudos dessa patologia, a identificação é possível nos primeiros meses de vida. Referindo-se a esta precocidade da identificação do autismo, Teixeira (2013), alerta familiares e cuidadores para as seguintes observâncias em bebês, conforme a Figura 2: Figura 2 - Identificação de autismo em bebês. Fonte: Os autores. Schwartzman (2014) apresenta características atuais e importantes sobre o TEA. Registra que há maior índice de ocorrer este transtorno entre irmãos de uma família e que 50% das pessoas com TEA apresentam algum grau de deficiência intelectual. A maior quantidade de identificação desta doença nos dias de hoje, deve-se, provavelmente, ao fato que os estudos ampliaram o conhecimento sobre o TEA e seu diagnóstico, e estima-se que de cada 100 pessoas uma é afetada pelo transtorno, o que mostra um aumento considerável em relação a dados referenciados há algumas décadas. Sobre as causas do autismo infantil, ainda 7400 inconclusivas hoje em dia, sabe-se que, além de um grave transtorno do neurodesenvolvimento de etiologia(s) desconhecida(s), há evidências genéticas relacionadas (SIMIEMA, 2007). Estudos também indicam fatores genéticos, citados por Teixeira, 2013, “tais como insultos ao cérebro em desenvolvimento durante a gestação.” (TEIXEIRA, 2013, p. 178). Abrangeriam assim, alterações estruturais cerebrais, fatores imunológicos, neurológicos, bioquímicos, além de agentes congênitos como rubéola, encefalite e meningite. Não causadores, porém com participação indireta no desencadeamento da doença, estão fatores ambientais (TEIXEIRA, 2013). A Lei nº 12.764 de 27 de dezembro de 2012 que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA, regulamenta que, para efeitos legais, ela é considerada pessoa com deficiência e que será a ela garantida o direito à saúde no Sistema Único de Saúde – SUS. Regulamenta seu diagnóstico pelo CID-10, Código Internacional de Doenças, e assegura o seu direito à educação num sistema educacional inclusivo em classes comuns de ensino regular (BRASIL, 2012). O novo DSM-V, oficialmente publicado em 18 de maio de 2013, traz a edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Psiquiátrica Americana, garante “a nova classificação, com a inclusão, reformulação e exclusão de diagnósticos” para fornecer “uma fonte segura e cientificamente embasada para aplicação em pesquisa e prática clínica” (ARAÚJO; LOTUFO NETO, 2014, p. 70). Nesta mais recente perspectiva do DSM-V, ficam estabelecidas mudanças específicas nos critérios de diagnósticos sobre o autismo, que, por fim, determina TEA como grupo diagnóstico. Das cinco categorias que formavam o DSM-IV, no âmbito maior de TGDs (Autismo, Asperger, Rett, Transtorno Desintegrativo da Infância e Transtorno Invasivo do Desenvolvimento), quatro permaneceram nesta categoria, excetuando-se o Transtorno de Rett, agora entendido como uma doença distinta. A Tecnologia Assistiva na Mediação da Aprendizagem do Universo Autista Do grande impacto social e cultural proporcionado pelas tecnologias, sobretudo pelas TICs, emergiram novas condições de aprender por meio de ocasiões e meios inusitados (LÉVY, 1999). É neste contexto inovador e recente, possibilitador quase que ilimitado de mediações nas mais diversas áreas do conhecimento que as TICs se posicionam como recurso, 7401 como produto, estratégia e prática da tecnologia assistiva em prol de pessoas que carecem de medidas educacionais especiais. Softwares desenvolvidos especialmente para a mediação da aprendizagem de pessoas com TEA são exemplos de uso das TICs como tecnologia assistiva. Por vezes chamados de softwares para comunicação alternativa (CA), propõem a comunicação “por meio de símbolos, imagens, textos ou síntese de voz, no computador” (ITS BRASIL, 2008, p. 43). Esta área de investigação da tecnologia assistiva preocupa-se com técnicas e ferramentas auxiliares da promoção de pessoas com déficits nas áreas da oralidade e age não só como suporte midiático, mas como suporte mediático, ou seja, de mediação, de estratégia sóciocomunicativa em situações de processos de educação especial. No Brasil, são recentes os andamentos de propostas e projetos já efetivados para softwares de comunicação alternativa, especialmente pensados e criados para crianças com TEA. Todavia eles existem e mostram sua eficácia. Dois softwares serão comentados neste artigo. O primeiro deles é o software criado por Rafael Moreira Cunha, elaborado como propósito de sua dissertação de mestrado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, com o seguinte tema: Desenvolvimento e avaliação de um jogo de computador para ensino de vocabulário para crianças com autismo. Denominado de Aiello, tem como objetivo facilitar e ajudar as crianças com TEA na aquisição de vocabulário e promoção da linguagem. Está disponível para download na internet desde julho de 2012 no site: http://www.jogoseducacionais.com/ Trata-se de um jogo lúdico e atraente cujo personagem principal é um simpático esquilo. A plataforma do jogo permite à criança associar nomes a imagens de objetos, ampliando seu vocabulário. Seu autor esclarece que “para ensinar as novas palavras, o jogo utiliza tarefas de emparelhamento com o modelo típico podendo ser arbitrário ou por identidade” (CUNHA, 2011, p. 19). Para cada acerto da palavra, o jogo elogia o participante; para o erro não há consequência programada. Este projeto foi testado em três crianças com diagnóstico de autismo ao longo da elaboração do mestrado, e como resultado da pesquisa, o jogo determinou uma retenção de vocabulário significativo, cerca de aproximadamente 94% de novas palavras. As palavras representadas pelas figuras equivalem a diversas categorias: alimentos, higiene, roupas, animais, música, mobiliário, eletrônicos, meios de transporte e outros. 7402 Proporciona oportunidades reais de aprendizagem, e não somente entretenimentos, explica o criador do software, Cunha (2011). Existe ainda a possibilidade de configurar o jogo para que, em vez de objetos, apareçam palavras, o que o faria útil também para auxiliar na alfabetização e no reforço do aprendizado das palavras escritas (REDE SACI, 2013). Como critério para considerar o vocábulo de fato reconhecido pela criança com TEA, é necessário o seu reconhecimento de no mínimo três vezes consecutivas. De acordo com o autor, há indicação de desenvolvimento cognitivo da criança autista quando as palavras são apropriadas. O importante é a compreensão delas, o que sugere a utilização de suas habilidades metalinguísticas. Com o uso do computador é possível criar estes tipos de ambientes controlados, interessantes e sem outras possibilidades de distrações. Estas são consideradas características de importância para o êxito da aprendizagem dos autistas (CUNHA, 2013). O segundo software de CA a ser comentado chama-se Sistema SCALA - Sistema de Comunicação Alternativa para Letramento de pessoas com Autismo - e foi desenvolvido por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, denominado TEIAS, ou seja, Tecnologia na Educação para Aprendizagem em Sociedade. Tem como objetivo maior investigar o entrelaçamento entre Educação, Tecnologia e Inclusão com ênfase na aplicação das TICs na educação para a promoção de processos inclusivos. O sistema SCALA, criado a partir de 2009, é constituído de um software – como recurso da tecnologia assistiva - e uma metodologia de uso. “É um gerenciador de símbolos pictóricos que dão suporte à construção de pranchas e de narrativas visuais (histórias), nas versões web e dispositivo móvel (android)” (PASSERINO; BEZ; COUTINHO, 2013, p. 2). O conjunto de funções deste sistema permite, além de animação de funções, importar imagens, editar sons, salvar, exportar e gerenciar arquivos. Outro ponto interessante é a possibilidade de inserção de imagens próprias, o que personaliza e oportuniza adaptações segundo as necessidades do usuário (PASSERINO; BEZ; COUTINHO, 2013). A concepção do sistema SCALA foi baseada na visão sócio-histórica de Vigotsky, que contempla o sujeito em sua individualidade e sua interação em contextos culturais variados. Esta interação acontece por “um processo de mediação que vai da aprendizagem ao desenvolvimento humano” (PASSERINO; BEZ; COUTINHO, 2013, p. 5). É importante esclarecer a mediação sob o olhar de Vigotsky. Os processos mentais superiores (pensamento, linguagem, comportamentos volitivos) se originam dos processos sociais. Sem a referência social, não se entende o desenvolvimento cognitivo, pois é a partir 7403 dela que se formam as funções mentais. “Não é por meio do desenvolvimento cognitivo que o indivíduo torna-se capaz de socializar, é por meio da socialização que se dá o desenvolvimento dos processos mentais superiores” (MOREIRA, 2011, p.108). De acordo com as autoras, a utilização do SCALA potencializa interações como instrumento mediador de ações comunicativas em sujeitos com TEA. Como afirma Behrens, “o desejo de mudança da prática pedagógica se amplia na sociedade digital da informação quando o docente depara com uma nova categoria do conhecimento, denominada digital” (BEHRENS, 2013, p. 79-80). E conclui que cabe a profissionais ligados à educação especial fazer da mediação da aprendizagem um novo paradigma desta linguagem digital. Nessa conjuntura de propor novas ajudas para o aprender, para a busca de recursos e meios facilitadores para se chegar a resultados positivos com crianças com TEA, é que se considera as possibilidades da tecnologia digital na forma de softwares para comunicação alternativa, como tecnologia assistiva. O objetivo maior destas estratégias facilitadoras de ajuda, é o de “prevenir, compensar, aliviar ou neutralizar uma deficiência, incapacidade ou desvantagem e melhorar a autonomia e a qualidade de vida dos indivíduos” (ITS BRASIL, 2008). Pela concepção sócio-histórica do desenvolvimento humano proposta por Vygotsky, são os instrumentos e os signos que dão possibilidade ao sujeito de se relacionar, de se interar e de ser interado no mundo e com o mundo. Este processo de mediar é determinado pelo significado que se dá ao que se encontra ao redor, ou seja, “[...] criar representações mentais de objetos, pessoas, situações, mesmo na ausência dos mesmos” (GALVÃO FILHO, 2004, p. 87). Este autor complementa ainda acerca da teoria da aprendizagem de Vygotsky: O ser humano conseguiu evoluir como espécie graças à possibilidade de ter descoberto formas indiretas, mediadas, de significar o mundo ao seu redor, podendo, portanto, por exemplo, criar representações mentais de objetos, pessoas, situações, mesmo na ausência dos mesmos. Essa mediação pode ser feita de duas formas: através do uso dos signos e do uso dos instrumentos. Ambos auxiliam no desenvolvimento dos processos psicológicos superiores (GALVÃO FILHO, 2004, p. 87). Para o trabalho de mediação da aprendizagem com as crianças com transtorno do espectro autista é preciso programas bem estruturados e regidos por diversos profissionais. É indicada a atuação de especialistas em educação, medicina, psicologia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicopedagogia, e outras áreas de apoio, como, musicoterapia, terapia da fala, 7404 informática, o trabalho com esportes como a natação e mais recentemente, há a possibilidade de ações com o uso do computador (CUNHA, 2013). Dele deverá surgir uma mediação efetiva de aprendizado, uma diretriz organizacional de condutas e tarefas a serem seguidas pelo autista assim como pelas pessoas em cujos ambientes ele se insere: casa e escola (PERISSINOTO, 2003). Considerações Finais Diante do objetivo proposto, que foi o de refletir sobre a tecnologia assistiva e discutir sobre suas efetivas contribuições no processo mediático da aprendizagem da criança autista, foi possível identificar na pesquisa bibliográfica que a pesquisa - tecnologia assistiva mediação da aprendizagem - transtorno do espectro autista - está se ampliando no Brasil. Uma série de projetos nacionais de softwares especialmente elaborados para a mediação da aprendizagem para pessoas com TA oferecem novas possibilidades para a ajuda da socialização de sujeitos com necessidades educacionais especiais. Na perspectiva da mediação da aprendizagem da atual contextualização inclusiva, as propostas visam incrementar a postura de quem ensina assim como de quem aprende. O professor mediador e o discente autista têm hoje uma melhoria na qualidade da educação com o envolvimento das TICs e o avanço da tecnologia assistiva. A mediação da consciência da modificabilidade de Feuerstein insiste com sucesso numa evolução mútua - professor/aluno; e Vigotsky, na sua visão sócio-histórica, se mostra de uma atualidade tocante quando combinada com o novo paradigma holístico. Como consequência, numa percepção maior, nasce um entendimento contemporâneo acerca da deficiência e da criança com TEA. Antes estudada sob o prisma da exclusão, hoje está em realce o seu potencial cognitivo, a tentativa de explorar e entender seus talentos e não de apontar seus prejuízos. Num entendimento holístico do tema desta pesquisa - a tecnologia assistiva no processo de mediação da aprendizagem da criança autista - cogita-se um viés contemporâneo de sociedade: de aprendizado baseado num novo sentido do aprender a aprender, o da autonomia, da transformação e da renovação da compreensão dos saberes. São as vantagens e os benefícios de uma sociedade em vias da transcendência no quesito aprender a incluir e do viver a equidade. 7405 REFERÊNCIAS ARAÚJO, Álvaro Cabral; LOTUFO NETO, Francisco. A nova classificação americana para Transtornos Mentais – o DSM-5. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva. FMUSP. 2014, v. 16, n. 1, p. 67-82. BEHRENS, Marilda Aparecida. Projetos de aprendizagem Colaborativa num Paradigma Emergente. 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