centro federal de educação tecnológica do paraná

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CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DO PARANÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TECNOLOGIA
APRENDIZAGEM MEDIADA: UM ESTUDO PRÉVIO DOS EFEITOS DO
PROGRAMA DE ENRIQUECIMENTO INSTRUMENTAL DE REUVEN
FEUERSTEIN EM JOVENS INTEGRADOS A UM PROCESSO DE
QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL BÁSICA
ENILDE APARECIDA BERNARDI MARTINS
Dissertação apresentada como requisito parcial à
obtenção do grau de Mestre em Tecnologia, Área
de
Concentração:
Educação
Tecnológica.
Programa de Pós-Graduação em Tecnologia,
Centro Federal de Educação Tecnológica do
Paraná.
Orientador: Profª Drª Sonia Ana C. Leszczynski
CURITIBA
2002
ENILDE APARECIDA BERNARDI MARTINS
APRENDIZAGEM MEDIADA: UM ESTUDO PRÉVIO DOS EFEITOS DO
PROGRAMA DE ENRIQUECIMENTO INSTRUMENTAL DE REUVEN
FEUERSTEIN EM JOVENS INTEGRADOS A UM PROCESSO DE
QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL BÁSICA
Dissertação apresentada como requisito parcial à
obtenção do grau de Mestre em Tecnologia, Área
de
Concentração:
Educação
Tecnológica.
Programa de Pós-Graduação em Tecnologia,
Centro Federal de Educação Tecnológica do
Paraná.
Orientador: Profª Drª Sonia Ana C. Leszczynski
CURITIBA
2002
A você, pai, cuja presença é
duradoura.
Ao Walter, Marina, Felipe e
Guilherme com meu pedido de
desculpas pelas ausências e a
gratidão pela paciência, carinho
e compreensão
Agradecimentos
A Sônia Ana C. Leszczynski pelo apoio, sem o qual não poderia ter sido realizada a
formação necessária para a aplicação do programa, e pela sensibilidade em perceber e
respeitar a importância deste momento.
Ao Cefet-PR, pela oportunidade para meu crescimento profissional.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação pela competência e disponibilidade em
compartilhar seus saberes. Ao Professor João Augusto de Souza Leão Bastos pela
oportunidade por ter podido conhecer um verdadeiro sábio.
Aos colegas de turma, pelos momentos de mediação cognitiva e afetiva, principalmente
Núbia, Maria Inês, João Negrão, Adilson, Ana Cristina, Carlos.
A Margarete Tonelli, por ter mediado de maneira competente, nestes últimos três anos, o
processo de resignificação da minha vida.
À Graça Maria Abrantes de Almeida por sempre ter acreditado no meu potencial e ter
mediado este sentimento de forma tão competente.
Às professoras Leisa Barros Dutra Hepp e Neusa Pereira de Souza Manfredinho por
compartilharem a crença de que utopias são possíveis.
Ao Prof. Édio Furlanetto, responsável pela coordenação do projeto Pescar, na Escola
Técnica Tibagi, pelo exemplo de como se faz uma escola cidadã.
Ao Prof. Silvino Iagher pela disponibilidade em revisar e dar sentido a algumas das idéias
postas neste trabalho.
Por último, aos alunos do Projeto Pescar, que tornaram possíveis as mediações realizadas e,
a um aluno em especial, por compartilhar o sentimento de competência de que reaprender é
possível.
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS
RESUMO
ABSTRACT
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................01
Capítulo I
REVISÃO DA LITERATURA
1. CONTORNOS TEÓRICOS DA PSICOLOGIA COGNITIVA.....................................05
1.1 Modelo Associacionista..................................................................................................09
1.2 Modelo Organicista.........................................................................................................13
1.3 O modelo piagetiano ......................................................................................................17
1.4 A teoria sociocultural da aprendizagem.......................................................................23
Capítulo II
2. PROGRAMA DE ENRIQUECIMENTO INSTRUMENTAL ......................................31
2.1. Reuven Feuerstein e as bases de sua teoria ...................................................................31
2.2 A mediação sociocultural de Vygotski e a experiência de aprendizagem mediada ..... 33
2.3 Critérios de mediação .....................................................................................................41
2.4 Operações mentais e funções cognitivas ........................................................................56
2.5 Mapa cognitivo ..............................................................................................................74
2.6 Programa de enriquecimento instrumental – características e instrumentos .................77
Capítulo III
ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS ...............................................................................82
3.1 Metodologia de trabalho ............................................................................................... 82
3.2 Amostra ......................................................................................................................... 82
3.2.1 Caracterização do Projeto Pescar.................................................................................75
3.2.2 Caracterização da amostra
3.3. Instrumentos utilizados ............................................................................... ................ 77
3.4 Resultados da pesquisa ..................................................................................................79
Capítulo IV
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 119
ANEXO 1 – MAPA COGNITIVO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 130
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 - Modelo de experiência de aprendizagem mediatizada ..................................... 41
Figura 02 - Resposta do aluno com o processo previsto de mediação................................. 91
Figura 03 - Resposta do aluno após o processo de mediação especial ................................92
Figura 04 - Resposta do aluno com o processo previsto de mediação .................................93
Figura 05 - Resposta do aluno após o processo de mediação especial.................................93
Figura 06 - Resposta do aluno com o processo previsto de mediação..................................98
Figura 07 - Resposta do aluno após o processo de mediação especial.................................98
Figura 08 - Resposta do aluno com o processo previsto de mediação................................104
Figura 09 - Resposta do aluno após o processo de mediação especial...............................105
Figura 10 - Resposta do aluno com o processo previsto de mediação...............................106
Figura 11 - Resposta do aluno após o processo de mediação especial ..............................107
Figura 12 - Resposta do aluno com o processo previsto de mediação...............................113
Figura 13 - Resposta do aluno após o processo de mediação especial...............................114
Figura 14 - Resposta do aluno com o processo previsto de mediação................................115
Figura 15 - Resposta do aluno após o processo especial de mediação...............................116
RESUMO
O presente estudo trata da mediação do Programa de Enriquecimento Instrumental
de Reuven Feuerstein e foi aplicado em jovens integrados a um projeto de qualificação
profissional básica da Escola Técnica Tibagi, que desenvolve o Projeto Pescar,
denominação de um programa de integração de jovens carentes ao convívio social e
profissional. O objetivo foi verificar se a mediação do Programa de Enriquecimento
Instrumental a um grupo de jovens com baixo rendimento escolar, por um período limitado
de tempo, seria capaz de provocar indícios de modificabilidade. Para tal, decidiu-se pela
abordagem de pesquisa qualitativa de natureza interpretativa.
Por meio da revisão da literatura, buscou-se estabelecer alguns contornos teóricos
da Psicologia Cognitiva que mais se aproximam do arcabouço conceitual que sustentam o
Programa de Enriquecimento Instrumental, o qual se fundamenta na Teoria da
Modificabilidade Cognitiva Estrutural e na Experiência de Aprendizagem Mediada.
Os resultados obtidos neste estudo fornecem algumas evidências de que a pessoa
humana está aberta à modificabilidade. A partir dessa constatação foram discutidas as
implicações para futuras aplicações do Programa de Enriquecimento Instrumental.
Palavras-chave: Modificabilidade, Mediação, Metacognição.
ABSTRACT
The present paper is about the mediation of the Feuerstein’s Instrumental
Enrichment Program. It was aplied in young people involved with a basic professional
qualification project at the Technical School Tibagi which develops the Projeto Pescar (the
Fisching Project). This project is a denomination of an integration program of socially or
culturally disadvantaged young individuals to the social and professional conviviality. The
goal was to vefify if the mediation of the Instrumental Enrichment Program to a group of
young people with low scholar efficiency, in a short period of time, would provoke
modifiability indicators. In order to do so, the qualitative research with an interpretive
nature was adopted.
Through literature revision some theoretical outlines from the Cognitive Psychology
were stablisched and they were nearer the conceptual framework of the Instumental
Enrichment Program which is based on the Structural Cognitive Modifiability Theory and
on the Mediated Learning Experience.
The results achieved in this study give some evidence thal human beings are open to
modifiability. From this observation the implications for the future applications of the
Instumental Enrichment Program were discussed.
Key-words: Modifiability, Mediation, Metacognition.
1
INTRODUÇÃO
Há anos trabalhando em educação, sempre nos causou preocupação a fala de muitos
professores de que alguns alunos não aprendem de jeito nenhum.
Este discurso, quando explicitado ao aluno (ou mesmo velado, mas manifesto
através de atitudes), leva muitas vezes a comportamentos discriminatórios, desencadeando
sentimentos de incompetência cognitiva que podem ser percebidos, freqüentemente, através
do atraso em sua história acadêmica ou, até mesmo, no abandono dos estudos.
Muitos alunos tentam retomar o tempo perdido engajando-se em programas de
integração ou qualificação profissional básica, levando consigo o peso da sensação de
desqualificação e incompetência.
Frente a este quadro, sempre nos questionamos se haveria meios de auxiliar o
professor a buscar estratégias de como interferir no nível da cognição e não no nível da
assimilação pura e simples de saberes e técnicas, a fim de fornecer a essas pessoas os prérequisitos cognitivos que lhes permitissem aprendizagens elaboradas posteriores,
principalmente numa sociedade cognitiva que vai exigir cada vez mais conhecimentos,
criatividade e inovação, atributos cognitivos por excelência e de excelência, que não se
podem adquirir apenas por percepção passiva e massificada de informação.
Vivemos numa nova cultura tecnológica que se instala progressivamente, para a
qual muitas pessoas (por exemplo, jovens trabalhadores) não estão preparadas e para as
quais não se perspectivou1 qualquer metodologia diferenciada de formação.
Nas últimas décadas, a investigação psicopedagógica internacional tem-se
orientado, como demonstra Fonseca (1998), para o desenvolvimento de programas que
pretendem a melhoria das competências cognitivas, como é o caso do Programa de
Enriquecimento Instrumental (PEI) de Reuven Feuerstein, o qual se fundamenta na Teoria
da Modificabilidade Cognitiva Estrutural (MCE) e na Experiência de Aprendizagem
Mediada (EAM).
A teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural, conforme indica o próprio nome,
baseia-se na modificabilidade2, na flexibilidade da estrutura cognitiva, e tem como um dos
1
Perspectivar – Fig. Esperado no futuro. Expectativa, esperança, probabilidade (AURÉLIO, 1986, p.1317)
Pode-se dizer que o conceito de modificabilidade é um dos dois aportes conceituais que fundamentam a
teoria de Feuerstein, ao lado do conceito de experiência de aprendizagem mediada.
2
2
aportes conceituais centrais o pressuposto de que o ser humano é dotado de uma mente
plástica, flexível, aberta a mudanças, sendo, portanto, uma condição filogenética da espécie
humana e proporcionada por fatores socioculturais. Nas suas experiências, Feuerstein
(1991) demonstrou que a modificabilidade estrutural cognitiva ocorre quando se
desenvolve a metacognição, a qual se traduz como tomar consciência de “como se
aprende”, processo que só se atinge numa relação onde existe um mediador que estimula a
tomada de consciência.
A teoria da Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM) – “definida como a
qualidade de interação entre o organismo e o meio – produz-se pela interposição de um ser
humano iniciado e intencionado, que medeia o mundo e o organismo, criando no sujeito a
propensão ou tendência à mudança pela interação direta com os estímulos. A EAM produz
a flexibilidade, a autoplasticidade na existência humana e, em última instância, oferece-lhe
a opção de modificabilidade, tal como temos descrito” (Feuerstein, 1997, p. 15).
O Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI), de autoria de Feuerstein, tem
como objetivo não a adaptação a um modelo preciso, mas preparar o indivíduo para a
mudança, otimizando o funcionamento cognitivo e proporcionando-lhe um método de
aprendizagem em que ele aprenda a aprender. Propõe-se a corrigir funções cognitivas
deficientes3, resultantes da mediação debilitada da aprendizagem, como também propiciar o
desenvolvimento de motivação interna por parte da pessoa, pois pressupõe que o processo
de internalização (no sentido vygotskiano)4 pelo aluno é importante, pois assim ele passa a
utilizar e a aplicar os conceitos, relações, operações e estratégias de forma autônoma,
construindo uma auto-imagem ativa.
No Brasil, os estudos sobre a modificabilidade cognitiva são mais recentes
(RUBINSTEIN, 1995; BEYER, 1996) e normalmente voltados para a intervenção
psicopedagógica clínica e individual.
3
Funções cognitivas são processos estruturais e complexos do funcionamento mental que, quando
combinados, fazem operar e organizar a estrutura cognitiva. GOMES (2002) aponta que a teoria de Feuerstein
define a dificuldade escolar como um sintoma, um sinal que denuncia uma aprendizagem mediada ineficaz e a
presença circunstancial de funções cognitivas deficientes que emperram a aquisição adequada de novos
conteúdos por meio da construção do conhecimento.
4
Chamamos de internalização (grifo do autor) a reconstrução interna de uma operação externa. A
internalização de formas culturais de comportamento envolve a reconstrução da atividade psicológica tendo
como base as operações com signos (VYGOTSKI, 1993, p. 65)
3
Dessa constatação surgiu o questionamento que motivou esta pesquisa, ou seja, é
possível observar indícios de modificabilidade a partir da mediação do Programa de
Enriquecimento Instrumental (PEI) a um grupo de jovens integrados a um projeto de
qualificação profissional básica?
A partir desta questão, o objetivo central deste estudo foi verificar se a mediação do
Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) a um grupo de jovens com baixo
rendimento escolar, participantes de um projeto de formação profissional básica, por um
período limitado de tempo, seria capaz de provocar indícios de modificabilidade.
Por meio da revisão da literatura, no capítulo I, buscou-se os caminhos percorridos
por Feuerstein para a construção do arcabouço conceitual que sustenta o Programa de
Enriquecimento Instrumental. Para tal compreensão, estabeleceram-se alguns contornos
teóricos da psicologia cognitiva, implícitos em sua abordagem, e explicitados por autores
como Beyer (1996), Sutherland (1996), Fonseca (1998), Gomes (2002), uma vez que, não
era preocupação inicial de Feuerstein buscar evidências teóricas que sustentassem
cientificamente sua abordagem metodológica.
Assim, foi adotada a classificação proposta por Pozo (1998) como referência para
categorizar as teorias psicológicas e suas influências no campo da cognição. A partir dessa
classificação, situou-se a interface entre o modelo associacionista (comportamentismo,
teoria do processamento da informação), o modelo organicista (gestalt, modelo piagetiano,
abordagem sócio-histórica de Vygotski, Bruner, estudos sobre metacognição) e a Teoria da
Modificabilidade Cognitiva Estrutural.
No capítulo II, apresentou-se o Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI),
sua base teórica; a interface entre a mediação sociocultural em Vygotski e a Experiência de
Aprendizagem Mediada; os critérios de mediação sistematizados por Feuerstein; foram
trabalhados os conceitos de operações mentais e funções cognitivas; como também a
importância da estruturação do mapa cognitivo, objetivos e instrumentos do PEI.
No capítulo III, foram tratados os procedimentos metodológicos e os resultados do
estudo em questão. De acordo com o objetivo proposto para este estudo, optou-se pela
pesquisa de tipo qualitativa em sua abordagem interpretativa. O estudo envolveu 17
4
alunos, da décima turma de formação de Assistente Eletromecânico, curso ofertado pela
Escola Técnica Tibagi, filiada ao Projeto Pescar; portanto, a amostra foi intencional com
critérios pré-estabelecidos de seleção. Para a coleta de dados foi utilizada a aplicação de
quatro instrumentos do PEI e como técnica, a observação pouco ou não estruturada na
forma de observação participante.
No capítulo IV, foram enunciadas as considerações finais, as recomendações, as
implicações da investigação para a prática pedagógica, as limitações do estudo e as
sugestões para futuras pesquisas.
5
1. CONTORNOS TEÓRICOS DA PSICOLOGIA COGNITIVA
As teorias que o ser humano constrói para sistematizar seu conhecimento, para
explicar e prever eventos, são constituídas de conceitos e princípios. Conceitos são signos
que apontam regularidades em objetos ou eventos, os quais são usados para pensar e dar
respostas rotineiras e estáveis ao fluxo de eventos. Princípios são relações significativas
entre conceitos. Teorias também expressam relações entre conceitos, porém são mais
abrangentes, envolvendo muitos conceitos e princípios. Subjacentes às teorias estão
sistemas de valores aos quais se pode chamar de filosofias ou visões de mundo.
A psicologia não dispõe, neste momento, de uma teoria única e aceita globalmente
que ofereça um marco explicativo completo e detalhado dos processos cognitivos que
envolvem a
aprendizagem escolar. Porém, ao contrário, na dimensão teórico-conceitual,
coexistem diversas teorias e enfoques sobre processos cognitivos e aprendizagem escolar
que respondem a coordenadas históricas e epistemológicas diversas, e que proporcionam
conceitos e princípios explicativos também inversos, podendo, às vezes, ser considerados
complementares e, às vezes, dificilmente podem ser conciliados.
É importante situar neste momento os caminhos percorridos por Feuerstein para a
construção do arcabouço conceitual que sustenta o Programa de Enriquecimento
Instrumental, que se fundamenta na teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural e na
Experiência de Aprendizagem Mediada.
Podemos observar que suas preocupações iniciais não focalizavam a criação de uma
plataforma científica como base para a geração da teoria:
Inicialmente investi pouco nesse aspecto particular de meu trabalho. O ímpeto básico para a criação
da teoria da MCE não partiu de um interesse intelectual puro, mas de uma necessidade muito urgente
e vital de encontrar meios para ajudar milhares de crianças sobreviventes do Holocausto, cujo futuro
dependia em muito de uma mudança radical nos pontos de vista dos psicólogos, professores,
“tomadores de conta” e elaboradores de política educacional. É por isso que a história dessa teoria
está ligada em especial a uma realidade sociocultural e educacional difícil, que tinha a tendência a
continuar assim por causa daqueles que acreditavam na fixidez e na imutabilidade da inteligência e
em outras características humanas que os conduziam a manter tal difícil realidade.
(...) assim, em lugar de procurar por fontes teóricas que servissem de base para uma visão otimista do
ser humano e da possibilidade de modificar o curso de sua vida, buscamos meios de provar que isso
era possível, envolvendo-nos em um programa de diagnóstico e intervenção, a fim de confirmar
nosso postulado e nosso sistema otimista de crença na modificabilidade de sua condição: cognitiva,
emocional ou comportamental (FEUERSTEIN, In GOMES 2002, p. 14).
6
A Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural, segundo Feuerstein (1991), é
baseada em um sistema de crenças originado da necessidade vital de ver aquelas crianças
desenvolvendo-se, apesar de todas as dificuldades e contra todos os prognósticos: “o papel
do sistema de crenças gerado pela necessidade de aderir a uma visão otimista do ser
humano como uma entidade modificável é não menos importante no desenvolvimento de
uma metodologia para criar a plataforma científica que apoie a crença. Pode parecer ao
leitor algo circular: você necessita, você acredita, você cria uma base científica para
reforçar sua crença. E, de fato, nós nos perguntamos: não estará esse processo por trás do
progresso científico? (p. 15)”.
Feuerstein aponta (In Gomes 2002) que a Modificabilidade Cognitiva Estrutural
tornou-se uma hipótese teoricamente plausível a partir de três grandes pressupostos. A
primeira consideração está relacionada à concepção da ontogenia dupla do organismo
humano: a ontogenia biológica e a ontogenia sociocultural. A ontogenia biológica consiste
em perceber o ser humano como uma comunidade de células interagindo entre si e com o
ambiente, ou seja, a entidade humana biológica está tornando-se um indivíduo. A ontogenia
sociocultural é responsável pela estrutura social, moral e comunicacional do ser humano; é
essa parte do desenvolvimento que dá ao organismo a verdadeira natureza de entidade
humana. Aqui a individualidade tem peso muito menor, ao passo que a cooperação coletiva
e a nova interação cultural exercem o papel preponderante na formação dos estados do ser
humano. A relação entre essas duas ontogenias é marcada por uma interação estressante
contínua e altamente conflituosa. A entidade biológica certamente impõe limites e os traz à
tona, ao mesmo tempo em que a ontogenia sociocultural luta por libertar o ser humano
desses limites, modificando e criando novos rumos de vida, apesar da imposição, mas
contra tal imposição da realidade biológica, neurológica e cromossômica.
O segundo fator que acrescenta plausibilidade ao conceito de modificabilidade
cognitiva é a definição modal do comportamento humano como um estado, e não como
algo fixo e imutável. Além disso, o comportamento modal seria considerado modificável,
da mesma forma que os estados, uma vez que está fortemente relacionado a certas
condições que podem ser mudadas.
7
O terceiro fator apontado pelo autor é a nova e dramática mudança na concepção
neurocientífica do cérebro humano como um organismo altamente flexível e elástico, onde
evidência de pesquisa e evidência clínica estão se tornando cada vez mais disponíveis sobre
os efeitos do ambiente interacional do organismo na estrutura do cérebro.
Tais pressupostos apontam algumas influências teóricas que permeiam de forma
implícita o sistema de crenças sustentado por Feuerstein, visto que não era sua preocupação
inicial buscar evidências teóricas que sustentassem cientificamente sua abordagem
metodológica.
As interfaces teóricas entre a teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural e
outras teorias cognitivas ainda estão sendo construídas, uma vez que o autor não as
explicita. Faz-se necessário buscar em outros autores indicativos conceituais, como os que
nos aponta Beyer (1996): “Antes que se continue com a discussão em torno dos conceitos
principais da teoria de Feuerstein, interessa que se conheça algumas das fontes teóricas do
autor. Segundo o prof. F. Büchel da Universidade de Genebra (em palestra apresentada no
Seminário sobre o Programa de Enriquecimento Instrumental de Feuerstein em Frankfurt,
Alemanha, em outubro de 1991), Feuerstein apoia-se teoricamente na Psicologia russa da
mediação cultural-lingüística (Vygotsky, Luria), na teoria do controle do pensamento e da
aprendizagem (Metacognição) e na teoria de Piaget (p. 73)”.
Fonseca (1998) nos mostra que toda a obra de Feuerstein está embuída do postulado
de base de que todo o ser humano é modificável, do qual decorrem cinco proposições: o ser
humano é modificável; o sujeito que eu vou educar é modificável; eu sou capaz de produzir
modificações no indivíduo; eu próprio tenho que e devo modificar-me e, toda a sociedade e
toda a opinião pública são modificáveis e podem ser modificadas. Segundo o autor “é
notório que estes enunciados de valor são resultantes da profunda influência que a obra de
Vygotsky, além das de Piaget e de Bruner, exercem sobre Feuerstein (p. 41)”.
Sutherland (1996) indica que a intervenção de Feuerstein destinava-se, inicialmente,
a ajudar os alunos adolescentes imigrantes, que (muitas vezes devido a fatores culturais)
lutavam para dominar a língua hebraica. Os professores devem então utilizar seu método, o
Programa de Enriquecimento Instrumental, a fim de ultrapassar a deficiência cognitiva.
Todavia, afirma que “dado que Feuerstein é eclético nas teorias em que se inspira (...) se
8
baseia na escola do processamento de informação (PI), na metacognição, em Piaget, no
construtivismo e em Vygotsky como fontes teóricas (p. 185, 191)”.
Gomes (2002) aponta que “Feuerstein aproxima-se do modelo organicista da
psicologia cognitiva, pendendo entre a corrente construtivista e a abordagem sócio-histórica
(p. 40)”.
Podemos dizer que a psicologia cognitiva e a educação são duas áreas que mantêm
mútua relação. Através de descobertas cada vez mais amplas que dizem respeito aos
processos cognitivos, intervenções mais eficazes são elaboradas e pensadas no terreno da
educação, modificando o panorama das ações educativas. Como em geral as práticas
psicoeducativas têm uma inspiração e uma base conceitual na psicologia cognitiva, é
necessário entender alguns modelos e correntes que aí coexistem, até mesmo para entender
as propostas psicoeducativas de nossa época e situar Reuven Feuerstein a partir da análise
conceitual apontada pelos autores acima.
Diversas classificações podem ser usadas como referência para categorizar as
teorias psicológicas e suas respectivas influências no campo da cognição e da educação,
como as apontadas por Moreira (1999), Pinker (1998), Kohl (1999), Salvador (2000),
Sternberg (2000), Sutherland (2000). Utilizaremos a classificação proposta por Pozo
(1998), segundo a qual há duas grandes tendências na psicologia cognitiva, o modelo
associacionista e o modelo organicista, por entendermos que esta organiza de forma
coerente várias correntes no campo da psicologia cognitiva e por esta aproximar-se, de
certa maneira, do referencial teórico apontado como norteador do trabalho de Feuerstein.
O modelo associacionista pode ser assim enfocado em seus principais aspectos:
Mecanicista – estuda o organismo por meio dos seus mecanismos de funcionamento, ou
seja, estuda a mecânica na qual o organismo é organizado. Caracteriza-se por analisar os
mecanismos de forma pontual e estática.
Elementarista – entende que os mecanismos são organizados por partes elementares,
básicas. Essa tendência é chamada de associacionista (Pozo, 1998), já que o estudo parte de
pequenas partes que vão sendo associadas. Para esse modelo, por exemplo, os conceitos
que as pessoas formam sobre as coisas são construídos através de uma associação de
estímulos, de protótipos, formando uma cadeia associativa. Todos os fenômenos são
9
explicados pela associação de elementos nucleares que se juntam e formam o sistema
organizado.
Isomorfismo – Compreende que o organismo percebe, aprende e forma conceitos por meio
da relação direta entre ele e os estímulos do mundo. Este apresenta regularidades (ordens,
regras) que são transmitidas diretamente ao ser humano, que forma uma cópia fiel do
mundo em seu sistema cognitivo.
Já o modelo organicista fundamenta-se nos seguintes pressupostos:
Organicista – Estuda o organismo como sendo organizado por princípios de mudança e
alteração constantes. Concebe, em linhas gerais, que todo organismo nasce, cresce,
desenvolve funções e as perde progressivamente até sua morte. A tendência organicista
parte do fundamento de que o estudo do ser humano deve compreender tais fases referidas
como um todo. Em vez de enfocar um mecanismo estático e pontual, o organicismo analisa
os processos de mudança e a formação de estruturas internas, provenientes de
reestruturações.
Holista – analisa o todo, sem reduzir a realidade e o ser humano a uma soma de elementos
básicos associados. Considera que o organismo evolui de forma qualitativa, de acordo com
as mudanças ocorridas em sua estrutura. As mudanças qualitativas referem-se a
transformações no próprio sistema interno do organismo, ao passo que as mudanças
quantitativas referem-se a diferenças na quantidade de elementos adicionados.
Heteromorfismo – compreende que o organismo assimila o mundo de acordo com as
capacidades de sua própria estrutura interna e não apreende de forma neutra e direta os
estímulos do mundo. Além disso, entende que o organismo percebe os estímulos do mundo,
alterando-os, selecionando-os e focalizando-os, de acordo com leis internas dos
mecanismos e de sua estrutura cognitiva.
O modelo associacionista explica o ser humano e a realidade do mundo de modo a
reduzir as variáveis, analisar estados estáticos e pontuar alterações quantitativas. Já o
modelo organicista visa a analisar uma estrutura global interna que não pode ser explicada
apenas pela redução às partes fundamentais e concebe os estados em movimento, em
constante mudança dentro de um todo. Em suma, a concepção de aprendizagem do modelo
associacionista de acordo com Pozo (1998) organiza-se na associação de elementos
10
básicos, enquanto o modelo organicista fundamenta seu princípio de aprendizagem na
reestruturação dos esquemas de conhecimento.
1.1 Modelo Associacionista
As duas principais correntes da psicologia que se enquadram no modelo
associacionista são: o comportamentismo e a teoria do processamento da informação,
considerados por Pozo (1998) como pertencentes à mesma posição epistêmica, apesar de
diferenças substanciais.
O comportamentismo aproxima-se do modelo associacionista, porque explica o
comportamento dos organismos através da associação entre comportamentos básicos e
estímulos do mundo. Buscando uma análise científica pela objetividade e pela explicação
empirista dos fatos concretos, muitos comportamentistas chegaram a recusar o estudo dos
processos internos da mente humana, considerando apenas o comportamento observável
como objeto de estudo (Sternberg, 2000).
O expoente mais importante foi Skinner, defensor da idéia de que toda e qualquer
questão psicológica deve ser explicada pela lei do reforçamento.
As principais variáveis de input na abordagem skinneriana são: estímulo (evento que
afeta os sentidos do aprendiz); reforço (evento que resulta no aumento da probabilidade da
ocorrência de um ato que imediatamente o precedeu); contingência de reforço (arranjo de
uma situação para o aprendiz, na qual a ocorrência de reforço é tomada contingente à
ocorrência imediatamente anterior de uma resposta a ser aprendida) (Oliveira, 1973).
As variáveis de output são as respostas que o aprendiz dá. Para Skinner (1980,
p.73), há dois grandes tipos de respostas ou comportamentos: operantes e respondentes. O
comportamento respondente (reflexo ou involuntário) compreende todas as respostas dos
seres humanos, e outros organismos, que são eliciadas, involuntariamente, frente a
determinados estímulos.
Essencialmente, nos processos de condicionamento operante, o organismo aprende a
fazer - ou a evitar - determinados comportamentos de acordo com as conseqüências
positivas ou negativas que esses comportamentos tiverem: o organismo tende a repetir
comportamentos que tenham conseqüências positivas ou evita conseqüências negativas e
11
abandona comportamentos que não ocasionam conseqüências positivas ou tenham
conseqüências negativas. As respostas aprendidas dessa maneira permitem ao organismo
operar de modo mais efetivo sobre o seu contexto em um sentido instrumental; surge daí o
qualificativo de “operante” na denominação desse tipo de processos.
Outro processo que se destaca como responsável principal pela aprendizagem é o
processo de modelagem isto é, a aprendizagem a partir da observação de modelos, bastante
difundido por Bandura (1972) em sua Teoria da Aprendizagem Social (por imitação), em
que afirma que nem toda aprendizagem ocorre como resultado do reforçamento direto de
respostas, uma vez que as pessoas podem aprender observando o comportamento de outras
no seu meio social. Bandura a chama de aprendizagem “aprendizagem vicária” (ou por
substituição), pois o aprendiz não está sendo reforçado, mas apenas testemunhando o
reforço (fornecido ao “modelo” com o qual se identifica).
Nesse caso, o mecanismo básico responsável pela aprendizagem é a imitação dos comportamentos
dos modelos observados, e o processo permite uma grande variedade de aprendizagens a partir da
ativação, da inibição ou da desinibição de comportamentos agressivos já presentes no repertório do
sujeito diante de determinadas situações - até a aprendizagem de respostas e habilidades
genuinamente novas por parte do observador. A partir deste aspecto, é preciso remarcar que os
termos “observação” e “imitação” devem ser entendidos no sentido amplo, incluindo tanto a
aprendizagem a partir de modelos sendo pela conduta dos outros - sendo personagens reais ou
personagens imaginários, como em um filme ou em um seriado de televisão - quanto o que
podemos denominar modelagem verbal, ou seja, imitar a partir de instruções verbais ou da
combinação de ambos os modelos. (Salvador, 2000, p.218)
A teoria do processamento da informação nasceu nos Estados Unidos, nos anos 50 e
60, devido às influências do desenvolvimento tecnológico, da lingüística, da antropologia e
de outros ramos do saber. Através do desenvolvimento crescente de processadores de
informação (computadores), muitos cientistas começaram a falar em processamento interno
.
Sternberg (2000) aponta que os teóricos do processamento da informação procuram
compreender o desenvolvimento cognitivo em função de como as pessoas de diferentes
idades, tratam a informação (i.e., como a decodificam, codificam, transferem, combinam,
armazenam e recuperam), especialmente quando resolvem problemas mentais desafiadores.
Toda a atividade mental que envolva observação, entrada, manipulação mental,
12
armazenamento, combinação, recuperação ou ação sobre a informação cai dentro do
alcance da teoria do processamento da informação.
É possível identificar dois grandes núcleos de interesse teórico e aplicado que
centram, de maneira prioritária, a atenção de boa parte dos autores que trabalham neste
campo (Salvador 2000). Por um lado, o relativo às estratégias de processamento implicadas
na resolução de uma tarefa ou na realização de uma nova aprendizagem, como também os
elementos e os processos subjacentes a tais estratégias. Por outro lado, o relativo ao
conhecimento prévio de que dispõem o sujeito e que pode ser relevante para a realização da
tarefa ou da nova aprendizagem.
Os trabalhos centrados no primeiro dos núcleos são os que respondem, de maneira
mais direta, aos objetivos e ao programa geral de pesquisa sobre a inteligência a partir da
perspectiva do processamento da informação. A finalidade básica é identificar os
componentes ou as unidades de processamento de informação, os quais intervêm na
resolução de tarefas que aparecem habitualmente como itens dos testes de inteligência. A
partir dessa identificação, trata-se de elaborar modelos processuais da execução dos
problemas e utilizá-los como base para o estudo das diferenças individuais (Salvador,
2000).
Sob essa ótica, Sternberg (2000) desenvolve a teoria componencial, em que a
unidade básica de análise é o “componente”- entendido como um processo elementar de
tratamento da informação, que opera com representações e símbolos – destacando cinco
tipos diferentes de componentes:
a) metacomponentes – são processos de controle
utilizados para planejar as execuções e a tomada de decisões. As suas funções são
identificar o tipo de problema que deve ser resolvido, selecionar os componentes de ordem
inferior para executar o problema, selecionar uma estratégia para combiná-los, selecionar as
representações da informação sobre as quais devem operar, guiar o processo até a solução e
decidir o tempo que deve ser utilizado ou o nível de exigência e qualidade final da
execução; b) os componentes de execução – são os responsáveis diretos pela execução dos
planos e das decisões dos metacomponentes; c) os componentes de aquisição – são os
implicados na aprendizagem de novas informações. d) os componentes de retenção
recuperam a informação adquirida previamente; e) os componentes de transferência – são
os encarregados de transpor a informação de um contexto situacional a outro.
13
O segundo dos núcleos prioritários, a partir da perspectiva do processamento da
informação, refere-se às diferenças de conhecimento prévio disponível e relevante para a
realização de uma tarefa ou de uma nova aprendizagem e estrutura-se prioritariamente em
torno de um conjunto de trabalhos sobre a comparação entre sujeitos experientes e novatos
em um domínio específico do conhecimento ou de tarefas. Salvador (2000) salienta que os
trabalhos nesta linha permitiram estabelecer que a diferença entre indivíduos experientes e
novatos passa, em boa parte, por uma diferença de conhecimentos, e não tanto por uma
diferença de processos cognitivos básicos ou de capacidades gerais de processamento, e
que essa diferença não é unicamente quantitativa, ou seja, os experientes sabem mais que os
novatos sobre o domínio que se está tratando, mas, também, possuem uma informação mais
elaborada, completa e melhor organizada que os novatos; parecem selecionar mais
adequadamente as características da situação pertinente para a tarefa e aceder de maneira
mais flexível e direta à informação relevante, para resolvê-la.
As proposições mais recentes na análise dos processos cognitivos tendem a
incorporar e a integrar ambas as dimensões, em uma aproximação progressivamente mais
dinâmica e contextual do que tradicionalmente tem sido a concepção psicológica
predominante em relação às características da inteligência humana e às diferenças possíveis
de serem detectadas nesse âmbito, tanto no plano interindividual como no intra-individual.
Nesse contexto, “apesar do seu caráter de projeto em desenvolvimento, a perspectiva do
processamento da informação oferece elementos suficientes que permitem ir além das
constatações correlacionais da perspectiva psicométrica (Salvador, 2000, p.91)”.
Se, para muitos, a teoria do processamento da informação é radicalmente contrária
ao comportamentismo, justamente por estudar o processo interno do pensamento e não
apenas o comportamento externo e os estímulos do mundo, para Pozo (1998) as duas têm o
mesmo princípio central: o associacionismo. O autor salienta que a mudança de enfoque
das pesquisas – do ambiente externo para o processo interno – foi em grande parte devido à
pressão das mudanças tecnológicas, ao advento do computador e ao desenvolvimento da
informática, eventos que levaram os cientistas a mudarem certos pontos de vista, mas não
acarretaram a transformação no núcleo epistêmico que é o modelo associacionista;
reconhecendo, entretanto a inegável contribuição cada vez maior da teoria do
14
processamento da informação no campo da cognição, constituindo-se, hoje em dia, como a
tendência mais forte da psicologia americana.
1.2. Modelo Organicista
Com relação às correntes do modelo organicista, apesar das diferenças entre si,
Pozo (1998) destaca a gestalt, o construtivismo piagetiano e a abordagem sócio-histórica de
Vygotski. Se lembrarmos que o modelo organicista supõe o desenvolvimento de um
organismo que se organiza através da constituição de uma estrutura interna, a qual sofre
processos constantes de reestruturação, podemos nos reportar, também, a idéias de Bruner e
aos estudos sobre metacognição.
A Gestalt compreende que o organismo tem como foco o estudo da estrutura
interna. Se, no associacionismo, há uma tendência para a análise dos elementos em suas
partes reduzidas, a gestalt preconiza que somente é possível entender o organismo
considerando-se a existência de um todo maior (sua estrutura), que fundamenta a interação
entre os elementos. A totalidade da estrutura ultrapassa a simples soma de suas partes.
Nessa metodologia, o processo mental é explicado pelas relações existentes entre as partes,
e não nas partes em si mesmas, simplesmente associadas. A abordagem gestáltica mostrouse particularmente útil para a compreensão de como percebemos grupos de objetos ou até
partes de objetos para formar grupos integrais, sendo a base de estudos relacionados aos
mecanismos cognitivos de percepção, como os princípios gestálticos da percepção visual:
Figura-fundo (ou lei de Prägnanz) – quando se percebe um campo visual, alguns objetos
(figuras) parecem proeminentes e outros aspectos do campo recuam para plano-de-fundo
(fundo). Proximidade – quando percebemos um arranjo de objetos, tendemos a ver os
objetos que estão mutuamente próximos como formando um grupo. Similaridade –
tendemos a agrupar objetos com base em sua similaridade. Continuidade – tendemos a
perceber formas suavemente harmoniosas ou contínuas, em vez de formas rompidas ou
desarticuladas. Acabamento – tendemos a acabar ou a completar perceptivamente os
objetos que não estão, de fato, completos. Simetria – tendemos a perceber os objetos como
formadores de imagens espetaculares em torno do seu centro (Vernon, 1974).
15
Muitas outras explicações teóricas da percepção começam do básico, observando o
estímulo físico – a forma ou padrão observável – que está sendo percebido, e, depois,
chegam gradualmente aos processos cognitivos de ordem superior, tais como a organização
de princípios e conceitos. As teorias que utilizam essa abordagem denominam-se teorias
ascendentes (ou às avessas) ou, às vezes, teorias dirigidas pelos dados, isto é, dirigidas pelo
estímulo. Muitos teóricos utilizam uma abordagem descendente, focalizando os processos
cognitivos de alto nível, o conhecimento existente e as expectativas prévias que
influenciam a percepção, descendo, depois, gradualmente até considerar os dados
sensoriais, como o estímulo perceptivo. Sternberg (2000) aponta como abordagem
ascendente a teoria de comparação com os modelos, teoria de comparação com o protótipo
e teoria de comparação com a característica, sendo que se originam de estudos neurológicos
que identificam o que é chamado de “detectores de característica” no cérebro. Como
abordagem descendente, aponta a teoria do reconhecimento por componentes, que delineia
mais especificamente um conjunto de características envolvidas na percepção de forma e de
padrão.
Bruner (1972) defende que a inteligência humana, quer na espécie, quer na criança,
se desenvolve na base de uma evolução aloplástica e não autoplástica, tendo em
consideração três tipos de representação: a ativa (emergente de amplificadores das
capacidades motoras, como os objetos), a iconográfica (surgida da amplificação de
capacidades sensoriais, como as imagens) e a simbólica (decorrente da capacidade de
raciocínio infinitamente variada, que tem a sua origem nos sistemas de linguagem, como a
fala e a escrita).
A evolução do cérebro, e por analogia e inerência a evolução da inteligência, só se
pode entender, segundo esse autor, devido às pressões seletivas provocadas pelo
bipedalismo e pelo conseqüente uso de ferramentas e instrumentos, pensados e fabricados
dentro de um contexto social e tecnológico, que implicaram evolutivamente a expansão
triplicada do tamanho do cérebro, a redução da face e da dentição e a modificação de
inúmeras estruturas do corpo (Fonseca, 1998). A espécie humana modificou-se pelo fato de
ter internalizado sistemas extra-somáticos no seu cérebro, mais do que ter tido mudanças
intra-somáticas na sua própria morfologia, isto é, a sua inteligência deveu-se a uma
evolução por “próteses culturais” (Bruner, 1997). Seguindo esta linha de pensamento,
16
Bruner considera a inteligência como resultado integrado de translações nos três sistemas
de representação da realidade acima descritos, realidade conhecida a partir da ação,
posteriormente da sua imagem vicariada e, por último, através de um processo simbólico
como a linguagem. A inteligência, que emergiu da amplificação dos atos motores, das
percepções e das atividades raciocinativas, pôs em marcha, em termos evolutivos,
processos de planificação e seqüencialização motora, processos perceptivos organizados e
espaço-temporalmente estruturados e processos de codificação lingüística (verdadeiros
instrumentos cognitivos), que permitiram a interiorização, a representação e a
transformação da realidade, acrescentando ao mundo natural um mundo civilizacional.
Alguns estudos recentes de Bruner (2001) apontam sua preocupação em relação às
mudanças fundamentais que têm alterado concepções sobre a natureza da mente humana.
Indicam, também, que tais mudanças surgiram a partir de duas visões divergentes de como
a mente funciona. A primeira delas foi a hipótese de que a mente poderia ser concebida
como um mecanismo computacional defendida pela teoria do processamento da
informação:
O objetivo do computacionalismo é elaborar uma nova descrição formal de todo e qualquer sistema
de funcionamento que trate do fluxo de informações bem estruturadas. Ele busca fazê-lo de uma
forma que produza resultados previsíveis e sistemáticos – a mente humana é um sistema deste tipo.
Mas uma forma mais profunda de computacionalismo refletido não propõe que a mente seja como
algum tipo específico de “computador” que precisa ser “programado” de uma determinada forma
para operar sistemática e “eficientemente”. O que ele argumenta é que todo e qualquer sistema que
processa informações deve ser regido por “regras” ou procedimentos específicos que orientam o que
deve ser feito com os inputs. Não importa se se trata de um sistema nervoso ou de um dispositivo
genético que extrai as instruções do DNA e, então, reproduz gerações posteriores, ou seja lá o que
for. Este é o ideal da chamada Inteligência Artificial. Mas, como já foi observado, as regras comuns a
todos os sistemas de informação não dão conta dos processos de produção de significados, que são
confusos, ambíguos e sensíveis ao contexto (Bruner, 2001, p. 18).
A segunda, o autor chama de culturalismo e se inspira no fato evolutivo de que a
mente não poderia existir se não fosse a cultura. A evolução da mente do hominídeo está
ligada ao desenvolvimento de uma forma de vida em que a “realidade” é representada por
um simbolismo compartilhado por membros de uma comunidade cultural, na qual uma
forma técnico-social de vida é organizada e interpretada em termos desse simbolismo. Este
modo simbólico não é apenas compartilhado por uma comunidade, mas conservado,
elaborado e transmitido a gerações sucessivas que, devido a esta transmissão, continuam a
17
manter a identidade da cultura e o modo de vida. A Cultura, nesse sentido, para Bruner, é
superorgânica, mas ela também molda a mente dos indivíduos, onde sua expressão
individual é parte da produção de significado, a atribuição de significados a coisas em
diferentes contextos em ocasiões particulares. Produzir significados envolve situar
encontros com o mundo em seus contextos culturais apropriados a fim de saber “do que
eles tratam”. Embora os significados estejam “na mente”, eles têm suas origens e sua
importância na cultura na qual são criados.
Bruner (2001), ainda, aponta que o computacionalismo assume três formas para
abordar as questões educacionais:
“A primeira reformula antigas teorias da aprendizagem (ou do ensino) em uma forma computável na
esperança de que a reformulação produza uma força adicional. A segunda analisa protocolos
detalhados e aplica o aparato da teoria computacional sobre eles para discernir melhor o que pode
estar acontecendo do ponto de vista computacional. Então, ela tenta descobrir como o processo pode
ser auxiliado. Finalmente, há a feliz coincidência de que uma idéia computacional fundamental,
como “redescrição”, parece estar diretamente relacionada a uma idéia fundamental na teoria
cognitiva, como a “metacognição” (p. 22)”.
Karmiloff-Smith (In Bruner 2001) observa que quando estamos resolvendo
determinados problemas, digamos, a aquisição da linguagem, geralmente “andamos em
torno” dos resultados de um procedimento que funcionou localmente e tentamos descrevêlo de uma nova forma em termos gerais e simplificados. Dizemos, por exemplo, “coloquei
um s no final daquele substantivo para pluralizá-lo; e se eu fizer o mesmo com todos os
substantivos?”. Quando a nova regra não consegue pluralizar a palavra woman, o sujeito
que está aprendendo pode criar algumas regras adicionais. Por fim, ele acaba com uma
regra mais ou menos adequada para a pluralização, com apenas algumas “exceções”, que
serão aprendidas por memorização. Em cada etapa desse processo, que Karmiloff-Smith
chama de “redescrição”, o sujeito que está aprendendo age no nível “meta”, considerando
como ele está pensando e sobre o que ele está pensando. Esta é a marca registrada da
metacognição.
Para Bruner isso eqüivale a dizer que:
A regra da redescrição é um traço de toda computação complexa “adaptadora”, mas no exemplo em
questão trata-se também de um fenômeno psicológico verdadeiramente interessante. Trata-se de um
caso raro de sobreposição entre dois campos de indagação diferentes – se a sobreposição acabar
18
sendo fértil. Então, REDESCREVER uma regra semelhante à TOE5 para os sistemas computacionais
adaptadores que, por acaso, também é uma boa regra na solução humana de problemas, pode vir a ser
uma “nova fronteira”. E a nova fronteira pode vir a ser a próxima porta para a prática educacional (p.
22).
O construtivismo tem sua fundação na figura do pesquisador Jean Piaget, que
enfocou em suas pesquisas as alterações sofridas pelo organismo humano em processo de
desenvolvimento. Essa corrente preconiza a construção do conhecimento, pesquisando
como constâncias nas noções de tempo, espaço, objeto, probabilidade, proporção são
elaboradas pelo organismo a partir do desenvolvimento da própria estrutura cognitiva.
A abordagem sócio-histórica tem Vygotski como figura principal e baseia-se na
idéia central de que o ser humano desenvolve-se por meio do plano social e material da
realidade. Para essa corrente, a realidade é assimilada pelo organismo através da interação
social e pelos instrumentos fornecidos pela cultura. A abordagem sócio-histórica pressupõe
que a realidade não é neutra, assim como os estímulos são canalizados pela cultura, e
concebe que o desenvolvimento do ser humano se dá por intermédio de uma estrutura
cognitiva interna que se modifica por influência do plano social.
A teoria metacognitiva será tratada no capítulo II, no item 2.1, que aborda o
processo em questão.
Nesse contexto, Reuven Feuerstein aproxima-se do modelo organicista, segundo a
classificação de Pozo (1998), aproximando-se da corrente piagetiana e da abordagem sóciohistórica, como apontada pelos autores citados. Vejamos o que torna essas duas correntes
fundamentais, e quais são os fundamentos para o pensamento de Reuven Feuerstein.
1.3 O modelo piagetiano
Piaget (1973) preocupou-se com vários aspectos do conhecimento, dando ênfase
principal ao estudo da natureza de todo conhecimento, principalmente no desenvolvimento
intelectual da criança. Mostrou a criança e o adulto num processo ativo de contínua
interação, procurando entender quais os mecanismos mentais que o sujeito usa nas
5
O autor utiliza a sigla “TOEs” como referência a “teorias de tudo”, como jocosamente algumas vezes os
teóricos do computacionalismo que defendem a idéia de “modelos universais” complexos são tratados
19
diferentes etapas da vida para poder entender o mundo, pois a adaptação à realidade externa
depende basicamente do conhecimento.
Preocupou-se, também, em elaborar uma posição filosófica, a epistemologia
genética. Isto é procurou estudar cientificamente quais os processos que o indivíduo usa
para conhecer a realidade, procurando formular um ponto de vista filosófico sobre a gênese
do conhecimento (aí o sentido do termo genético). Quais os processos mentais envolvidos
numa dada situação de resolução de problemas e quais os processos que ocorrem na criança
ou adolescente para possibilitar aquele tipo de atuação.
O método utilizado em seus estudos foi severamente criticado, uma vez que o
behaviorismo utilizava um rigoroso controle de variáveis experimentais e para o tratamento
dos dados, procedimentos estatísticos rigorosos. As pesquisas feitas por Piaget não eram
experimentais nesses termos. Desenvolveu um método clínico-descritivo: “O método
clínico piagetiano consiste, portanto, em conversar livremente com a criança sobre um tema
dirigido e seguir, por conseguinte, os desvios tomados por seu pensamento, a fim de
reconduzi-lo ao tema, para obter justificativas e testar a constância, e em fazer contrasugestões” (Goulart, 1989, p.128).
A partir de seus estudos, Piaget ficou convencido de que os atos biológicos são atos
de adaptação ao meio físico. Ficou convencido de que a mente e o corpo não funcionam
independentemente um do outro e que a atividade mental submete-se às mesmas leis que,
em geral, governam a atividade biológica.
Isso o levou a conceber o desenvolvimento intelectual do mesmo modo que o
desenvolvimento biológico. Ele entendeu os atos cognitivos como atos de organização e
adaptação ao meio. Isso não implica, de modo algum, que o comportamento mental deva
ser completamente atribuído ao funcionamento biológico, mas que os conceitos referentes
ao desenvolvimento biológico são úteis e válidos para pesquisar o desenvolvimento
intelectual.
O processo de organização e adaptação são dois processos complementares de um
mesmo mecanismo, sendo que a organização é o aspecto interno e a adaptação o externo.
Para Piaget, a atividade intelectual não pode ser separada do funcionamento do
organismo “total”; assim sendo, ele considerou o funcionamento intelectual como uma
(observação nossa).
20
forma especial de atividade biológica. Ambas as atividades, intelectual e biológica, são
partes do processo global por meio do qual o organismo se adapta ao meio e organiza as
experiências.
Piaget entendeu a mente como dotada de estruturas do mesmo modo que o corpo.
Estruturas mentais pelas quais os indivíduos intelectualmente se adaptam e organizam o
meio. A essas estruturas mentais Piaget chamou de esquemas. Assim como o estômago é
uma estrutura que se adapta de acordo com o alimento, de modo semelhante os esquemas se
adaptam e se modificam com o desenvolvimento mental. Os esquemas não têm correlatos
físicos e não são observáveis; eles são inferidos, são construtos hipotéticos.
A criança quando nasce apresenta poucos esquemas, e à medida em que se
desenvolve, os esquemas se tornam mais diferenciados e progressivamente mais adultos.
Esses esquemas são usados para processar e identificar a entrada de estímulos. Dessa
maneira, o organismo está apto a diferenciar estímulos e a generalizar.
Os esquemas não são estruturas fixas, imutáveis, eles mudam continuamente ou
tornam-se mais refinados. No momento do nascimento, os esquemas são reflexos. Podem
ser inferidos a partir das atividades reflexas motoras, como sugar, pegar. À medida que a
criança se desenvolve, os esquemas se tornam mais diferenciados, menos sensórios. Os
esquemas adultos emergem dos esquemas da criança através do processo de adaptação e
organização. Em qualquer fase, as respostas de uma criança refletem a natureza dos seus
conceitos ou esquemas disponíveis naquele momento.
Os processos responsáveis pelas mudanças nos esquemas são a assimilação e a
acomodação.
Assimilação é o processo cognitivo pelo qual uma pessoa integra um novo dado
perceptual, motor ou conceitual nos esquemas ou padrões de comportamento já existentes.
Nesse sentido, Piaget chama a atenção para a compreensão do significado do termo, quando
explica que:
Para muitos psicólogos, esse mecanismo é o da associação, que permite acrescentar, por via
cumulativa, os condicionamentos aos reflexos e muitas outras aquisições aos próprios
condicionamentos: toda aquisição, da mais simples à mais complexa, deveria dessarte ser
compreendida como resposta aos estímulos exteriores e resposta cujo caráter associativo exprime
uma subordinação pura e simples das ligações adquiridas às ligações exteriores. Um de nós supôs, ao
contrário, que esse mecanismo consistia numa assimilação (comparável à assimilação biológica em
sentido lato), isto é, que toda ligação nova se integra num esquematismo ou numa estrutura anterior:
a atividade organizadora do sujeito deve ser, então, considerada tão importante quanto as ligações
21
inerentes aos estímulos exteriores, pois o sujeito só se torna sensível a estes últimos na medida em
que são assimiláveis às estruturas já construídas, que eles modificarão e enriquecerão em função das
novas assimilações. Em outros termos, o associacionismo concebe o esquema estímulo-resposta
numa forma unilateral ER, ao passo que o ponto de vista da assimilação supõe uma reciprocidade
E↔R, ou, o que vem a dar no mesmo, a intervenção das atividades do sujeito ou das do organismo
Og, ou seja, E(Og.)R (Piaget, 1974, p. 13)
Assim, assimilação pode ser vista como processo cognitivo de colocar (classificar)
novos eventos em esquemas já existentes. Teoricamente, a assimilação não resulta em
mudança dos esquemas, mas ela afeta o crescimento deles.
Esquemas são estruturas a partir das quais as pessoas se adaptam e organizam o
meio, a assimilação a uma parte desse processo de adaptação e organização, pois à medida
que a assimilação faz com que aumente a quantidade de informações dos esquemas, o
sujeito terá mais alternativas para se adaptar e organizar o meio interno. A assimilação
amplia os esquemas mas não explica suas transformações.
Quando confrontada com um novo estímulo, a criança tenta assimilá-lo a estímulos
já existentes. Algumas vezes isso não é possível, ou seja, não encontra nenhuma
informação similar ao novo estímulo. Um estímulo não pode ser assimilado por não
encontrar uma estrutura cognitiva na qual prontamente se “encaixe”. A partir dessa situação
ela pode criar um novo esquema no qual possa “encaixar” o estímulo ou, ela pode
modificar um esquema prévio de modo que o estímulo possa nele ser incluído. Ocorrida a
acomodação, uma criança pode tentar assimilar o estímulo novamente.
Os esquemas - essa estrutura cognitiva que permite a adaptação externa e a
organização interna - não nascem prontos com a criança, eles são construídos. Como
construções, eles não são cópias exatas da realidade. Suas formas são determinadas pela
assimilação e acomodação e com o passar do tempo se aproximam da realidade.
A acomodação explica o desenvolvimento cognitivo - mudança qualitativa - e a
assimilação explica o crescimento cognitivo - mudança quantitativa -, juntos eles explicam
a adaptação intelectual e o desenvolvimento das estruturas cognitivas.
O processo de assimilação e acomodação são necessários para o crescimento e o
desenvolvimento cognitivos. De igual importância são as quantidades relativas de
assimilação e acomodação que ocorrem. O mecanismo autoregulador, necessário para
assegurar uma eficiente interação da criança e o meio ambiente e o estado de balanço entre
assimilação e acomodação, foi chamado por Piaget de equilíbrio:
22
...levando-se em conta, então, esta interação fundamental entre fatores internos e externos, toda
conduta é uma assimilação do dado a esquemas anteriores (assimilações a esquemas hereditários em
graus diversos de profundidade) e toda conduta é, ao mesmo tempo, acomodação destes esquemas à
situação atual. Daí resulta que a teoria do desenvolvimento apela, necessariamente, para a noção de
equilíbrio entre os fatores internos e externos ou, mais em geral, entre assimilação e acomodação
(PIAGET, 1973, p. 95-6).
O desequilíbrio seria o estado de “não balanço”, considerado como “conflito
cognitivo” (onde a criança espera que alguma coisa aconteça de certa maneira e isto não
acontece).
O processo de passagem do desequilíbrio para o equilíbrio - processo autoregulador,
cujos instrumentos são a assimilação e a acomodação - foi chamado por Piaget de processo
de equilibração.
A equilibração permite que a experiência externa seja incorporada na estrutura
interna (esquemas). Quando ocorre o desequilíbrio6, ele proporciona motivação7 para a
criança buscar o equilíbrio - para depois assimilar e acomodar.
Os esquemas que a criança usa podem não estar em harmonia com os do adulto,
mas o modo como a criança organiza os estímulos na sua estrutura cognitiva é,
teoricamente, sempre apropriado ao seu nível de desenvolvimento conceitual. Não há,
portanto, organização “errada”. Há apenas organizações cada vez melhores, à medida que o
desenvolvimento intelectual avança.
A criança, ao experienciar um novo estímulo ou um velho outra vez, tenta assimilar
o estímulo a um esquema já existente. Se ela é bem sucedida, o equilíbrio em relação
àquela situação particular é alcançado no momento. Se a criança não consegue assimilar o
estímulo, ela tenta então fazer a acomodação, modificando o esquema ou criando outro.
Quando isso é feito, ocorre a assimilação e o equilíbrio é alcançado.
É dessa maneira que se processa o crescimento e o desenvolvimento cognitivo em
todas as fases. Do nascimento até a vida adulta, o conhecimento é construído pelo
indivíduo. Para tanto, é necessário que a criança atue sobre o meio para que ocorra
desenvolvimento cognitivo.
6
Piaget no seu livro “Seis estudos de psicologia” (1973), no capítulo que trata do papel da noção de equilíbrio
na explicação psicológica, utiliza por diversas vezes o termo “perturbação exterior” para designar aquilo que
causaria um desequilíbrio.
23
A construção do conhecimento ocorre quando acontecem ações físicas ou mentais
sobre os objetos que, provocando desequilíbrio, resultam em assimilação e acomodação
dessas ações e, dessa forma, em construção de esquemas ou conhecimento. No
desenvolvimento da criança, ela construiria três tipos de conhecimento.
O conhecimento físico (descoberta) é o conhecimento das propriedades físicas de
objetos e eventos: tamanho, forma, textura, peso e outras. Uma criança adquire
conhecimento físico sobre um objeto, agindo sobre ele com seus sentidos.
O conhecimento lógico-matemático (invenção) é o conhecimento construído a partir
do pensar sobre as experiências com objetos e eventos. Aqui a criança também age sobre os
objetos, mas são diferentes os respectivos papéis das ações e dos objetos na construção do
conhecimento lógico-matemático. A criança inventa o conhecimento lógico-matemático,
ele não é inerente ao objeto como o é o caso do conhecimento físico, mas é construído a
partir das ações da criança sobre o objeto. Os objetos servem apenas como um meio para
permitir que a construção ocorra.
O conhecimento social é o conhecimento sobre o qual os grupos sociais ou culturais
chegam a um acordo por convenção. Regras, leis, moral, valores, ética e o sistema de
linguagem são exemplos de conhecimento social. O conhecimento social não pode ser
extraído das ações sobre os objetos como acontece com o conhecimento físico e lógicomatemático, ele é construído pela criança a partir de suas ações com (interações) outras
pessoas.
Piaget entende que o desenvolvimento cognitivo é um processo coerente de
sucessivas mudanças qualitativas das estruturas cognitivas (esquemas), derivando cada
estrutura e sua respectiva mudança, lógica e inevitavelmente, da estrutura precedente.
Novos esquemas não substituem os anteriores; eles os incorporam, resultando numa
mudança qualitativa:
Distinguiremos para maior clareza, seis estágios ou períodos do desenvolvimento, que marcam o
aparecimento dessas estruturas sucessivamente construídas: 1. O estágio dos reflexos, ou
mecanismos hereditários, assim como também das primeiras tendências instintivas (nutrições) e das
primeiras emoções. 2. O estágio dos primeiros hábitos motores e das primeiras percepções
organizadas, como também dos primeiros sentimentos diferenciados. 3. O estágio da inteligência
senso-motora ou prática (anterior à linguagem), das regulações afetivas elementares e das primeiras
7
Na teoria de Piaget, a maior fonte de motivação (aquilo que ativa o comportamento), no que se refere ao
desenvolvimento intelectual, é o desequilíbrio que ativa a equilibração (assimilação e acomodação).
24
fixações exteriores da afetividade. Estes três primeiros estágios constituem o período da lactância
(até por volta de um ano e meio a dois anos, isto é, anterior ao desenvolvimento da linguagem e do
pensamento). 4. O estágio da inteligência intuitiva, dos sentimentos interindividuais espontâneos e
das relações sociais de submissão ao adulto (de dois a sete anos, ou segunda parte da “primeira
infância”). 5. O estágio das operações intelectuais concretas (começo da lógica) e dos sentimentos
morais e sociais de cooperação (de sete a onze - doze anos). 6. O estágio das operações intelectuais
abstratas, da formação da personalidade e da inserção afetiva e intelectual na sociedade dos adultos
(adolescência) (Piaget, 1973, p. 13).
Deve-se observar que as faixas etárias previstas para cada etapa não são rigidamente
demarcadas. Ao contrário, elas se referem apenas às médias de idade onde prevalecem
determinadas construções de pensamento. “Nesse sentido, o modelo piagetiano é
fortemente marcado pela maturação, pois atribui-se a ela o fato de crianças apresentarem
sempre determinadas características psicológicas em uma mesma faixa de idade. Tal
modelo pretende, por isso, ser universal” (DAVIS, 1991, p.46).
No contexto piagetiano a inteligência consiste, pois “... em uma forma de
coordenação da ação (motora, verbal ou mental) a uma situação nova, com o objetivo: a) de
auto-organizar-se para enfrentar a situação; b) de encontrar um comportamento (invenção,
descoberta) que mantenha o equilíbrio entre o organismo e o meio” (LIMA, 1980, p.73).
A concepção piagetiana pode ser considerada interacionista, pois entende que, na
construção do conhecimento, fatores internos e externos se interrelacionam continuamente,
formando uma complexa combinação de influências. Dessa maneira discordam das teorias
inatistas, por desprezarem o papel do ambiente e das concepções ambientalistas, porque
ignoram fatores maturacionais. Os interacionistas destacam que o organismo e o meio
exercem ação recíproca. Um influencia o outro e essa interação acarreta mudanças sobre o
indivíduo. É, pois, na interação da criança com o mundo físico e social (no caso piagetiano
muito mais físico), que as características e peculiaridades desse mundo vão sendo
conhecidas. Para cada criança, a construção desse conhecimento exige elaboração, ou seja,
uma ação sobre o mundo.
25
1.4 A teoria sociocultural da aprendizagem
Nas primeiras décadas do século XX, a psicologia soviética (assim como a européia
e a americana) estava dividida em duas tendências radicalmente antagônicas: “um ramo
com características de ciência natural, que poderia explicar os processos elementares
sensoriais e reflexos, e um outro com características de ciência mental, que descreveria as
propriedades emergentes dos processos psicológicos superiores” (Cole & Scribner, 1984,
p.6).
Desse modo, existia de um lado um grupo que, fundamentado em pressupostos da
filosofia empirista, via a psicologia como ciência natural que devia se deter na descrição
das formas exteriores de comportamento, entendida como habilidades mecanicamente
constituídas. Esse grupo limitava-se à análise dos processos mais elementares e ignorava os
fenômenos complexos da atividade consciente, especificamente humana. Já de outro lado, o
outro grupo, inspirado nos princípios da filosofia idealista, entendia a psicologia como
ciência mental, acreditando que a vida psíquica humana não poderia ser objeto de estudo da
ciência objetiva, já que era manifestação do espírito. Este grupo não ignorava as funções
mais complexas do ser humano, mas se detinha na descrição subjetiva de tais fenômenos.
Vygotski entendia que ambas as tendências, além de não possibilitarem a
fundamentação necessária para a construção de uma teoria consistente sobre os processos
psicológicos tipicamente humanos, acabaram promovendo uma série crise na psicologia.
Ao mesmo tempo que tecia contundentes críticas às correntes idealista e mecanicista,
buscava a superação desta situação através da aplicação dos métodos e princípios do
materialismo dialético8, para a compreensão do aspecto intelectual humano. Ele acreditava
que', por intermédio dessa abordagem abrangente, seria possível não só descrever, mas
também explicar as funções psicológicas superiores.
8
Segundo o materialismo histórico dialético, o processo de vida social, política e econômica é condicionado
pelo modo de produção de vida material. São as condições materiais que formam a base da sociedade, da sua
construção, das suas instituições e regras, das suas idéias e valores. Nessa perspectiva, a realidade (natural e
social) evolui por contradição e se constitui num processo histórico. São os conflitos internos desta realidade
que provocam as mudanças que ocorrem de forma dialética. Esse processo é resultante das intervenções das
práticas humanas. Já que a formação e transformação da sociedade humana ocorre de modo dinâmico,
contraditório e através de conflitos, precisa ser compreendida como um processo em constante mudança e
desenvolvimento.
26
Pretendia construir, assim, sobre bases teóricas completamente diferentes, uma nova
psicologia que sintetizasse e transformasse as duas abordagens radicais anteriores: uma
teoria marxista do funcionamento intelectual humano. Essa nova abordagem deveria
incluir: “(...) a identificação dos mecanismos cerebrais subjacentes a uma determinada
função: a explicação detalhada da sua história ao longo do desenvolvimento, com o
objetivo de estabelecer as relações entre formas simples e complexas daquilo que
aparentava ser o mesmo comportamento; e, de forma importante, deveria incluir a
especificação do contexto social em que se deu o desenvolvimento do comportamento”
(Cole & Scribner, 1984, p. 6).
A teoria histórico-cultural (Rego, 1995; Salvador, 2000) ou sócio-histórica
(Baquero, 1998; Oliveira, 1993; Ratner, 1995) ou sócio-interacionista (Duarte 2000; Davis,
1991) do psiquismo, tem como objetivo central “caracterizar os aspectos tipicamente
humanos do comportamento e elaborar hipóteses de como essas características se formaram
ao longo da história humana e de como se desenvolvem durante a vida de um indivíduo”
(Vygotsky, 1984, p. 21).
A compreensão dessa abordagem deve ser feita através do entendimento das
principais teses de Vygotski.
A primeira se refere à relação indivíduo/sociedade. Vygotski afirma que as
características tipicamente humanas não estão presentes desde o nascimento do indivíduo,
nem são mero resultado das pressões do meio externo. Elas resultam da interação dialética
do homem e seu meio sociocultural. Ao mesmo tempo em que o ser humano transforma o
meio para atender às suas necessidades, transforma-se a si mesmo (esta definição se
aproxima do entendimento marxista de trabalho9). Em outras palavras, quando o homem
modifica o ambiente por intermédio do seu próprio comportamento, essa mesma
modificação vai influenciar seu comportamento futuro. Notamos, neste princípio, a
integração dos aspectos biológicos e sociais do indivíduo: “as funções psicológicas
9
É através do trabalho, uma atividade prática e consciente, que o homem atua sobre a natureza. Ao produzir
seus meios de vida, o homem produz indiretamente sua própria vida material. A noção de produção pelo
trabalho (encarado como motor do processo histórico) não apenas diferencia o homem dos animais como
também o explica: é pela produção que se desvenda o caráter social e histórico do homem. O homem é um ser
social e histórico e é a satisfação de suas necessidades que o leva a trabalhar e a transformar a natureza, a
estabelecer relações com seus semelhantes, produzir conhecimentos, construir a sociedade e fazer história. É
entendido assim como um ser em permanente construção, que vai se constituindo no espaço social e no tempo
histórico.
27
superiores do ser humano surgem da interação dos fatores biológicos, que são parte da
constituição física do Homo sapiens, com os fatores culturais, que evoluíram através das
dezenas de milhares de anos de história humana” (Luria, 1992, p.60).
A segunda é decorrência da idéia anterior, e se refere à origem cultural das funções
psíquicas. As funções psicológicas especificamente humanas se originam nas relações do
indivíduo e seu contexto cultural e social. Isto é, o desenvolvimento mental humano não é
dado a priori, não é imutável e universal, não é passivo, nem tampouco independente do
desenvolvimento histórico e das formas sociais da vida humana. A cultura é, portanto, parte
constitutiva da natureza humana, já que sua característica psicológica se dá por meio da
internalização dos modos historicamente determinados e culturalmente organizados de
operar com as informações.
A terceira tese se refere à base biológica do funcionamento psicológico: o cérebro,
visto como órgão principal da atividade mental. O cérebro, produto de uma longa evolução,
é o substrato material da atividade psíquica que cada membro da espécie traz consigo ao
nascer. No entanto, esta base material não significa um sistema imutável e fixo. O cérebro é
entendido como “um sistema aberto, de grande plasticidade, cuja estrutura e modos de
funcionamento são moldados ao longo da história da espécie e do desenvolvimento
individual. (...) o cérebro pode servir a novas funções, criadas na história do homem, sem
que sejam necessárias transformações no órgão físico” (Oliveira, 1993, p. 24).
A quarta tese postula que a análise psicológica deve ser capaz de conservar as
características básicas dos processos psicológicos, exclusivamente humanos. Este princípio
está fundamentado na idéia de que os processos psicológicos complexos se diferenciam dos
mecanismos mais elementares e não podem, portanto, ser reduzidos à cadeia de reflexos.
Estes modos de funcionamento psicológicos mais sofisticados, que se desenvolvem num
processo histórico, podem ser explicados e descritos. Assim, ao abordar a consciência
humana como produto da história social, aponta na direção do estudo das mudanças que
ocorrem no desenvolvimento mental a partir do contexto social.
O quinto postulado, que merecerá um capítulo especial pela profunda implicação
neste trabalho, diz respeito à característica de mediação presente em toda a atividade
humana. São os instrumentos técnicos e os sistemas de signos, construídos historicamente,
que fazem a mediação dos seres humanos entre si e deles com o mundo. A linguagem é um
28
signo mediador por excelência, pois ela carrega em si os conceitos generalizados e
elaborados pela cultura humana. Entende-se assim que a relação da pessoa com o mundo
não é uma relação direta, pois é mediada por meios, que se constituem nas “ferramentas
auxiliares” da atividade humana. A capacidade de criar essas “ferramentas” é exclusiva da
espécie humana. O pressuposto da mediação é fundamental na perspectiva sócio-histórica
justamente porque é através dos instrumentos e signos que os processos de funcionamento
psicológico são fornecidos pela cultura. É por isso que Vygotski confere à linguagem um
papel de destaque no processo de pensamento.
Um dos postulados centrais desta teoria se refere, como dissemos, a que os
Processos Psicológicos Superiores se originam na vida social, quer dizer, na participação do
sujeito em atividades compartilhadas com outros; portanto, depende essencialmente das
situações sociais específicas em que o sujeito participa. São atributos destes: estarem
constituídos na vida social e serem específicos dos seres humanos; regularem a ação em
função de um controle voluntário, superando sua dependência e controle por parte do meio
ambiente; estarem regulados conscientemente ou terem necessitado dessa regulação
consciente em algum momento de sua constituição (ainda que seu exercício reiterado possa
haver “automatizado” sua execução, comprometendo, uma vez consolidada, em menor
medida a atividade consciente); o fato de se valerem, em sua organização, do uso de
instrumentos de mediação. Dentre essas formas de mediação, a mediação semiótica será a
que ocupará um lugar de maior relevância.
A constituição dos Processos Psicológicos Superiores requer a existência de
mecanismos e processos psicológicos que permitam o domínio progressivo dos
instrumentos culturais e a regulação do próprio comportamento. É necessário não esquecer
o complexo processo de mútua apropriação entre o sujeito e a cultura, ou seja, o sujeito
parece se formar na apropriação gradual de instrumentos culturais e na interiorização
progressiva de operações psicológicas constituídas inicialmente na vida social, isto é, no
plano interpsicológico; todavia, reciprocamente, a cultura se “apropria” do sujeito na
medida em que o forma.
Não se deve descrever o processo apenas como uma acumulação de domínio de
instrumentos variados, como um caráter aditivo, mas como um processo de reorganização
da atividade psicológica do sujeito como produto de sua participação em situações sociais
29
específicas. Essa reorganização da vida psicológica ganha várias características, mas um de
seus traços ou vetores relevantes é o domínio de si, o controle e regulação do próprio
comportamento pela internalização dos mecanismos reguladores formados primariamente
na vida social.
Os processos de interiorização aparecem descritos, na obra de Vygotski, como uma
espécie de lei do desenvolvimento ontogenético, conhecida como “lei da dupla formação”
ou “lei genética geral do desenvolvimento cultural”. Essa lei, segundo a conhecida citação
de Vygotski, consiste em que:
Um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal. Todas as funções no
desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível
individual; primeiro entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança
(intrapsicológica). Isso se aplica igualmente para a atenção voluntária, para a memória lógica e para a
formação de conceitos. Todas as funções superiores originam-se das relações reais entre indivíduos
humanos. A transformação de um processo interpessoal num processo intrapessoal é o resultado de
uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento” (Vygotsky, 1989, p. 64).
O conceito de interiorização não deve ser interpretado como uma espécie de
transferência ou “cópia criativa” de conteúdos externos no interior de uma consciência, no
campo da teoria; na verdade, os processos de interiorização seriam os criadores de tal
espaço interno. Quer dizer, deve-se conceitualizar a internalização como criadora da
consciência e não como a recepção na consciência de conteúdos externos.
Deve-se notar que os processos de internalização aludem à constituição dos
Processos Psicológicos Superiores e se relacionam tanto com aspectos de desenvolvimento
cognitivo como da personalidade do sujeito, ou da atividade psicológica geral; que dizer,
põe-se em jogo tanto o desenvolvimento do pensamento, a capacidade de argumentação,
como o desenvolvimento dos sentimentos e da vontade. Do mesmo modo, a interiorização
de uma função psicológica implica uma reorganização mais ou menos geral do
funcionamento psicológico, mesmo entre domínios diferenciáveis como a capacidade de
raciocinar e o desenvolvimento do comportamento voluntário.
Como vimos, Vygotski não ignora as definições biológicas da espécie humana, no
entanto, atribui enorme importância à dimensão social, que fornece instrumentos e
símbolos (assim como todos os elementos presentes no ambiente humano impregnados de
significado cultural) que medeiam a relação do indivíduo com o mundo, e que acabam por
fornecer também seus mecanismos psicológicos e formas de agir nesse mundo. O
30
aprendizado é considerado, assim, um aspecto necessário e fundamental no processo de
desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores.
Portanto, o desenvolvimento pleno do ser humano depende do aprendizado que
realiza num determinado grupo cultural, a partir da interação com outros indivíduos de sua
espécie. A criança só aprenderá a falar se pertencer a uma comunidade de falantes, ou seja,
as condições orgânicas (possuir o aparelho fonador), embora necessárias, não são
suficientes para que o indivíduo adquira a linguagem.
Nesta perspectiva, é o aprendizado que possibilita e movimenta o processo de
desenvolvimento: “o aprendizado pressupõe uma natureza social específica e um processo
através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que as cercam”
(VYGOTSKI, 1989, p. 99). Desse ponto de vista, o aprendizado é o aspecto necessário e
universal, uma espécie de garantia do desenvolvimento das características psicológicas
especificamente humanas e culturalmente organizadas.
Vygotski identifica dois níveis de desenvolvimento: um se refere às conquistas já
efetivadas, que ele chama de nível de desenvolvimento real ou efetivo, e o outro, o nível de
desenvolvimento potencial, que se relaciona às capacidades em vias de serem construídas.
O nível de desenvolvimento real pode ser entendido como referente àquelas
conquistas que já estão consolidadas na criança, aquelas funções ou capacidades que ela já
aprendeu e domina, pois já consegue utilizar sozinha, sem assistência de alguém mais
experiente da cultura (pai, mãe, professor, criança mais velha). Este nível indica, assim, os
processos mentais da criança que já se estabeleceram, ciclos de desenvolvimento que já se
completaram. Desse modo, quando nos referimos àquelas atividades e tarefas que a criança
já sabe fazer de forma independente, estamos tratando de um nível de desenvolvimento
estabelecido, isto é, estamos olhando o desenvolvimento retrospectivamente.
O nível de desenvolvimento potencial também se refere àquilo que a criança é capaz
de fazer, só que mediante a ajuda de outra pessoa (adultos ou crianças mais experientes).
Nesse caso, a criança realiza tarefas e soluciona problemas através do diálogo, da
colaboração, da imitação, da experiência compartilhada e das pistas que lhe são fornecidas.
Este nível é, para Vygotski, bem mais indicativo de seu desenvolvimento mental do que
aquilo que ela consegue fazer sozinha.
31
A distância entre aquilo que ela é capaz de fazer de forma autônoma (nível de
desenvolvimento real) e aquilo que ela realiza em colaboração com os outros elementos de
seu grupo social (nível de desenvolvimento potencial) caracteriza aquilo que Vygotski
chamou de “zona de desenvolvimento proximal”. Neste sentido, o desenvolvimento da
criança é visto de forma prospectiva, pois a “zona de desenvolvimento proximal” define
aquelas funções que ainda não amadureceram, que estão em processo de maturação,
funções que amadurecerão, mas que estão presentes em estado embrionário. Essas funções
poderiam ser chamadas de “brotos” ou “flores” de desenvolvimento, ao invés de “frutos”
do desenvolvimento” (Vygotsky, 1989, p. 97). Assim, pode-se afirmar que o conhecimento
adequado do desenvolvimento individual envolve a consideração tanto do nível de
desenvolvimento real quanto do potencial.
O aprendizado é o responsável por criar a zona de desenvolvimento proximal, na
medida em que, em interação com outras pessoas, a criança é capaz de colocar em
movimento vários processos de desenvolvimento que, sem a ajuda externa, seriam
impossíveis de ocorrer. Esses processos se internalizam e passam a fazer parte das
aquisições do seu desenvolvimento individual. É por isso que Vygotski afirma que “aquilo
que é zona de desenvolvimento proximal hoje será o nível de desenvolvimento real amanhã
- ou seja, aquilo que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será capaz de fazer
sozinha amanhã” (VYGOTSKI, 1989, p. 98).10
Os princípios expostos acima desestabilizam algumas crenças bastante cristalizadas
no âmbito pedagógico. De modo geral, nos meios educacionais, ainda parece prevalecer a
visão de que o desenvolvimento é pré-requisito para o aprendizado (quem sabe pela forte
influência piagetiana na formação dos nossos professores).
Do ponto de vista da teoria histórico-cultural, isto é uma contradição, já que os
processos de desenvolvimento são impulsionados pelo aprendizado. Ou seja, só
“amadurecerá”, se aprender. Vygotski afirma que o bom ensino é aquele que se adianta ao
desenvolvimento, ou seja, que se dirige às funções psicológicas que estão em vias de se
completarem. Essa dimensão prospectiva do desenvolvimento psicológico é de grande
importância para a educação, pois permite a compreensão de processos de desenvolvimento
10
Esta constatação nos remete às transformações qualitativas que ocorrem por meio da chamada “síntese
dialética” onde, a partir de elementos presentes numa determinada situação, fenômenos novos emergem. Essa
é exatamente a concepção de síntese utilizada por Vygotski ao longo de sua obra.
32
que, embora presentes no indivíduo, necessitam da intervenção, da colaboração de
parceiros mais experientes da cultura para se consolidarem e, como conseqüência, ajuda a
definir o campo e possibilidades de atuação pedagógica. Portanto, ensinar o que o aluno já
sabe ou aquilo que está totalmente longe de sua possibilidade de aprender é totalmente
ineficaz.
É importante destacar, aqui, o risco de uma interpretação distorcida da posição de
Vygotski. Assim como se pode fazer uma interpretação espontaneista das posições de
Piaget, uma compreensão superficial de Vygotski poderia levar exatamente ao oposto: uma
postura diretiva, intervencionista, uma volta à “educação tradicional”. Embora Vygotski
enfatiza o papel da intervenção no desenvolvimento, seu objetivo é trabalhar com a
importância do meio cultural e das relações entre indivíduos na definição de um percurso
de desenvolvimento da pessoa humana, e não propor uma pedagogia diretiva, autoritária.
Nem seria possível supor, a partir de Vygotski, um papel de receptor passivo para o
educando: Vygotski trabalha explícita e constantemente com a idéia de reconstrução,
reelaboração, por parte da pessoa, dos significados que lhe são transmitidos pelo grupo
cultural e da possibilidade de resignificação. A consciência individual e os aspectos
subjetivos que constituem cada pessoa são, para Vygotski, elementos essenciais no
desenvolvimento da psicologia humana, dos processos psicológicos superiores e, portanto,
da inteligência. A constante recriação da cultura por parte de cada um de seus membros é a
base do processo histórico, sempre em transformação, das sociedades humanas.
No capítulo seguinte veremos como o processo de reconstrução, reelaboração,
resignificação e recriação é possível, se entendermos o conceito de mediação sociocultural
em Vygotski e, como este é utilizado por Feuerstein na Experiência de Aprendizagem
Mediada.
33
2. PROGRAMA DE ENRIQUECIMENTO INSTRUMENTAL
2.1 Reuven Feuerstein e as bases de sua teoria
Reuven Feuerstein é um pesquisador israelita, nasceu na Romênia no ano de 1921 e
vem alcançando renome mundial pelo método desenvolvido para o trabalho com crianças
deficientes. Em Bucareste, estudou Psicologia e Pedagogia. Algum tempo depois, prestou
exames de licenciatura em Jerusalém. Estudou, também, em Genebra, Suíça (nesse tempo
trabalhou com André Rey e Piaget), e na Universidade de Sorbonne, Paris. Feuerstein
completou seus estudos, em 1952, com o diploma em Psicologia Geral e Clínica, em
Genebra, e, em 1970, com o Doutorado (Ph.D.) em Psicologia do Desenvolvimento na
Universidade de Sorbonne, Paris. Suas principais áreas de estudo foram a Psicologia do
Desenvolvimento, Clínica e Cognitiva. Desde 1964, é Diretor do Instituto de Pesquisas
Hadassah-Wizo-Canada,
em
Jerusalém.
Feuerstein
tem
ensinado
em
diferentes
universidades na condição de professor convidado. A partir de 1970, atuou como Professor
Titular da Universidade Bar Ilan, em Ramat Gan, Israel, e Professor adjunto da
Universidade de Vanderbilt, em Nashville, USA. Feuerstein reside, atualmente, em
Jerusalém, Israel.
O trabalho de Feuerstein vem sendo reconhecido em vários países, como, por
exemplo, nos Estados Unidos, na Espanha, na França, na Bélgica, e, naturalmente em
Israel.
Pode-se dividir o trabalho de Feuerstein em duas áreas principais, uma delas
teórico-conceitual e a outra pedagógico-instrumental, apresentando-se teoria e prática
integradamente no seu trabalho. Pode-se melhor entender, porque ele extrapola o mero
campo teórico e elabora vários instrumentos psicopedagógicos, tendo-se em mente que ele
é, primordialmente, um psicólogo e pesquisador ocupado na recuperação de indivíduos que
apresentam dificuldades acentuadas de natureza cognitivo-intelectual.
Responsável, juntamente com outros pesquisadores, pela adaptação em Israel de
Judeus emigrantes do Norte africano, Feuerstein ocupou-se da avaliação intelectual das
crianças. Sua constatação principal foi que muitas crianças e adolescentes evidenciavam
baixos
índices
de
rendimento
cognitivo-intelectual.
Os
instrumentos
utilizados
34
demonstravam o fraco nível intelectual, mas não colaboravam no sentido de melhorar o
estado cognitivo daquelas crianças. A partir desse momento, começou a se preocupar em
elaborar instrumentos que propiciassem o suporte psicopedagógico correspondente. Estava
lançado o germe da construção dos dois programas constitutivos do seu método: O
Programa de Enriquecimento Instrumental - PEI (“Feuerstein Instrumental Enrichment
Programm” - FIE) e a abordagem da Avaliação do Potencial de Aprendizagem (“Learning
Potential Assessment Device” - LPAD)
Para Feuerstein, a cognição é o ponto medular do êxito no processo adaptativo. O
desconhecimento dos processos cognitivos tem difundido a crença de que a inteligência é
algo que se tem ou não, e que é impossível qualquer tentativa de mudar este quadro.
Feuerstein se propõe a demonstrar a mutabilidade da inteligência por intermédio de
intervenções realizadas em adolescentes e jovens adultos, as quais priorizam os processos
metacognitivos, possibilitados por um mediatizador humano.
Beltrán (1994) aponta que uma das preocupações da psicologia está em analisar o
pensamento para conhecer seus conteúdos, o que levou ao surgimento do método
introspectivo-reflexivo como a aplicação reflexiva da consciência sobre si mesma, para
observar seus próprios estados e atos e explicar o sentido da conduta. A reflexão sobre o
pensamento desde as coordenadas da psicologia cognitiva fez surgir o conceito de
metacognição como uma possibilidade de conhecer as habilidades e processos de
pensamento e converter a nós mesmos em usuários hábeis de nossa capacidade pensante.
Para Flavell (In Beltrán, 1994) existem três variáveis que intervém no conhecimento
metacognitivo: variáveis pessoais – em que a pessoa é considerada como ser cognitivo,
capaz de conhecer-se e regular-se mediante o que seu próprio pensamento tem de
operatividade; variáveis da tarefa - que oferecem situações variadas em que suas próprias
características, suas dificuldades dão acesso a diferentes modos de realizá-las, de conhecer
as operações e estratégias que estão em jogo e tornam possíveis seu melhor domínio em
função do conhecimento das mesmas; e, variáveis das estratégias – que se convertem em
parte integrante do modo de pensar e da eficácia do próprio pensamento.
Cada ser humano dá mostras de possuir esquemas básicos de funcionamento diante
de situações de aprendizagem sejam elementares ou complexas. O ato de “assimilação”
(Piaget) ou “apropriação” (Leontiev) pelo qual a criança descobre a utilidade das
35
ferramentas culturais necessita, sem dúvida, da percepção do uso social que os adultos
fazem delas, mediante a imersão na zona interpessoal (Vygotski) para chegar ao domínio
das mesmas. Isso significa que o sujeito necessita interiorizar o conhecimento e as
estruturas que este leva consigo (Beltrán, 1994).
Feuerstein (1991) compreende o processo interno em termos funcionais-estruturais.
Do ponto de vista funcional, ele procura analisar como a mente humana funciona e quais
aspectos fazem-na funcionar mal, segundo a influência da interação humana. Por essa
análise pôde constatar alguns elementos estruturais e fundamentais para um processamento
mental eficiente, denominando esses elementos de funções cognitivas. Estas, por sua vez,
foram sendo definidas a partir da influência das idéias piagetianas. Por intermédio da idéia
de processamento, proveniente da teoria do processamento da informação, Feuerstein
fundamentou uma organização para o movimento funcional das funções cognitivas por ele
destacadas. O conceito de processamento, como vimos, enfoca que a estrutura cognitiva é,
no final das contas, um processador que absorve informações, elabora-as e as devolve ao
ambiente. Aproveitando a idéia da teoria do processamento da informação, de que todo ato
mental abarca três fases fundamentais: entrada, elaboração e saída de informações,
Feuerstein estabeleceu a existência das mesmas fases para explicas suas funções cognitivas.
Portanto, a interiorização do comportamento é uma função cognitiva que se
encontra na fase de elaboração, cuja finalidade é a formação de esquemas mentais sobre as
ações utilizadas para a realização de uma tarefa, ou seja, esta função imprime a construção
virtual de padrões complexos de comportamento, para produzir um alto nível de
profundidade e precisão, disponíveis para qualquer situação. A metacognição tem sua força
aqui, pois através dessa função cognitiva o indivíduo pode obter consciência de seus atos e
formular inferências sobre as causas desses atos e melhorá-los.
Em termos de teoria da aprendizagem, Feuerstein (1991) defende que não basta a
interação com o envolvimento para a experiência de aprendizagem se desenvolver (por
exemplo, o modelo piagetiano E - O - R). Segundo os seus pressupostos, é necessário que
se verifique a presença de um mediatizador humano (H) afetivo, diligente, conhecedor e
competente para mediatizar tal interação (exemplo: modelo E - H - O - H - R), o que
constitui um axioma de sua teoria, isto é, a experiência de aprendizagem mediatizada
(EAM).
36
Para compreendermos melhor a extensão do significado e da importância do
conceito de mediação, vamos buscar em Vygotski as bases conceituais para a sua
compreensão.
2.2 A mediação sociocultural de Vygotski e a experiência de aprendizagem mediada de
Feuerstein
Partindo da perspectiva de que o sujeito é construtor ativo de seus próprios
processos psicológicos superiores, e que esta estruturação se dá fundamentalmente em
situação de interação social, entendemos que o processo de mediação não pode ser focado
(numa perspectiva sócio-histórica), desvinculado da atividade do sujeito. Dessa forma, não
são os mediadores em si mesmo que determinam a gênese do psiquismo, mas todo o
processo de mediação, enquanto o uso que o sujeito ativamente realiza desses mediadores.
A mediação, deve ser considerada como um processo e não como uma coisa,
sendo que a simples presença de mediadores (como o instrumento e o signo) não são
suficientes para garantir a existência de um processo global de mediação.
A palavra “mediação” tem adquirido muitos significados entre aqueles que lidam
com temas relativos à educação e à psicologia. Entendemos que seja necessário levantar
algumas considerações sobre a definição de mediação. Pino (1991) entende que “num
sentido amplo, mediação é toda a intervenção de um terceiro ‘elemento’ que possibilita a
interação entre os ‘termos’ de uma relação”. É evidente que este significado tão amplo não
define o tipo de mediação que propõe Vygotski na explicação da atividade e do psiquismo
humano.
Segundo a definição acima, entendemos mediação como a intervenção de um elo
intermediário na relação entre dois termos, o que é o mesmo que dizer que: entre “A” e “B”
intervém um elemento “X”. Ou ainda: ao invés de uma relação direta, “imediata” ou
“imediada” (A-B), temos uma relação indireta, “mediada”, ou “mediata” (A - X - B).
Utilizando deste sentido extremamente amplo, é correto dizer, por exemplo, que o
conhecimento é mediador entre o sujeito e a realidade; que o professor é mediador entre o
37
aluno e o conhecimento; que um árbitro é mediador entre dois lutadores de boxe; tanto
quanto é correto dizer que uma vara é mediadora entre um macaco e uma banana. Todos os
exemplos caberiam nesta definição geral; no entanto, é evidente que uma gama tão
diferenciada de fenômenos não poderia estar reduzida a um mesmo significado. Cada
exemplo dado de relação triádica (mediada) realiza uma forma diferente de “mediação”,
cada um deles tem um significado diferente dos demais.
Provavelmente, tendo em vista a indefinição dessa acepção, Pino (1991) restringe o
significado desse termo, utilizando-o “para designar a função que os sistemas gerais de
sinais desempenham nas relações entre os indivíduos e destes com o seu meio. Mais
especificamente, este termo é utilizado para designar a função dos sistemas de signos na
comunicação entre os homens e a construção de um universo sociocultural”. Esta definição
aproxima-se do conceito de “mediação semiótica”, central na obra de Vygotski, ou seja a
mediação que se utiliza dos sistemas de signos.
Compreender a questão da mediação, que caracteriza a relação do homem com o
mundo e com os outros homens, é de fundamental importância justamente porque é através
deste processo que as funções psicológicas superiores, especificamente humanas, se
desenvolvem. Vygotski distingue dois elementos básicos responsáveis por essa mediação: o
instrumento, que tem a função de regular as ações sobre os objetos e o signo11, que regula
as ações sobre o psiquismo das pessoas.
Buscando as analogias entre o instrumento e o signo, Vygotski (1989) vai
evidenciar também as diferenças entre estas duas formas de mediação, e mostrar o quanto o
uso do signo (que é uma forma de mediação que só pôde surgir da relação entre pessoas, ou
seja; da relação social) vai se tornar a grande ferramenta do funcionamento psicológico
individual. Nesta concepção de que o uso de signos como mediadores é elemento
fundamental na constituição das formas propriamente humanas de funcionamento psíquico,
Vygotski entra em perfeita consonância com as teses de Marx no que diz respeito à
constituição social da individualidade, ou, ainda, à formação social da mente. Pois se os
signos só existem e só podem surgir a partir da relação social, e se esse mediador de origem
11
De modo geral, o signo pode ser considerado aquilo (objeto, forma, fenômeno, gesto, figura ou som) que
representa algo diferente de si mesmo. Ou seja, substitui e expressa eventos, idéias, situações e objetos,
servindo como auxílio da memória e da atenção humana. Como por exemplo, no código de trânsito, a cor
vermelha é o signo que indica a necessidade de parar, assim como a palavra copo é um signo que representa o
utensílio usado para beber água.
38
intersubjetiva é um elemento fundamental da estruturação do psiquismo, a formação da
mente é mesmo social.
Parece ficar mais claro, então, que realmente para Vygotski o sentido mais definido
de mediação é o uso de mediadores para ampliar as possibilidades humanas na busca de
atingir um fim, uma meta, para suprir determinadas necessidades, num circuito de relações
sociais. O uso de signos não é só expressão de uma estrutura interna que se desenvolve por
si mesma, pelo contrário, é exatamente o que possibilita a gênese das estruturas internas
propriamente humanas.
O instrumento é um meio (mais uma vez: um mediador) utilizado pelo ser humano
para atingir determinados fins, para realizar determinados projetos, fundamentalmente
tendo a função de efetivar uma produção material. O que ocorre é que no trabalho
produtivo o ser humano vai além das possibilidades de seu próprio corpo quando usa de um
pedaço de madeira, de uma alavanca, de uma lança, um machado, ou uma espaçonave. O
que deve ser marcado é que o instrumento é algo utilizado pelo sujeito para atingir um
objetivo, ampliando as possibilidades de transformação da natureza, e que o instrumento
fundamentalmente está incorporado numa mediação entre o sujeito e um objeto. O
instrumento realiza as intenções de uma pessoa no que diz respeito à transformação dos
aspectos materiais da realidade. Uma mediação diferente é a realizada pelo signo que é
utilizado na relação entre as pessoas.
O signo também é um meio que as pessoas utilizam para suprir determinadas
necessidades, fundamentalmente necessidades que são colocadas em jogo num processo de
comunicação. Mas, diferente dos instrumentos, os signos não possibilitam uma
transformação das coisas mesmas, os signos são elementos tomados da realidade para
cumprir uma função de representar outra esfera da realidade; os signos são sinais de alguma
outra coisa, e mais do que isso, são sinais que podem ser compartilhados entre sujeitos, de
forma que possamos influenciar o comportamento de outras pessoas e sermos por elas
influenciadas. Na interação entre seres humanos, através dos signos convencionados entre
eles, surgem novas possibilidades de explorar o mundo, de percebê-lo, de atentar para
características específicas da realidade. Tomando o exemplo da fala, a palavra não só
“mexe” com aquele a quem se dirige, o interlocutor, mas também com aquele que a
enuncia. Isso torna possível o diálogo, modo humano de comunicação. Na comunicação
39
animal isso não ocorre: ela é linear, embora de mão dupla. Ela não permite, como na
comunicação humana, a reformulação, a interpretação múltipla, a criação do sentido e,
como efeito dela, o erro de interpretação.
O mais importante no signo é que ele visa o outro. A representação tem,
fundamentalmente, uma função comunicativa e, se o visado na representação é o outro, isto
quer dizer que representar é uma atividade social. Ela implica negociação e acordo entre
sujeitos.
Representar quer dizer “estar no lugar de” ou “agir no lugar de”. Por exemplo, um
desenho gráfico, como uma palavra ou caricatura, está no lugar de uma idéia ou de uma
pessoa. A capacidade de uma coisa representar outra é praticamente ilimitada, o que
equivale dizer que a capacidade semiótica do homem é quase ilimitada. O que a limita são
os termos da convenção social que cria o signo.
Se representar é “estar no lugar de” e se a função representativa é atribuída às coisas
pelos homens (convenção social), isso quer dizer que os homens estabelecem ligações entre
os representantes e as coisas representadas. Em outras palavras, os homens criam
socialmente relações entre as coisas que não existem nelas naturalmente. Daí o caráter
convencional dos signos. Estabelecer uma ligação quer dizer atribuir a uma coisa o poder
de significar outra coisa. Portanto, o valor de um signo está no que ele significa
socialmente, ou seja, naquilo ao qual ele se refere: a significação.
A natureza convencional dos signos faz com que eles signifiquem coisas
previamente convencionadas. Assim, uma palavra da linguagem usual significa o que,
previamente, foi estabelecido (convencionado) pelos homens. Isso quase sempre admite
uma margem de variação. É a polissemia dos signos. Mas o poder significante dos signos
não se limita ao previamente convencionado, mas ao que os interlocutores convencionam
na interação comunicativa. Assim, numa situação de interação verbal ou dialógica, a fala se
constitui numa atividade produtora de significação que extrapola as limitações impostas aos
signos pela convenção.
Os diferentes autores da corrente sócio-histórica (Vygotski, 1989; Bakhtin, 1988;
Leontiev, 1978; Luria,1987), referindo-se expressamente à linguagem, distinguem
claramente os termos significado e sentido. Com formulações diferentes, eles entendem por
significado a significação convencional atribuída aos signos pela sociedade. Por sentido
40
eles entendem a significação que esses signos - articulados dentro de um contexto
discursivo - têm para cada um dos interlocutores. Isso é mais ou menos explicitado no
processo discursivo. Em outras palavras, o sentido é aquilo que uma palavra ou, mais
propriamente, um discurso evoca no sujeito e que tem a ver com a história da sua
experiência de vida pessoal (o que não significa que não seja social, pois toda a experiência
humana é social por natureza).
Não podemos nos abster de ressaltar a idéia de Bakhtin (1988, p.32) a respeito do
caráter ideológico dos signos: “um signo não existe apenas como parte de uma realidade;
ele também reflete e refrata uma outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou
apresentá-la de um ponto de vista específico. (...) O domínio do ideológico coincide com o
domínio dos signos; são mutuamente correspondentes. Tudo que é ideológico tem um
valor semiótico”. Por “ideológico” o autor entende o fato de uma realidade material (um
dos componentes do signo) refletir e refratar uma outra realidade que lhe é exterior.
Ideológico corresponde à função representativa do signo. Isso quer dizer que nos domínios
dos signos existem campos diferentes (o religioso, as representações sociais, o político, o
social, o jurídico, o científico, o artístico, o pedagógico). Toda a realidade é passível de ser
semiótica e, portanto, ideológica. A existência do signo, diz Bakhtin, nada mais é do que a
materialização da comunicação. É nisso que consiste a natureza dos signos ideológicos.
Esse aspecto semiótico e esse papel comunicativo aparece, por excelência, na linguagem:
“A palavra é o fenômeno ideológico por excelência. A realidade toda da palavra é
absorvida por sua função de signo (...) A palavra é o modo mais puro e sensível da relação
social” (p. 36).
No Programa de Enriquecimento Instrumental
desenvolvido por Feuerstein,
destaca-se a importância do uso da linguagem enquanto instrumento de mediação
privilegiado na construção do processo de significação do mundo.
Ao se analisar alguns aspectos do pensamento de Vygotski, pode-se traçar
determinados paralelos conceituais entre este autor e Feuerstein e, também, alguns
distanciamentos se entendermos seus pressupostos teóricos.
Beyer (1996) nos aponta o fato de que alguns autores (Brown, 1982, Günther,
1988), ao caracterizarem a teoria de Vygotski como uma teoria da internalização,
41
apresentam o Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) de Feuerstein como um
método cognitivo que visa a fomentar os processos de internalização. Esses autores
vinculam explicitamente Feuerstein e Vygotski no que tange à ênfase que ambos dão aos
processos mediadores na construção da inteligência
Feuerstein interpreta o desenvolvimento cognitivo como decorrente de duas formas
de interação da criança com o seu meio: por um lado, ela aprende e se desenvolve por meio
da percepção, assimilação (usado por ele no sentido piagetiano) e processamento direto dos
estímulos existentes ao redor; por outro lado, a criança aprende através da mediação
cognitiva de pessoas significativas (a mãe, o pai, os irmãos, os educadores, entre outras).
Especialmente a segunda possibilidade de interação, a saber, a aprendizagem mediada,
ocupa no pensamento de Feuerstein um lugar central:
Por meio do conceito da experiência de aprendizagem mediada (EAM) nós nos referimos à forma
como os estímulos emitidos pelo meio são transformados por um agente ‘mediador’, usualmente um
pai, um irmão ou outra pessoa do círculo próximo da criança. Este agente mediador, motivado por
suas intenções, cultura e envolvimento emocional, seleciona e organiza o mundo dos estímulos para
a criança. O mediador seleciona os estímulos que são mais apropriados e então filtra e organiza; ele
determina o surgimento ou desaparecimento de certos estímulos e ignora outros. Através desse
processo de mediação, a estrutura cognitiva da criança é afetada. (1980, p. 15-6).
Ao invés de uma interação assistemática e aleatória com os estímulos do meio, o
mediador ajuda a criança a processar adequadamente aqueles aspectos significativos para o
seu crescimento intelectual. A hipótese que interpreta serem as experiências de
aprendizagem mediada fundamentais para o desenvolvimento cognitivo da criança
aproxima-se do conceito cultural de inteligência de Vygotski, em que o ambiente
sociocultural intermedia a aprendizagem da criança. Sem dúvida, ambos os autores
acentuam a função do mediador junto aos processos cognitivos da criança. Porém,
Feuerstein enfatiza o papel desempenhado pelo ser humano nos processos de aprendizagem
infantil. A teoria de Vygotski abrange tanto a ação do mediador humano como também a
importância dos conteúdos semânticos-culturais da linguagem, como já enfatizamos.
Da mesma maneira, existe uma conexão entre a orientação estruturalista de
Feuerstein e a teoria piagetiana. Feuerstein espera que, em decorrência da interação
instrumental da criança com os exercícios propostos, ocorra uma construção/reconstrução
42
de estruturas intelectuais específicas. Tais estruturas correspondem às estruturas operatórias
do pensamento.
Beyer, apud Büchel (1987, 1-2), nos mostra porque Feuerstein dá tamanha ênfase ao
processo da mediação na aprendizagem.
...avaliar, com testes psicológicos, judeus norte-africanos emigrantes (a maioria nômades), para
esclarecer qual estrutura escolar Israel deveria preparar para essas pessoas. Feuerstein estudava então
na Universidade de Genebra e foi auxiliado por um grupo de pesquisadores que estava
desenvolvendo estudos junto ao psicólogo clínico André Rey. Na época, eles aplicaram tanto testes
de inteligência não-verbais como utilizaram um método projetivo. O empreendimento fracassou já no
princípio. Devido aos resultados dos testes, evidenciou-se uma porcentagem muito grande de pessoas
com inteligência abaixo da média. De forma correta, os pesquisadores de Genebra explicaram tal
desvio da média devido a diferenças culturais. Mas o que significam diferenças culturais?
Presumivelmente não se trata simplesmente de um déficit em conhecimento. Os testes aplicados não
exigiam aquilo que a literatura denomina como conhecimento universal. Esses norte-africanos
diferenciavam-se dos europeus ocidentais muito mais na forma de sua compreensão de instruções
dadas e no seu estilo em situações de trabalho cognitivo. As tarefas não tinham para eles o mesmo
caráter problemático, e assim eles não utilizavam as operações cognitivas esperadas.
Desse relato, pode-se compreender o motivo que levou Feuerstein a explicar as
dificuldades
cognitivas
como
sendo
primordialmente
determinadas
por
fatores
socioculturais e não intelectuais. Determinadas estratégias e auxílios de compreensão,
necessários para a solução das tarefas dos testes, não puderam ser utilizados pelos sujeitos
da pesquisa, porque não eram elementos integrantes da sua cultura. Por isso, a defasagem
intelectual constatada foi interpretada como defasagem de elementos cognitivos
culturalmente determinados, já que seriam mediados pelos sistemas formais e informais de
ensino. Essas experiências com crianças e adolescentes norte-africanos proporcionaram os
subsídios teórico-metodológicos para a formulação conceitual da mediação cultural ou mais
exatamente da experiência da aprendizagem mediada.
Feuerstein (1991) interpreta esse fenômeno como privação cultural, deixando claro
que a definição de culturalmente privado descreve o indivíduo ou o grupo privado de sua
própria cultura e não o fato de uma cultura específica privar o indivíduo de direitos e
privilégios.
Uma pessoa com privação cultural não relaciona os fatos, não os compara, não os
organiza considerando algum critério. Para essas pessoas tanto o mundo interno como o
externo estão indefinidos e desorganizados; portanto, a capacidade para lidar com os
estímulos e com as solicitações fica bastante reduzida.
43
Um indivíduo com privação cultural tem uma percepção episódica12 da realidade,
impedindo-o de estabelecer relações entre os fatos. Esta deficiência o impede de
decodificar os elementos da sua própria cultura, bem como a sua própria experiência
individual.
A causa da privação cultural é a carência de Experiência de Aprendizagem
Mediada. A realidade da guerra impediu a possibilidade de mediação adequada aos jovens
imigrantes. Nesse quadro de privação cultural houve uma ruptura entre gerações,
impedindo, segundo Feuerstein, que os jovens passassem por EAM, provocando
funcionamento cognitivo inadequado, que foi responsável direto pelo fracasso dos jovens
nos testes.
O resultado da privação cultural, além do baixo rendimento, é um estado do
organismo a uma tendência de falta de necessidade de organizar os estímulos que
facilitariam seu uso posterior em processos mentais.
É importante ressaltar que a privação cultural independe do tipo de sociedade e do
nível socioeconômico, podendo-se ter pessoas que não sofrem de privação cultural em
culturas bastante primitivas ou mesmo o contrário, como no caso de pessoas sem
dificuldades de natureza socioeconômica, porém com privação de cultura.
Portanto, a privação cultural é definida como “Um estado de reduzida
modificabilidade cognitiva de um indivíduo, em resposta à exposição direta às fontes da
informação” (Feuerstein, 1978).
Pretende-se, pois, pela Experiência de Aprendizagem Mediada desenvolver a
inteligência dos sujeitos mediatizados, isto é, das crianças e dos jovens, normais ou
portadores de deficiência, visto que, no fundo, a finalidade da educação é invariável para os
dois casos. Desenvolver a inteligência, ensinar a pensar ou provocar a modificabilidade
cognitiva daqueles que se encontram dela privada são os objetivos da experiência de
aprendizagem mediada.
12
Percepção episódica é a forma de entender um acontecimento desconectado de sua causa ou origem, sem
buscar a relação com os elementos que lhe dão significado. Se procede quando percebemos um fato
desconectado de seu contexto
44
2.3 Critérios de Mediação
Como vimos, Feuerstein desenvolve a forma E - O - R de Piaget e inclui um
mediador humano entre o mundo de estímulos, o organismo e a resposta. Sua nova fórmula
para aprendizagem mediada se torna então E - H - O - H - R, na qual H é o mediador
humano. O mediador se interpõe entre o organismo que aprende e o mundo dos estímulos,
interpretando, significando os estímulos. Nesse tipo de interação, a aprendizagem é
intencional. Feuerstein acredita que a experiência mediada seja o fator chave para que a
criança fique mais receptiva à exposição direta, beneficiando-se mais dela. Isso ocorre
porque a mediação é o tipo de interação que desenvolve as atitudes e as competências
básicas para a aprendizagem.
Fig. 01 – Modelo de experiência de aprendizagem mediatizada (FONSECA, 1998, p. 61)
Até o momento, Feuerstein (1991) identificou dez critérios ou tipos que são
fundamentais para a mediação. Ele acredita que os três primeiros critérios
são
fundamentais e suficientes para uma interação ser considerada mediação. Os sete critérios
restantes podem funcionar em diferentes momentos, onde e quando apropriados, servindo
para equilibrar e reforçar uns aos outros. A mediação é um processo aberto e dinâmico e
não deve ser rigidamente aplicada ou vista como fixa em dez critérios.
•= Mediação de intencionalidade e reciprocidade
Intencionalidade e reciprocidade são as condições básicas de uma interação de
Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM). Na EAM, o conteúdo específico da
interação - independente de sua importância - é caracterizado pela intenção não apenas de
45
mediar para o mediado os estímulos específicos, a atividade ou o relacionamento, mas
também de compartilhar esta intenção com o mediado. Reciprocidade é a maneira de tornar
uma intenção implícita num ato explícito, volitivo e consciente.
A interação animada por uma intenção e um esforço para criar uma relação de
reciprocidade pode ser vista como poderosa e rica em componentes comportamentais,
mentais e emocionais. O primeiro, obviamente, é o conteúdo específico pelo qual a
aprendizagem mediada é experimentada. Como já mencionado, qualquer conteúdo, do mais
elementar à mais alta forma de atividade mental, tal como amamentar, ensinar habilidades
elementares ou raciocínio hipotético, ensinar poesia, história ou filosofia, pode conter a
qualidade da experiência de aprendizagem mediada, se caracterizado pela intenção.
A intenção transforma os três parceiros envolvidos na interação - os estímulos, o
mediador e o mediado. Certas características do acontecimento específico são
transformadas pela intenção do mediador de tal maneira que ele é experimentado (não
somente registrado por acaso) pelo mediado. A amplitude, a tonalidade e o destaque de um
estímulo é modificado para garantir que ele seja observado e percebido. O ritmo de
ocorrência de certos estímulos, a freqüência e redundância da exposição à atividade que
deve ser aprendida são modificados pela intenção de integrá-la ao repertório
comportamental do indivíduo.
A melhor maneira de avaliar a qualidade de mediação de uma interação, tal como
professor-aluno, consiste em detectar a transformação produzida pela intenção no estímulo
ou no acontecimento a ser mediado. Qual a diferença do acontecimento mediado e o
acontecimento sem mediação? Em que consiste a diferença entre o discurso do professor
quando ele simplesmente transmite uma instrução e aquele usado quando ele media para o
aluno? Está na certificação de que certos componentes do seu agir se tornem mais visíveis.
Está no ressaltar a seqüência dos diferentes componentes do seu ato.
Esta transformação dos estímulos, que são mediados, é acompanhada por esforços
por parte do mediador para transformar o estado mental, emocional e motivacional do
mediado. Tornar o mediado mais acessível à experiência pode requerer uma alteração do
seu estado mental para aumentar seu grau de vigilância e criar condições de “consciência” e
“percepção”, que afetarão seus processos mentais.
46
Uma análise mais profunda dos processos mentais, decorrendo da interação animada
pela intencionalidade
e pela reciprocidade, revela que esta modalidade de interação,
mesmo quando feita em níveis elementares, cria no mediado uma consciência do processo
de aprendizagem e dos princípios didáticos que o sustentam. Os componentes
metacognitivos formam uma parte importante da interação mediacional sobre a forma de
autoreflexão induzida, discernimento, e a articulação de todo o campo por meio de seus
componentes. Esta orientação, uma vez internalizada, assume o papel de conduzir a um
aprendizado mais eficiente e, por sua vez, para graus mais altos de modificabilidade.
•= Mediação de transcendência
Outro dos mais importantes componentes, em adição à intencionalidade e à
reciprocidade, consiste na mediação de transcendência, quer dizer, ir além dos objetivos da
interação. Fazer um indivíduo adquirir uma habilidade ou torná-lo competente numa área
de saber é o objetivo da interação entre pais e criança, professor e aluno. No entanto, a
intenção de fazê-lo sentir-se competente, claramente transcende o objetivo imediato da
aquisição da habilidade ou da competência. A mesma coisa vale para a mediação do
comportamento compartilhado, que pode estar totalmente ausente numa interação que visa
ao cumprimento de necessidades básicas ou mesmo à aquisição de funções mentais mais
desenvolvidas. A mediação do comportamento compartilhado, da individualização e da
diferenciação psicológica, bem como a mediação da conscientização do ser humano como
sendo uma entidade em mudança, não são condições necessárias para o objetivo primário
da interação, mas elas as transcendem devido à interação do mediador.
Transcendência, definida como sendo a orientação do mediador para ampliar a
interação além do objetivo imediato e elementar, cria no mediado a propensão a aumentar
constantemente seu repertório de funcionamento cognitivo e afetivo. Tornar uma criança
consciente do fato de que batatas e mandiocas pertencem à mesma família de plantas não
tem nada a ver com o ato de consumi-las para poder sobreviver. A criança pode, com
certeza, tirar proveito de alimentar-se com elas sem ter esse conhecimento específico. Mas
o fato da interação transcender o ato de “alimentação”, “cria” uma orientação em direção a
“saber-entender”. Dessa maneira, ambos, saber e entender, tornam-se necessidades cruciais
e, posteriormente, poderosos determinantes da modificabilidade humana.
47
Nesta linha, o mediatizador deve relacionar a tarefa com conteúdos prévios ou
futuros; revelar as relações entre os conteúdos específicos e inerentes à tarefa com os
objetivos mais globais; selecionar os conteúdos de acordo com a seqüência das situações de
aprendizagem subseqüentes; assegurar proficiência dos mediatizados nas aquisições básicas
e nos hábitos de trabalho, além das necessidades presentes; suscitar questões do “porquê” e
de “como”, mais do que questões do “quem” e do “quê”; explicar as razões das suas ações e
decisões; questionar os mediatizados para explicações racionais sobre as respostas e a sua
conduta; ensinar fatos, conceitos, princípios e relações, além das necessidades das situações
presentes; promover operações cognitivas superiores, como a representação e a
categorização; sugerir situações- problema e definições e colocações de problemas;
generalizar a partir das instâncias específicas envolvidas nas tarefas; colocar questões que
promovam inferências das regras gerais; fornecer “pontes” entre a área dada e outras áreas
correlacionadas, mas diferenciadas; encorajar os mediatizados a fazer sínteses integradoras
entre várias áreas de conteúdo, que emergem da resolução das tarefas imediatas.
•= Mediação do Significado
Se os dois primeiros parâmetros representam a estrutura da interação e respondem
às questões quando, onde, como, o quê, quanto, por quê, a mediação de significado trata
principalmente da dimensão energética da interação, ela responde às perguntas por quê,
para quê, e a outras perguntas relacionadas com os motivos de relação causal e teleológica13
que explicam por que alguma coisa ocorre ou tem que ser feita. As razões implícitas de
certas interações não são facilmente entendidas e não conseguimos sempre torná-las
explícitas e compartilhá-las com o parceiro de nossa interação. O raciocínio didático e
pedagógico dos professores e, muito mais dos pais são, muitas vezes, escondidos do
estudante ou da criança, a tal ponto que este “segredo” é considerado uma característica
importante da teoria e da prática pedagógica. A Experiência de Aprendizagem Mediada,
quando animada pela intenção de transcender, media, para o mediado, o significado da
interação, seu conteúdo, seu “porquê” e seu “para quê” e torna explícitas as razões
13
Conhecimento ou explicação que relaciona um fato com sua causa final
48
implícitas das mudanças que ocorrem, bem como os objetivos primários e secundários da
interação.
A mediação de significado começa logo no início da relação mãe-filho quando a
interação ainda se desenvolve em nível pré-verbal. A mãe torna a criança consciente da
importância que ela atribui a certas dimensões da realidade que ela está mediando, usando
modos de comunicação paralingüísticos mediante movimentos, freqüência e repetição dos
estímulos mediados. Dessa maneira, ao desejo da criança de atirar objetos é dado um
significado positivo, quando a mãe repetidamente se abaixa para recolher o objeto atirado e
o entregar à criança para que ela possa atirá-lo novamente.
Os movimentos e as mímicas que refletem a intenção da mãe são imediatamente
entendidos pela criança, em estágio pré-verbal, como um encorajamento a continuar sua
brincadeira preferida, sendo evidenciado pela expressão de alegria que aparece no rosto da
criança. Quando o entendimento verbal aparece, a mãe acompanha sua modalidade de
comunicação paralingüística com palavras que, por sua vez, designam o significado e o
conteúdo e atuam como o agente energético e motivador do comportamento. O
desenvolvimento posterior e as modalidades verbais mais complexas, utilizadas na
mediação de significado, geram no mediado uma orientação para a busca do “significado”.
Uma vez internalizada, esta necessidade se torna a fonte de modos independentes de
funcionamento e de tomada de decisão.
Os “significados” mediados um dia por um adulto podem ter sido esquecidos há
muito tempo ou podem ter sido transformados pelo indivíduo, em virtude de sua
personalidade ou das mudanças da cultura na qual ele vive; mas a necessidade e a
orientação de procurar o “significado”, que lhe foi dada por seu mediador, torna-se uma
condição permanente de sua existência. Indivíduos privados dessa orientação, e que não
procuram pelo significado, levam desvantagem em muitos aspectos: cognição, emoção e
em todas as maneiras que afetam as dimensões energéticas e motivacionais de sua vida.
Presenciamos, hoje em dia, mais do que antes, os efeitos negativos da falta de mediação no
mundo, muito limitado do significado e dos valores que servem de guias e forças para o
indivíduo em sua vida.
49
•= Mediação do sentimento de competência
O assunto competência tem-se tornado corriqueiro no decorrer das últimas décadas,
porque ele é considerado um forte determinante do funcionamento cognitivo em geral e da
realização profissional e acadêmica em particular. Este assunto está relacionado com a
motivação, porque ele denota uma procura por uma fonte de competência. No contexto do
desempenho diferencial entre indivíduos, a “competência” foi muitas vezes confundida
com o “sentimento de competência”. A motivação foi vista como estritamente ligada a esse
conceito mais geral de competência. Muitas vezes é considerado natural que um indivíduo
com um bom nível de competência mensurada esteja motivado a atingir este nível ou ir
além, enquanto pessoas que funcionam em um nível baixo estão negativamente motivadas a
ultrapassá-lo. Infelizmente, esta confusão entre competência e sentimento de competência
tornou quase impossível o maior entendimento deste fenômeno paradoxal e tão comum que
reside no fato de que a competência não implica necessariamente num sentimento de
competência, mesmo quando ela provoca grandes realizações. Feuerstein afirma que o
sentimento de competência não é o resultado direto e inevitável da percepção da capacidade
de alguém, mas, ao contrário, que a geração deste sentimento requer a intervenção de um
mediador humano que interpreta o domínio e a competência e a transforma em consciência
e percepção da competência deste alguém.
Certas crianças e adultos vivem constantemente num regime de atividades rotineiras
e mecânicas e não são confrontados com a necessidade de dominar tarefas não familiares
com níveis mais altos de complexidade. Eles não têm a oportunidade de conhecer sua
capacidade de tornar-se competentes. A oportunidade de enfrentar situações novas mais
complexas e alcançar o domínio das mesmas é a condição para a consciência e o
sentimento de competência. Quando as coisas são feitas automaticamente, como no caso de
tarefas mecânicas, existem poucas oportunidades para instrospecção e para uma
consciência do fato de que alguém seja ou possa se tornar competente.
Para muitos professores, o método educacional usado mais freqüentemente é o uso
de perguntas que são formuladas para suscitar a resposta inadequada. Tais questões não
fazem necessariamente a criança pensar, mas resulta em falha em muitos casos. Sabendo
disso, o examinado reage com ansiedade e tensão, com um bloqueio total de suas
capacidades. Além de declarar claramente: “Você não sabe nada e, por isso, seria melhor
50
que você estudasse”, o professor também generaliza sua avaliação em outras áreas de
estudo. O conflito entre a necessidade de criar competência através do trabalho árduo e a
necessidade de criar um sentimento de competência é uma fonte de grande angústia em
crianças normais e muito mais ainda em crianças que têm dificuldade de aprendizado.
Prover o indivíduo com oportunidades de aplicar-se e construir sua competência é uma
condição da geração do sentimento de competência.
A mediação da competência é uma atividade complexa dificilmente alcançada pela
maneira pela qual o adulto interage com a criança. Existem, segundo Feuerstein, dois
elementos principais que devem ser considerados. O primeiro é a necessidade de dotar a
criança de exigências de competência adequadas a seu estágio de desenvolvimento. Isto
implica torná-la capaz de aprender os dados necessários para solucionar o problema,
fazendo-a concentrar-se nas tarefas imediatas, dando-lhe condições de utilizar as fontes de
informação necessárias e ajudando-a a armar-se de um certo grau de precisão que poderá
ser aplicado a todos os tipos de situações. O segundo consiste em oferecer à criança
possibilidades de enfrentar certas situações em que deve ter o domínio. Na medida em que
ela não as procura, essas oportunidades devem ser-lhe oferecidas e apresentadas de tal
maneira que ela tenha as oportunidades necessárias para atingir o domínio.
Podemos entender que Feuerstein nos leva a compreensão da necessidade de
trabalharmos a mediação do sentimento de competência (e as demais) na zona de
desenvolvimento proximal do sujeito.
Apresentar ao sujeito tarefas sobre as quais ele ainda não tem o domínio requer
intervenção mediacional para dotá-lo das condições gerais e específicas que lhe permitirão
atingir a competência. As condições gerais abrangem várias estratégias necessárias para
dominar quase qualquer tarefa, tais como: a codificação adequada do problema e a
separação dos dados relevantes dos que não são. Evidentemente, estratégias específicas
dependem da natureza específica da tarefa. Um sentimento de competência é forjado por
uma repetição criativa que é necessária para que se possa alcançar níveis mais altos de
domínio.
Dessa maneira, ajudar o indivíduo a aprender uma nova língua, por exemplo, requer
primeiramente uma abertura e uma disposição para investir esforços para alcançar objetivos
claramente definidos, usar uma modalidade de focar, fazer a diferença entre o conhecido e
51
o desconhecido e familiarizá-lo com significados e sons estranhos. Ele deve receber a
informação básica e ir além do que ele já conhece, para aprender novos elementos da
língua. Para fazer isso é preciso que o mediador tenha interesse em passar para o mediado o
sentimento de domínio e que ele crie as situações necessárias. O mediador se certifica de
que a quantidade e a natureza da intervenção dada não sejam nem mais nem menos do que
o necessário para garantir o sucesso da criança. Se alguém observar mães, professores e
auxiliares animados pela intenção de mediar o sentimento de competência, encontrará um
repertório de estratégias rico e variado que visa a criar condições de domínio bem sucedido
por parte das crianças, e outros adultos, no tocante a tarefas cada vez mais complexas.
Mas isso não é suficiente. Como mencionado anteriormente, o fato de ter sucesso
não cria necessariamente o sentimento de competência no indivíduo. Para que isso se
consiga, uma interpretação é necessária, oferecida pelo mediador à criança, tornando-a
consciente do significado do seu sucesso e que a reflexão de competência não fique
necessariamente restrita ao acontecimento único específico, como também ao fato de que
uma vez que ele tenha provado sua capacidade de dominar tal tarefa não há nenhuma razão
para que ele não seja capaz de dominar muitos outros tipos diferentes de tarefas.
Esta interpretação, segundo Feuerstein, tem vários aspectos. Primeiro, a criança
deve saber que ela teve o domínio da tarefa. É chocante constatar que muitas crianças e
mesmo adolescentes nem mesmo sabem que obtiveram sucesso numa tarefa. Nem sempre
ela tem os critérios com os quais podem julgar se a tarefa foi dominada com sucesso ou
não. Muitas crianças e adolescentes não sabem que cumpriram com o que se esperava
delas. Por isso, é necessário, mediante retorno, conscientizar a criança e o adolescente de
que eles obtiveram sucesso. O segundo passo é fazer com que o indivíduo entenda que o
fato de dominar esta tarefa revela alguma coisa a respeito de sua competência. Certas
crianças não sabem quais implicações podem resultar do domínio de um problema
matemático ou de certas tarefas lógicas ou perceptuais. O mediador oferece à criança e,
principalmente ao adolescente, uma interpretação mais ampla do fato onde ele obteve
sucesso. Este tipo de mediação tem grande importância, porque ela cria no indivíduo a
disposição para ir além da tarefa completada. Isso significa o aumento da confiança da
criança e do adolescente.
52
A mediação se torna ainda mais complexa quando se trata de indivíduos que já se
convenceram de sua incapacidade como imagem global de si mesmos. Essas pessoas
identificam todas as suas atividades, por bem sucedidas que possam ser, com sua fraca
imagem própria. Para eles, o domínio bem sucedido de uma tarefa ou não é acreditado, ou,
se seu sucesso é óbvio até para eles, eles desmentem seu significado. Existem muitos casos
nos quais crianças e adolescentes, que demonstraram grande capacidade de realização,
reagem de maneira auto depreciativa, apesar de terem tido sucesso em seus esforços.
Um sentimento de competência pode desempenhar um papel crucial na adaptação
do indivíduo a novas situações no tocante às condições de mudança da vida no mundo
cotidiano. Adaptar-se a situações estranhas, que se tornam cada vez mais complexas, requer
por parte do indivíduo uma disposição para aventurar-se em direção a novos desafios. Um
sentimento geral de competência tem de estar presente, para que ele possa ser
suficientemente corajoso para explorar realidades que não lhe são familiares.
•= Mediação da regulação e do controle do comportamento
Feuerstein mostra que a mediação da regulação e do controle de comportamento
consiste de atividades antagônicas - inibição e iniciação de comportamento - e é
provavelmente qualitativamente, uma das dimensões mais importantes da interação entre
pais e filhos, professores e alunos, e também entre autoridades e cidadãos. Chamar a
atenção para os perigos - sugerindo a manutenção, a mudança ou a aceleração do ritmo de
atividade em função de uma condição específica - domina a interação entre as pessoas, em
geral, e entre pessoas de hierarquia diferente, em particular. Não é fácil saber o quanto isso
contém de qualidade mediacional. A intervenção inibidora por parte dos pais e professores
nem sempre se torna uma fonte de controle interno. A iniciação de um comportamento - o
contrário de inibição - pode também tornar-se a fonte de um desenvolvimento inadequado.
Quando não movida por uma intenção mediacional, ela age somente como um chicote
induzindo a agir de conformidade com a instrução externa, sem assegurar-se de que o ato se
torne próprio e controlado de maneira autônoma.
A regulação mediada do comportamento cria a flexibilidade e a plasticidade
necessárias para modificar o indivíduo no tocante à inibição e à iniciação. Ela acelera o
53
comportamento por meio da orientação do indivíduo para a auto reflexão, propicia o
retorno necessário para a tomada de decisão relativa à propriedade ou impropriedade de
certas condutas, a sua ocorrência adequada no tempo, a seu ritmo, e a sua condizência com
uma situação específica. A mediação de regulação de conduta tem seu ponto mais alto na
criação de elementos cognitivos que, amparados por uma orientação auto reflexiva
metacognitiva, gera a propensão para um pensamento a respeito de um comportamento
adaptado. O auto controle em relação a certas atividades torna-se possível pelo uso dos
componentes cognitivos ligados à atividade específica muito mais do que pelo emprego de
um tabu supergeneralizado ou de uma inibição produzida por uma experiência “histórica”
que tem uma relevância limitada (se é que tem) em relação à presente.
A mediação da regulação de conduta consiste, segundo Feuerstein, em dois
elementos principais. Um diz respeito à criação de funções cognitivas que serão usadas no
levantamento dos dados necessários à tomada de decisão, isto é, à fase de alimentação do
ato mental, à natureza do processo de percepção quando do levantamento de dados, da
precisão, da acuidade, e da exaustão do que é percebido, seguido pelo uso de fontes
múltiplas de informação que - uma vez colhidos os dados - permitem o estabelecimento de
uma orientação metacognitiva. O segundo componente, o estabelecimento analítico da
metacognição, que consiste na avaliação conjunta dos dados levantados e na competência
avaliada do indivíduo, seguida por uma avaliação do significado do evento específico,
resulta na decisão de executar ou não a resposta específica, de que forma, onde, como, quão
rápido, etc.
O professor, que está mais preocupado com o “produto” do seu aluno, encoraja
muito pouco o controle cognitivo do comportamento. Ele, muitas vezes, demonstra sinais
de impaciência para com os processos de pensamento, vendo-os como sinais de falta de
domínio do aluno que hesita em responder imediatamente a um desafio de aprendizado;
assim, o professor passa para o aluno que responde mais eficientemente. Isso põe o
indivíduo mais reflexivo numa posição de desvantagem e de frustração. Dessa maneira, o
comportamento impulsivo não controlado se torna o padrão da classe. O caso de cálculo
matemático errado, sob condições estressantes, ilustra uma grande variedade de interações
frustrantes quando alunos são confrontados com uma regulação de conduta não mediada.
54
A imposição de controle e de aceleração do comportamento do aluno por parte do
professor é mais aceitável quando ela apresenta a qualidade da mediação. Isso é
particularmente verdadeiro quando a reciprocidade permite que o mediado seja capaz de
entender o significado da ação inibidora do mediador e lhe oferecer a extensão desse
significado para objetivos transcendentes estabelecidos por ambos: mediador e mediado.
Essa qualidade da regulação afeta o comportamento do indivíduo de maneira estrutura, que
é mais permanente e mais generalizável a situações que ele encontrará no futuro.
A mediação da regulação do comportamento, baseada em componentes cognitivos e
metacognitivos, tem, hoje em dia, uma importância vital, considerando a natureza da
adaptação humana exigida pelas condições de vida impostas pelas mudanças da tecnologia.
Para os indivíduos sócio-culturalmente diferentes e, mais ainda, para os privados
culturalmente em termos de mediação, a regulação do comportamento deveria tornar-se,
segundo Feuerstein, uma parte essencial de qualquer programa de enriquecimento
cognitivo.
•= Mediação do comportamento compartilhado
Os parâmetros incluídos nas condições afetadas pela cultura, e determinadas pelas
situações, têm pesos diferentes no desenvolvimento não somente de processos cognitivos,
como também da personalidade global. Por exemplo, a mediação do comportamento
compartilhado e a mediação da diferenciação individual e psicológica são aparentemente
necessidades antagônicas. Compartilhar o comportamento reflete a necessidade do
indivíduo de sair do seu próprio eu para participar com outros e para fazê-los participar
com ele. Esta experiência é profundamente marcada pela cultura.
A experiência de aprendizagem mediada considera a mediatização afetiva e
emocional muito importantes e significativas no processo de modificabilidade cognitiva.
Desde o diálogo tônico entre mãe e filho que as interações afetivas exercem um
papel preferencial na estabilidade emocional e no conforto tátil e somático e na confiança
afetiva, ingredientes básicos e energéticos da cognição humana. Vibrar com o outro,
compartilhar emoções e percepções, estabelecer contágios afetivos positivos e sociais são
condições de uma aprendizagem com sucesso. Compartilhar comportamentos é uma
55
necessidade primitiva do indivíduo; é um sistema precoce de interação, em que a
emergência da significação e da linguagem interior tem lugar. O bebê humano, como préestrutura da sua conduta, está desde muito cedo preparado para interagir de forma tônica,
não-verbal e mímica, com os outros; ele possui condutas de co-imitação e de co-vibração
que se desenvolvem progressivamente através da experiência de aprendizagem mediada. A
fusão com o outro e a interação crucial que se vivência no jogo são suportes fundamentais
em que uma mediatização positiva e, portanto, uma pedagogia interativa deve assentar as
suas bases. Repartir o sucesso e o êxito é uma característica da condição humana; repartir
idéias, informações e conhecimentos é um processo inerente à experiência de aprendizagem
mediada. O mediatizador (mãe, pai, professor, psicólogo, etc.) deve mostrar aos
mediatizados (criança, adolescente, cliente) que estamos orgulhosos com seus êxitos.
Transmitir ao mediatizado o sentido de compartilhar boas coisas, boas experiências e
iniciativas, é algo fundamental, porque, essencialmente, promove-se a socialização entre os
indivíduos em situação de interação.
Para assentar estes pressupostos de partilha afetivo-cognitiva, o mediatizador,
segundo Feuerstein, necessita compartilhar o entusiasmo e a curiosidade que os conteúdos
lhe despertam; encorajar os mediatizados a repartir suas experiências com os outros;
encorajar a ajuda mútua entre os mediatizados; encorajar a capacidade para escutar as
experiências cognitivas e afetivas; facilitar experiências e atividades de grupo; escolher
conteúdos que reforcem a importância de condutas de cooperação.
•= A mediação da diferenciação individual e psicológica
A individualização, o contrário do comportamento compartilhado, representa a
necessidade do indivíduo de tornar-se um ser diferenciado em relação ao “outro”, com
quem ele já compartilha. Este fenômeno também não é observado em todas as culturas.
Existem sociedades que outorgam ao indivíduo o direito de constituir-se como uma pessoa
diferente, de tal maneira que ele possa opor-se ao outro e considerá-lo como um estranho.
Qualquer imposição deste estranho a ele constitui um infringimento de seus direitos,
independentemente do outro ser o pai ou mãe ou a comunidade em geral.
56
A diferenciação individual e psicológica é, certamente, um dos atributos humanos
que a cultura ocidental mais enfatiza, mais pela falta de experiência de aprendizagem
mediada, segundo Feuerstein, do que por um ato volitivo destinado a produzir a
individuação como um fenômeno transcendente. A criança rejeitada é forçada a um estado
de independência pela configuração socioeconômica e familiar que modifica não somente a
interdependência física entre pais e filhos, como também cria uma estrutura diferente de
relacionamento emocional afetivo. Em certos casos, a independência física prematura leva
a estados de forte dependência emocional que impede qualquer verdadeiro processo de
diferenciação individual e psicológica.
A diferenciação individual e psicológica pode ser melhor desenvolvida por um
processo de mediação que é precedido e acompanhado por compartilhamento de
comportamento, de significado, de transcendência e de todo o conteúdo emocional
existente na experiência de aprendizagem mediada, evitando desta maneira os sentimentos
de rejeição e abandono.
O cenário educacional aumenta o grau de individuação do aluno até o ponto que os
parceiros da interação experimentem, cognitiva e emocionalmente, reciprocidade e
mutualidade em sua relação. Infelizmente, este nem sempre é o caso nas relações
familiares, sendo ainda mais raro em ambientes educacionais. Na maior parte dos casos, a
individualização é bloqueada pelas exigências de submissão a parceiros hierarquicamente
superiores.
Tornar o mediado consciente da legitimidade das diferenças da visão, inclinação,
desejos e maneira de ser do outro, sem necessariamente aceitar os padrões resultantes de
conduta, é uma condição necessária para um processo suave de individualização. Processos
de mediação cognitiva permitem a procura das fontes das diferenças entre indivíduos. Isso
leva a uma visão articulada de si mesmo em relação ao outro. No caso de necessidades
conflitantes, isso leva à escolha de critérios mediante os quais decisões podem ser tomadas.
A “pseudo-individualização”, que é produto de uma separação física forçada, não leva a
uma verdadeira diferenciação psicológica da personalidade. Em muitos casos, ao contrário,
ela é a origem de uma personalidade altamente egocêntrica, que não reconhece seus
próprios limites e, por isso, não se percebe como sendo uma entidade independente.
57
A mediação da diferenciação psicológica é um processo variado e complicado que
tem componentes emocionais e afetivos que atuam como facilitadores ou inibidores dos
componentes cognitivos da diferenciação individual e psicológica. Como já foi
mencionado, a mediação deste parâmetro é muito diferente em função das culturas e até das
famílias. Mais do que em qualquer outro aspecto da interação mediacional, a estrutura da
personalidade e o grau de diferenciação são fortemente afetados pelas imposições sociais.
Por exemplo, as grandes diferenças que existem geralmente entre homens e mulheres em
termos de dependência e independência estão ligadas aos papéis de gênero que a sociedade
impõe.
•= A mediação do comportamento de procura, de definição e de consecução de
objetivos
Este parâmetro desempenha um papel importante no desenvolvimento da
modificabilidade, flexibilidade e propensão a aprender do ser humano. A presença de um
objetivo no repertório mental do indivíduo é o reflexo da origem de uma maneira simbólica
de pensar. Escolher um objetivo e procurar atingi-lo requer a ampliação da esfera de
experiência de alguém através da entrada num mundo que está além da realidade sensorial
imediatamente percebida. A mediação para a criança em desenvolvimento da procura e da
escolha de um objetivo enriquece e articula sua vida. Adicionalmente, isso lhe dá um
princípio de organização e de mobilização das ferramentas necessárias para a
materialização do objetivo escolhido. Viver sem objetivo, muitas vezes, se manifesta na
necessidade de satisfação imediata e na incapacidade de postergar um comportamento
impulsivo em lugar de um objetivo mais afastado que deveria ter uma maior prioridade.
Escolher um entre vários objetivos e planejar como atingi-lo requer uma
sensibilidade a respeito de valores culturais de um grupo e também a respeito da capacidade
de cada um de seus membros. A necessidade de enxergar o ambiente como uma entidade
previsível, que permite a alguém planejar sua conduta oferece um certo grau de segurança
que garante que tais planos possam, de fato, serem executados, também é importante.
58
•= A mediação do desafio: a procura por novidade e complexidade
A mediação do comportamento desafiador deve ser o objetivo da educação em
geral, e do seu enriquecimento em particular, de acordo com Feuerstein, em todos os
programas que visam a preparar o indivíduo a adaptar-se à novidade e à complexidade de
nosso mundo. A revolução da informação pela qual o mundo passa requer do indivíduo,
muitas vezes despreparado, uma disposição para administrar uma tarefa complexa à qual
ele nunca tinha sido exposto anteriormente. A disposição para aprender e a propensão de
passar do estágio do conhecido para o desconhecido é uma necessidade vital no mundo em
mudança. A adaptação a mudanças por meio da autoplasticidade14 é provavelmente a
maneira mais efetiva de enfrentar as mudanças e requer, portanto, mudanças no nosso
repertório de estrutura cognitiva de respostas e seu uso adequado. A propensão a
confrontar-se com uma novidade e uma complexidade desafiadoras, em vez de desistir, é
vital para nossa adaptação e a interação da mediação desenvolve um papel importante na
sua concretização.
•= Mediação da conscientização do ser humano como sendo uma entidade em
mudança
Este parâmetro é o ato volitivo menos comum desenvolvido pelos mediadores. No
entanto, muitas culturas estabeleceram uma maneira institucional de passar ao indivíduo o
processo de mudança como sendo uma função do seu crescimento etário e as mudanças
decorrentes em seus papéis sociais.
A idéia de que o indivíduo é uma “existência modificável”, independentemente de
desenvolvimentos determinados biológicamente, e que estas mudanças não são apenas o
desenvolvimento previsível de características que existem “potencialmente” no indivíduo
não é uma visão encontrada em muitas culturas. Existem visões bastante paradoxais e
opostas numa mesma cultura e até no mesmo indivíduo no tocante a considerar o ser
humano como sendo uma entidade em mudança e modificável. De um lado encontramos
expressões de estabilidade, fixidade e um alto grau de desenvolvimento previsível. Tal
14
Capacidade da pessoa de modificar suas necessidades para acomodar-se (no sentido piagetiano) a uma
situação. Automodificação. É a adaptação e transformação das funções cognitivas para alcançar êxito
59
atitude deixa pouco espaço para que o indivíduo mude. O pessimismo educacional que daí
decorre pode ser observado em todos os setores da vida na diferenciação da escolha de
objetivos e dos meios empregados para atingi-los nos campos da educação, do emprego, da
reabilitação. Por outro lado, há também uma visão contrária que presume que o ser humano
seja acessível a mudanças extremas e radicais em todos os sentidos possíveis: competência,
habilidades, julgamentos morais, emoções a afetividade. A crença de que a inteligência seja
modificável, como propõe Feuerstein, é provavelmente a menos aceita, mesmo por aqueles
que aderem à visão da modificabilidade em outros campos do crescimento humano.
A natureza da visão da qual alguém compartilha, determina geralmente, o grau de
atividade que ele emprega no sentido de modificar o indivíduo. A visão da aceitação
passiva decorre claramente de um pré-determinismo que considera a mudança como muito
improvável, independentemente das condições de vida ou da natureza do investimento
educacional. Os aspectos intelectivo e afetivo-emocional da personalidade são vistos como
não afetados pelo investimento em mediação ou em desenvolvimento. Um procedimento
ativo que vise determinar a conduta ou as características do indivíduo não é recomendado.
Ou o indivíduo demonstra sinais de bom desenvolvimento, e consequentemente não requer
nenhum desenvolvimento, ou ele demonstra sinais de um desenvolvimento inadequado para
o qual o investimento não será de nenhuma ajuda.
A crença na modificabilidade pode tornar-se um poderoso determinante de mudança
no indivíduo, mobilizando suas atividades intencionais e volitivas, tendo como primeiro
objetivo manter-se afastado de mudanças para pior - deterioração intelectual, afetiva e
moral - ou ajudá-lo a reestruturar sua reabilitação e seu re-desenvolvimento de uma
maneira ativa, quando necessário.
Mediar para o indivíduo e para a sociedade os fenômenos de modificabilidade como
sendo uma característica única do ser humano pode tornar-se uma fonte de potencialização
dos fatores ambientais que ativa seus agentes e o próprio indivíduo no sentido de aumentar
e preservar seu comportamento adaptativo mediante o aumento de sua autoplasticidade e
flexibilidade junto com a preservação de sua identidade. Além disso, o conceito de
modificabilidade e de mediação pode incentivar os educadores a procurar por sinais de
mudança como uma maneira de avaliar o indivíduo e de emitir um prognóstico mais
60
dinâmico no sentido de levar em consideração essas mudanças em vez de basear-se no grau
de funcionamento prévio como sendo a manifestação do funcionamento futuro.
Esta descrição dos critérios de mediação, apontadas por Feuerstein (1991), tem
como objetivo dar uma visão geral dos componentes que determinam a qualidade da
interação humana e dos efeitos que esta qualidade tem na condição cognitiva e afetiva do
indivíduo. A experiência de aprendizagem mediada sensibiliza a pessoa em relação aos
significados de uma exposição direta e contínua a estímulos e eventos, permitindo ao
indivíduo que ele reaja pela modificação de si mesmo.
2.4 Operações Mentais e Funções Cognitivas
As funções15 cognitivas são as estruturas básicas que servem de suporte a todas as
operações mentais. São componentes básicos para a atividade intelectual. São capacidades
que nos permitem perceber, elaborar e expressar informações. Sua origem está nas
conexões cerebrais. As funções são o esqueleto do pensamento e vão se estruturando,
adaptando e acomodando nos diferentes modos de interação com o ambiente. As operações
são condutas interiorizadas ou exteriorizadas (um modelo de ação ou um processo de
comportamento), pelas quais a pessoa elabora os estímulos. Elas são o resultado de
combinar nossas capacidades, conforme as necessidades que experimentamos, em uma
determinada orientação.
Feuerstein dedica seu trabalho ao estudo e à compreensão dos impedimentos no
desenvolvimento cognitivo, o que inclui tanto as crianças com dificuldades escolares como
as portadoras de deficiência mental. Portanto, é de se esperar que sua abordagem se volte
para a consideração das patologias do desenvolvimento e, portanto, considere em detalhes
as características do funcionamento mental correspondente, surgindo, assim, o conceito de
funções cognitivas deficientes. O termo deficiente não pretende de forma alguma transmitir
15
O termo é empregado para se referir às características da ação cognitiva da criança quando tenta resolver
problemas. É a conjugação adequada das várias funções que vai possibilitar à criança o uso do pensamento
operatório ou daquilo que Vygotski chama de funções superiores do pensamento.
61
uma noção de rigidez das estruturas ou acentuar a gravidade do distúrbio. Ele é empregado
muito mais para conotar que algo não vai bem nos processos cognitivos da criança ou
adolescente. O objetivo é o de facilitar o trabalho de diagnóstico e de intervenção (Gomes,
2002).
É importante entender as características das funções cognitivas deficientes por dois
motivos: em primeiro lugar, porque se pode avaliar mais adequadamente o motivo do baixo
nível de rendimento do indivíduo, e, em segundo lugar, porque o Programa de
Enriquecimento Instrumental (PEI) objetiva corrigir tais funções. Portanto, Feuerstein
(1980) atribui o surgimento das denominadas funções cognitivas deficientes à ausência ou
insuficiência das experiências de aprendizagem mediada: “As funções deficientes (...) são
concebidas como sendo um produto da ausência ou insuficiência da experiência de
aprendizagem mediada e são responsáveis e se refletem na performance cognitiva atrasada”
(p. 71).
Feuerstein entende que os processos de pensamento ocorrem em três momentos: (1)
a consideração inicial dos dados apresentados ao sujeito, fase de assimilação, fase de input
ou fase de entrada; (2) 0s processos de análise, fase de elaboração e; (3) fase de elaboração
da resposta, fase de output ou de saída.
Na fase de assimilação, os estímulos nossa volta são captados por nossos sentidos: a
visão, o olfato, o tato, a audição, o paladar, o sentido cinestésico. Qualquer dificuldade
experimentada nesse estágio afetará a maneira como a tarefa será tratada na fase da
elaboração e como o resultado será expressado. Analisaremos a seguir a funções cognitivas
utilizadas em cada uma das fases, ressaltando que o material apresentado é uma adaptação
do Programa de Enriquecimento Instrumental das Habilidades Mentais de Feuerstein,
realizada pelo Programa de Pesquisa Cognitivo que foi estabelecido na Divisão de
Educação Especializada da Universidade de Witwatersrand, África do Sul (MENTIS,
1997).
Funções cognitivas utilizadas na fase de assimilação:
62
PERCEPÇÃO
Clara
Uma percepção clara tem a ver com a capacidade
de:
• prestar atenção pelo tempo necessário para
perceber detalhes relevantes com clareza;
• diferenciar detalhes relevantes ou essenciais de
detalhes irrelevantes ou estranhos;
• definir e descrever os atributos de um objeto
ou problema;
• aplicar a experiência anterior para analisar
informações novas de forma significativa;
• perceber todos os aspectos de um problema de
forma global, isto é, integrar todas as suas
partes;
• investir tempo e atenção adequada aos
detalhes, dependendo da complexidade e
novidade da tarefa.
Confusa e Superficial
Percepção confusa e superficial pode ser
identificada pelo seguinte:
• atenção insuficiente para forma, tamanho e
espaço;
• má discriminação de letras, confunde “e” com
“c”, confunde os sons de “s” e “z”;
• inabilidade para selecionar detalhes relevantes
(isto é, presta atenção ao barulho de um carro
passando em vez de prestar atenção à voz do
professor, ou não consegue focar um item
visual específico numa gravura.
EXPLORAÇÃO DE UMA SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM
Sistemática
Impulsiva
A exploração sistemática de uma situação de O aluno que experimenta dificuldades com esta
aprendizagem se refere à capacidade de:
função cognitiva poderá manifestar impulsividade
das seguintes maneiras:
• abordar uma tarefa orientada pelo objetivo;
• partir logo para fazer a tarefa, de maneira
precipitada e desorganizada, sem atenção
• usar o tempo suficiente para reunir e avaliar
adequada ao que é necessário ou sem adotar
todas as informações necessárias para definir
uma abordagem metódica;
um problema;
• pensar em uma tarefa de forma organizada e • adotar estratégias pobres de investigação e não
visualizar a necessidade de reunir e integrar
sistemática;
todas as informações necessárias para resolver
• controlar a velocidade e a precisão ao
um problema;
solucionar um problema.
• falta de autocontrole e dificuldade em ajustar a
velocidade e a precisão necessárias para uma
tarefa particular.
CONCEITOS E INSTRUMENTOS VERBAIS RECEPTIVOS
Precisos
Os instrumentos receptivos precisos se relacionam
com a capacidade de:
• compreender conceitos e palavras correlatas a
fim de interpretar as informações coletadas;
• usar a linguagem como um instrumento para
Deficientes
O aluno que tem instrumentos e conceitos verbais
deficientes pode:
• ouvir e interpretar a língua falada com
imprecisão, mesmo tendo audição normal;
• interpretar instruções e perguntas de forma
63
receber informação;
equivocada;
• usar a linguagem como um sistema de • ter uma deficiência de compreensão que
racionalização e de comunicação em interações
prejudicará a interpretação da linguagem
sociais;
usada.
• ouvir e interpretar (processar) a linguagem, o
que requer um conhecimento de vocabulário e
de estruturação de frases, de significado, de
contextos sociais e culturais
COMPREENSÃO DE CONCEITOS ESPACIAIS
Bem desenvolvida
Uma compreensão bem desenvolvida de conceitos
espaciais está relacionada com a capacidade de:
• compreender como os objetos ou pessoas
estão fisicamente posicionados no espaço;
• localizar-se com precisão em relação a outras
pessoas ou a objetos (isto é, formular um
sistema de referência pessoal);
• avaliar as relações entre objetos e pessoas;
• dar nomes que descrevem posições no espaço
(esquerda, direita, abaixo, acima)
Deficiente
O aluno que tem uma deficiência de compreensão
de conceitos espaciais pode:
possuir
nomes
para
descrever
• não
adequadamente posições e relações entre
objetos;
• não ter estabelecido um sistema pessoal de
referências espaciais;
• ter dificuldade em aceitar a relatividade do
espaço pessoal;
• ser incapaz de planejar o uso do espaço
eficiente e adequadamente;
• necessitar mostrar fisicamente e apontar, em
vez de descrever um conjunto de direções;
• ter dificuldade de coordenação de partes do
corpo no espaço;
• ter dificuldade de se localizar mentalmente no
espaço.
COMPREENSÃO DE CONCEITOS TEMPORAIS
Bem desenvolvida
Uma compreensão bem desenvolvida de conceitos
temporais está relacionada com a capacidade de:
• compreender a seqüência e a ordem dos
eventos (isto é, lembrar uma série de eventos
na ordem cronológica correta);
• compreender como unidades de tempo são
organizadas e somadas (isto é, horas, dias,
semanas, meses e anos);
• fazer comparações espontâneas de conceitos de
tempo, a fim de obter significado (isto é, antes
no lugar de depois);
• compreender como o passado influenciou o
Não possui ou é deficiente
O aluno que tem uma deficiência de compreensão
de conceitos temporais pode:
• não
compreender
ou
não
planejar
cronogramas;
• não seguir programas (isto é, ficar pronto
muito cedo ou atrasado);
• perceber eventos fora do contexto (isto é, não
ser capaz de estabelecer relações entre os
eventos);
• não compreender o resultado de ações ou
eventos, consequentemente, manifestando
comportamento problemático;
64
presente e como as ações no presente terão • não ser capaz de retardar a gratificação,
conseqüências no futuro (isto é, causa e efeito);
esperando recompensa (ou punição) imediata
• fazer uso de experiências do passado ou de
por seus atos;
previsões futuras, a fim de controlar o • sentir-se confuso porque está desorientado no
comportamento e organizar o tempo
tempo;
efetivamente.
• não exibir comportamento exploratório
sistemático (isto é, refazer os passos a fim de
encontrar algo perdido).
CAPACIDADE DE CONSERVAR CONSTÂNCIA
Bem desenvolvida
Uma habilidade bem desenvolvida para conservar
constâncias implica a capacidade do aluno para:
• perceber que a propriedade essencial de um
evento ou objeto permanece a mesma apesar
de alterações nas dimensões periféricas ou na
orientação;
• identificar um objeto mesmo que haja variação
em seus atributos ou mudança de aparência
(isto é, uma pessoa permanece a mesma,
apesar de variações no vestuário e de suas
expressões);
• compreender que variações são produzidas por
uma transformação na apresentação, que pode
ser revertida e que a identidade do objeto
permanece a mesma, sendo indiferente que
esteja enrolada como uma bola ou como uma
salsicha (a quantidade permanece, a forma
muda).
Deficiente
O aluno que tem uma deficiência de capacidade
de conservar constâncias pode:
• não compreender a conservação e a
reversibilidade dos números (isto é, não
consegue ver que 3+2=5 é o mesmo que
2+3=5);
• ter uma tendência a focar apenas na aparência
imediata de um objeto, sem formar relações
(apreensão episódica da realidade) ou
generalizar para o abstrato (isto é, um copo
visto do topo se parece com um círculo,
enquanto ao lado se parece com um cilindro);
• ter dificuldade de perceber similaridades e
diferenças no nível perceptual (isto é, um
quadrado colocado em ângulo poderia ser
confundido com um diamante) ou no nível
conceitual (isto é, um pastor alemão e um fila
poderiam não ser considerados cães);
• não ser capaz de identificar quais
características relevantes são conservadas (por
exemplo, um quilo de chumbo é mais pesado
do que um quilo de algodão?).
COLETA DE DADOS
Precisa
A necessidade de coletar dados de maneira precisa
e acurada tem a ver com a necessidade de:
• desenvolver uma necessidade intrínseca de ser
preciso na coleta de informações;
• selecionar somente o que for relevante para o
processo preciso (apropriado ou correto) de um
problema, uma vez que a necessidade tenha
sido desenvolvida;
Deficiente
O aluno que apresenta coleta de dados insuficiente
pode:
• não compreender a importância de ser preciso
quando coleta dados;
• tender a produzir um trabalho no qual os dados
não são precisos (claramente estabelecidos ou
detalhados) nem apropriados ou corretos;
• apresentar um trabalho incompleto, muito
65
detalhado, sem forma lógica ou faltando
• usar vocabulário preciso (claro e detalhado)
pontos importantes;
para assegurar uma “captura” econômica e
eficiente de informação.
• ser incapaz de avaliar se estão faltando dados
ou se eles estão distorcidos;
• depender de recursos e instruções específicas
do professor e ser incapaz de usar a informação
que já possui ou sua experiência anterior;
• não ter habilidade para pesquisar e extrair
informações de várias fontes, mesmo quando a
necessidade já foi desenvolvida.
CONSIDERAR MAIS DE UMA FONTE DE INFORMAÇÕES
Capacidade bem desenvolvida
A capacidade bem desenvolvida de considerar
mais de uma fonte de informação se refere à
habilidade de:
• pensar em duas ou mais fontes de informação
ao mesmo tempo (por exemplo, considerar a
cor, a forma e o tamanho ao montar um
quebra-cabeça);
• coletar dados de várias fontes (por exemplo,
consultar o professor, especialistas e a
biblioteca para fazer um trabalho de história);
• perceber um conceito sob diferentes pontos de
vista;
• examinar mais de um aspecto de uma situação,
a fim de perceber relações, conexões ou elos
entre eles;
• usar dois elementos como fontes de dados para
comparação quando um problema for
confrontado (por exemplo, considerar a
nutrição e a disponibilidade de ingredientes
quando planejar uma refeição.
Capacidade deficiente
O aluno que apresenta capacidade deficiente para
usar mais de uma fonte de informação pode:
• tender a centralizar-se ou levar em conta
somente uma entre várias dimensões ou
alternativas;
• considerar apenas algumas das informações
necessárias para completar um trabalho ou para
resolver um problema;
• ser incapaz de lembrar todos os fatos
necessários para completar uma tarefa;
• recuperar peças desconexas de informação e
ser incapaz de colocá-las juntas para formar
um todo significativo;
• apresentar comportamento egocêntrico (isto é,
ver a coisa somente do seu ponto de vista e ter
dificuldade
para
acomodar
opiniões
diferentes).
A fase de elaboração é a segunda etapa do processo de pensamento. Na fase de
elaboração, a informação coletada é processada. Este é o estágio no qual o trabalho é
realizado, a tarefa é executada e os problemas são resolvidos. Por exemplo, as informações
que chegam à fase de assimilação são classificadas, organizadas, analisadas e testadas, a
fim de se chegar a uma resposta ou produto que possam ser expressos na fase de saída. Um
66
aluno com dificuldades na fase de elaboração pode ser incapaz de ver quando existe um
problema e pode falhar no uso de dados relevantes para resolvê-lo. O aluno não comparará
os objetos, adicionará itens ou usará o que já aprendeu antes para fazer associações com a
nova informação. Ele pode não ter habilidade ou necessidade de dar um motivo lógico para
seu ponto de vista ou de pensar hipoteticamente. Esse tipo de aluno não formulará hipóteses
espontaneamente nem as testará. Pode ser desorganizado ou incapaz de expandir ou de
elaborar uma idéia. Essencialmente, um aluno com dificuldades na fase de elaboração
percebe as coisas de maneira separada e isolada, falhando em fazer associações entre
objetos e eventos. Analisaremos a seguir as funções cognitivas utilizadas na fase de
elaboração.
DEFINIÇÃO DO PROBLEMA
Precisa
Uma definição precisa de um problema se refere à
habilidade de:
• sentir que algo está errado e que necessita de
atenção;
• identificar a fonte ou discrepância que criou o
problema (isto é, reconhecer e estabelecer
claramente a causa e a natureza do problema);
• estabelecer todos os fatores que influenciam o
problema e identificar aqueles que são
incompatíveis.
Imprecisa
O aluno que define um problema de forma
imprecisa pode:
• ser incapaz de ver incompatibilidade entre
fontes de informação (isto é, pode não
reconhecer que o problema existe);
• é inábil na coleta de dados e incapaz de fazer
associação entre as coisas e pensar
reflexivamente;
• demonstrar falta de idéias quando avalia uma
situação;
• ser insensível ou não ter curiosidade em
relação a problemas;
• ter dificuldade para decidir sobre um curso de
ação em resposta a uma situação.
SELEÇÃO DE DADOS RELEVANTES
Habilidade para
Habilidade Deficiente para
A habilidade para selecionar dados relevantes O aluno que tem uma habilidade deficiente para
implica o aluno ser capaz de:
selecionar dados relevantes pode apresentar
dificuldade de:
67
• escolher e usar a informação apropriada e
correta para resolver um problema;
• definir o objetivo e selecionar entre vários
dados só aqueles que são especificamente
relevantes para satisfazer o objetivo em
particular;
• decidir quais aspectos serão úteis numa
situação em particular;
• visualizar todas as opções objetivamente, para
diferenciar as informações que estão
apropriadas e relevantes das que não são.
• encontrar as idéias principais de um texto;
• extrair a moral de uma história;
• identificar a idéia central de uma
argumentação, discussão ou debate;
• encontrar os pontos de sustentação de uma
argumentação;
• resolver problemas que requeiram a
discriminação e a eliminação de alternativas
irrelevantes (por exemplo, questões de múltipla
escolha, problemas de linguagem).
ADOÇÃO DE COMPORTAMENTO COMPARATIVO ESPONTÂNEO
Habilidade para
A habilidade de adotar comportamento
comparativo espontâneo implica que o aluno
possa:
• sair da posição de simplesmente reconhecer
objetivos e eventos para estabelecer relações
entre eles;
• fazer comparações automáticas ao executar
tarefas ou resolver problemas;
• pesquisar espontaneamente similaridades e
diferenças entre itens;
• organizar e integrar unidades discretas de
informação em sistemas significativos que são
inter-relacionados;
• usar e modificar os critérios de comparação de
maneira dinâmica para se ajustar ao problema.
Inabilidade para
O aluno que é incapaz de adotar comportamento
comparativo espontâneo pode:
• ter uma “apreensão episódica da realidade”, na
qual os itens são vistos separadamente e como
se não tivessem relação uns com os outros;
• ter dificuldade em comparar dois itens (isto é,
descreverá um ou outro individualmente, sem
mencionar a conexão entre eles);
• ter dificuldades em usar adjetivos como
“similar”, “igual”, “diferente” no discurso
espontâneo);
• ter dificuldade em tomar decisões que
envolvam a habilidade subjacente de
comparação (isto é, usar critérios relevantes
para identificar similaridades e diferenças entre
itens);
• fazer generalizações superficiais e apressadas
sobre pessoas e eventos, sem estar atento a
diferenças individuais.
CAMPO MENTAL
Amplo e profundo
Estreito e limitado
Um campo mental amplo e profundo se refere à O aluno que possui um campo mental estreito e
capacidade de:
limitado pode:
• reter um número de unidades de informação a • ficar relutante em tentar guardar fatos na
68
fim de manipulá-las mentalmente;
memória (isto é, não assumir responsabilidade
para integrar e armazenar informações
• focar, reter e usar duas ou mais fontes de
ativamente);
informação simultaneamente;
• lembrar
de
informações
que
foram • não conseguir se lembrar de coisas há pouco
memorizadas (isto é, dificuldade de se lembrar
previamente armazenadas;
de informações armazenadas recentemente);
• lembrar de informações relevantes de
• não conseguir se lembrar de coisas
experiências passadas;
memorizadas há muito tempo (isto é, ter
• coordenar informações a partir de uma ampla
dificuldade de recuperar informações que
variedade de fontes.
foram armazenadas há muito tempo);
• lembrar-se de fatos episodicamente (isto é,
lembrar-se num dia e no outro, não);
• ter dificuldade de coordenar fatos de mais de
uma fonte de informação (isto é, ser incapaz de
associar informações a fim de torná-las
significativas).
COMPORTAMENTO SOMATIVO ESPONTÂNEO
Necessidade de
A necessidade de comportamento somativo
espontâneo se refere à capacidade de:
• se preocupar em saber a quantidade das coisas
a nossa volta;
• somar números, objetos e eventos com um
objetivo claro em mente;
• organizar a interação com o estímulo, no
objetivo de agrupar, somar e tirar conclusões
sobre dados;
• quantificar eventos, idéias e materiais para
comparar, avaliar e colocá-los em perspectiva;
• extrair o conceito subjacente de um sumário de
informações.
Necessidade deficiente de
O aluno que tem uma necessidade deficiente de
comportamento somativo espontâneo pode:
• não perceber que é necessário quantificar
qualquer coisa (por exemplo, responder a
pergunta “Quanto?” com: “Eu não sei...
muitos!”);
• relacionar dados sem a necessidade de
estabelecer relações significativas ou assimilálos num esquema apropriado;
• contar e somar de modo automático sem uma
verdadeira compreensão dos conceitos
numéricos subjacentes;
• ser incapaz de aplicar conceitos devido a uma
inabilidade de sumariar dados.
PROJETAR RELAÇÕES VIRTUAIS
Habilidade para
Inabilidade para
A habilidade para projetar relações virtuais O aluno que tem uma inabilidade para projetar
implica o aluno ser capaz de:
relações virtuais pode:
• estabelecer
relações
entre
eventos • ser incapaz de aplicar um conceito aprendido
aparentemente isolados, o que envolve: em uma área a outra matéria diferente (por
69
aplicar regras e conceitos previamente
exemplo, não perceber que somar maçãs é o
mesmo que somar bananas);
aprendidos a situações novas; - reestruturar
relações para fazer associações novas e • prender-se a uma relação fixa mesmo quando o
significativas;
estímulo demande alteração na relação (por
• unir habilidade de pensamento para estabelecer
exemplo, aplicar o teorema aprendido para um
relações em várias situações que existam
triângulo a um quadrado no qual os lados e
“virtualmente” ou “potencialmente”;
ângulos foram alterados).
• reconhecer uma modificação na relação
quando um ou mais estímulos são alterados;
• reestruturar as conexões existentes entre
objetos ou eventos a fim de resolver novos.
EVIDÊNCIA LÓGICA
Necessidade de
A necessidade de evidência lógica se refere à
habilidade para:
• internalizar o desejo de desafiar e questionar o
jeito de ser das coisas;
• buscar evidência para suportar ou confirmar a
validade de afirmativas, fatos ou eventos;
• buscar consistência lógica para descobrir ou
resolver uma contradição;
• gerar questionamentos, buscar respostas e
apresentar explicações;
• buscar ativamente uma solução, uma vez
defrontado com um problema (quando o
desequilíbrio é experimentado);
• desejar automaticamente isolar a inconsistência
numa seqüência de eventos.
Falta necessidade de
O aluno que demonstra falta de necessidade de
evidência lógica pode:
• não ser capaz de sustentar julgamentos,
respostas ou afirmações com explicações
adequadas;
• demonstrar uma atitude de aceitação passiva
quando confrontado com problemas;
• não buscar ativamente uma solução quando a
existência de um problema é evidente;
• ser capaz de demonstrar alguma compreensão
lógica, mas falhar em aplicar lógica para
encontrar soluções.
• permanecer inconsistente na formulação de
opiniões;
• responder a situações prematura ou
irracionalmente,
• ser facilmente persuadido a adotar soluções
dos outros sem pensar nelas.
INTERNALIZAÇÃO DE EVENTOS
Habilidade para
A habilidade para internalizar eventos implica o
aluno poder:
• assimilar e acomodar informações para fazer
generalizações;
• pensar abstratamente (sem o uso de ajuda
concreta), isto é, usar representações como
sinais, símbolos e conceitos para processar
Inabilidade para
O aluno que experimenta inabilidade para
internalizar eventos pode:
• depender demasiadamente de auxílios
concretos sensoriais (por exemplo, usar blocos
e os dedos para contar);
• ser incapaz de reter ou usar várias fontes de
informação;
70
dados;
• ser
incapaz
de
resolver
problemas
• manipular mentalmente informações e
mentalmente;
conceitos
que
foram
armazenados • mostrar má formação conceitual espontânea
(internalizados);
(isto é, ter dificuldade para formular
• usar informações armazenadas para resolver
conclusões);
problemas.
• ser incapaz de associar eventos presentes com
eventos do passado e do futuro (isto é,
localizados aqui e agora);
• ter dificuldade para executar tarefas baseadas
em processos internalizados previamente por
exemplo, conhecer multiplicação com dígitos
múltiplos.
PENSAMENTO HIPOTÉTICO-INFERENCIAL
Habilidade para usar
O pensamento hipotético-inferencial se refere à
habilidade para:
• fazer generalizações e inferências válidas,
baseadas em várias experiências;
• gerar várias teorias possíveis, baseadas na
evidência, que serão testadas num estágio
posterior;
• tirar uma conclusão a partir de vários exemplos
similares (por exemplo, “Se o fogo queima a
madeira, então minha mão provavelmente
também se queimará quando a colocar no
fogo”.).
Uso restrito do
O aluno que experimenta uma utilização restrita
de pensamento hipotético-inferencial pode:
• ser incapaz de associar eventos ou ver
similaridades entre coisas, a fim de fazer
generalizações e inferências;
• visualizar o mundo de forma desconexa e ter
dificuldade para tirar conclusões;
• não “perceber” alternativas, ou explorar outras
possibilidades para explicar fenômenos;
• não procurar evidências para criar uma
hipótese.
ESTRATÉGIAS PARA TESTE DE HIPÓTESES
Habilidade para usar
Habilidade deficiente para usar
A habilidade para usar estratégias de teste de O aluno que experimenta uma habilidade
deficiente para usar estratégias para teste de
hipóteses implica o aluno ser capaz de:
hipótese pode:
• definir um método adequado para avaliar uma • ser incapaz de definir ou selecionar o método
mais apropriado para testar uma hipótese em
hipótese em particular (por exemplo, pesquisa,
particular (por exemplo, confiar em
experimentação, experiência prática);
adivinhações ou estimativas em vez de
• analisar e avaliar a validade do processo usado
evidências empíricas);
na formulação de uma hipótese (por exemplo,
verificar se informações estranhas não foram • usar abordagens ineficientes ou não
sistemáticas para testar hipóteses alternativas
incluídas);
(por exemplo, caminhar uma pequena distância
• comparar e contrastar todas as teorias possíveis
para confirmar a rota mais curta prevista, em
e identificar qual hipótese é mais apropriada
vez de usar um mapa);
numa dada situação;
71
numa dada situação;
• ser incapaz de fazer escolhas adequadas porque
• examinar sistematicamente várias hipóteses
as hipóteses alternativas não foram testadas
alternativas e, por processo de eliminação,
com sucesso (por exemplo, ter dificuldade em
selecionar as opções mais viáveis.
responder testes de múltipla escolha e ser
impulsivo na seleção da resposta mais válida).
COMPORTAMENTO DE PLANEJAMENTO
Necessidade de
A necessidade de comportamento de planejamento
se refere à habilidade para:
• ver o valor de estabelecer objetivos de curto e
longo prazo;
• projetar-se
no
futuro
para
planejar
antecipadamente;
• formular objetivos e estabelecer como eles
podem ser obtidos;
• construir e seguir um plano a fim de alcançar
objetivos e resolver problemas;
• identificar os passos específicos envolvidos na
execução de um plano;
• compreender a importância de trabalhar
sistematicamente e de forma lógica quando
executar um plano;
• modificar os cursos de ação em termos de
economia e eficiência.
Falta de
O aluno que experimenta falta de comportamento
de planejamento pode:
• ser incapaz de postergar a gratificação, a fim
de planejar e investir a longo prazo;
• atirar-se numa situação impulsivamente, sem
planejamento;
• não ver a necessidade de planejar, mas viver o
aqui e o agora, resolvendo apenas os
problemas imediatos;
• não conhecer técnicas e processos envolvidos
no estabelecimento, pesquisa e obtenção de
objetivos;
• ser incapaz de explicitar os passos envolvidos
na solução de um problema;
• ter de se esforçar para seguir um plano.
ELABORAÇÃO DE CATEGORIAS COGNITIVAS
Adequada
A elaboração adequada de categorias cognitivas se
refere à capacidade para:
• movimentar-se de um exemplo concreto para
uma compreensão abstrata, usando a
linguagem como instrumento;
• ligar um rótulo verbal a seu conceito
subjacente (por exemplo, explorar o
significado
de
uma
palavra
como
“consciência’);
• . descobrir e verbalizar conceitos subjacentes;
• “pensar alto” enquanto trabalha numa
atividade;
• demonstrar verbalmente como dados coletados
podem ser organizados em categorias
relevantes.
Deficiente
O aluno que experimenta uma elaboração
deficiente de categorias cognitivas pode:
• não saber o nome correto de um objeto em
particular,
seqüenciar,
relacionar
ou
conceituar;
• ter dificuldade de se deslocar de uma tarefa
concreta para o princípio abstrato subjacente;
• ser incapaz de se expressar ou de pensar sobre
sua abordagem de execução da tarefa;
• ter dificuldade de explicar conceitos em grande
profundidade devido a vocabulário expressivo
ou receptivo limitado;
• ser incapaz de generalizar uma habilidade
cognitiva para tarefas similares.
72
APREENSÃO DA REALIDADE
Significativa
A apreensão significativa da realidade se refere à
capacidade de:
• associar informações num todo significativo e
compreensivo,
buscando
ativamente
relacionamentos de itens e eventos (por
exemplo, organizando, ordenando, somando,
comparando, etc.);
• antecipar e prever conseqüências, estabelecer
relações de causa e efeito e ver as implicações
de uma ação;
• internalizar a necessidade de adotar uma
abordagem ativa em relação a informação
(fazer conexões significativas), pois a
passividade pode ser considerada a causa
central da apreensão episódica da realidade;
• controlar a impulsividade para reagir,
consequentemente se dando tempo para chegar
a uma compreensão razoável do problema.
Episódica
O aluno que apresenta uma apreensão episódica
da realidade pode:
• ver o mundo como uma série de eventos
desconectados e separados que têm pouca
relação uns com os outros;
• ter necessidade de voltar a experiências
concretas;
• ter dificuldade para ligar causa e efeito ou para
ver as conseqüências das ações;
• ter dificuldade para colocar um evento numa
categoria, porque cada um é vivenciado
diferentemente e as similaridades com outros
não são percebidas;
• ter dificuldade com a formulação de conceitos,
raciocínio abstrato e integração de material
novo.
A fase de resposta é o terceiro passo no processo de pensamento. Neste ponto, a
informação que foi coletada na fase de assimilação e processada na fase de elaboração, é
comunicada como uma solução ou produto. A qualidade de certas funções de resposta
variará conforme precisão e o sucesso da elaboração. Similarmente, o tipo de resposta pode
afetar futuras coletas de dados e a solução de problemas. Por exemplo, um aluno com
dificuldades na fase de resposta pode ver as coisas apenas do seu ponto de vista. Faz
adivinhações aleatórias para dar respostas ou se frustra e desiste. O aluno com linguagem
expressiva deficiente pode ter dificuldade para comunicar uma resposta, ou pode ficar
descuidado e impreciso. O aluno poderia sentir dificuldades para reter uma imagem
mentalmente ou se apressar a dar uma resposta sem primeiro fazer uma consideração
cuidadosa. Analisaremos a seguir alguma funções cognitivas referentes à fase de resposta.
73
MODALIDADES DE COMUNICAÇÃO
Madura
A comunicação madura se refere à capacidade
para:
• comunicar de forma flexível e enfática (isto é,
ser capaz de ver as coisas a partir do ponto de
vista dos outros);
• entender que os outros intuitivamente não
sabem o que está sendo pensado;
consequentemente,
busca
desenvolver
habilidades necessárias para a comunicação
interpessoal efetiva;
• desejar apresentar argumentos sólidos,
detalhados e precisos em resposta a questões
ou perguntas;
• ouvir e levar em consideração a perspectiva
dos outros.
Egocêntrica
O aluno que apresenta comunicação egocêntrica
pode:
• relacionar-se com o mundo somente a partir do
próprio ponto de vista (por exemplo, não
conseguir acomodar opiniões ou abordagens
que difiram da suas próprias; interromper os
outros que estão tentando explicar o ponto em
questão);
• acreditar que os outros pensam da mesma
forma que ele, consequentemente tendo
dificuldade na elaboração, expansão ou para
dar os motivos de sua resposta;
• ser insensível a questões sociais e, como
resultado, responder inapropriadamente.
EXPRESSÃO DE RESPOSTA I
Participativa
A expressão participativa de respostas se refere à
habilidade para:
• tentar novamente, apesar da falha anterior;
• perseverar nas dificuldades ou tarefas não
familiares;
• iniciar uma abordagem ou estratégia diferente
quando o método utilizado foi mal sucedido;
• mostrar interesse na solução de problemas;
• desenvolver autoconfiança e autoconceito
positivos ao se defrontar com uma tarefa ou
atividade que seja mais desafiadora.
Bloqueada
O aluno que experimenta uma expressão
bloqueada de respostas apresenta:
• falta de confiança quando defrontado com
desafios;
• baixa motivação para tentar uma tarefa nova
ou difícil;
• falta de perseverança para completar uma
tarefa (por exemplo, desiste fácil e
rapidamente);
• relutância em tentar novamente ou em tentar
de forma diferente quando não se sai bem em
uma tarefa;
• reações emocionais (por exemplo, rasga o
livro, sai correndo, se recusa a responder,
chora, etc.).
EXPRESSÃO DE RESPOSTAS II
Elaborada
Tentativa e erro
O aluno que apresenta uma resposta elaborada é O aluno que dá respostas por tentativa e erro pode:
capaz de:
• adivinhar
as
respostas
aleatória
e
e
comunicar
problemas
impulsivamente;
• resolver
sistematicamente;
• não pensar à frente ou não planejar uma
74
estratégia;
• trabalhar um problema de forma lógica e
racional;
• tender à repetição dos erros e não a aprender
com os próprios erros;
• colocar ordem naquilo que à primeira vista
parece uma profusão de partes de informação; • aprender pouco a partir de ambientes de
aprendizagem não estruturados;
• estabelecer um objetivo e traçar uma estratégia
• ter dificuldade para definir e manter seu
para alcançá-lo.
objetivo em mente ou para mudar estratégias
repetidamente;
• comunicar dados de maneira não planejada ou
aleatória até que, por sorte, encontre uma
solução.
INSTRUMENTOS VERBAIS EXPRESSIVOS
Adequados
Instrumentos verbais expressivos adequados se
referem à habilidade para:
• comunicar verbalmente uma resposta que
possa ser compreendida;
• usar linguagem expressiva, que faz uso de
palavras que representam o que se quer dizer,
encontrando os nomes que descrevem
processos, selecionando palavras corretas para
fazer descrições claras e precisas;
• selecionar as palavras apropriadas a partir da
memória de longo prazo para comunicar
resposta de forma clara e eficiente.
Deficientes
O aluno que manifesta instrumentos verbais
expressivos deficientes pode:
• ter pouca habilidade de comunicação (por
exemplo, usar gestos em vez de palavras);
• exibir pouco conhecimento ou uso de
vocabulário, de gramática e de estrutura de
frases (sintaxe);
• ser inflexível, não ter criatividade e
experimentar dificuldades na seleção de
palavras apropriadas, frases e sentenças;
• mostrar uma fluência verbal e lembrança
inadequada de palavras, frases e sentenças a
partir da memória de longo prazo (isso pode
resultar em repetição, pausas prolongadas, uso
inapropriado de palavras, dificuldade para
encontrar palavras, circunlocução, uso abusivo
de certas palavras, etc.);
• encontrar a solução dos problemas, mas ser
incapaz de explicitar para os outros como
conseguiu isto.
RESPOSTA DE DADOS
Precisa
Deficiente
A resposta precisa de dados se refere à habilidade O aluno que demonstra respostas de dados
para:
deficientes pode:
• comunicar uma resposta detalhada e correta;
• comunicar dados incompletos e imprecisos,
omitindo e distorcendo os fatos e detalhes
• transmitir dados com eficiência, sem omissões
75
e distorções da informação coletada;
• produzir respostas que demonstrem a
consideração cuidadosa e o uso seletivo do
material coletado;
• internalizar a necessidade de coletar e
apresentar informações que sejam específicas e
apropriadas;
• desenvolver
o
hábito
de apresentar
informações de modo claro e relevante;
• explicar fatos em termos absolutos e não em
termos relativos, e quantificar em vez de usar
aproximações.
coletados;
• apresentar respostas vagas, unilateriais,
obscuras e reducionistas;
• apresentar material de forma não significativa
pelo fato de habilidades cognitivas como a
comparação e a soma não terem sido efetivas
na fase de elaboração;
• mostrar respostas por tentativa e erro,
apressadas e prematuras (impulsivas) e má
utilização da linguagem, resultando em dados
produzidos imprecisamente;
• dar atenção a informações irrelevantes e
inapropriadas em resposta a uma questão.
TRANSPORTE VISUAL
Preciso
O transporte visual preciso se refere à capacidade
de:
• perceber e então memorizar detalhes visuais
com clareza;
• referir-se a um conceito familiar e bem
estabelecido para identificá-lo com precisão ou
reproduzi-lo sem distorções (por exemplo,
compreender a diferença entre um quadrado e
um retângulo a fim de reproduzir o quadrado);
• carregar uma imagem mentalmente, movendoa de um plano para outro (por exemplo
encaixar um círculo em vários quadrados e
fundos);
• manipular mentalmente detalhes visuais para
reorientar internamente a imagem (por
exemplo, girar uma peça de quebra-cabeça
mentalmente até que ela se encaixe);
Deficiente
A transposição visual deficiente pode ser indicada
por:
• uma má compreensão de conceitos (por
exemplo, desenhar um triângulo, quando o
modelo é um quadrado);
• sistema imaturo de referências (por exemplo,
inabilidade para descrever direita, esquerda,
topo, fundo);
• reproduções incorretas e imprecisas de
estímulos originais (por exemplo, deixar fora
detalhes importantes ao fazer a cópia de um
desenho);
• inabilidade para focar detalhes relevantes ou
suficientes (dados visuais)';
• memória visual deficiente (por exemplo,
inabilidade para lembrar como escrever uma
determinada letra ou desenhar de memória).
COMPORTAMENTO DE RESPOSTA
Apropriado
O comportamento de resposta apropriado se refere
à habilidade para:
• retardar uma resposta até que toda informação
tenha sido sistematicamente processada (isto é,
“pensar antes de fazer”);
• equilibrar o desejo de completar a tarefa
rapidamente com a necessidade de dar atenção
apropriada para completá-la com precisão;
Impulsivo
O aluno que manifesta comportamento impulsivo
pode:
• agir inadequadamente (gritar, ter dificuldade
de esperar por sua vez e de conter suas
respostas);
• apresentar
respostas
descuidadas
sem
suficiente atenção a detalhes;
• chegar a respostas erradas sem dar tempo para
76
coletar dados apropriadamente e planejar suas
• usar estratégias apropriadas de investigação
respostas;
para formular uma resposta precisa;
•
dar
a resposta certa numa modalidade e em
• elaborar todas as informações de entrada
outra não;
cuidadosa e sistematicamente, a fim de chegar
• falar a primeira coisa que vem à cabeça, a fim
a uma resposta correta apropriada.
de impressionar os colegas ou o professor com
uma resposta rápida.
Em relação à lista apresentada, Beyer aponta que devemos levar em consideração,
fundamentado nas idéias de Feuerstein, que:
Esta lista de funções cognitivas não é definitiva e nem exaurida; cada criança com dificuldade de
aprendizagem, portadora ou não de alguma deficiência específica, apresentará, em maior ou menor
intensidade, algumas das funções deficientes. É tarefa do psicopedagogo avaliar as funções
cognitivas da criança e decidir que medidas de apoio devem ser conduzidas. A organização das
funções cognitivas deficientes, com base num ato mental composto por três elementos, a saber, a fase
de assimilação, a fase da elaboração e a fase da resposta, deve ser entendida como um arranjo
artificial. Na realidade, o processo mental ocorre integrada e dinamicamente. Tal organização formal
ajuda a averiguar, ou precisar as funções deficientes da criança numa determinada fase, de forma a
atendê-la, psicopedagogicamente, de forma efetiva. (Beyer, 1996, p. 100-1).
O estudo das relações e dos conceitos nos ajuda a compreender melhor as estruturas
cognitivas, já que nos permitem representar algo mentalmente e esta representação está em
função da estrutura do sujeito. Ao realizar uma representação mental, nós não
representamos o objeto tal qual ele é, mas sim algo mais ampliado, um marco de referência
espacial, temporal e conceitual.
Feuerstein (1980), ao apresentar sua teoria de “Modificabilidade Cognitiva
Estrutural”, destaca que as modificações estruturais não se referem aos fatos isolados, mas,
sim, à maneira como o organismo se inter-relaciona, quer dizer, atua e responde às fontes
de informação, a modificação estrutural uma vez colocada em ação, determinará o curso do
desenvolvimento de um indivíduo.
É importante destacar que existe uma diferença entre mudança e modificabilidade:
A modificabilidade é um conceito central, pois se refere às mudanças que se podem produzir no
próprio indivíduo, na sua personalidade, na sua maneira de pensar e no seu nível global de
adaptabilidade. Não se trata de modificação ou de uma mudança que ocorre como resultado dos
processos circunstanciais e acidentais de desenvolvimento e de maturação, mas sim de
modificabilidade, entendida como modificação estrutural no funcionamento do indivíduo,
produzindo-se nele uma mudança no desenvolvimento qualitativa e substancialmente diferente da
prevista pelos tradicionais contextos genéticos, neurofisiológicos ou educacionais. Trata-se, portanto,
de uma mutabilidade significativa, sólida e durável. (Fonseca, 1998, p. 43).
77
Podemos considerar a estrutura mental – em sentido analógico – como uma rede na
qual circulam uma infinidade de relações entre seus nós, esses nós seriam as operações
mentais: quem percebe bem pode diferenciar; quem diferencia bem pode comparar; que
compara bem pode classificar, inferir, relacionar, etc. Piaget definiu, como vimos, a
operação mental como uma ação interiorizada que modifica o objeto do conhecimento e
que vai se construindo de um modo coerente no intercâmbio constante entre pensamento e
ação exterior. A criança começa por centrar sua ação sobre os aspectos figurativos do real,
logo vai descentrando a ação para fixar-se na coordenação geral da mesma até construir
sistemas operatórios que liberam a representação do real e lhe permite chegar às operações
formais.
Feuerstein recorre ao conceito piagetiano e centra-se no aspecto mais operativo da
inteligência, assim como na mediação, que se pode realizar para a configuração das
operações.
As operações mentais, elaboradas de modo coerente, possibilitam a estrutura mental
da pessoa. Constroem-se pouco a pouco, as mais elementares permitem a construção das
mais complexas e abstratas. As operações lógicas, por exemplo, se apoiam em outras
menos complexas já estabelecidas na estrutura mental. Portanto, a construção de operações
mentais só são possíveis graças à interação social ou à mediação.
Descreveremos a seguir algumas destas operações mentais.
RACIOCÍNIO LÓGICO – Todo o desenvolvimento mental leva ao pensamento
lógico ou formal em uma unidade de processo, que vai desde a construção do universo
prático pela inteligência sensório-motora, até a construção do universo do uso de hipóteses,
passando pelo universo do concreto. O pensamento formal é a representação de uma
representação de ações possíveis. É a arte de bem pensar, a organização do pensamento que
chega à verdade lógica graças a diversas formas de raciocínio (inferencial, hipotético,
transitivo, etc.).
PENSAMENTO DIVERGENTE – Por contraposição ao convergente, podemos
entender o pensamento divergente de maneira equivalente ao pensamento criativo, que seria
a capacidade de estabelecer novas relações sobre aquilo que já se conhece, de modo que
levem a produtos novos em forma de idéias, realizações ou fantasias. O pensamento
78
convergente leva ao domínio rigoroso dos dados, à exatidão, ao rigor científico; o
divergente leva à flexibilidade, a buscar o original e não o usual.
RACIOCÍNIO SILOGÍSTICO – O silogismo trata da lógica formal proposicional e
descansa sobre estruturas que permitem chegar à verdade lógica, ou seja, a que surge da
construção, seja ou não uma verdade real. Esta “espécie de matemática universal” permite o
exercício do pensamento lógico e do desenvolvimento de capacidades, como: construir
modelos mentais da situação (cenário); utilizar-se de leis para ser mais lógico; suprimir a
palavra impossível diante de situações que não consegue elaborar, codificar e decodificar
os modelos mentais.
RACIOCÍNIO TRANSITIVO – A transitividade é uma propriedade da lógica, e as
atitudes sobre a transitividade uma propriedade do pensamento lógico formal. Consiste em
ordenar, comparar e descrever uma relação de modo que se chegue a uma conclusão. É
dedutivo, permite a inferência de novas relações a partir das já existentes. Surgem
implicações (por exemplo, se p implica q, e q implica r, então p implica r) e equivalências
(se p = q, e q = r, então p = r).
RACIOCÍNIO HIPOTÉTICO - É a capacidade mental de realizar inferências e
precisões de fatos a partir dos já conhecidos e das leis que os relacionam.
RACIOCÍNIO ANALÓGICO - O análogo é equivalente ao proporcional. Como
forma de raciocínio, usa um argumento indutivo dentro de um âmbito “toleravelmente
extenso”. É a operação através da qual, dados três termos de uma proposição, se determina
um quarto termo por dedução da semelhança. Não vale como argumento demonstrativo,
mas sim como descobrimento e mostra de convicção.
INFERÊNCIA LÓGICA - Capacidade para realizar deduções e criar novas
informações a partir dos dados percebidos.
ANÁLISE- SÍNTESE - Formas de perceber a realidade. Decompor um todo em
seus elementos constitutivos e relacioná-los para extrair inferências. As análises permitem
as sínteses, como nos mostram tantos descobrimentos científicos.
PROJEÇÃO DE RELAÇÕES VIRTUAIS - Percebemos estímulos externos em
forma de unidades organizadas que logo projetamos diante de estímulos semelhantes.
Projetamos imagens e fazemos com que ocupem um lugar no espaço.
79
CODIFICAÇÃO - DECODIFICAÇÃO - Estabelecer símbolos ou interpretá-los, de
modo que não deixem lugar para ambigüidade. Esta operação mental permite dar amplitude
aos termos e símbolos, à medida que aumenta sua abstração.
CLASSIFICAÇÃO - A partir de categorias reunimos grupos de elementos de
acordo com atributos que os definem. Os critérios de agrupamento são arbitrários,
dependem da necessidade; serão critérios naturais ou artificiais segundo se realizem sobre
as coisas ou conceitos.
COMPARAÇÃO - É a operação mental por meio da qual se estudam as
semelhanças e as diferenças entre objetos e fatos, atendendo a suas características. A
percepção dos objetos necessita ser clara e estável, para poder realizar a comparação.
TRANSFORMAÇÃO MENTAL - Atividade cognitiva através da qual podemos
modificar ou combinar características de um objeto ou de vários para produzir
representações de maior grau de abstração e de complexidade.
REPRESENTAÇÃO MENTAL - Interiorização de características de um objeto do
conhecimento, seja este concreto ou abstrato. Não é uma cópia do objeto como uma
fotografia, mas sim representação de linhas essenciais que permitem defini-lo como tal.
DIFERENCIAÇÃO
- Reconhecimento
de
algo
por suas características,
distinguindo as que são essenciais das irrelevantes em cada situação dada.
IDENTIFICAÇÃO - Reconhecimento de uma realidade por suas características
globais recolhidas em termos daquilo que a define.
2.5 Mapa Cognitivo
Tanto o Programa de Enriquecimento Instrumental como seus princípios didáticos
são elaborados com base num design analítico dos processos mentais, denominado de mapa
cognitivo. O mapa cognitivo possibilita a análise do perfil cognitivo da criança ou
adolescente com dificuldades de aprendizagem, e serve de auxílio para a aplicação dos
instrumentos que compõem o programa.
80
Conforme comentado no item anterior, as funções cognitivas deficientes compõem
o quadro de características que formam o perfil cognitivo das crianças com dificuldades
cognitivas. A finalidade do mapa cognitivo consiste em analisar este perfil e apoiar a
aplicação do Programa de Enriquecimento Instrumental. Assim, objetiva-se mediar aos
alunos estratégias de pensamento necessárias para a superação das funções cognitivas
inadequadas.
A linha de análise proposta pelo mapa contém as seguintes dimensões:
· Conteúdo: refere-se à matéria ou ao objeto de um ato mental. O conteúdo é uma
das áreas do funcionamento cognitivo na qual as pessoas diferem enormemente, com
diferenças determinadas diretamente por suas experiências passadas, histórica, educacional
e sua distinta
compreensão determinada culturalmente de certos universos de conteúdos.
Ao comparar a competência relativa em certas áreas específicas do conhecimento, devem
considerar-se primeiro as características culturais dos indivíduos comparados, e só então
pode atribuir-se um peso específico aos graus de competência ou incompetência. Certos
conteúdos podem soar ao indivíduo tão estranhos e diferentes, que requer um investimento
e esforço muito específico e intenso para alcançar seu domínio. Por conseguinte, quando se
pretende ensinar uma operação cognitiva específica, o papel do conteúdo é importante. Se
um conteúdo é tão difícil de absorver, o aluno pode ser deixado com pouca ou nenhuma
capacidade para concentrar-se na operação específica que é o objeto de ensino. Em outros
casos, seria desaconselhável utilizar elementos demasiado familiares, porque eles podem
não propiciar o estado de vigilância necessário para despertar a atenção e o interesse do
indivíduo para ativar sua capacidade de funcionamento (neste ponto concorda-se com
Vygotski quando ele nos mostra que ensinar aquilo que está distante demais para o aluno
ou aquilo que ele já sabe é totalmente infrutífero). Na elaboração dos materiais de ensino,
essas considerações deveriam influenciar a seleção dos conteúdos. Neste sentido, o
Programa de Enriquecimento Instrumental de Feuerstein pretende evitar o ensino de
conteúdos específicos.
· Operações do pensamento: Uma operação pode ser entendida como um conjunto
de ações interiorizadas, organizadas, coordenadas, em função das quais elaboramos
informação derivadas de fontes externas e internas. Na análise de um ato mental, é
81
necessário definir a natureza precisa de uma operação implícita. As operações podem
flutuar desde simples reconhecimento e identificação de objetos, até atividades mais
complexas, tais como: classificação, seriação, multiplicação, comparações e lógica. As
operações podem ser aplicadas à informação existente, ou podem, por si mesmas, requerer
a produção de novos fatos que não estavam imediatamente presentes no repertório de
informação disponível do indivíduo, como no caso do raciocínio logístico, analógico ou
inferencial. Ao designar os exercícios ou os programas de estudo que incluem certas
operações, a definição da operação deve ser seguida a fim de se delinear todos os
componentes dos elementos interpostos necessários para sua aquisição e aplicação. A
criança, para fazer uma analogia, deve deduzir a relação existente entre os conjuntos de
dados. A fim de poder deduzir essa relação, terá que comparar os componentes da analogia.
Para que a operação aconteça satisfatoriamente deverá existir a planificação de uma série
de passos que levem em consideração tanto a estrutura da operação como o equipamento do
indivíduo para sua aquisição.
· Modalidade: Um ato mental pode ser expresso em uma variedade de linguagens.
Sua modalidade pode ser figurativa, gráfica, numérica, simbólica, verbal ou uma
combinação destas e de outras. Existe uma grande quantidade de códigos que vão desde a
mímica e modos metalingüísticos de comunicação, até signos e símbolos convencionais
totalmente desvinculados dos conteúdos que representam. É necessário identificar qual
destas modalidades de comunicação intercalam diferentes sistemas, permitindo a ocorrência
de processos mentais bastante complexos. A eficácia de modalidades específicas de
comunicação pode diferir entre vários grupos étnicos, socioeconômicos e culturais, ou entre
indivíduos, de acordo com seu nível de funcionamento e diferenças especiais.
· Fases: Um quarto parâmetro está relacionado com a fase, na qual tem lugar o ato
mental específico: na fase de assimilação, na fase de elaboração ou na fase de resposta.
Estas fases estão interconectadas e o papel de cada fase somente pode ser considerado em
função uma das outras.
82
· Nível de complexidade: O nível de complexidade deve ser entendido como a
quantidade e a qualidade de unidades de informação necessárias para produzir um ato
mental; portanto, requer um cômputo diferenciado que considere simultaneamente o
número de unidades de informação e a qualidade destas em função de seu grau de inovação
ou familiaridade. Quanto mais familiares forem as unidades, menos complexo será o ato ou,
quanto menos familiar, mais complexo.
· Nível de abstração: Por meio do parâmetro do nível de abstração definimos a
distância entre um ato mental dado e o objeto ou eventos sobre o qual opera. Os parâmetros
anteriores descritos podem ser concebidos como operando diretamente sobre objetos ou
eventos. Dessa maneira, o conteúdo pode envolver objetos que podem ser percebidos
sensorialmente ou manejados completamente por meio de manipulação motora. Assim
temos que um ato mental implica operações sobre os objetos mesmos, tais como separá-los
de acordo com um sistema de classificação. Em um nível mais abstrato, as operações
podem ser executadas sobre representações de objetos, tais como, aplicar uma classificação
a um conjunto de objetos hipotéticos. Ainda mais abstrata é a aplicação de operações a
proposições puramente hipotéticas sem referência a objetos ou eventos reais ou
imaginários. Assim, se pode estabelecer uma hierarquia de níveis de abstração, utilizando
como critério a distância entre a operação mental e o universo de objetos ou eventos aos
quais é aplicada.
· Nível de eficiência: O ato mental também pode ser descrito e analisado de acordo
com o grau e nível de eficiência segundo o qual é produzido. Como critério de eficiência se
pode usar o complexo rapidez-precisão e/ou a quantidade de esforço projetado, objetiva e
subjetivamente pelo indivíduo na produção do seu ato particular. O conceito de eficiência
pode ser concebido como uma dimensão que difere qualitativa e quantitativamente dos
outros seis parâmetros, ainda que possa ser determinado ou afetado por eles. A falta de
eficiência, quando está definida pela lentidão, a produção reduzida ou o manejo impreciso e
ineficaz, pode ser totalmente irrelevante a respeito da capacidade do indivíduo para
apreender e elaborar um problema particular. Nossa inabilidade para separar a eficiência da
capacidade é uma importante fonte de erro na avaliação, não só da verdadeira capacidade
83
do indivíduo, senão inclusive do seu repertório de informação e destrezas. Semelhante erro,
que parte da confusão entre eficiência e capacidade, traz como conseqüência uma
formulação de prognóstico baseado em uma baixa capacidade do indivíduo, derivada
somente de um baixo nível de eficiência observado. O manejo eficaz de uma tarefa sempre
depende de uma variedade de fatores intrínsecos e extrínsecos que afetam o indivíduo. A
ansiedade ou carência de motivação podem repercutir de forma negativa na eficiência com
a qual realizamos uma tarefa.
A preocupação de Feuerstein - além das questões conceituais - concentra-se
fundamentalmente no lidar, tanto diagnóstica como terapeuticamente, com a criança
cognitivamente debilitada. O indivíduo-alvo do trabalho de Feuerstein é, assim, a criança, o
adolescente e o adulto que evidenciam dificuldades consideráveis no que tange às
operações cognitivas. Por isso, sua contribuição maior no campo da psicopedagogia e
também da educação especial reside na construção de uma gama considerável de
instrumentos psicopedagógicos, com a finalidade principal de diminuir as funções
cognitivas deficientes.
O design do mapa cognitivo aparece neste trabalho em anexo.
2.6 Programa de Enriquecimento Instrumental - características e instrumentos
Ao se abordar o Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI), é importante
ressaltarmos alguns dos conceitos fundamentais da teoria de Feuerstein, já especificados. O
autor entende que a intervenção psicopedagógica com o PEI se caracteriza como uma
forma de mediação, ainda que tardia, dos processos de aprendizagem do indivíduo. A
pessoa (a faixa etária normalmente atendida pelo programa se estende da pré-adolescência
até a idade adulta) com dificuldades cognitivas que, na infância, não vivenciou experiências
mediadas de aprendizagem, tem a oportunidade, hoje, de usufruir desta mediação, só que
agora em caráter terapêutico, ou não. Feuerstein pressupõe, conforme comentado
anteriormente, que toda pessoa possui níveis variados de modificabilidade cognitiva. Ele
objetiva, por meio do trabalho com o PEI, favorecer o desenvolvimento de mudanças
cognitivas estruturais.
84
Ele diferencia entre um alvo principal e seis subobjetivos que servem como
parâmetro de análise e de aplicação do PEI. A intervenção cognitiva através do PEI tem
como objetivo principal oportunizar para a criança, ou adolescente, maiores possibilidades
de aprendizagem através do contato direto com o meio, ou seja, apoiar a capacidade da
aprendizagem autônoma. Como subobjetivos do PEI compreende-se:
•= Corrigir as funções cognitivas deficientes, resultantes da mediação debilitada
da aprendizagem. As diferentes tarefas do programa possibilitam o
desenvolvimento de operações e estratégias cognitivas, como forma de suporte
para a correção das funções deficientes.
•= Auxiliar os alunos na aquisição dos conceitos, palavras, estratégias,
capacidades, operações e relações que são necessários para a realização das
tarefas do programa. Os professores responsáveis pela aplicação do programa
devem verificar quais dos pré-requisitos acima os alunos não possuem e mediar
sua aquisição.
•= Propiciar o desenvolvimento de motivação interna por parte da criança. O
processo de internalização (no sentido vygotskiano) pelo aluno é importante,
pois assim ele passa a utilizar e a aplicar os conceitos, relações, operações e
estratégias de forma autônoma. O desenvolvimento da motivação interior é um
alvo que acompanha o sexto objetivo. Sabemos que a motivação e a auto-estima
correlacionam-se positivamente.
•= Favorecer o desenvolvimento, pelo aluno, da abstração (desenvolvimento de
processos reflexivos do pensamento e de habilidades metacognitivas) dos
diferentes processos e estratégias cognitivas. Dessa forma, o aluno pode
entender melhor os motivos do sucesso ou fracasso na aprendizagem.
•= Favorecer o desenvolvimento, pela criança, de uma motivação intrínseca à
realização das tarefas. Tal objetivo cumpre-se por meio da ordem crescente de
dificuldade das tarefas.
•= Possibilitar o desenvolvimento, pela criança, de uma auto-imagem ativa (no
lugar de uma atitude passiva) no que tange aos processos de aprendizagem. As
tarefas do PEI auxiliam o aluno a encontrar respostas através do trabalho
85
autônomo, onde ele pode refletir de forma independente a partir de novas bases
de aprendizagem.
O Programa de Enriquecimento Instrumental contém cerca de quinhentas páginas de
tarefa, repartidas entre os quatorze instrumentos do programa. Feuerstein define o PEI
como um método instrumental, pois em sua opinião o material desempenha a função
instrumental de mediação, no sentido conceitual vygotskiano. Através das unidades
sistemáticas das tarefas objetiva-se fomentar operações e estratégias cognitivas e a
inteligência nas crianças com atrasos cognitivos.
Os instrumentos constantes do Programa de Enriquecimento Instrumental são os
seguintes:
01 - Organização de pontos: numa nuvem de pontos, amorfa e irregular, o aluno
deve distinguir as figuras idênticas em forma e dimensão às dos modelos. A procura
complica-se com a densidade dos pontos, porque estes ocasionam sobreposições de linhas
com dificuldade crescente de figuras e de mudanças das suas orientações. O êxito da
procura exige uma seleção e uma articulação do espaço. Entre as funções cognitivas
implicadas temos: projeção de relações potenciais; discriminação de formas e dimensões;
constância de formas e dimensões através de mudanças de orientação; utilização de
informação pertinente; descoberta de estratégias; perspectiva, moderação da impulsividade.
02 - Orientação espacial I: As tarefas deste instrumento trabalham a orientação
espacial, tomando o próprio corpo como ponto de referência, visando a aumentar a
capacidade de utilizar conceitos e sistemas referenciais constantes na orientação espacial
concreta, abstrata e interpessoal. É feita uma distinção entre relações que são relativas e
podem ser descritas sob diferentes ângulos e aquelas constantes que podem ser fixadas
pelas coordenadas. Uma comunicação informativa exata e precisa diminui a
egocentricidade.
03 - Orientação espacial II: Ao esquema variável de Orientação Espacial I se
acrescenta o esquema fixo dos pontos cardeais e pontos intermediários. Ao aumentar a
complexidade das tarefas, requer-se maior nível de abstração para a representação do
espaço e o jogo que implica a superposição dos dois sistemas.
04 – Comparações: Apresentação de tarefas baseadas em conceitos de igualdiferente, que existem entre os objetos, assim como entre os conceitos abstratos. A
86
comparação requer identificação e diferenciação do que se percebe, assim como o ajuste
dos critérios de comparação.
05 - Percepção analítica: Ajuda na diferenciação do todo e suas partes, regulando
ambos os processos de percepção. Trabalha de modo especial a representação mental e a
projeção de relações, dando uma compreensão maior da realidade ao distinguir as relações
entre as partes e o todo, sua estruturação e o resultado de sua fusão para criar novos todos.
06 – Classificações: A comparação prepara a operação mental de classificar. Ajuda
a eleger critérios abstratos onde cabem elementos com características semelhantes. As
tarefas ajudarão posteriormente no raciocínio analógico e silogístico.
07 – Ilustrações: Este instrumento consta de uma série de lâminas com situações
absurdas, que o aluno deverá interpretar a partir da percepção correta dos dados; devendo
utilizar a inferência lógica, e a partir dos elementos coletados generalizar as conclusões
para outras situações.
08 - Relações familiares: A partir de algo conhecido como é a família, trata-se de
encontrar a estrutura e os tipos de relações: hierárquica, horizontal e vertical. Mediante a
análise, o aluno descobre qual é o seu lugar e seu papel em cada uma das estruturas em que
se move e atua.
09 - Relações temporais: Dentro do pensamento relacional trata-se de diferenciar:
antes, durante e depois; simultaneidade, coincidência e causalidade, tempo objetivosubjetivo. Estuda-se as relações existentes entre espaço, velocidade e tempo.
10 - Progressões numéricas: É o início do segundo nível e trabalha-se com
operações que vão se distanciando da realidade concreta para iniciar o pensamento
relacional. Este instrumento despertará a necessidade de encontrar a fórmula, a lei que
governa a relação em uma sucessão de números e fatos. Pelo pensamento hipotético a
pessoa ativa tem a possibilidade de predizer e antecipar o futuro.
11 - Instruções/referências: Neste instrumento a palavra cobra especial relevância,
pois se trata de codificar e decodificar instruções cada vez mais complexas, despertando a
necessidade de percepção precisa de ordenação espaço-temporal, de articulação do campo
perceptivo, de utilizar o pensamento hipotético inferencial.
12 – 13 – Relações Transitivas e Silogismos: Querem desenvolver o pensamento
lógico formal. Utiliza-se do raciocínio transitivo
e do silogístico como formas mais
87
importantes da dedução lógica. Os exercícios se relacionam com a realidade concreta e com
formas de representação abstrata: A > B... A ⊂ B... O aluno constrói seus esquemas de
pensamento como redes lógicas que o ajudam a analisar as mensagens e argumentos que
recebe ou emite, para descobrir sua veracidade ou falsidade. As estruturas formais são o
melhor apoio para o pensamento lógico.
14 – Desenho de padrões: O aluno põe em jogo todas as operações mentais
que se trabalhou até então e assume seu funcionamento de maneira autônoma. É uma boa
oportunidade para mediar o sentimento de mudança e a tomada de consciência da
capacidade para aprender por si mesmo. O instrumento ajuda a analisar em profundidade a
realidade; reforça a representação e transformação mental, assim como o pensamento
hipotético.
88
ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS
3.1 Metodologia de trabalho
Considerando os objetivos deste estudo, procuramos utilizar uma forma de pesquisa
que subsidiasse da melhor maneira possível a relação entre o sujeito que pesquisa (e que ao
mesmo tempo media a relação) e o objeto pesquisado e que permitisse a imersão no mundo
de ambos, além de atender às peculiaridades dos instrumentos utilizados. De posse dessas
características, a opção de trabalho foi pela abordagem de pesquisa de tipo qualitativa,
sendo que seu principal objetivo é a ampla compreensão do objeto em estudo, considerando
importantes todos os dados coletados, bem como a análise dos mesmos.
Na investigação procuramos seguir uma abordagem interpretativa, relacionando os
dados, fatos, com o contexto e buscamos entender o significado das ações, uma vez que na
abordagem interpretativa “(...) o interesse central de todas as pesquisas neste paradigma é o
significado humano da vida social e sua elucidação e exposição para o pesquisador”
(MOREIRA, 1996, p.30).
3.2 - Amostra
O estudo envolveu 17 alunos, da décima turma de formação de Assistente
Eletromecânico, ofertada pela Escola Técnica Tibagi, filiada ao Projeto Pescar.
A Escola Técnica Tibagi está vinculada à Diretoria de Operações da Tibagi
Engenharia, Construções e Mineração Ltda., e tem por objetivo educar jovens para a
integração social por meio do preparo para o exercício de uma profissão. O aluno atendido
pelo projeto deve ser, comprovadamente, menor e carente quanto a aspectos
socioeconômicos, ter entre 14 e 18 anos, ter cursado no mínimo a sexta série do ensino
fundamental e estar motivado à formação básica em Eletromecânica. O recrutamento é feito
junto a entidades, como: Igreja, Associação de Moradores, Escolas Municipais e Estaduais
e outras entidades que lidam com educação em bairros e vilas onde o nível socioeconômico
é considerado baixo. O processo de seleção passa pela fase de: comunicado com o líder da
entidade para o alistamento dos interessados; palestra com o grupo de interessados, visando
a esclarecer objetivos, metodologia, responsabilidade, etc.; avaliação de Matemática e
89
Língua Portuguesa, contemplando a matéria cujo conteúdo mínimo corresponde à sexta
série do Ensino Fundamental, sendo cinco a média mínima para aprovação; e, por ultimo,
visita domiciliar objetivando averiguar as reais condições socioeconômicas da família.
Pelas características apontadas do projeto em questão, trabalhamos com uma
amostra intencional com critérios pré-estabelecidos de seleção.
3.2.1 Caracterização do Projeto Pescar
A Escola Técnica Tibagi conta com a estrutura física de uma sala de 45 metros
quadrados para aulas teóricas, experimentos e práticas em aparelhos. Conta também com a
parceria do Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná (a proximidade da
ETTibagi com o Cefet-PR propicia esta parceria, mas as escolas do Projeto Pescar
normalmente desenvolvem todas as atividades no âmbito da empresa), em cujos ambientes
são ministradas as aulas práticas de Instalações Elétricas, Comandos, Ajustagem e
Soldagem.
O curso tem uma duração de seis meses, totalizando 376 horas, distribuídas em 4
horas- aula diárias, das 13 horas e 30 minutos às 17 horas e 30 minutos. Portanto a cada
seis meses há a entrada de uma turma de 16 alunos. Como benefícios, os alunos recebem o
uniforme completo, seguro de acidentes pessoais e material apostilado. A estruturação do
curso segue o seguinte currículo: Matemática Aplicada (20 horas), Atividades de Integração
(42 horas), Ajustagem (52 horas), Desenho Mecânico (16 horas), Soldagem (40 horas),
Instalações Elétricas (88 horas), Manutenção de Máquinas e Aparelhos (118 horas).
O Projeto Pescar é a denominação de um programa de integração de jovens
carentes ao convívio social e profissional. Este projeto teve início em 1976, com a criação
de uma escola técnica para a formação de Auxiliares de Mecânica, por iniciativa do
empresário Geraldo Tollens Linck, na sede de sua empresa em Porto Alegre.
A iniciativa evoluiu para uma rede de escolas mantidas por empresas privadas, cuja
filosofia é a de “não dar o peixe, mas, sim, ensinar a pescar”. O Projeto conta com o apoio
da UNESCO.
Hoje, a Fundação Projeto Pescar estimula empresas e outras entidades a formarem
novas escolas e através de uma franquia social fornece todas as informações.
90
Todas as escolas do Projeto Pescar adotam forma semelhantes de seleção, formação
e encaminhamento dos alunos ao mercado de trabalho.
3.2.2 Caracterização da amostra
O perfil dos alunos da décima turma de profissionalização em Assistente
Eletromecânico, no que diz respeito aos dados de classificação, como exigência do
processo seletivo para participar do Projeto, está demonstrado na Tabela 1, a seguir e foi
fornecido pela coordenação do curso. Para resguardar a privacidade dos alunos,
substituímos os nomes por códigos, que serão utilizados no decorrer do processo de análise
dos resultados.
TABELA 1 – Perfil dos alunos da 10ª Turma de Formação em Assistente
Eletromecânico
Aluno
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
15
16
17
Comunidade
Rebouças
CIC
Rebouças
Xaxim
Araucária
CIC
Parolin
Xaxim
Xaxim
Colombo
Xaxim
Uberaba
Parolin
Xaxim
Parolin
Sitio Cercado
Sitio Cercado
Idade
14
14
14
15
16
16
15
15
15
14
14
15
15
15
16
14
17
Série
5a.
8a.
7 a.
8 a.
1a 2o
3a 2o
8a
2a 2o
1a 2o
7a
6a
7a
6a
2a 2o
5a
7a
8a
Mat.
6.0
7.0
5.0
4.0
5.0
10.0
4.0
3.0
6.0
3.0
5.0
8.0
3.0
1.0
6.0
6.0
4.0
Port.
6.0
7.0
5.0
6.0
7.0
10.0
6.0
7.0
6.0
7.0
7.0
8.0
7.0
9.0
6.0
6.0
6.0
Média
6.0
7.0
5.0
5.0
6.0
10.0
5.0
5.0
6.0
5.0
6.0
8.0
5.0
5.0
6.0
6.0
5.0
Mat - Nota da avaliação em Matemática Port- Nota da avaliação em Português
Média - média tirada das duas avaliações
Comunidade - procedência de moradia dos alunos
Série - O aluno necessariamente deve estar matriculado e cursando uma série. Indica a série do aluno quando
da sua participação no curso
91
3.3 Instrumentos utilizados
O Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) é um programa para aprender a
pensar e a refletir, procurando não desenvolver um saber específico, mas proporcionar
condições e situações em que se possam maximizar e otimizar requisitos e aptidões
necessárias a novas aprendizagens, a novos métodos de trabalho, a novas estratégias de
pensamento e a novos tipos de organização.
Como vimos, o Programa é composto de 14 instrumentos, porém em nosso estudo
optamos pela aplicação de quatro instrumentos, devido ao tempo que nos foi
disponibilizado pela coordenação do curso, de 42 horas, dentro das chamadas Atividades
Complementares. Portanto, a mediação dos instrumentos aconteceu uma vez por semana,
por um período de tempo de duas horas.
Devido às características do PEI, utilizamos a observação pouco ou não
estruturada na forma da observação participante como instrumento de coleta de dados
pertinente ao processo de mediação.
No decorrer do processo de mediação dos instrumentos, as respostas dadas pelos
alunos e as observações feitas foram registradas em fitas K-7, por meio de gravações
autorizadas pelo grupo.
Antes de analisarmos os instrumentos do PEI que foram utilizados, faz-se
necessário justificar que os mesmos foram selecionados por trabalharem algumas
habilidades básicas indispensáveis ao perfil do profissional egresso do curso de Assistente
Eletromecânico, apontado pelo projeto Pescar.
As habilidades básicas como: percepção e memória; habilidade temporal e
cinestésica; habilidade de posição e localização; habilidade de relações todo/parte em
utensílios e projetos; habilidade de operações com estruturas; habilidade lógicometemática, como reversibilidade de operações; lógica de classes e relações, como
inferência, seqüência, ordem, associações e analogias; lógica das proposições, soluções de
problemas; conhecimento intrapessoal; relações interpessoais; habilidade de discernimento,
avaliação e juízo; habilidade lingüística, se constituem num conjunto de saberes e de
estratégias, visando ao desenvolvimento das estruturas de aprendizagem que capacitarão o
92
sujeito para refletir e interpretar a realidade com autonomia, para comunicar-se, para
aprender a pensar, para aprender a aprender.
Apresentaremos, na seqüência, a análise da mediação dos instrumentos
selecionados, de acordo com o desing proposto de mapa cognitivo, descrito no capítulo II,
no item 2.5.
•= Análise da mediação do instrumento Organização de Pontos
As tarefas deste instrumento referem-se à reprodução de figuras geométricas
universais e não universais dadas no modelo em uma nuvem de pontos amorfa. Pretende
promover a ordem em um mundo desorganizado através da relação estabelecida entre os
objetos e os fatos, em sistemas significativos. A projeção de relação virtual em Organização
de Pontos e no mundo em geral requer do sujeito disposição e necessidade para buscar
conexões e significados entre os fenômenos que aparecem separados uns dos outros. Nesta
tarefa se combinam fatores de atividades perceptivas, cognitivas e operacionais.
A seguir, apresentamos a programação da unidade.
PROGRAMAÇÃO DA UNIDADE ORGANIZAÇÃO DE PONTOS
Instrumento: Organização de Pontos Unidade: 01 a 04 Páginas: 1 a 10
1. Critérios de mediação: Intencionalidade e Reciprocidade, Significado,
Transcendência, Sentimento de Competência, Domínio da Impulsividade, Compartilhar,
Adaptação a situações novas.
2. Objetivo geral da unidade: Desenvolver a função cognitiva de projetar relações
virtuais, mediante as tarefas que exigem do aluno identificar e desenhar formas dadas
dentro de uma nuvem de pontos.
93
3. Objetivos específicos de cada página e vocabulário
Página 01 - Organizar os pontos segundo as figuras do modelo e de acordo com as
regras. Ser flexível para mudar estratégias, segundo as novas situações.
Vocabulário - Conceitos: modelo, idêntico, impulsividade, flexibilidade, estratégias.
Página 02 - Receber informação implícita e explícita. Decodificar instruções e
traduzi-las em ações. Investigar erros baseados no número e no tamanho.
Vocabulário - Conceitos: Implícito, inferência, explícito, código.
Página 03 - Desenvolver um plano para realizar tarefas que possuem indícios
internos. Aprender a buscar sistematicamente.
Vocabulário - Conceitos: Isolar, precisão, interiorizar, plano, sistemático, conclusão.
Página 04 - Diferenciar distintas fontes de erro.
Vocabulário - Conceitos: distinguir, dimensões, diferenciar, relativo, erro.
Página 05 - Aprender o uso dos pontos de referência. Introduzir uma estratégia ou
método para resolver os problemas. Favorecer a flexibilidade frente aos indícios que
diminuem. Nomear por associação, ou função quando não existir um nome universal.
Vocabulário - Conceitos: universal, individual, particular, associação.
Página 06 - Clarificar o significado da palavra de acordo com o contexto. Ressaltar
a necessidade de prestar atenção na leitura das instruções.
Vocabulário - Conceitos: contexto.
Página 07 - Buscar razões objetivas para tomar uma decisão. Discriminar entre
duas alternativas qual será a mais precisa e exata. Indicar a necessidade de representação
mental quando a figura assimétrica muda de orientação.
Vocabulário - Conceitos: eixo, diagonal, assimetria, simetria, quadrilátero.
Página 08 - Ampliar a conduta somativa. Diferenciar a busca de figuras simétricas
de assimétricas. Reconhecer o todo a partir das partes. Revisar termos geométricos.
Vocabulário - Conceitos: côncavo, convexo, arco, curvelíneo, eqüidistante.
Página 09 - Aplicar o uso de indícios intrínsecos e extrínsecos. Contrastar diferentes
estratégias.
Vocabulário - Conceitos: intrínseco, extrínseco, estável, instável, permanente.
Página 10 - Introduzir o conceito de hierarquia na linguagem. Destacar a
necessidade de um processo simultâneo da informação.
94
Vocabulário - Conceitos: polígono, pirâmide, losango, hierarquia, simultâneo.
Página 11- Ensinar como dominar uma tarefa complexa, dividindo-a em unidades
menores. Contrastar a facilidade de manejar o familiar com a relativa dificuldade em
manejar o estranho.
Vocabulário - Conceitos: familiar, complexo, estranho, raro.
Página 12 - Centrar a percepção nas partes do todo. Introduzir o conceito de ilusão.
Vocabulário - Conceitos: ilusão de ótica, ilusão, contexto, paralelogramo.
4. Análise segundo Mapa Cognitivo
Conteúdo: Figuras geométricas simples, quadrados e triângulos.
Modalidade: Figuras e pontos, com uma utilização mínima de palavras por página.
Funções Cognitivas:
Fase de entrada - Percepção precisa e definição das figuras do modelo.
Denominação das figuras do modelo com termos universais (quadrados, triângulos e
retângulos. Busca sistemática mediante estratégias (utilização dos indícios dados pelos
pontos grandes), utilização das regras das figuras do modelo quando da não existência dos
pontos grandes. Conservação da forma e do tamanho apesar da mudança na orientação
espacial das figuras. Uso de mais de uma fonte de informação (tamanho e forma).
Fase de elaboração - Definição do problema, seleção dos pontos relevantes na figura
buscada. Planejamento. Pensamento hipotético e uso de evidências lógicas. Comparação
espontânea entre a figura projetada e o modelo. Conduta somativa.
Fase de resposta: Necessidade de precisão. Projeção de relações de acordo com as
regras. Restrição da impulsividade. Diminuição da conduta de ensaio e erro.
Operações Mentais: Diferenciação de figuras que se sobrepõem. Articulação do
campo. Reorientação das figuras. Representação. Pensamento dedutivo.
Nível de complexidade: Baixo
Nível de abstração: Baixo
A organização descrita do instrumento facilita o processo de mediação, pois
permite que observemos de maneira mais precisa as manifestações do aluno e, a partir do
comportamento e das respostas, reconduzir a mediação sempre que necessário.
Passaremos a analisar algumas situações manifestadas pelos alunos.
95
EXEMPLO 1 - Abaixo exemplificamos o processo de mediação a partir dos objetivos
descritos para a página 1 e para o instrumento.
Mediadora: Antes de começarmos a tarefa, o que devemos saber? (Mediação do
problema).
Aluno 01: Devemos saber o que teremos de fazer.
Mediadora: O que vocês pensam que devemos fazer nesta página? (Mediação de
inferência).
Aluno 15: Os pontos estão pedindo para serem unidos.
Mediadora: O que lhes dá essa informação?
Aluno 07: Existem pontos grandes e pontos pequenos. Existem triângulos e quadrados
desenhados.
Mediadora: Como vocês sabem que são triângulos e quadrados? (Aqui deixamos que os
alunos construíssem coletivamente uma definição partindo de uma figura universal,
utilizando conduta somativa, comparação. A utilização de nomes precisos nos ajudam a
interiorizar e a buscar as representações de que precisamos).
Mediadora: Há algo mais nesta página que nos ajude a definir a tarefa?
Aluno 07: Tem quadrados com figuras em seu interior.
Mediadora: Vamos chamar a essas figuras de modelos.
Aluno 07: Então temos que unir os pontos para ficar igual ao modelo.
Aluno 09: Pode sobrar ponto? Pode ficar um dentro do outro?
Aluno 07: Não tá vendo que não pode?
Mediadora: Como vocês sugerem que façamos? (Mediação da necessidade de conduta
planejada).
Aluno 07: Devemos escrever o que pode e o que não pode.
Mediadora: Em que outras situações nós também devemos, antes de começar a fazer algo
parar para planejar o que devemos fazer? (Mediação da transcendência).
Aluno 02: Nas tarefas que o prof. X passa para nós. Temos que descrever passo a passo o
que teremos que fazer.
Mediadora: Isso, muito bem! E em que outras situações do nosso dia-a-dia esse
comportamento também é necessário?
96
Aluno 07: Outro dia meus amigos vieram me chamar para sair e eu fui correndo. Não sabia
para onde. Como estava sem dinheiro tive que andar um monte para voltar para casa. Se eu
tivesse perguntado antes aonde a gente ia, o que ia fazer, eu teria me prevenido.
Mediadora: Então, voltando para a página, o que vocês acham que deverá ser feito?
Aluno 05: Não pode sobrar pontos e uma figura pode estar dentro da outra. As figuras
devem ser do mesmo tamanho do modelo.
Mediadora: Vamos chamar uma figura dentro da outra de figuras sobrepostas (Mediação da
necessidade de usar nomes precisos).
Aluno 11: Está sobrando um monte de bolinhas.
Aluno 08: Não tá vendo que não pode.
Aluno 11: Mas eu não tô vendo nada aqui!
Mediadora para o aluno ao lado: Não desenhe para ele. Explique para ele a maneira como
você está resolvendo. (Mediação de compartilhamento e do comportamento impulsivo).
Aluno 08: Procura primeiro o quadrado.
Mediadora: Por quê?
Aluno 08: Porque os pontos grandes levam ao quadrado e são quatro pontos, por isso é
mais fácil.
Aluno 14: Eu acho que começar pelos triângulos é mais fácil.
Mediadora: Por quê?
Aluno14: Porque são os pontos menores e tem menos lados.
Mediadora: O que faríamos se não houvesse pontos grandes? (Neste momento foi
importante discutir o processo de busca para mostrar que as pessoas se utilizam de
referências diferentes para resolver um problema).
Aluno 08: Usaria as regras do quadrado para encontrá-lo.
Mediadora: Qual foi o mais difícil de se resolver? (Busca da dificuldade).
Aluno 11: Todos foram difíceis.
Aluno 06: Quando todos os pontos ficaram do mesmo tamanho.
Mediadora: Por quê?
Aluno 06: Porque estava acostumado com uma maneira de resolver, depois não dava mais
para resolver da mesma maneira, a regra mudou, daí eu tive que pensar em um outro
caminho.
97
Mediadora: Vocês escutaram o que o colega disse? Em que outras situações isso já
aconteceu com vocês? (Aplicação do princípio de relevância em nossa vida diária).
Aluno 16: Às vezes a gente é cabeça dura, teimoso mesmo e quer fazer do jeito da gente e
bate a cabeça, bate a cabeça e não escuta o que o outro fala ou não quer ver que a coisa
mudou e daquele jeito não dá mais certo.
Mediadora: Isso mesmo, muitas vezes nós temos de mudar nossas estratégias de
pensamento, de comportamento. Para isso, devemos estar atentos àquilo que estamos
fazendo, para que possamos perceber as mudanças. Muito boa a sua observação (Mediação
do sentimento de competência).
Mediadora: O que aprendemos com essa lição?
Aluno 04: Organizar pontos em quadrados e triângulos de acordo com as regras, que temos
que planejar, como usar uma estratégia e ter que mudar, não fazer de qualquer maneira.
(Aqui estamos mediando a necessidade de elaborarmos princípios).
O exemplo acima nos mostra como deve ser o procedimento de mediação em
todas as folhas de exercício de todos os instrumentos. Uma vez que temos claros os
objetivos de todas as páginas, o vocabulário que se deve empregar, o que se quer mediar, o
trabalho fica facilitado. O importante é que o mediador deve estar atento para as
manifestações de todos os alunos, sejam verbais, sejam corporais, utilizando-as como dados
a serem partilhados, discutidos, analisados.
Evidencia-se, também, a partir desse exemplo, aquilo que Vygotski nos fala de que
as funções psicológicas aparecem duas vezes (interpsicológica e intrapsicológica) quando
da mediação que primeiro se dá em nível social e depois em nível da elaboração individual,
voltando a ser comunicada ao social quando o aluno verbaliza sua compreensão.
EXEMPLO 2 - Nesta página, o aluno 11 encontrou algumas dificuldades para realizar a
tarefa, como demonstrado nos exemplos abaixo.
O objetivo dos problemas da página 1, do instrumento organização de pontos, seria
o de organizar os pontos segundo as figuras do modelo e de acordo com as regras; ser
flexível para mudar as estratégias, segundo as novas situações.
98
A figura n.º 02 nos mostra o trabalho do aluno com o processo de mediação que foi
realizado com todos do grupo. Em relação às funções cognitivas, podemos dizer que
apresentou na fase de entrada percepção imprecisa, foi inábil na coleta de dados, não
conseguiu conservar constância do objeto. Na fase de elaboração não conseguiu selecionar
os pontos relevantes, apresentou dificuldade em se concentrar na comparação. Por
conseguinte, na fase de comunicar a resposta, pela dificuldade na fase anterior, mostrou
muito o comportamento de ensaio e erro, decorrente da falta de compreensão do problema.
Fig. 02 – Resposta do aluno com o processo previsto de mediação
Começamos a trabalhar algumas horas a mais com este aluno, buscando uma
mediação mais adequada. Apesar do Programa de Enriquecimento Instrumental não prever
mediação com material concreto, achamos por bem utilizá-lo para, aos poucos, podermos
chegar à zona de desenvolvimento real do aluno e constatarmos quais construções (aquelas
que levariam a realizar a tarefa) haviam sido internalizadas e faziam parte do repertório do
aluno. O conceito internalizado de quadrado e triângulo o aluno possuía, pois ele conseguia
desenhá-los conceituá-los e reconhecê-los. Utilizamos os blocos lógicos no sentido de
trabalhar com a rotação e conservação das figuras, e figuras em papel de seda de diversas
cores, para que o aluno percebesse a possibilidade da sobreposição. Foi indispensável a
mediação do Sentimento de Competência, pois já havia sido estigmatizado e incorporado
pelo aluno o atraso escolar como sinal de “burrice”.
99
Fig. 03 – Resposta do aluno após o processo de mediação especial
Podemos destacar, também, o trabalho do aluno 11 em outra página deste
instrumento. Os objetivos previstos para a página 08 eram o de ampliar a conduta somativa;
diferenciar a busca de figuras simétricas de figuras assimétricas; reconhecer o todo a partir
das partes e revisar termos geométricos. Quando houve uma mudança na estrutura da figura
(passamos a trabalhar com figuras curvas), o aluno também encontrou dificuldades em
resolver o problema. Passamos a trabalhar com figuras não universais, sendo que uma era
simétrica e outra assimétrica. A busca inicial dos alunos era saber o que os signos
significavam e passaram a negociar um significado. Para o aluno em questão, tivemos que
concretizar, fazendo com que ele recortasse figuras simétricas e assimétricas e percebesse a
diferença, verbalizando suas conclusões, e procuramos reforçar o trabalho de percepção
espacial e sobreposição de figuras.
Fig. 04 – Resposta do aluno a partir do processo previsto de mediação
100
Fig. 05 – Resposta do aluno após processo de mediação especial
5. Princípios: Os princípios foram, à medida que o trabalho prosseguia,
introduzidos sempre que a atividade propiciava. O importante neste trabalho é que o
mediador (que necessariamente passou pela formação) os tenha internalizado como um
parâmetro, aproveitando sempre que possível as contribuições dos mediados.
Página 1 - Ao realizar uma tarefa, devemos seguir certas regras.
Página 2 - As coisas são grandes ou pequenas, dependendo de como elas se
relacionam.
Página 3 - Uma boa estratégia pode assegurar o êxito do trabalho.
Página 4 - O erro nos leva a pensar, porque pegamos o caminho errado.
Página 5 - É importante saber trocar a estratégia quando a anterior não serve mais.
Página 6 - É importante estar atento a ler as instruções, pois detalhes que não são
percebidos podem alterar a informação.
Página 7 - Necessitamos buscar pontos de referência ou mais informações para
poder decidir.
Página 8 - Devemos pensar antes de tomarmos decisões, principalmente quando
houver muitos elementos distintos na informação.
Página 9 - Devemos mudar de estratégia quando a antiga não serve mais.
Página 10 - É necessária a construção de indícios próprios, estudando a realidade.
Página 11 - Quando uma tarefa tem muitas partes, deve-se planejar sua realização.
Página 12 - Nem sempre podemos crer em tudo que vemos.
101
Princípios elaborados pelos alunos:
• Às vezes somos cabeça dura e teimoso e não queremos mudar de idéia. Não dá
para ser teimoso no trabalho quando você está fazendo uma coisa que não está certa.
• Podemos aprender com o erro dos outros ou evitar de errar.
Em relação a este instrumento, podemos assinalar que a princípio os alunos, em sua
maioria, apresentaram um comportamento impulsivo, ligando os pontos de qualquer
maneira, na pressa de passar para a folha seguinte. À medida que os exercícios aumentavam
seu grau de complexidade, houve a necessidade dos alunos falarem mais sobre as
dificuldades e reduziram com isso a impulsividade. Outro fator importante é que no início
houve muita "gozação" entre eles, principalmente com aqueles que ficavam mais atrasados
e verbalizavam que não conseguiam resolver o problema. Nesse sentido, a Mediação do
Sentimento de Compartilhamento foi fundamental, para que o grupo adotasse uma postura
de respeito e de ajuda. Para os alunos com maior dificuldade, principalmente o aluno 11,
houve a necessidade de se trabalhar mais particularmente a Mediação do Sentimento de
Competência, em que algumas tarefas foram refeitas e alguns conceitos mais concretos
foram trabalhados. O resultado foi muito bom, pois o aluno conseguiu refazer as tarefas
como demonstrado nos exemplos, ficando clara, também, a possibilidade de levá-lo a
pensar sobre seu pensamento, ou seja, trabalhar a metacognição parece possível.
Os alunos que conseguiam realizar as tarefas com certa agilidade, como o aluno 12
e o aluno 06, demostraram percepção precisa, busca sistemática adequada a partir da
proposta do problema, conservação de forma e tamanho adequadas; conseguiram definir o
problema para os colegas e indicaram verbalmente estratégias de resolução, demostrando
uma conduta planejada. Aos poucos estes alunos foram orientados a mediar os exercícios
para os colegas com maior dificuldade, fazendo-os pensar e a verbalizarem quais caminhos
utilizaram para tentar resolver as situações problemas; estavam desenvolvendo o processo
cognitivo de seus colegas, além de partilharem o seu próprio processo metacognitivo,
quando comparavam com o seu próprio processo de busca e resolução.
102
•= Análise da mediação do Instrumento Orientação Espacial I
Este instrumento trabalha com o conceito de sistema relativo de referência,
localizando os objetos no espaço, visando às relações entre eles. Através do programa, os
sujeitos aprendem porque existem diferentes pontos de vista na percepção de um objeto ou
experiência e como relativizar uma opinião que é diferente da sua.
A seguir, apresentamos a programação das unidades deste instrumento.
PROGRAMAÇÃO DA UNIDADE ORIENTAÇÃO ESPACIAL I
Instrumento: Orientação Espacial I Unidade: 02 Páginas: 01 a 10
1. Critérios de mediação: Intencionalidade e reciprocidade; Transcendência;
Significado; Compartilhamento; Competência e Individuação.
2. Objetivo geral da unidade: Apresentar um sistema de referência estável, ainda
que relativo, para descrever as relações espaciais. Trabalhar as limitações na utilização
articulada e diferenciada do espaço representacional.
3. Objetivo específico de cada página e vocabulário
Página 01 - Introduzir os conceitos de sentido e direção. Demonstrar que as
mudanças nas relações resultam das mudanças na orientação.
Vocabulário - Conceitos : Sentido, direção, relações.
Página 02 - Definir problemas sem instruções escritas. Diferenciar entre elementos
estáveis (fixos) e relativos (variáveis). Reconhecer que a mudança de posição resulta em
mudança de relação.
Vocabulário - Conceitos: Relativo
Páginas 03, 04 e 05 - Desenvolver o pensamento representativo (interiorização do
comportamento). Desenvolver a flexibilidade e a plasticidade do pensamento. Codificar
informações em quadros ou tabelas.
Página 06 - Demonstrar domínio dos conceitos de sentido e direção. Recolher
somente as informações relevantes e codificá-las de forma clara e precisa.
103
Pagina 07 - Introduzir os conceitos de símbolos e signos. Contrastar informações
apresentadas na modalidade pictórica e simbólica. Aplicar as aprendizagens anteriores a
novas situações.
Vocabulário - Conceitos: Símbolos, signos.
Página 08 - Identificar a posição do ponto em relação à seta. Passar do código
verbal a uma operação.
Página 09 - Descobrir que há situações nas quais pode haver diferentes alternativas
válidas.
Página 10 - Desenvolver a flexibilidade do pensamento.
4. Análise segundo o mapa cognitivo
Conteúdo - Um sistema de referência estável, porém relativo, para a localização dos
objetos no espaço e a relação de uns com os outros.
Modalidade - Principalmente figurativa e gráfica.
Funções Cognitivas:
Fase de entrada - Percepção distinta dos objetos, fatos e ralações, estes incluem
quatro objetos ou um ponto, posições do menino e uma seta, e a relação entre eles.
Necessidade dos conceitos básicos e dos termos que relacionam o indivíduo com o espaço
circundante. Necessidade de decodificar os códigos numéricos e a interpretação de
símbolos e signos. Necessidade de orientação no espaço, incluindo um sistema de
referência para estabelecer relações espaciais: topológico e projetivo. Conservação da
constância dos objetos apesar das transformações em sua orientação. Necessidade de
considerar simultaneamente mais de uma fonte de informação: a do referente, a que se
refere e a relação entre os dois.
Fase de elaboração - Definição do problema quando não há instruções ou quando o
problema modifica de uma tarefa para outra. Seleção de sinais apropriados para definir e
resolver problemas, um entendimento da realidade em que os elementos se comparam e se
resumem com esforço para buscar e para projetar relações. Necessidade de uma conduta
espontaneamente comparativa. Necessidade de ampliar o campo mental, a fim de não se
esquecer do objeto em processo de busca. Necessidade de evidência lógica para chegar às
conclusões, fundamentado em dados que estejam relacionados indiretamente com a tarefa.
Necessidade de considerar pontos de vista diferentes do seu ponto de vista e colocar-se no
104
lugar do outro para ver o mundo. Necessidade de projetar relações entre dois ou mais
elementos.
Fase de resposta - Eliminação da conduta de ensaio e erro, colocando ênfase na
representação e planificação. Necessidade dos instrumentos verbais para comunicar de
maneira apropriada respostas elaboradas. Necessidade de precisão. Necessidade de
transporte visual para colocar o menino (do desenho do instrumento), o ponto ou a seta no
quadro. Necessidade de frear a impulsividade na comunicação das respostas.
Operações mentais - Começa com elementos figurativos e termina com códigos
simbólicos, em conseqüência, há uma redução no uso da identificação com a figura
presente, como processo principal para a solução do problema e uma possibilidade
diminuída do indivíduo para usar os movimentos do deu próprio corpo. Integração e
coordenação de dois sistemas pelo confronto com um que é estável e relativo, e outro que é
instável, porém constante.
Nível de complexidade - moderado
Nível de abstração - relativamente baixo nos exercícios com elementos figurativos;
medianamente alto com codificação simbólica; alto na representação particular de apoio
figurativo.
Nível de eficiência - moderadamente alto com apoio figurativo; vestígio da conduta
motora apenas discernível em formas de movimento corporal quando está trabalhando com
essa tarefa.
Passaremos a analisar algumas situações vivenciadas pelos alunos.
O exemplo a seguir diz respeito à página 08 do instrumento, cujos objetivos seriam
o de identificar a posição do ponto em relação à seta; passar do código verbal para uma
operação. Para dois alunos em especial, houve a necessidade da reelaboração dos conceitos
de direita e esquerda em relação a outro objeto que não o próprio corpo; a maior dificuldade
para esses alunos foi sair de uma conduta egocêntrica e colocar-se no lugar do modelo e a
partir dele localizar-se; novamente foi necessário que dramatizássemos muitas das
situações.
O aluno 10 e o aluno 14, em termos de funções cognitivas deficientes, apresentaram
na fase de assimilação uma atenção insuficiente para perceber relação no espaço; partiram
105
logo para fazer a tarefa sem atenção adequada a todas as informações; não apresentaram um
sistema pessoal de referências espaciais desenvolvidas e demonstraram dificuldade de
coordenar as partes do corpo no espaço. Na fase de elaboração, apresentaram dificuldade
em considerar pontos de vista diferentes do seu e colocar-se no lugar do outro para ver o
mundo; e, na fase de comunicação, dificuldade no transporte visual.
106
5. Princípios: Sempre que a situação permitia, os princípios previstos foram
trabalhados com os alunos, levando-os a refletir e a construir novos.
Página 01 - Os lados do corpo não mudam. O que muda é a direção, a orientação e
as relações.
Página 02 - O mesmo objetivo ou fato pode ter aspectos diferentes para
observadores com pontos de vista distintos.
Páginas 03, 04, 05 - Problemas distintos requerem estratégias e soluções distintas.
Sempre há uma estratégia para realizar o trabalho mais eficaz e rapidamente. Em uma
relação de três elementos, se conhecemos dois deles, podemos deduzir o terceiro. Pessoas
diferentes podem ter pontos de vista diferentes e ver as mesmas coisas de maneira distinta.
Página 06 - É importante saber a origem de uma pessoa, para conhecê-la melhor. É
importante a direção na orientação espacial, na descrição dos objetos e processos.
Página 07 - A mesma informação pode ser apresentada de formas diferentes. Há
signos universais que valem para todas as culturas; outros signos são particulares, próprios
de uma cultura determinada.
Página 08 - Esquerda, direita, frente, atrás, são elementos de um sistema fechado de
referência. Para que exista um sistema pessoal de referência deverá existir um referente ou
um ponto de referência. Ao utilizar um sistema pessoal de referência, nossa perspectiva
muda quando mudamos nossa orientação. Para receber e dar instruções, é necessário definir
de maneira clara e explícita a orientação a partir da qual se dá a instrução.
Princípios elaborados pelos alunos:
• Devemos perceber que nossa maneira de ver o mundo não é a única.
• Em tudo o que fazemos sempre buscamos uma referência que foi construída
anteriormente e que deve ser sempre revista.
• Nem sempre o significado daquilo que eu digo é entendido da mesma maneira por
todas as pessoas.
Neste instrumento, o que mais chamou a atenção foi a importância da clareza na
comunicação. A comunicação deve ser precisa e os significados negociados. Por exemplo,
se
o significado das palavras direção e sentido estiverem claros, muitas dificuldades
107
poderão ser evitadas. Outra característica é o trabalho com o descentramento, ou seja, sair
de uma postura egocêntrica (que muitas vezes caracteriza o comportamento adolescente)
para colocar-se no lugar do outro, buscando enxergar o mundo através de referenciais
diferenciados. Foi um exercício muito difícil para o aluno. No começo ainda persistia o
comportamento de "gozação" (um mecanismo de defesa pela resistência de abrir mão do
seu ponto de vista) quando um colega expunha sua dificuldade, ou quando tentávamos
concretizar um exemplo. Novamente enfatizamos a mediação do Sentimento de
Pertencimento, para que pudéssemos criar um espírito de grupo, que deveria realizar trocas
para que todos pudessem crescer.
•= Análise da mediação do instrumento Comparações
Ser capaz de comparar é um pré-requisito essencial para qualquer processo
cognitivo, que seja algo mais que um mero reconhecimento e identificação das coisas que
percebemos. A conduta comparativa é uma condição primária para estabelecer relações que
conduzem ao pensamento abstrato, porque determina a organização e integração de
unidades discretas de informação em sistemas coordenados e significativos de pensamento.
A seguir, apresentamos a programação das unidades deste instrumento.
PROGRAMAÇÃO DAS UNIDADES DO INSTRUMENTO COMPARAÇÕES
Instrumento: Comparação Unidade: 03 Páginas: 01 a 16
1. Critérios de mediação: Intencionalidade e reciprocidade; Transcendência;
Significado; Sentimento de compartilhamento.
2. Objetivo geral da unidade: Ampliar a capacidade do aluno de comparar;
aumentar e enriquecer o repertório de atributos/critérios pelos quais podem ser comparados;
isolar critérios relevantes para a comparação, que são característicos, e critérios para as
necessidades, que gerarão a conduta comparativa; estimular a flexibilidade no uso de
parâmetros para a comparação, incrementando a habilidade de o aluno diferenciar os
elementos; converter o ato da comparação em uma atividade automatizada, de forma que o
108
aluno perceba e descreva, espontaneamente, a relação entre objetos, fatos e idéias, nas suas
semelhanças e diferenças.
3. Objetivos específicos de cada página:
Página 01 - Descrever o comum a dois objetos segundo um conceito ordenado.
Descrever a diferença entre dois objetos, baseando-se num mesmo parâmetro. Perceber o
conceito de diferença entre classes.
Vocabulário - Conceitos - Comparar, idêntico, similar, incluir, excluir, diferenciar,
conjunto.
Página 02 - Comparar figuras geométricas em sua direção, número, longitude, cor
ou textura. Definir diferenças dentro de uma mesma classe através de conceitos espaciais.
Conservar a constância de um objeto através de mudanças em suas partes.
Vocabulário - Conceitos - Indistinto, vago, distorcido, segmentado, transporte
visual.
Página 03 - Comparar elementos apresentados na modalidade verbal. Entender que
as palavras têm uma função simbólica. Diferenciar conotação e denotação. Ampliar os
parâmetros para a comparação.
Vocabulário - Conceitos - Idiossincrasia, universal, significado, específico,
conotação, denotação, simbolizar.
Página 04 - Comparar itens e conceitos abstratos,, a partir de critérios, como: pode,
função, papel, uso e atributos físicos.
Vocabulário - Conceitos - Arbitrário, consenso, atributo, função, papel.
Páginas 05 e 06 - Descrever semelhanças e diferenças mediante conceitos
ordenados. Melhorar a flexibilidade no uso dos conceitos.
Vocabulário - Conceitos - Dureza, largura, divergente, convergente, ordenado.
Página 07 - Achar dois objetos idênticos dentre cinco quadrados. Desenvolver uma
estratégia para sua busca. Perceber o objetivo da busca, analiticamente. Converter indícios
em ponto de referências.
Vocabulário - Conceitos - Ponto de referência, indício, complexo.
109
Página 08 - Utilizar semelhanças ou diferenças para ordenar objetos segundo sua
semelhança com o modelo. Utilizar um código para designar a ordem ou seqüência.
Vocabulário - Conceitos - Proximidade, distância, código, ordem, seqüência.
Página 09 e 11 - Comparar objetos com o modelo, segundo parâmetros dados,
buscando semelhanças e diferenças. Definir com precisão o significado dos diferentes
parâmetros, eliminando a confusão entre eles.
Vocabulário - Conceitos - Palavras-chave, tamanho, forma, direção, parte/todo,
figura/forma, forma/tamanho.
Página 10 - Localizar e descrever cinco diferenças entre os quadros. Busca
sistemática seguindo uma estratégia.
Vocabulário - Conceitos - Hipóteses, textura, pensamento hipotético, inferir.
Páginas 12 e 13 - Construir itens semelhantes e diferentes do modelo, com
variedade de parâmetros. Seguir as instruções de forma precisa. Usar o pensamento
hipotético, inferência, a evidência lógica, para completar a tarefa.
Vocabulário - Conceitos - Ambíguo, restringir, seqüência, suposição, contrário.
Página 14 - Construir verbalmente itens que diferem uns dos outros, a partir de
atributos dados, mas que são membros da mesma classe ordenada. Eleger itens como
exemplos que sejam simultaneamente apropriados para descrição do comum e do diferente.
Investigar várias respostas divergentes.
Vocabulário - Conceitos - Classe, família, infinito, limitado, conjunto, dedução,
critério.
Páginas 15 e 16 - Demonstrar compreensão e domínio da comparação. Mostrar
progresso ao eleger parâmetros na comparação de exemplos para sua aplicação. Eleger
itens que sejam apropriados para descrever o conjunto e os subconjuntos.
Vocabulário- Conceitos - Formato, domínio, habilidade.
`
4. Análise do mapa cognitivo
Conteúdo: Comparação entre objetos familiares, figuras e conceitos. Figuras
complexas, comparadas de forma semelhante.
Modalidade: Figurativa, pictórica e verbal.
Funções Cognitivas:
110
Fase de entrada - Percepção clara dos elementos para reunir informação completa e
precisa acerca de todos os seus atributos. Uso de conceitos e termos apropriados para
descrever semelhanças e diferenças entre objetos e discernir entre eles. Uso de conceitos
espaciais e temporais como parâmetro de comparação. Exploração sistemática dos vários
elementos da tarefa. Conservação da constância dos objetos da comparação através de
mudanças que podem ocorrer em uma ou várias de suas características, como tamanho,
quantidade, cor, orientação e direção. Uso de duas ou mais fontes de informação. Precisão
na coleta de informações, de modo que várias características são diferenciadas.
Fase de elaboração - Estabelecimento de relações entre objetos e fatos em termos de
suas semelhanças e diferenças. Aprendizagem de técnicas e estratégias de comparação
como preliminar para a conduta comparativa espontânea. Seleção de atributos relevantes.
Uso dos produtos da comparação como base para a inferência e raciocínio lógico. Soma dos
atributos que são similares ou diferentes, com o objetivo de avaliar e formar juízos.
Formação de categorias com base em conceitos perceptuais e semânticos, utilizando
critérios que são constantes, críticos e relevantes. Busca de conceitos superordenados sobre
a base do pensamento hipotético e a evidência lógica.
Fase de resposta - Enriquecimento do repertório, para permitir a comunicação
precisa dos produtos da comparação. Restrição da impulsividade em responder até que toda
a informação seja reunida e elaborada.
Operações mentais - Discernimento entre itens, apesar de certas propriedades
comuns. Generalização da resposta a novos itens, apesar de certas diferenças. Integração de
elementos discretos em unidades de significação. Seriação dos atributos ao longo de um
conteúdo. Análise e ordenação de um parâmetro superordenado em seus elementos.
Nível de complexidade: Baixo
Nível de eficiência: Alto em um nível simples. Baixa, até que as dificuldades
antecipadas não são eliminadas como resultado da aprendizagem e da prática.
Passaremos a analisar algumas situações vivenciadas pelos alunos.
O objetivo da página 11, deste instrumento, consiste em comparar objetos com o
modelo, segundo parâmetros dados, buscando semelhanças e diferenças; definir com
precisão o significado dos diferentes parâmetros, eliminando confusão entre eles. Como
111
mencionado, ser capaz de comparar é um pré-requisito essencial para qualquer processo
cognitivo. O Assistente em Eletromecânica, como vimos, deve localizar rapidamente partes
de um todo, perceber e distinguir semelhanças e diferenças pequenas, pois trabalha com
circuitos e projetos que envolvem tais habilidades.
O aluno 11 apresentou dificuldades no processo de comparação, pois ele só
conseguia perceber as semelhanças (na concepção piagetiana, as funções cognitivas desse
aluno priorizam a assimilação, ou seja, ele possui poucos esquemas, com um número muito
grande de informações, apresentando dificuldades no processo de acomodação que
possibilita a criação de novos esquemas ou a modificação de esquemas anteriores). A
acomodação (possibilita visualizar diferenças) deficiente acarreta a não discriminação do
signo e seu significado, como demonstra a figura 07.
A tarefa solicitada ao aluno consistia em que ele sublinhasse a palavra ou as
palavras que descrevessem o que é diferente entre o modelo à esquerda e os desenhos da
mesma linha.
112
Com este aluno foi necessário trabalhar desde exercícios simples, com jogos de
objetos concretos, que envolvessem a discriminação de diferenças. A todo momento ele era
levado a transportar o modelo trabalhado visualmente, através de sua interiorização ou
através de mediadores verbais (ou seja, refazer verbalmente a operação).
113
Na página 13, o aluno deveria construir itens semelhantes e diferentes do modelo,
com variedade de parâmetros; seguir as instruções de forma precisa; usar o pensamento
hipotético, a inferência e a evidência lógica para completar a tarefa. Novamente ele
apresentou dificuldade em coletar a informação.
A tarefa solicitada ao aluno consistia em que ele observasse o modelo e em cada um
dos quadros apresentados fizesse um desenho diferente do modelo nos aspectos indicados
nas palavras colocadas nas cercaduras.
114
Neste instrumento, observamos que os alunos apresentaram comportamento menos
impulsivo. Alguns manifestaram-se perguntando: Aluno 01 -“Sobre quais pensamentos nós
vamos pensar hoje?”. Interessante observar o envolvimento nas tarefas e o sentimento de
compartilhamento quando alguns alunos passaram a realizar a mediação. Concordamos
com Vygotski quando ele nos fala da mediação dos pares, ou seja, em várias situações
alguns alunos mediavam a nossa mediação, utilizando signos adequados à idade e ao
contexto do grupo, fato que, muitas vezes, tornava o processo mais dinâmico.
115
5. Princípios
Página 01 - Não podemos ver o comum em tarefas nas quais os objetos pertencem a
diferentes classes; só vemos as diferenças. Quando não temos um critério determinado para
comparar, devemos reunir toda a informação e comparar todos os parâmetros possíveis.
Página 02 - O ato de comparar nos torna conscientes do que de outra maneira
poderíamos esquecer. Uma só diferença, que parece menor, pode ser significativa. Os
objetivos devem ser utilizados para assinalar as diferenças dentro de uma mesma classe,
principalmente quando essas diferenças são descritas em termos de subconjuntos.
Página 03 - As palavras são menos concretas que as figuras. A modalidade verbal é
mais universal. É mais fácil comparar coisas e objetos que podemos ver ou que nos são
familiares, que comparar idéias ou relações abstratas. Se trabalharmos com a modalidade
verbal, é necessário decodificar a palavra e representar a coisa que simboliza com todo
detalhe.
Página 04 - Para comparar, devemos sobrepor um item a outro. O grau de
intersecção pode ser muito pequeno, nos casos em que as diferenças são maiores que as
semelhanças. Toda comparação pede um modelo e um critério que oriente a atividade.
Página 05 e 06 - Para chegar a conceitos ordenados, a partir de diferenças, devemos
somar as diferenças e achar um termo que as inclua.
Página 07 - As estratégias devem ser mudadas sempre que não forem eficientes. A
identidade pode ser um fator crítico.
Página 08 - Podemos ordenar de forma crescente ou decrescente, uma vez que
podemos ler em qualquer direção. O grau de proximidade depende das necessidades da
tarefa.
Páginas 09 e 11 - A constância do objeto se conserva apesar das mudanças em um
ou mais de seus atributos. Tomar cuidado para ser preciso ao definir o significado de um
parâmetro. A relevância das diferenças entre os objetos está na necessidade que originou a
comparação.
Página 10 - As hipóteses governam a investigação. Se as diferenças são sutis,
requerem um maior discernimento.
116
Páginas 12 e 13 - Todos os elementos devem ser processados simultaneamente. Em
determinados conteúdos outras situações nos obrigam a trabalhar de forma seqüencial. Ler
as instruções cuidadosamente. À primeira vista podem parecer iguais.
Página 14 - Devemos ir do conjunto aos atributos que descrevem diferenças, antes
de eleger os itens apropriados. Para resolver um problema, usamos o processo dedutivo: do
geral para o específico. Para controlar o nosso trabalho, podemos empregar o processo
indutivo, do específico para o geral.
Páginas 15 e 16 - Os elementos de um conjunto podem ser descritos ou
classificados, levando-se em conta diferentes atributos. A flexibilidade no pensamento é
uma boa qualidade. É necessária para descobrir todos os parâmetros e aplicá-los.
Princípios elaborados pelos alunos:
• Nem sempre as mesmas palavras têm o mesmo sentido para as pessoas.
• Dependendo da situação, precisamos buscar uma maneira diferente de pensar.
• Não é fácil pensar de maneira diferente, quando estamos acostumados a pensar
sempre do mesmo jeito.
• Não é fácil mudar.
•= Análise da mediação do instrumento Percepção Analítica
Neste instrumento, os mediadores promovem o desenvolvimento das estratégias
cognitivas para a diferenciação e integração. Este instrumento possibilita mudança de
atitudes e de motivações na adaptação dos sujeitos no mundo e os ensina a formar um
sistema de referências interno para estruturar as várias experiências da vida.
Apresentaremos a seguir a programação das unidades deste instrumento
117
PROGRAMAÇÃO DO INSTRUMENTO PERCEPÇÃO ANALÍTICA
Instrumento: Percepção Analítica Unidade: 05 Páginas: 01 a 25
1. Critérios de mediação: Intencionalidade e reciprocidade; Transcendência;
Significado; Sentimento de compartilhamento; Sentimento de competência; Sentimento de
desafio.
2. Objetivo geral da unidade: Fornecer subsídios para criação de estratégias, a fim
de articular e discriminar o campo, a divisão do todo nas partes que o constituem, de acordo
com objetivos específicos. Ensinar estratégias para integração, síntese das partes em um
todo de acordo com as necessidades de um dado momento. Exercitar a estruturação de um
campo dado. Incentivar a mudança de atitudes e motivações nos indivíduos em sua relação
com a realidade, para o uso de processos perceptuais, a fim de conseguir o desenvolvimento
de estratégias cognitivas variadas.
3. Objetivos específicos de cada página:
Página 01 - Analisar figuras geométricas simples ou complexas e suas partes.
Reconhecer cada parte como um todo. Compreender a necessidade de nomear para
identificar e comunicar.
Vocabulário - Conceitos - Simples, complexo, enumerar, código, constância, ao
acaso.
Página 02 - Encontrar uma parte incluída entre outras figuras, similar ao modelo
dado em todos os seus atributos, exceto na orientação. Usar duas fontes de informação:
tamanho e forma.
Vocabulário - Conceitos - Particular, estável, relevante, universal.
Página 03 - Achar uma ou mais partes idênticas ao modelo em um todo complexo.
Achar uma estratégia para comprovar o trabalho na ausência de um feedback imediato.
Usar o pensamento hipotético e a evidência lógica para a solução de problemas.
Vocabulário - Conceitos - Discriminação, precisa, interpretação, interior, exterior.
Página 04 - Isolar e identificar um número de partes incluídas em um desenho mais
complexo.
118
Vocabulário - Conceito - Marco de referência, metódico.
Página 05 - Analisar as fontes de erros por comparação. Discriminar os itens
semelhantes.
Vocabulário - Conceito - Comprovar, formato, autocrítica.
Páginas 06 e 07 - Analisar o todo, usando parâmetros de forma, número, tamanho e
cor. Tomar consciência que um todo está em função de suas partes, mas é mais que a sua
soma.
Vocabulário - Conceito - Categoria, relevante, síntese, elementos.
Páginas 08 e 09 - Discriminar o todo e seus componentes. Identificar os
componentes de um todo específico.
Vocabulário - Conceitos - Componentes, exceção, ponto-chave.
Página 10 - Corrigir as partes de uma figura de modo que concordem com os
componentes da figura dada.
Vocabulário - Conceito - Intercambiável, omissão.
Páginas 11 e 12 - Construir uma figura semelhante ao modelo, através da integração
das partes pequenas.
Vocabulário - Conceitos - Marco, identificar, diferenciar, interiorizar.
Páginas 13 a 17 - Integrar as partes complementares em um todo.
Vocabulário - Conceitos - Raio, ponto médio, intersecção, perímetro.
Páginas 18 a 20 - Unir pequenas partes em um novo todo.
Vocabulário - Conceitos - Composto, fusão, solução.
Páginas 21 e 22 - Isolar figuras que estão em um todo complexo. Identificar e
delinear as partes de um todo. Revisar o que foi aprendido anteriormente.
Vocabulário - Conceitos - Irrelevante, delinear.
Páginas 23 a 25 - Construir um todo novo a partir das partes identificáveis.
Aprender que somente certos componentes formarão um todo específico.
Vocabulário - Conceitos - Código, atributo, constância, posição.
4. Análise segundo o mapa cognitivo
Conteúdo: Figuras geométricas simples e complexas divididas arbitrariamente em
partes.
119
Modalidade: Figuras, componente verbal escasso, números usados como códigos.
Funções cognitivas:
Fase de entrada: Percepção analítica precisa de um todo e suas partes. Uso de nomes
para as figuras geométricas e códigos de identificação das partes e sua relação. Uso de
conceitos temporais na análise operativa da tarefa. Uso de conceitos espaciais na análise
estrutural do todo. Conservação da constância da figura do todo, apesar da modificações
nas características de suas partes. Uso de um sistema para reunir toda a informação, sem
esquecer nem repetir nenhuma parte. Precisão e exatidão no planejamento do
comportamento. Uso de várias fontes de informação para a diferenciação do todo em
partes.
Fase de elaboração: Estabelecer relações entre as partes de um todo. Comparação
entre as tarefas e suas exigências. Comportamento somativo como ajuda para integrar o
todo. Eliminação da conduta de ensaio e erro por meio da planificação.
Fase da resposta: Domínio da impulsividade, uso de códigos para comunicar a
informação com precisão, tendo em conta tanto a análise do todo e de cada parte, como a
síntese das partes de um todo.
Operações mentais: Identificação; Discriminação; Enumeração; Articulação do
campo; Pensamento hipotético.
Nível de complexidade: Baixo a moderado.
Nível de abstração: Baixo nas tarefas e alto nas discussões que ele proporciona.
Nível de eficácia: Medianamente alto.
Passaremos a analisar algumas situações vivenciadas pelos alunos.
O objetivo da página 13, deste instrumento, é integrar as partes complementares em
um todo. A diferenciação, a divisão de um todo em suas partes, a integração, ou a síntese
em um todo dado, são requisitos para a adaptação de uma pessoa e para seu ajuste no
mundo. O funcionamento cognitivo adequado depende do equilíbrio entre os dois
processos. Tem-se demonstrado, ainda que a adolescência seja normalmente um período de
grande diferenciação, que algumas pessoas possuem uma percepção global ou
superintegrada dos objetos que encontram. A percepção de partes diferenciadas do todo
120
implica comportamentos que - ainda que existam no repertório dos indivíduos - não se
usam de modo espontâneo, sobretudo entre sujeitos com dificuldades de aprendizagem.
Através das tarefas do instrumento, o aluno adquire uma aproximação ao raciocínio
analítico importante, para que possa diferenciar com claridade os limites entre si mesmo e
seu entorno.
A figura 12 nos mostra que o aluno 13, na fase de coleta das informações, foi
impreciso: demonstrou uma compreensão episódica da tarefa, não percebeu a relação
figura-fundo (até onde esta pesquisa se propôs, não encontramos evidências da teoria da
Gestalt como uma influência explícita nos conceitos elaborados por Feuerstein, se bem que
muitas tarefas poderiam ser explicadas pelas leis da Gestalt, como, por exemplo, a lei do
fechamento), não conseguiu realizar o transporte visual de acordo com o modelo.
A tarefa solicitada ao aluno 13 consistia em que ele observasse a figura , focalizada
na parte superior central da página. Para cada desenho da coluna da esquerda há um
desenho da coluna da direita que o completa. O aluno deveria escrever o número e a letra
dos dois desenhos combinados, para completar a figura.
121
Com este aluno 13, em particular, fizemos com que ele construísse a figura do
modelo e, em papel de seda, trabalhamos a sobreposição de figuras para que ele
122
internalizasse o todo. Após o trabalho com o papel de seda, solicitamos ao aluno que
representasse o modelo e verbalizasse sua construção, e repetisse essa construção
mentalmente. Logo após, realizamos a tarefa novamente.
123
Na página 23, o objetivo é a construção de um todo novo a partir das partes
identificáveis; aprender que somente certos componentes formarão um todo específico.
Portanto, deve-se estabelecer pontos de referência, marcos para a construção de figuras
compostas.
O aluno 13, somou as partes da figura, ou seja, ele não construiu uma figura nova,
apresentando uma percepção apenas das partes. Demonstrou dificuldade em lidar com
várias fontes de informação.
A tarefa solicitada ao aluno consistia: desenhar em cada um dos contornos seguintes
o novo todo, composto pelas partes cujos números aparecem debaixo dos ditos contornos,
com o adendo de que não seria necessário traçar linhas entre as partes.
124
Como no exemplo anterior, as estratégias utilizadas foram reler as instruções,
revisar a razão, porque as linhas interiores sobraram; ensinar ao aluno como projetar linhas
imaginárias, para dividir a área total em parte; utilizar instrumentos de ajuda, quando a
precisão é crítica. Nessa tarefa, optamos por não realizar a concretização, procurando
trabalhar com a construção realizada até então pelo aluno, e buscando em suas
representações a compreensão para a solução da tarefa.
125
5. Princípios
Página 01 - Um número pode ser utilizado como distintivo para indicar quantidade
ou para indicar seqüência. É melhor um trabalho ser realizado sistematicamente do que
feito por ensaio e erro.
Página 02 - O objeto é constante em sua forma e tamanho apesar das mudanças de
orientação. Quando os atributos essenciais de um objeto se conservam, o objeto continua
sendo identificável.
Página 03 - Quando uma parte aparece mais de uma vez, devemos observar cada
parte do todo com cuidado. Não podemos nos contentar em achar uma coisa parecida.
Quando não há uma comprovação imediata, devemos criar uma forma de comprovar nosso
trabalho. Necessitamos de mais tempo na medida em que há mais partes, o que não torna
necessariamente a tarefa mais difícil.
Página 04 - A busca sistemática requer: descobrir o objeto que buscamos com todos
os seus atributos; estreitar o campo de busca; planificar a estratégia incluindo os passos que
devo seguir; o pensamento hipotético e a comprovação das hipóteses.
Página 05 - Devo ler as instruções e as palavras chaves com cuidado.
Página 6 e 7 - Uma característica comum a muitos objetos, não serve para
diferenciá-los. A eliminação só nos diz o que não é apropriado. O todo depende das partes e
da relação de uma com a outra.
Página 8 e 9 - O que é comum a vários itens não se pode usar para diferenciá-los.
Podemos identificar o todo através de seus elementos.
Página 10 - O método para corrigir algo deve ser apropriado às necessidades da
tarefa.
Página 11 e 12 - Existem marcos que se podem ver, tocar e sentir. São concretos. Há
outros que conhecemos, mas que não podemos ver ou sentir - são abstratos. Quando não
temos indícios, é necessário criá-los como ponto de referência. Estudando com cuidado o
modelo, simplifica-se a tarefa de integração das partes.
Página 13 a 17 - Temos de definir de modo preciso, exato e completo o que estamos
buscando. Devemos observar as linhas internas e externas para identificar o que falta. É
imprescindível saber subdividir uma parte em seus elementos e recompô-los. O todo é mais
que a soma de suas partes.
126
Páginas 18 a 20 - Em muitos casos, a direção é um atributo essencial. As linhas que
separam as diferentes partes se confundem, quando se fundem entre si. Deve-se conservar a
orientação de uma parte em relação ao todo que faz parte.
Páginas 21 e 22 - Um todo pode ser composto por várias partes e cada uma ser por
sua vez outro todo.
Páginas 23 a 25 - Quando não nos dão um ponto de referência devemos elegê-lo.
Princípios elaborados pelos alunos:
•= É importante perceber o significado das coisas, que é diferente para cada
pessoa.
•= Nós sempre tendemos a dividir as coisas para entendê-las e não as juntamos de
novo.
•= Os modelos mais fáceis de comparar são aqueles que já conhecemos.
•= É mais fácil reconhecer uma coisa do que construí-la
•= Para entendermos as pessoas precisamos entendê-las no seu todo
127
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O momento atual exige uma reflexão sobre a Educação e a Profissionalização, seja
em relação ao “como” se processam os seus caminhos, seja ao “para onde” esses caminhos
as estão conduzindo. Tanto mais aguda é essa exigência, quanto mais evidentes se tornam
os impactos do desenvolvimento científico-tecnológico e das grandes transformações
sociais, mudando aceleradamente comportamentos e critérios, não só no campo técnico,
como também nas questões econômicas, políticas e sociais. Essas mudanças, por sua
abrangência e velocidade, provocam a busca constante de legitimidade, que
necessariamente implicam o enfrentamento da dimensão ética.
Apesar da convicção de todos sobre o papel da escola como encorajadora do aluno
no seu despertar e tornar-se autônomo, no verificar as fronteiras e profundidades do próprio
Eu, no procurar o significado da vida e da sociedade, no testar os limites da consciência
humana em relação ao universo do qual faz parte, os resultados da ação escolar não têm
sido julgados satisfatórios. Os conhecimentos, que são sistematizados nos conteúdos
curriculares, revelam freqüentemente seu comprometimento com um saber fragmentado.
O desafio do momento é, portanto, pensar a Educação de modo que o homem seja
capaz tanto de aprender e assimilar o mundo complexo em que vive, quanto de desenvolver
condições de transformá-lo, ao invés de reproduzi-lo. Uma educação que tenha
compromisso com o desenvolvimento do próprio homem e de suas potencialidades,
tornando-o capaz de transformar informação em conhecimento, conhecimento em
sabedoria, sabedoria em arte de viver, de amar, de conviver, de trabalhar, de interrogar o
mundo e de tornar-se, cada vez mais, um ser integral. Nesse contexto, a Educação
Profissional deve qualificar o trabalhador competente e o cidadão participativo, consciente
da dinâmica da produção, não de uma peça ou de um produto, mas de todo o processo
produtivo.
Portanto, é necessário incorporar à formação desse profissional princípios que
valorizem o aprender, a capacidade de decisão e de iniciativa, a cooperação, a autonomia e
a responsabilidade, a criatividade e a participação. Exigências essas que levam à
necessidade de rever os conteúdos curriculares e as metodologias, tanto na educação geral,
128
quanto na formação especial – como é o caso do Projeto Pescar -, integrando-as na busca da
formação global do homem.
Esta “nova” perspectiva, apontada pelo mundo do trabalho, sempre nos causou e
nos causa certas inquietações. A principal delas é a de como possibilitar a jovens de baixa
renda, com atrasos significativos em seu processo de aprendizagem, as competências
requeridas como garantia de um lugar no processo produtivo.
O fato apontado nos motivou ao aprofundamento de nossos estudos na área da
psicologia cognitiva, a fim de buscarmos metodologias que pudessem auxiliar professores
e/ou formadores a desenvolverem as competências atuais requeridas em seus alunos.
Buscamos, portanto, por fontes teóricas que evidenciassem a existência de
programas de desenvolvimento das competências cognitivas das pessoas, como é o caso do
que propõe o Programa de Enriquecimento Instrumental de Reuven Feuerstein. A partir
dessa constatação, questionamo-nos se a mediação desse programa a um grupo de jovens
integrados a um projeto de qualificação profissional básica possibilitaria uma
modificabilidade.
No capítulo I, buscamos entender por intermédio da revisão da literatura alguns
contornos teóricos da psicologia cognitiva, implícitos na abordagem de Feuerstein, e
explicitados pelos autores apontados.
Apesar de Feuerstein ter superado o Comportamentismo (sua atenção está
concentrada na entrada e na saída, no estímulo e na resposta e na relação das contingências
do meio ambiente considerada na conduta da pessoa) permanecem elementos do modelo
(E-R) apenas na forma gráfica de colocá-lo, pois fala-se em busca, em entrada de
informações e numa posterior resposta. Seus postulados aproximam-se muito mais da teoria
do processamento da informação do que do comportamentismo.
Da teoria piagetiana (avançando com uma teoria integrativa, defendendo um fator
biológico no desenvolvimento cognitivo, embora sem evocar bases genéticas ou
neuroevolutivas, Piaget recorre a um método clínico subjetivo, não padronizado e sem
controle e assume um corpo teórico volumoso com ênfase no raciocínio e na abstração,
reforçando em síntese a capacidade racional da inteligência. Com sua teoria de emergência
129
gradual das inteligências: sensório-motora, pré-operacional, operacional e formal, de
construção qualificativa e complexidade crescente, resultantes da dinâmica dos processos
cognitivos e básicos de assimilação-acomodação, Piaget sustenta que a cognição é um
processo adaptativo contínuo baseado num desenvolvimento preexistente) encontramos a
mesma preocupação em Feuerstein em analisar os processos de construção do pensamento
e extrair, daí, implicações de natureza teórica qualitativa. Os postulados piagetianos sobre a
maneira como o sujeito vai construindo os seus conhecimentos, embora sejam muito gerais,
repercutem claramente na maneira de entender as aprendizagens escolares. Centram a
atenção sobre a natureza construtiva e ativa do conhecimento e outorgam ao aprendiz um
protagonismo central na aquisição de novos conhecimentos. Oferecem uma imagem
interativa do processo de aprendizagem, que, segundo Piaget, desenvolve-se na interação
do aluno e o mundo que o envolve. Piaget faz-nos ver que aquilo que o aluno aprende
depende, sobretudo, dos esquemas que construiu e da maneira de organizá-los; esquemas
que lhe servem de marcos assimiladores para adquirir novos conhecimentos. Os postulados
de Piaget, porém, também nos dão a idéia de um processo de aprendizagem espontâneo e
solitário: o aluno o aprende sozinho e de maneira natural mediante as ações que
desenvolve com os objetos. Entendemos que, apesar de não explicitada, nos parece ser essa,
também, a preocupação de Feuerstein (ele chega a utilizar alguns pressupostos teóricos,
como a noção de assimilação-acomodação, o entendimento de desequilíbrio cognitivo
como desafiador, modelo de interação com envolvimento na forma – E - O - R ), uma vez
que, por influência de Vygotski, avança no modelo piagetiano; introduzindo a figura de um
mediatizador humano (H), afetivo, diligente, conhecedor e competente para mediatizar tal
interação, o que constitui o cerne de sua teoria, isto é, a Experiência de Aprendizagem
Mediada (E - H - O - H - R).
Da teoria sociocultural da aprendizagem de Vygotski, vimos que o desenvolvimento
humano é um processo mediado por instrumentos de tipo simbólico e representacional,
realizado em situações de interação social. A participação em atividades com pessoas mais
experientes é o que permite aos pequenos apropriarem-se dos conteúdos culturais e
progredirem na elaboração interna das capacidades humanas superiores (atenção voluntária,
pensamento, fala). Dessa forma, atribui importância ao envolvimento dos alunos em
atividades educativas planejadas para que, apropriando-se dos conteúdos culturais, eles
130
façam seus os processos de representação simbólica e cheguem a dominá-los de maneira
controlada e experiente (processos inter e intrapsicológicos). Essa concepção permite
afirmar que os conteúdos da educação formal são inseparáveis da atividade dos professores
e da dos companheiros, de maneira que a utilização progressiva de instrumentos e recursos
de mediação e representação cada vez mais complexos está estreitamente vinculada com o
desenvolvimento e a aprendizagem de habilidades de mediação social (falar, apresentar
idéias, entender, demandar ajuda, argumentar, captar os objetivos propostos na tarefa,
organizar planos de ação e de auto-regulação próprios do processo e do processo conjunto).
Do domínio externo dos instrumentos progride-se ao domínio interno e consciente
(processo de internalização), assegurando o controle do próprio processo e o da construção
de conhecimentos compartilhados. As aprendizagens específicas de natureza cultural e
social e o caráter mediador dos processos educativos são a causa e motor do
desenvolvimento. Percebe-se, portanto, várias aproximações aos pressupostos teóricos de
Feuerstein.
Um ponto a ser questionado, na confluência das orientações teóricas piagetiana e
vygotskiana em Feuerstein, consiste em como se dá a conjugação epistemológica de ambas
as teorias, e até mesmo se tal confluência é possível. Em Piaget predomina o sujeito
epistemológico universal que constrói suas estruturas intelectuais por meio de processos
contínuos de auto-regulação. Já, em Vygotski, sobressaem-se as relações culturais de
mediação das estruturas psicológicas: o fator decisivo do desenvolvimento não recai sobre
o indivíduo, sujeito dos processos de construção intelectual, mas sobre os processos de
mediação das estruturas cognitivas e lingüísticas. A teoria de Vygotski não enfatiza apenas
a ação do sujeito epistemológico autônomo, mas precipuamente a mediação cultural, ou a
ação dos outros sujeitos na construção psicológica individual. Feuerstein parece se
apropriar da ênfase vygotskiana da mediação cultural dos processos psicológicos, ou seja,
enfatiza epistemologicamente a necessidade e importância da ação mediada dos processos
de construção intelectual da criança. A criança é auto-suficiente na regulação dos processos
de desenvolvimento cognitivo, contudo tal autonomia carece, para sua solidificação e
estruturação, das vivências sociointerativas.
Assim, o desenvolvimento cognitivo da criança depende principalmente das
experiências de aprendizagem mediada, propiciadas por pessoas próximas, com o objetivo
131
de criar zonas de desenvolvimento proximal (este também é um conceito extremamente
importante em Feuerstein, pois é na zona de desenvolvimento proximal que a mediação dos
instrumentos do PEI deve acontecer). Numa lógica de proporção, quanto mais a criança
usufruir, em seu desenvolvimento, do auxílio cognitivo direto e intencionado de outras
pessoas,
mais
seguramente
apresentará
um
desenvolvimento
cognitivo
normal.
Inversamente, a não intermediação humana no processo de aprendizagem da criança
acarretará defasagens cognitivas acumuladas, que implicarão o surgimento de problemas no
seu funcionamento cognitivo-intelectual posterior. Por isso, Feuerstein pressupõe que uma
das causas fundamentais dos problemas de aprendizagem reside nas condições de interação
social (interpessoal) do indivíduo.
O modelo de Feuerstein busca compreender as dificuldades no processo de
raciocínio do ser humano, encontrando subsídios para a explicação das dificuldades de
aprendizagem. Para se ter uma idéia das implicações educacionais práticas, sua teoria
define a dificuldade escolar como um sintoma, um sinal que denuncia uma aprendizagem
mediada ineficaz e a presença circunstancial de funções cognitivas deficientes que
emperram a aquisição adequada de novos conteúdos por meio da construção do
conhecimento. Portanto, como sintoma da falta ou de uma ineficaz aprendizagem
mediada, a presença de funções cognitivas deficientes compromete a aprendizagem.
O conceito da privação cultural, como vimos, empregado para designar a ausência
da mediação cognitivo-cultural da geração adulta para a que se segue, é utilizado não em
sua possível conotação social, econômica ou até mesmo cultural, mas no sentido estrito
da não intermediação adulta nos processos de aprendizagem da criança.
É relevante que entendamos que a base material, filosófica, histórica, sob a qual as
teorias são construídas, acabam refletidas nas posturas de seus criadores. Portanto, apesar
de quando se refere aos critérios de mediação Feuerstein chamar a atenção para a
importância de se levar em consideração alguns fatores culturais, sua preocupação pára por
aí.
A mediação proposta por Feuerstein não prevê o trabalho com o caráter ideológico
dos signos, na perspectiva que nos aponta Bakthin, e consequentemente da própria
linguagem. Como os instrumentos não trabalham conteúdos específicos, mas, sim, funções
cognitivas e operações mentais, não podemos dizer que o caráter ideológico dos mesmos
132
também não foram previstos, mas o conteúdo que eles despertam, dependendo da situação e
da intenção do mediador, podem levar, ou não, a se perder de vista o caráter ideológico da
mediação.
No capítulo II, tratamos do Programa de Enriquecimento Instrumental de Reuven
Feuerstein, que se fundamenta na Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural e na
Experiência de Aprendizagem Mediada, nos seus aspectos teóricos e metodológicos.
Conforme pôde-se constatar no trabalho teórico de Feuerstein, seu pensamento
fundamenta-se precipuamente no conceito da Experiência de Aprendizagem Mediada.
Segundo a concepção do autor, os fatores de inibição ou de fomento do desenvolvimento
cognitivo infantil dependem do nível qualitativo de mediação oportunizado por pessoas
significativas. Caso outras variáveis, tais como as condições emocionais, a situação
econômica da família e eventuais privações orgânicas sejam consideradas como fatores de
influência da aprendizagem, estas são levadas em conta muito mais como elementos
facilitadores ou dificultadores dos processos mediados da aprendizagem.
Tal é a importância do significado da mediação em sua obra que ele destaca a
existência de critérios fundamentais para a mediação. Feuerstein identificou, como vimos,
dez critérios: mediação de intencionalidade e reciprocidade, mediação de transcendência,
mediação do significado (estes primeiros considerados como fundamentais e suficientes
para uma interação ser considerada mediação), mediação do sentimento de competência,
mediação da regulação e do controle do comportamento, mediação do comportamento
compartilhado, mediação da diferenciação individual e psicológica, mediação do desafio: a
procura por novidade e complexidade, mediação da conscientização do ser humano como
sendo uma entidade em mudança.
No Capítulo III, tratamos dos procedimentos metodológicos do estudo em questão,
salientando que optamos pela pesquisa de tipo qualitativa em sua abordagem
interpretativa; trabalhamos com uma amostra intencional com critérios pré-estabelecidos
de seleção e utilizamos para coleta de dados a aplicação de quatro instrumentos do PEI e
como técnica, a observação pouco ou não estruturada na forma de observação
participante.
Segundo Feuerstein (1991), a aplicação ideal dos 14 instrumentos do PEI deve
decorrer durante três anos, na base de três a cinco horas semanais, alternadas com os
133
conteúdos curriculares e com a experiência cotidiana, para que se verifiquem efeitos
cognitivos significativos. Neste estudo, na aplicação mediada do PEI, foram utilizados
somente os quatro instrumentos anteriormente descritos, durante um período aproximado
de quatro meses, à base de duas horas semanais, completando uma carga aproximada de 42
horas de intervenção, devido aos objetivos apontados na introdução deste trabalho e pelas
próprias características da organização curricular do Projeto Pescar.
A metodologia das sessões seguiu criteriosamente os planos didáticos de cada
instrumento e seus respectivos planos de sessão prescritos pelo autor, pondo em prática a
maioria das estratégias de aprendizagem mediatizada, por nós vivenciadas nos dois níveis
de formação.
A partir da aplicação do Programa de Enriquecimento Instrumental pudemos fazer
algumas constatações. Optamos por descrever algumas situações pertinentes, da mesma
maneira que optamos no capítulo anterior por levantar alguns exemplos que corroborassem,
ou não, com os objetivos deste estudo e sua fundamentação teórica.
Em alguns alunos pudemos observar algumas dificuldades ou de recepção, ou de
integração, ou de elaboração e expressão da informação. A maioria por apresentar um
comportamento impulsivo e pelo espírito de competitividade que o instrumento
Organização de Pontos despertou a princípio. No decorrer do trabalho com o instrumento, à
medida com que se familiarizavam com a metodologia e com o próprio instrumento, a
competitividade foi deixando de existir. Como critério de mediação, investimos no
Sentimento de Compartilhamento nos quatro instrumentos, principalmente pela
característica adolescente do espírito de "gozação", de menosprezar o trabalho do outro e
dos rótulos utilizados, como: “burro”, “incompetente”. A todo momento buscávamos que
os alunos, errando ou acertando, explicassem aos demais a maneira como chegaram à
resposta, que caminhos buscaram e que explicassem o seu erro. Mediávamos, sempre que
houvesse a oportunidade, a importância de pensarmos sobre como pensamos. Ou seja,
buscávamos, segundo vimos em Vygotski, o processo de interiorização do comportamento,
primeiro mediando o problema (processo interpsicológico), depois com a resolução
individual (processo intrapsicológico), em seguida, discutindo as várias maneiras
encontradas de solucioná-lo (processo interpsicológico).
134
Ao mediar o sentimento de compartilhamento e o sentimento de pertencimento (não
esquecendo que sempre a mediação da intencionalidade e reciprocidade, do significado e da
transcendência sempre estiveram presentes), observamos que no decorrer do processo
houve uma expansão das funções de comunicação e de interação social. Os alunos mais
introvertidos (aluno 11 e 15) mostraram-se bastante resistentes. Se observarmos, o aluno 11
tem 14 anos e encontra-se na sexta série, o aluno 15 tem 16 anos e encontra-se na quinta
série. Na grande maioria dos problemas a serem resolvidos, de alguma maneira
manifestavam, muito pouco verbalmente, mais corporalmente, o sentimento de
incompetência. Com esses alunos, aos poucos fomos fazendo um trabalho de mediação
correlato do sentimento de competência e quando havia a oportunidade e o clima propício
no grupo (o próprio grupo não dava importância a eles, tratando-os como os lanterninhas)
procurávamos expô-los no sentido de mostrar que suas contribuições também eram
importantes. A teoria de Feuerstein não aponta para a leitura corporal, para os indícios não
explícitos do comportamento do aluno e como mediá-los. Para um mediador com pouca
experiência esses dados passariam despercebidos (como muitas vezes acontece em sala de
aula quando o professor é cego para esse tipo de leitura).
Ainda com o aluno 11, observamos diversas disfunções cognitivas, como
demonstraram os exemplos levantados no capítulo anterior. Salientamos que um dos
principais objetivos do PEI é desenvolver o pensamento abstrato; portanto, ele não prevê o
tipo de mediação que realizamos, ou seja, desenvolver um outro tipo de material concreto
ou outra situação concreta. Este aluno em particular, se buscarmos em Piaget, não elaborou
algumas funções importantes, como: constância do objeto e rotação do objeto no espaço;
ele possui dificuldades em acomodar (no sentido piagetiano) novas situações, ou seja ele só
assimila (só percebe as semelhanças, possui extrema dificuldade em perceber as
diferenças), possui dificuldades em discriminar signos. Com esse aluno em particular,
trabalhamos pelo menos meia hora a mais por encontro, pois como vimos na revisão de
literatura, Vygotski trabalha explícita e constantemente com a idéia de reconstrução,
reelaboração, por parte do indivíduo, dos significados que lhe são transmitidos pelo grupo
cultural e da possibilidade de resignificação. O processo de significação representa a
totalidade das modificações resultantes de um determinado comportamento para o agente e
para o seu parceiro de interação e que são internalizadas dando um sentido às coisas
135
(Brunner & Zeltner, 1994). O processo de significação é o princípio energético da
experiência de aprendizagem mediada e permite ao indivíduo entender porque é importante
aquilo que faz. Chega por esse processo a saber o que é, por quê e para quê daquilo que está
fazendo. Resignificar, portanto, é a possibilidade de poder significar de novo, podendo
levar a novos significado (Tébar, In Rubinstein, 1995).
Para Piaget, seria muito difícil reconstruir algumas dessas funções. A reconstrução,
por meio da concretização, foi bastante pertinente neste caso, sendo que primeiramente
buscamos evidenciar a capacidade de o aluno representar mentalmente, por intermédio de
situações simples como desenhar uma figura geométrica, como um quadrado. Sempre que a
atividade permitia, solicitávamos que ele fechasse os olhos e repetisse mentalmente o que
tinha acabado de fazer concretamente e que, de alguma maneira, tentasse representar de
outra forma a situação concreta. Esse trabalho foi realizado durante as 42 horas em que o
estudo ocorreu. Percebemos que, mais ao final do programa, ele conseguia resolver os
problemas com maior desenvoltura e autoconfiança. Os professores do curso também
observaram melhoras nas atividades realizadas pelo aluno.
Outra característica do programa é a maximização da transferência e da
generalização, ou seja, pela mediação da transcendência, sempre que possível as
dificuldades levantadas pelos alunos, as descobertas, eram trabalhadas na forma de
princípios (por exemplo, com perguntas como: em que situação do dia-a-dia nos deparamos
com a mesma dificuldade? Como podemos utilizar esta descoberta para resolver outros
problemas parecidos?).
Em conversa com os professores do curso, estes relataram que a partir de
determinado momento (por nós identificado como o início da aplicação do terceiro
instrumento) os alunos, apesar de demonstrarem maior interesse em querer saber o porquê e
o para quê de determinadas tarefa, não conseguiam estabelecer a relação entre determinadas
atividades realizadas na mediação dos instrumentos do PEI e os conteúdos específicos
desenvolvidos no curso. Cabe aqui lembrar que o foco da seleção dos instrumentos, e
consequentemente a maneira como o trabalho foi encaminhado, estava voltado para as
habilidades básicas indispensáveis ao perfil do profissional que se queria formar e não
relacionado aos conteúdos programáticos do curso, ou a sua estruturação curricular.
136
Fundamental foi perceber o quanto o trabalho realizado mexeu com a auto-estima
das pessoas, reforçando a teoria de Feuerstein de que é a “mediatização que transmite a
auto-avaliação que o indivíduo faz da sua ação, o acesso ao sucesso e ao ‘ser capaz de
fazer’ é essencial à sua auto-estima e autoconfiança. Escolher as tarefas que estão ao nível
de acomodação do mediatizado é um ponto de partida fundamental para produzir
modificabilidade cognitiva” (Fonseca, 1998, p. 72).
As análises feitas a partir deste estudo fornecem-nos algumas evidências de que a
pessoa está aberta à modificabilidade. Pudemos evidenciar algumas mudanças de
comportamento dos alunos, como: diminuição da impulsividade, comportamento mais
reflexivo, preocupação na utilização de termos corretos para se expressar, respeito ao
colega, negociação do significado das palavras, busca compartilhada de estratégia para a
resolução de problemas. Tais comportamentos evidenciam que houve mudança
comportamental e afetiva, pois estas foram observadas; porém, com relação à cognição
podemos apenas inferir uma mudança, uma vez que o aluno 11, por exemplo, foi capaz de
resolver, após o trabalho de mediação “especial”, os problemas propostos com sucesso,
sendo que este fato não nos garante que sua capacidade cognitiva modificou-se
estruturalmente. Falamos aqui em mudança e não em modificabilidade.
Se buscarmos o conceito de modificabilidade: “(...) não se trata de modificação ou
de uma mudança que ocorre como resultado dos processos circunstanciais e acidentais do
desenvolvimento e de maturação, mas, sim, de modificabilidade, entendida como
modificação estrutural no funcionamento do indivíduo (...) trata-se, portanto, de uma
mutabilidade significativa, sólida e durável (Fonseca, 1998, p. 43)”, não podemos garantir
que a modificabilidade realmente aconteceu pelo curto período de tempo de aplicação dos
instrumentos e por não acompanharmos os alunos do Projeto, após seu término, para poder
verificar a profundidade e a durabilidade das mudanças observadas.
Entretanto, constatamos em vários momentos que o trabalho metacognitivo é
possível. Fazer com que o aluno pense, reflita sobre o seu pensamento, que evidencie
verbalmente como chegou a tais resultados é possível por meio da mediação adequada.
Büchel (In Beyer, 1996) comenta que as premissas teóricas de Feuerstein não
apresentam uma concepção absolutamente nova. Para Büchel, "a teoria da aprendizagem
mediada faz uma síntese convincente de outras teorias. Com certeza, além dessa síntese
137
algumas novas ênfases são elaboradas. Isto vale especialmente na ênfase conseqüente nos
aspectos operacionais e metacognitivos da intervenção em contraposição à ênfase no
produto (p. 193)".
Entendemos que a contribuição de Feuerstein foi a de ter sistematizado, de maneira
significativa, os critérios de mediação para a aplicação dos instrumentos do PEI. Os
instrumentos por si só, podem ser vistos, por algumas pessoas, como simples exercícios de
siga o modelo ou, obedeça às instruções. O diferencial está na mediação do processo, na
consciência, na clareza que o mediatizador deve ter de aonde se quer chegar com aquela
situação problema apresentada ao mediatizado. Nesse sentido, a estruturação do mapa
cognitivo, que representa o planejamento de cada unidade, possibilita tal consciência e
clareza.
O fato acima indica uma das respostas ao questionamento feito na introdução desse
estudo de como auxiliar o professor a buscar estratégias para desenvolver o potencial
cognitivo de seus alunos, ou seja, estabelecer critérios de mediação adequados e ter a
clareza de que o seu planejamento de ensino deve envolver não só o conteúdo a ser
trabalhado mas, também, quais operações mentais e funções cognitivas estarão em jogo
para a compreensão dos conteúdos é fundamental.
Portanto, podemos afirmar que a mediação do Programa de Enriquecimento
Instrumental (PEI) em um grupo de jovens integrados a um projeto de qualificação
profissional básica, por um período limitado de tempo, possibilitou mudanças afetivas e
comportamentais observáveis Em relação a modificabilidade cognitiva estrutural, os
resultados desse estudo não puderam evidencia-la, apenas nos levaram a inferir a
possibilidade de mudança cognitiva.
LIMITAÇÕES E SUGESTÕES PARA FUTURAS PESQUISAS
As limitações percebidas no decorrer do estudo estão ligadas ao fato apontado de
que a aplicação do programa foi planejada segundo as habilidades básicas do perfil do
profissional que se queria formar. Não foi levado em consideração que se poderia fazer um
138
planejamento envolvendo, também, as disciplinas que fazem parte do curso. O que
ocasionou, de certa maneira, uma não compreensão da relação do programa com os
conteúdos das disciplinas, apesar da mediação da transcendência e do significado.
O fato de os professores não terem sido trabalhados em relação à metodologia do
programa causou certa confusão na atitude dos alunos e dos professores, pois, como citado
anteriormente, os alunos passaram a querer entender o porquê dos processos ensinados,
exigindo dos professores uma mediação que eles não estavam prontos para realizar.
Um fator limitante diz respeito à escassa bibliografia encontrada no Brasil sobre
Reuven Feuerstein e o Programa de Enriquecimento Instrumental. Se foi possível o
aprofundamento teórico deveu-se à possibilidade de poder participar dos dois níveis de
formação em que grande parte dos conceitos teóricos foram construídos. Ressaltando,
também, que os estudos existentes estão relacionados à clínica psicopedagógica, portanto,
faz-se necessária sua aplicação em outras populações
Sugerimos, a partir destas limitações, que se elabore uma metodologia de ensino
que leve em consideração os processos cognitivos, ou seja, que o conteúdo não seja o único
determinante no planejamento de uma atividade de ensino, mas também que passemos a
pensar em quais funções cognitivas e operações mentais queremos construir com os
conteúdos escolares planejados.
Sugerimos a criação de um currículo diferenciado para o curso de formação em
questão, em que se pudesse trabalhar o Programa de Enriquecimento Instrumental dentro
do que se chamaria de desenvolvimento de Habilidades Básicas.
Entendemos que a contribuição de Feuerstein para a compreensão do processo de
mediação é bastante significativo, principalmente por concretizá-lo por meio de critérios.
Seria relevante o estudo do papel da mediação, na visão do autor, na interface homem
computador, uma vez que adota alguns conceitos da teoria do processamento da
informação.
Por último, e não menos importante, percebemos que Feuerstein, apesar de
considerar a importância do processo comunicativo, não trabalha a visão Bakhitiniana de
linguagem e comunicação que fizemos questão de ressaltar, quando no capítulo 2
trabalhamos a mediação sócio-histórica em Vygotski. Seria pertinente investigar os
139
processos históricos da construção dos signos e como eles são interiorizados pelas pessoas,
são lidos e interpretados por meio da experiência de aprendizagem mediada.
140
ANEXO 1
MAPA COGNITIVO
141
PROGRAMAÇÃO DA UNIDADE-PÁGINA - P.E.I.
Instrumento:__________________ Unidade:________ Pg._____
CRITÉRIOS DE MEDIAÇÃO:
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
1.
OBJETIVO GERAL DA UNIDADE:
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
2.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS DE CADA PÁGINA:
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
3.
NOVIDADES DA UNIDADE-PÁGINA:
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
4.
VOCABULÁRIO-CONCEITOS:
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
5.
6.
ANÁLISE SEGUNDO O MAPA COGNITIVO:
a) Tema: ______________________________________________________________
b) Modalidade: _________________________________________________________
c) Operações mentais:
01020304050607-
Identificação
Comparação
Análise
Síntese
Classificação
Codificação
Decodificação
080910111213-
Projeção de relações virtuais
Diferenciação
Representação mental
Transformação mental
Raciocínio divergente
Raciocínio hipotético
141516171819-
Raciocínio transitivo
Raciocínio analógico
Raciocínio progressivo
Raciocínio lógico
Raciocínio silogístico
Raciocínio inferencial
142
d) Funções cognitivas deficientes:
Fase de input (entrada)
01- Percepção confusa.
02- Comportamento exploratório
impulsivo.
03- Falta de instrumentos verbais.
04- Orientação espacial deficiente.
05- Orientação temporal deficiente
06- Deficiência na constância e
permanência do objeto.
07- Deficiência na precisão e
exatidão no resgate da dados
08- Dificuldade para considerar
duas ou mais fontes de
informação.
Fase de elaboração
01- Dificuldade ao perceber um
problema e defini-lo.
02- Dificuldade em distinguir
dados
relevantes
de
irrelevantes.
03- Carência
de
conduta
comparativa.
04- Campo mental limitado.
05- Percepção
episódica
da
realidade.
06- Carência de raciocínio lógico.
07- Carência de interiorização do
próprio comportamento.
08- Restrição no pensamento
hipotético inferencial.
09- Carência de estratégias para
verificar hipóteses.
10- Dificuldade na planificação da
conduta.
11- Dificuldade na elaboração de
categorias cognitivas.
12- Dificuldade para a conduta
somativa.
13- Dificuldade para estabelecer
relações virtuais
Fase de output (resposta)
01- Comunicação egocêntrica.
02- Dificuldade para projetar
relações virtuais.
03- Bloqueio na comunicação de
respostas.
04- Respostas por ensaio e erro.
05- Carência de instrumentos
verbais adequados.
06- Carência de necessidade de
precisão e exatidão para
comunicar as respostas.
07- Deficiência no transporte
visual.
08- Conduta impulsiva.
e) Nível de complexidade:
f) Nível de abstração:
g) Nível de eficácia:
DIFICULDADES PREVISTAS:
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
7.
ESTRATÉGIAS:
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
8.
DESENVOLVIMENTO DO INSIGHT:
a) Princípio, conclusão, generalização:
1._____________________________________________________________________
2._____________________________________________________________________
3._____________________________________________________________________
4._____________________________________________________________________
9.
b) Aplicação a matérias de estudo:
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
143
c) Aplicação ao mundo do trabalho:
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
d) Aplicação a vida diária:
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
ANOTAÇÕES:
Do grupo em geral: _________________________________________________________
_________________________________________________________________________
Análise das situações de acerto: _______________________________________________
_________________________________________________________________________
As maiores dificuldades: _____________________________________________________
_________________________________________________________________________
O processo de mediação da página: ____________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
Alunos em particular: _______________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
144
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