CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DO PARANÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TECNOLOGIA APRENDIZAGEM MEDIADA: UM ESTUDO PRÉVIO DOS EFEITOS DO PROGRAMA DE ENRIQUECIMENTO INSTRUMENTAL DE REUVEN FEUERSTEIN EM JOVENS INTEGRADOS A UM PROCESSO DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL BÁSICA ENILDE APARECIDA BERNARDI MARTINS Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Tecnologia, Área de Concentração: Educação Tecnológica. Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná. Orientador: Profª Drª Sonia Ana C. Leszczynski CURITIBA 2002 ENILDE APARECIDA BERNARDI MARTINS APRENDIZAGEM MEDIADA: UM ESTUDO PRÉVIO DOS EFEITOS DO PROGRAMA DE ENRIQUECIMENTO INSTRUMENTAL DE REUVEN FEUERSTEIN EM JOVENS INTEGRADOS A UM PROCESSO DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL BÁSICA Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Tecnologia, Área de Concentração: Educação Tecnológica. Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná. Orientador: Profª Drª Sonia Ana C. Leszczynski CURITIBA 2002 A você, pai, cuja presença é duradoura. Ao Walter, Marina, Felipe e Guilherme com meu pedido de desculpas pelas ausências e a gratidão pela paciência, carinho e compreensão Agradecimentos A Sônia Ana C. Leszczynski pelo apoio, sem o qual não poderia ter sido realizada a formação necessária para a aplicação do programa, e pela sensibilidade em perceber e respeitar a importância deste momento. Ao Cefet-PR, pela oportunidade para meu crescimento profissional. Aos professores do Programa de Pós-Graduação pela competência e disponibilidade em compartilhar seus saberes. Ao Professor João Augusto de Souza Leão Bastos pela oportunidade por ter podido conhecer um verdadeiro sábio. Aos colegas de turma, pelos momentos de mediação cognitiva e afetiva, principalmente Núbia, Maria Inês, João Negrão, Adilson, Ana Cristina, Carlos. A Margarete Tonelli, por ter mediado de maneira competente, nestes últimos três anos, o processo de resignificação da minha vida. À Graça Maria Abrantes de Almeida por sempre ter acreditado no meu potencial e ter mediado este sentimento de forma tão competente. Às professoras Leisa Barros Dutra Hepp e Neusa Pereira de Souza Manfredinho por compartilharem a crença de que utopias são possíveis. Ao Prof. Édio Furlanetto, responsável pela coordenação do projeto Pescar, na Escola Técnica Tibagi, pelo exemplo de como se faz uma escola cidadã. Ao Prof. Silvino Iagher pela disponibilidade em revisar e dar sentido a algumas das idéias postas neste trabalho. Por último, aos alunos do Projeto Pescar, que tornaram possíveis as mediações realizadas e, a um aluno em especial, por compartilhar o sentimento de competência de que reaprender é possível. SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS RESUMO ABSTRACT INTRODUÇÃO ..................................................................................................................01 Capítulo I REVISÃO DA LITERATURA 1. CONTORNOS TEÓRICOS DA PSICOLOGIA COGNITIVA.....................................05 1.1 Modelo Associacionista..................................................................................................09 1.2 Modelo Organicista.........................................................................................................13 1.3 O modelo piagetiano ......................................................................................................17 1.4 A teoria sociocultural da aprendizagem.......................................................................23 Capítulo II 2. PROGRAMA DE ENRIQUECIMENTO INSTRUMENTAL ......................................31 2.1. Reuven Feuerstein e as bases de sua teoria ...................................................................31 2.2 A mediação sociocultural de Vygotski e a experiência de aprendizagem mediada ..... 33 2.3 Critérios de mediação .....................................................................................................41 2.4 Operações mentais e funções cognitivas ........................................................................56 2.5 Mapa cognitivo ..............................................................................................................74 2.6 Programa de enriquecimento instrumental – características e instrumentos .................77 Capítulo III ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS ...............................................................................82 3.1 Metodologia de trabalho ............................................................................................... 82 3.2 Amostra ......................................................................................................................... 82 3.2.1 Caracterização do Projeto Pescar.................................................................................75 3.2.2 Caracterização da amostra 3.3. Instrumentos utilizados ............................................................................... ................ 77 3.4 Resultados da pesquisa ..................................................................................................79 Capítulo IV CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 119 ANEXO 1 – MAPA COGNITIVO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 130 LISTA DE FIGURAS Figura 01 - Modelo de experiência de aprendizagem mediatizada ..................................... 41 Figura 02 - Resposta do aluno com o processo previsto de mediação................................. 91 Figura 03 - Resposta do aluno após o processo de mediação especial ................................92 Figura 04 - Resposta do aluno com o processo previsto de mediação .................................93 Figura 05 - Resposta do aluno após o processo de mediação especial.................................93 Figura 06 - Resposta do aluno com o processo previsto de mediação..................................98 Figura 07 - Resposta do aluno após o processo de mediação especial.................................98 Figura 08 - Resposta do aluno com o processo previsto de mediação................................104 Figura 09 - Resposta do aluno após o processo de mediação especial...............................105 Figura 10 - Resposta do aluno com o processo previsto de mediação...............................106 Figura 11 - Resposta do aluno após o processo de mediação especial ..............................107 Figura 12 - Resposta do aluno com o processo previsto de mediação...............................113 Figura 13 - Resposta do aluno após o processo de mediação especial...............................114 Figura 14 - Resposta do aluno com o processo previsto de mediação................................115 Figura 15 - Resposta do aluno após o processo especial de mediação...............................116 RESUMO O presente estudo trata da mediação do Programa de Enriquecimento Instrumental de Reuven Feuerstein e foi aplicado em jovens integrados a um projeto de qualificação profissional básica da Escola Técnica Tibagi, que desenvolve o Projeto Pescar, denominação de um programa de integração de jovens carentes ao convívio social e profissional. O objetivo foi verificar se a mediação do Programa de Enriquecimento Instrumental a um grupo de jovens com baixo rendimento escolar, por um período limitado de tempo, seria capaz de provocar indícios de modificabilidade. Para tal, decidiu-se pela abordagem de pesquisa qualitativa de natureza interpretativa. Por meio da revisão da literatura, buscou-se estabelecer alguns contornos teóricos da Psicologia Cognitiva que mais se aproximam do arcabouço conceitual que sustentam o Programa de Enriquecimento Instrumental, o qual se fundamenta na Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural e na Experiência de Aprendizagem Mediada. Os resultados obtidos neste estudo fornecem algumas evidências de que a pessoa humana está aberta à modificabilidade. A partir dessa constatação foram discutidas as implicações para futuras aplicações do Programa de Enriquecimento Instrumental. Palavras-chave: Modificabilidade, Mediação, Metacognição. ABSTRACT The present paper is about the mediation of the Feuerstein’s Instrumental Enrichment Program. It was aplied in young people involved with a basic professional qualification project at the Technical School Tibagi which develops the Projeto Pescar (the Fisching Project). This project is a denomination of an integration program of socially or culturally disadvantaged young individuals to the social and professional conviviality. The goal was to vefify if the mediation of the Instrumental Enrichment Program to a group of young people with low scholar efficiency, in a short period of time, would provoke modifiability indicators. In order to do so, the qualitative research with an interpretive nature was adopted. Through literature revision some theoretical outlines from the Cognitive Psychology were stablisched and they were nearer the conceptual framework of the Instumental Enrichment Program which is based on the Structural Cognitive Modifiability Theory and on the Mediated Learning Experience. The results achieved in this study give some evidence thal human beings are open to modifiability. From this observation the implications for the future applications of the Instumental Enrichment Program were discussed. Key-words: Modifiability, Mediation, Metacognition. 1 INTRODUÇÃO Há anos trabalhando em educação, sempre nos causou preocupação a fala de muitos professores de que alguns alunos não aprendem de jeito nenhum. Este discurso, quando explicitado ao aluno (ou mesmo velado, mas manifesto através de atitudes), leva muitas vezes a comportamentos discriminatórios, desencadeando sentimentos de incompetência cognitiva que podem ser percebidos, freqüentemente, através do atraso em sua história acadêmica ou, até mesmo, no abandono dos estudos. Muitos alunos tentam retomar o tempo perdido engajando-se em programas de integração ou qualificação profissional básica, levando consigo o peso da sensação de desqualificação e incompetência. Frente a este quadro, sempre nos questionamos se haveria meios de auxiliar o professor a buscar estratégias de como interferir no nível da cognição e não no nível da assimilação pura e simples de saberes e técnicas, a fim de fornecer a essas pessoas os prérequisitos cognitivos que lhes permitissem aprendizagens elaboradas posteriores, principalmente numa sociedade cognitiva que vai exigir cada vez mais conhecimentos, criatividade e inovação, atributos cognitivos por excelência e de excelência, que não se podem adquirir apenas por percepção passiva e massificada de informação. Vivemos numa nova cultura tecnológica que se instala progressivamente, para a qual muitas pessoas (por exemplo, jovens trabalhadores) não estão preparadas e para as quais não se perspectivou1 qualquer metodologia diferenciada de formação. Nas últimas décadas, a investigação psicopedagógica internacional tem-se orientado, como demonstra Fonseca (1998), para o desenvolvimento de programas que pretendem a melhoria das competências cognitivas, como é o caso do Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) de Reuven Feuerstein, o qual se fundamenta na Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural (MCE) e na Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM). A teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural, conforme indica o próprio nome, baseia-se na modificabilidade2, na flexibilidade da estrutura cognitiva, e tem como um dos 1 Perspectivar – Fig. Esperado no futuro. Expectativa, esperança, probabilidade (AURÉLIO, 1986, p.1317) Pode-se dizer que o conceito de modificabilidade é um dos dois aportes conceituais que fundamentam a teoria de Feuerstein, ao lado do conceito de experiência de aprendizagem mediada. 2 2 aportes conceituais centrais o pressuposto de que o ser humano é dotado de uma mente plástica, flexível, aberta a mudanças, sendo, portanto, uma condição filogenética da espécie humana e proporcionada por fatores socioculturais. Nas suas experiências, Feuerstein (1991) demonstrou que a modificabilidade estrutural cognitiva ocorre quando se desenvolve a metacognição, a qual se traduz como tomar consciência de “como se aprende”, processo que só se atinge numa relação onde existe um mediador que estimula a tomada de consciência. A teoria da Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM) – “definida como a qualidade de interação entre o organismo e o meio – produz-se pela interposição de um ser humano iniciado e intencionado, que medeia o mundo e o organismo, criando no sujeito a propensão ou tendência à mudança pela interação direta com os estímulos. A EAM produz a flexibilidade, a autoplasticidade na existência humana e, em última instância, oferece-lhe a opção de modificabilidade, tal como temos descrito” (Feuerstein, 1997, p. 15). O Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI), de autoria de Feuerstein, tem como objetivo não a adaptação a um modelo preciso, mas preparar o indivíduo para a mudança, otimizando o funcionamento cognitivo e proporcionando-lhe um método de aprendizagem em que ele aprenda a aprender. Propõe-se a corrigir funções cognitivas deficientes3, resultantes da mediação debilitada da aprendizagem, como também propiciar o desenvolvimento de motivação interna por parte da pessoa, pois pressupõe que o processo de internalização (no sentido vygotskiano)4 pelo aluno é importante, pois assim ele passa a utilizar e a aplicar os conceitos, relações, operações e estratégias de forma autônoma, construindo uma auto-imagem ativa. No Brasil, os estudos sobre a modificabilidade cognitiva são mais recentes (RUBINSTEIN, 1995; BEYER, 1996) e normalmente voltados para a intervenção psicopedagógica clínica e individual. 3 Funções cognitivas são processos estruturais e complexos do funcionamento mental que, quando combinados, fazem operar e organizar a estrutura cognitiva. GOMES (2002) aponta que a teoria de Feuerstein define a dificuldade escolar como um sintoma, um sinal que denuncia uma aprendizagem mediada ineficaz e a presença circunstancial de funções cognitivas deficientes que emperram a aquisição adequada de novos conteúdos por meio da construção do conhecimento. 4 Chamamos de internalização (grifo do autor) a reconstrução interna de uma operação externa. A internalização de formas culturais de comportamento envolve a reconstrução da atividade psicológica tendo como base as operações com signos (VYGOTSKI, 1993, p. 65) 3 Dessa constatação surgiu o questionamento que motivou esta pesquisa, ou seja, é possível observar indícios de modificabilidade a partir da mediação do Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) a um grupo de jovens integrados a um projeto de qualificação profissional básica? A partir desta questão, o objetivo central deste estudo foi verificar se a mediação do Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) a um grupo de jovens com baixo rendimento escolar, participantes de um projeto de formação profissional básica, por um período limitado de tempo, seria capaz de provocar indícios de modificabilidade. Por meio da revisão da literatura, no capítulo I, buscou-se os caminhos percorridos por Feuerstein para a construção do arcabouço conceitual que sustenta o Programa de Enriquecimento Instrumental. Para tal compreensão, estabeleceram-se alguns contornos teóricos da psicologia cognitiva, implícitos em sua abordagem, e explicitados por autores como Beyer (1996), Sutherland (1996), Fonseca (1998), Gomes (2002), uma vez que, não era preocupação inicial de Feuerstein buscar evidências teóricas que sustentassem cientificamente sua abordagem metodológica. Assim, foi adotada a classificação proposta por Pozo (1998) como referência para categorizar as teorias psicológicas e suas influências no campo da cognição. A partir dessa classificação, situou-se a interface entre o modelo associacionista (comportamentismo, teoria do processamento da informação), o modelo organicista (gestalt, modelo piagetiano, abordagem sócio-histórica de Vygotski, Bruner, estudos sobre metacognição) e a Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural. No capítulo II, apresentou-se o Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI), sua base teórica; a interface entre a mediação sociocultural em Vygotski e a Experiência de Aprendizagem Mediada; os critérios de mediação sistematizados por Feuerstein; foram trabalhados os conceitos de operações mentais e funções cognitivas; como também a importância da estruturação do mapa cognitivo, objetivos e instrumentos do PEI. No capítulo III, foram tratados os procedimentos metodológicos e os resultados do estudo em questão. De acordo com o objetivo proposto para este estudo, optou-se pela pesquisa de tipo qualitativa em sua abordagem interpretativa. O estudo envolveu 17 4 alunos, da décima turma de formação de Assistente Eletromecânico, curso ofertado pela Escola Técnica Tibagi, filiada ao Projeto Pescar; portanto, a amostra foi intencional com critérios pré-estabelecidos de seleção. Para a coleta de dados foi utilizada a aplicação de quatro instrumentos do PEI e como técnica, a observação pouco ou não estruturada na forma de observação participante. No capítulo IV, foram enunciadas as considerações finais, as recomendações, as implicações da investigação para a prática pedagógica, as limitações do estudo e as sugestões para futuras pesquisas. 5 1. CONTORNOS TEÓRICOS DA PSICOLOGIA COGNITIVA As teorias que o ser humano constrói para sistematizar seu conhecimento, para explicar e prever eventos, são constituídas de conceitos e princípios. Conceitos são signos que apontam regularidades em objetos ou eventos, os quais são usados para pensar e dar respostas rotineiras e estáveis ao fluxo de eventos. Princípios são relações significativas entre conceitos. Teorias também expressam relações entre conceitos, porém são mais abrangentes, envolvendo muitos conceitos e princípios. Subjacentes às teorias estão sistemas de valores aos quais se pode chamar de filosofias ou visões de mundo. A psicologia não dispõe, neste momento, de uma teoria única e aceita globalmente que ofereça um marco explicativo completo e detalhado dos processos cognitivos que envolvem a aprendizagem escolar. Porém, ao contrário, na dimensão teórico-conceitual, coexistem diversas teorias e enfoques sobre processos cognitivos e aprendizagem escolar que respondem a coordenadas históricas e epistemológicas diversas, e que proporcionam conceitos e princípios explicativos também inversos, podendo, às vezes, ser considerados complementares e, às vezes, dificilmente podem ser conciliados. É importante situar neste momento os caminhos percorridos por Feuerstein para a construção do arcabouço conceitual que sustenta o Programa de Enriquecimento Instrumental, que se fundamenta na teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural e na Experiência de Aprendizagem Mediada. Podemos observar que suas preocupações iniciais não focalizavam a criação de uma plataforma científica como base para a geração da teoria: Inicialmente investi pouco nesse aspecto particular de meu trabalho. O ímpeto básico para a criação da teoria da MCE não partiu de um interesse intelectual puro, mas de uma necessidade muito urgente e vital de encontrar meios para ajudar milhares de crianças sobreviventes do Holocausto, cujo futuro dependia em muito de uma mudança radical nos pontos de vista dos psicólogos, professores, “tomadores de conta” e elaboradores de política educacional. É por isso que a história dessa teoria está ligada em especial a uma realidade sociocultural e educacional difícil, que tinha a tendência a continuar assim por causa daqueles que acreditavam na fixidez e na imutabilidade da inteligência e em outras características humanas que os conduziam a manter tal difícil realidade. (...) assim, em lugar de procurar por fontes teóricas que servissem de base para uma visão otimista do ser humano e da possibilidade de modificar o curso de sua vida, buscamos meios de provar que isso era possível, envolvendo-nos em um programa de diagnóstico e intervenção, a fim de confirmar nosso postulado e nosso sistema otimista de crença na modificabilidade de sua condição: cognitiva, emocional ou comportamental (FEUERSTEIN, In GOMES 2002, p. 14). 6 A Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural, segundo Feuerstein (1991), é baseada em um sistema de crenças originado da necessidade vital de ver aquelas crianças desenvolvendo-se, apesar de todas as dificuldades e contra todos os prognósticos: “o papel do sistema de crenças gerado pela necessidade de aderir a uma visão otimista do ser humano como uma entidade modificável é não menos importante no desenvolvimento de uma metodologia para criar a plataforma científica que apoie a crença. Pode parecer ao leitor algo circular: você necessita, você acredita, você cria uma base científica para reforçar sua crença. E, de fato, nós nos perguntamos: não estará esse processo por trás do progresso científico? (p. 15)”. Feuerstein aponta (In Gomes 2002) que a Modificabilidade Cognitiva Estrutural tornou-se uma hipótese teoricamente plausível a partir de três grandes pressupostos. A primeira consideração está relacionada à concepção da ontogenia dupla do organismo humano: a ontogenia biológica e a ontogenia sociocultural. A ontogenia biológica consiste em perceber o ser humano como uma comunidade de células interagindo entre si e com o ambiente, ou seja, a entidade humana biológica está tornando-se um indivíduo. A ontogenia sociocultural é responsável pela estrutura social, moral e comunicacional do ser humano; é essa parte do desenvolvimento que dá ao organismo a verdadeira natureza de entidade humana. Aqui a individualidade tem peso muito menor, ao passo que a cooperação coletiva e a nova interação cultural exercem o papel preponderante na formação dos estados do ser humano. A relação entre essas duas ontogenias é marcada por uma interação estressante contínua e altamente conflituosa. A entidade biológica certamente impõe limites e os traz à tona, ao mesmo tempo em que a ontogenia sociocultural luta por libertar o ser humano desses limites, modificando e criando novos rumos de vida, apesar da imposição, mas contra tal imposição da realidade biológica, neurológica e cromossômica. O segundo fator que acrescenta plausibilidade ao conceito de modificabilidade cognitiva é a definição modal do comportamento humano como um estado, e não como algo fixo e imutável. Além disso, o comportamento modal seria considerado modificável, da mesma forma que os estados, uma vez que está fortemente relacionado a certas condições que podem ser mudadas. 7 O terceiro fator apontado pelo autor é a nova e dramática mudança na concepção neurocientífica do cérebro humano como um organismo altamente flexível e elástico, onde evidência de pesquisa e evidência clínica estão se tornando cada vez mais disponíveis sobre os efeitos do ambiente interacional do organismo na estrutura do cérebro. Tais pressupostos apontam algumas influências teóricas que permeiam de forma implícita o sistema de crenças sustentado por Feuerstein, visto que não era sua preocupação inicial buscar evidências teóricas que sustentassem cientificamente sua abordagem metodológica. As interfaces teóricas entre a teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural e outras teorias cognitivas ainda estão sendo construídas, uma vez que o autor não as explicita. Faz-se necessário buscar em outros autores indicativos conceituais, como os que nos aponta Beyer (1996): “Antes que se continue com a discussão em torno dos conceitos principais da teoria de Feuerstein, interessa que se conheça algumas das fontes teóricas do autor. Segundo o prof. F. Büchel da Universidade de Genebra (em palestra apresentada no Seminário sobre o Programa de Enriquecimento Instrumental de Feuerstein em Frankfurt, Alemanha, em outubro de 1991), Feuerstein apoia-se teoricamente na Psicologia russa da mediação cultural-lingüística (Vygotsky, Luria), na teoria do controle do pensamento e da aprendizagem (Metacognição) e na teoria de Piaget (p. 73)”. Fonseca (1998) nos mostra que toda a obra de Feuerstein está embuída do postulado de base de que todo o ser humano é modificável, do qual decorrem cinco proposições: o ser humano é modificável; o sujeito que eu vou educar é modificável; eu sou capaz de produzir modificações no indivíduo; eu próprio tenho que e devo modificar-me e, toda a sociedade e toda a opinião pública são modificáveis e podem ser modificadas. Segundo o autor “é notório que estes enunciados de valor são resultantes da profunda influência que a obra de Vygotsky, além das de Piaget e de Bruner, exercem sobre Feuerstein (p. 41)”. Sutherland (1996) indica que a intervenção de Feuerstein destinava-se, inicialmente, a ajudar os alunos adolescentes imigrantes, que (muitas vezes devido a fatores culturais) lutavam para dominar a língua hebraica. Os professores devem então utilizar seu método, o Programa de Enriquecimento Instrumental, a fim de ultrapassar a deficiência cognitiva. Todavia, afirma que “dado que Feuerstein é eclético nas teorias em que se inspira (...) se 8 baseia na escola do processamento de informação (PI), na metacognição, em Piaget, no construtivismo e em Vygotsky como fontes teóricas (p. 185, 191)”. Gomes (2002) aponta que “Feuerstein aproxima-se do modelo organicista da psicologia cognitiva, pendendo entre a corrente construtivista e a abordagem sócio-histórica (p. 40)”. Podemos dizer que a psicologia cognitiva e a educação são duas áreas que mantêm mútua relação. Através de descobertas cada vez mais amplas que dizem respeito aos processos cognitivos, intervenções mais eficazes são elaboradas e pensadas no terreno da educação, modificando o panorama das ações educativas. Como em geral as práticas psicoeducativas têm uma inspiração e uma base conceitual na psicologia cognitiva, é necessário entender alguns modelos e correntes que aí coexistem, até mesmo para entender as propostas psicoeducativas de nossa época e situar Reuven Feuerstein a partir da análise conceitual apontada pelos autores acima. Diversas classificações podem ser usadas como referência para categorizar as teorias psicológicas e suas respectivas influências no campo da cognição e da educação, como as apontadas por Moreira (1999), Pinker (1998), Kohl (1999), Salvador (2000), Sternberg (2000), Sutherland (2000). Utilizaremos a classificação proposta por Pozo (1998), segundo a qual há duas grandes tendências na psicologia cognitiva, o modelo associacionista e o modelo organicista, por entendermos que esta organiza de forma coerente várias correntes no campo da psicologia cognitiva e por esta aproximar-se, de certa maneira, do referencial teórico apontado como norteador do trabalho de Feuerstein. O modelo associacionista pode ser assim enfocado em seus principais aspectos: Mecanicista – estuda o organismo por meio dos seus mecanismos de funcionamento, ou seja, estuda a mecânica na qual o organismo é organizado. Caracteriza-se por analisar os mecanismos de forma pontual e estática. Elementarista – entende que os mecanismos são organizados por partes elementares, básicas. Essa tendência é chamada de associacionista (Pozo, 1998), já que o estudo parte de pequenas partes que vão sendo associadas. Para esse modelo, por exemplo, os conceitos que as pessoas formam sobre as coisas são construídos através de uma associação de estímulos, de protótipos, formando uma cadeia associativa. Todos os fenômenos são 9 explicados pela associação de elementos nucleares que se juntam e formam o sistema organizado. Isomorfismo – Compreende que o organismo percebe, aprende e forma conceitos por meio da relação direta entre ele e os estímulos do mundo. Este apresenta regularidades (ordens, regras) que são transmitidas diretamente ao ser humano, que forma uma cópia fiel do mundo em seu sistema cognitivo. Já o modelo organicista fundamenta-se nos seguintes pressupostos: Organicista – Estuda o organismo como sendo organizado por princípios de mudança e alteração constantes. Concebe, em linhas gerais, que todo organismo nasce, cresce, desenvolve funções e as perde progressivamente até sua morte. A tendência organicista parte do fundamento de que o estudo do ser humano deve compreender tais fases referidas como um todo. Em vez de enfocar um mecanismo estático e pontual, o organicismo analisa os processos de mudança e a formação de estruturas internas, provenientes de reestruturações. Holista – analisa o todo, sem reduzir a realidade e o ser humano a uma soma de elementos básicos associados. Considera que o organismo evolui de forma qualitativa, de acordo com as mudanças ocorridas em sua estrutura. As mudanças qualitativas referem-se a transformações no próprio sistema interno do organismo, ao passo que as mudanças quantitativas referem-se a diferenças na quantidade de elementos adicionados. Heteromorfismo – compreende que o organismo assimila o mundo de acordo com as capacidades de sua própria estrutura interna e não apreende de forma neutra e direta os estímulos do mundo. Além disso, entende que o organismo percebe os estímulos do mundo, alterando-os, selecionando-os e focalizando-os, de acordo com leis internas dos mecanismos e de sua estrutura cognitiva. O modelo associacionista explica o ser humano e a realidade do mundo de modo a reduzir as variáveis, analisar estados estáticos e pontuar alterações quantitativas. Já o modelo organicista visa a analisar uma estrutura global interna que não pode ser explicada apenas pela redução às partes fundamentais e concebe os estados em movimento, em constante mudança dentro de um todo. Em suma, a concepção de aprendizagem do modelo associacionista de acordo com Pozo (1998) organiza-se na associação de elementos 10 básicos, enquanto o modelo organicista fundamenta seu princípio de aprendizagem na reestruturação dos esquemas de conhecimento. 1.1 Modelo Associacionista As duas principais correntes da psicologia que se enquadram no modelo associacionista são: o comportamentismo e a teoria do processamento da informação, considerados por Pozo (1998) como pertencentes à mesma posição epistêmica, apesar de diferenças substanciais. O comportamentismo aproxima-se do modelo associacionista, porque explica o comportamento dos organismos através da associação entre comportamentos básicos e estímulos do mundo. Buscando uma análise científica pela objetividade e pela explicação empirista dos fatos concretos, muitos comportamentistas chegaram a recusar o estudo dos processos internos da mente humana, considerando apenas o comportamento observável como objeto de estudo (Sternberg, 2000). O expoente mais importante foi Skinner, defensor da idéia de que toda e qualquer questão psicológica deve ser explicada pela lei do reforçamento. As principais variáveis de input na abordagem skinneriana são: estímulo (evento que afeta os sentidos do aprendiz); reforço (evento que resulta no aumento da probabilidade da ocorrência de um ato que imediatamente o precedeu); contingência de reforço (arranjo de uma situação para o aprendiz, na qual a ocorrência de reforço é tomada contingente à ocorrência imediatamente anterior de uma resposta a ser aprendida) (Oliveira, 1973). As variáveis de output são as respostas que o aprendiz dá. Para Skinner (1980, p.73), há dois grandes tipos de respostas ou comportamentos: operantes e respondentes. O comportamento respondente (reflexo ou involuntário) compreende todas as respostas dos seres humanos, e outros organismos, que são eliciadas, involuntariamente, frente a determinados estímulos. Essencialmente, nos processos de condicionamento operante, o organismo aprende a fazer - ou a evitar - determinados comportamentos de acordo com as conseqüências positivas ou negativas que esses comportamentos tiverem: o organismo tende a repetir comportamentos que tenham conseqüências positivas ou evita conseqüências negativas e 11 abandona comportamentos que não ocasionam conseqüências positivas ou tenham conseqüências negativas. As respostas aprendidas dessa maneira permitem ao organismo operar de modo mais efetivo sobre o seu contexto em um sentido instrumental; surge daí o qualificativo de “operante” na denominação desse tipo de processos. Outro processo que se destaca como responsável principal pela aprendizagem é o processo de modelagem isto é, a aprendizagem a partir da observação de modelos, bastante difundido por Bandura (1972) em sua Teoria da Aprendizagem Social (por imitação), em que afirma que nem toda aprendizagem ocorre como resultado do reforçamento direto de respostas, uma vez que as pessoas podem aprender observando o comportamento de outras no seu meio social. Bandura a chama de aprendizagem “aprendizagem vicária” (ou por substituição), pois o aprendiz não está sendo reforçado, mas apenas testemunhando o reforço (fornecido ao “modelo” com o qual se identifica). Nesse caso, o mecanismo básico responsável pela aprendizagem é a imitação dos comportamentos dos modelos observados, e o processo permite uma grande variedade de aprendizagens a partir da ativação, da inibição ou da desinibição de comportamentos agressivos já presentes no repertório do sujeito diante de determinadas situações - até a aprendizagem de respostas e habilidades genuinamente novas por parte do observador. A partir deste aspecto, é preciso remarcar que os termos “observação” e “imitação” devem ser entendidos no sentido amplo, incluindo tanto a aprendizagem a partir de modelos sendo pela conduta dos outros - sendo personagens reais ou personagens imaginários, como em um filme ou em um seriado de televisão - quanto o que podemos denominar modelagem verbal, ou seja, imitar a partir de instruções verbais ou da combinação de ambos os modelos. (Salvador, 2000, p.218) A teoria do processamento da informação nasceu nos Estados Unidos, nos anos 50 e 60, devido às influências do desenvolvimento tecnológico, da lingüística, da antropologia e de outros ramos do saber. Através do desenvolvimento crescente de processadores de informação (computadores), muitos cientistas começaram a falar em processamento interno . Sternberg (2000) aponta que os teóricos do processamento da informação procuram compreender o desenvolvimento cognitivo em função de como as pessoas de diferentes idades, tratam a informação (i.e., como a decodificam, codificam, transferem, combinam, armazenam e recuperam), especialmente quando resolvem problemas mentais desafiadores. Toda a atividade mental que envolva observação, entrada, manipulação mental, 12 armazenamento, combinação, recuperação ou ação sobre a informação cai dentro do alcance da teoria do processamento da informação. É possível identificar dois grandes núcleos de interesse teórico e aplicado que centram, de maneira prioritária, a atenção de boa parte dos autores que trabalham neste campo (Salvador 2000). Por um lado, o relativo às estratégias de processamento implicadas na resolução de uma tarefa ou na realização de uma nova aprendizagem, como também os elementos e os processos subjacentes a tais estratégias. Por outro lado, o relativo ao conhecimento prévio de que dispõem o sujeito e que pode ser relevante para a realização da tarefa ou da nova aprendizagem. Os trabalhos centrados no primeiro dos núcleos são os que respondem, de maneira mais direta, aos objetivos e ao programa geral de pesquisa sobre a inteligência a partir da perspectiva do processamento da informação. A finalidade básica é identificar os componentes ou as unidades de processamento de informação, os quais intervêm na resolução de tarefas que aparecem habitualmente como itens dos testes de inteligência. A partir dessa identificação, trata-se de elaborar modelos processuais da execução dos problemas e utilizá-los como base para o estudo das diferenças individuais (Salvador, 2000). Sob essa ótica, Sternberg (2000) desenvolve a teoria componencial, em que a unidade básica de análise é o “componente”- entendido como um processo elementar de tratamento da informação, que opera com representações e símbolos – destacando cinco tipos diferentes de componentes: a) metacomponentes – são processos de controle utilizados para planejar as execuções e a tomada de decisões. As suas funções são identificar o tipo de problema que deve ser resolvido, selecionar os componentes de ordem inferior para executar o problema, selecionar uma estratégia para combiná-los, selecionar as representações da informação sobre as quais devem operar, guiar o processo até a solução e decidir o tempo que deve ser utilizado ou o nível de exigência e qualidade final da execução; b) os componentes de execução – são os responsáveis diretos pela execução dos planos e das decisões dos metacomponentes; c) os componentes de aquisição – são os implicados na aprendizagem de novas informações. d) os componentes de retenção recuperam a informação adquirida previamente; e) os componentes de transferência – são os encarregados de transpor a informação de um contexto situacional a outro. 13 O segundo dos núcleos prioritários, a partir da perspectiva do processamento da informação, refere-se às diferenças de conhecimento prévio disponível e relevante para a realização de uma tarefa ou de uma nova aprendizagem e estrutura-se prioritariamente em torno de um conjunto de trabalhos sobre a comparação entre sujeitos experientes e novatos em um domínio específico do conhecimento ou de tarefas. Salvador (2000) salienta que os trabalhos nesta linha permitiram estabelecer que a diferença entre indivíduos experientes e novatos passa, em boa parte, por uma diferença de conhecimentos, e não tanto por uma diferença de processos cognitivos básicos ou de capacidades gerais de processamento, e que essa diferença não é unicamente quantitativa, ou seja, os experientes sabem mais que os novatos sobre o domínio que se está tratando, mas, também, possuem uma informação mais elaborada, completa e melhor organizada que os novatos; parecem selecionar mais adequadamente as características da situação pertinente para a tarefa e aceder de maneira mais flexível e direta à informação relevante, para resolvê-la. As proposições mais recentes na análise dos processos cognitivos tendem a incorporar e a integrar ambas as dimensões, em uma aproximação progressivamente mais dinâmica e contextual do que tradicionalmente tem sido a concepção psicológica predominante em relação às características da inteligência humana e às diferenças possíveis de serem detectadas nesse âmbito, tanto no plano interindividual como no intra-individual. Nesse contexto, “apesar do seu caráter de projeto em desenvolvimento, a perspectiva do processamento da informação oferece elementos suficientes que permitem ir além das constatações correlacionais da perspectiva psicométrica (Salvador, 2000, p.91)”. Se, para muitos, a teoria do processamento da informação é radicalmente contrária ao comportamentismo, justamente por estudar o processo interno do pensamento e não apenas o comportamento externo e os estímulos do mundo, para Pozo (1998) as duas têm o mesmo princípio central: o associacionismo. O autor salienta que a mudança de enfoque das pesquisas – do ambiente externo para o processo interno – foi em grande parte devido à pressão das mudanças tecnológicas, ao advento do computador e ao desenvolvimento da informática, eventos que levaram os cientistas a mudarem certos pontos de vista, mas não acarretaram a transformação no núcleo epistêmico que é o modelo associacionista; reconhecendo, entretanto a inegável contribuição cada vez maior da teoria do 14 processamento da informação no campo da cognição, constituindo-se, hoje em dia, como a tendência mais forte da psicologia americana. 1.2. Modelo Organicista Com relação às correntes do modelo organicista, apesar das diferenças entre si, Pozo (1998) destaca a gestalt, o construtivismo piagetiano e a abordagem sócio-histórica de Vygotski. Se lembrarmos que o modelo organicista supõe o desenvolvimento de um organismo que se organiza através da constituição de uma estrutura interna, a qual sofre processos constantes de reestruturação, podemos nos reportar, também, a idéias de Bruner e aos estudos sobre metacognição. A Gestalt compreende que o organismo tem como foco o estudo da estrutura interna. Se, no associacionismo, há uma tendência para a análise dos elementos em suas partes reduzidas, a gestalt preconiza que somente é possível entender o organismo considerando-se a existência de um todo maior (sua estrutura), que fundamenta a interação entre os elementos. A totalidade da estrutura ultrapassa a simples soma de suas partes. Nessa metodologia, o processo mental é explicado pelas relações existentes entre as partes, e não nas partes em si mesmas, simplesmente associadas. A abordagem gestáltica mostrouse particularmente útil para a compreensão de como percebemos grupos de objetos ou até partes de objetos para formar grupos integrais, sendo a base de estudos relacionados aos mecanismos cognitivos de percepção, como os princípios gestálticos da percepção visual: Figura-fundo (ou lei de Prägnanz) – quando se percebe um campo visual, alguns objetos (figuras) parecem proeminentes e outros aspectos do campo recuam para plano-de-fundo (fundo). Proximidade – quando percebemos um arranjo de objetos, tendemos a ver os objetos que estão mutuamente próximos como formando um grupo. Similaridade – tendemos a agrupar objetos com base em sua similaridade. Continuidade – tendemos a perceber formas suavemente harmoniosas ou contínuas, em vez de formas rompidas ou desarticuladas. Acabamento – tendemos a acabar ou a completar perceptivamente os objetos que não estão, de fato, completos. Simetria – tendemos a perceber os objetos como formadores de imagens espetaculares em torno do seu centro (Vernon, 1974). 15 Muitas outras explicações teóricas da percepção começam do básico, observando o estímulo físico – a forma ou padrão observável – que está sendo percebido, e, depois, chegam gradualmente aos processos cognitivos de ordem superior, tais como a organização de princípios e conceitos. As teorias que utilizam essa abordagem denominam-se teorias ascendentes (ou às avessas) ou, às vezes, teorias dirigidas pelos dados, isto é, dirigidas pelo estímulo. Muitos teóricos utilizam uma abordagem descendente, focalizando os processos cognitivos de alto nível, o conhecimento existente e as expectativas prévias que influenciam a percepção, descendo, depois, gradualmente até considerar os dados sensoriais, como o estímulo perceptivo. Sternberg (2000) aponta como abordagem ascendente a teoria de comparação com os modelos, teoria de comparação com o protótipo e teoria de comparação com a característica, sendo que se originam de estudos neurológicos que identificam o que é chamado de “detectores de característica” no cérebro. Como abordagem descendente, aponta a teoria do reconhecimento por componentes, que delineia mais especificamente um conjunto de características envolvidas na percepção de forma e de padrão. Bruner (1972) defende que a inteligência humana, quer na espécie, quer na criança, se desenvolve na base de uma evolução aloplástica e não autoplástica, tendo em consideração três tipos de representação: a ativa (emergente de amplificadores das capacidades motoras, como os objetos), a iconográfica (surgida da amplificação de capacidades sensoriais, como as imagens) e a simbólica (decorrente da capacidade de raciocínio infinitamente variada, que tem a sua origem nos sistemas de linguagem, como a fala e a escrita). A evolução do cérebro, e por analogia e inerência a evolução da inteligência, só se pode entender, segundo esse autor, devido às pressões seletivas provocadas pelo bipedalismo e pelo conseqüente uso de ferramentas e instrumentos, pensados e fabricados dentro de um contexto social e tecnológico, que implicaram evolutivamente a expansão triplicada do tamanho do cérebro, a redução da face e da dentição e a modificação de inúmeras estruturas do corpo (Fonseca, 1998). A espécie humana modificou-se pelo fato de ter internalizado sistemas extra-somáticos no seu cérebro, mais do que ter tido mudanças intra-somáticas na sua própria morfologia, isto é, a sua inteligência deveu-se a uma evolução por “próteses culturais” (Bruner, 1997). Seguindo esta linha de pensamento, 16 Bruner considera a inteligência como resultado integrado de translações nos três sistemas de representação da realidade acima descritos, realidade conhecida a partir da ação, posteriormente da sua imagem vicariada e, por último, através de um processo simbólico como a linguagem. A inteligência, que emergiu da amplificação dos atos motores, das percepções e das atividades raciocinativas, pôs em marcha, em termos evolutivos, processos de planificação e seqüencialização motora, processos perceptivos organizados e espaço-temporalmente estruturados e processos de codificação lingüística (verdadeiros instrumentos cognitivos), que permitiram a interiorização, a representação e a transformação da realidade, acrescentando ao mundo natural um mundo civilizacional. Alguns estudos recentes de Bruner (2001) apontam sua preocupação em relação às mudanças fundamentais que têm alterado concepções sobre a natureza da mente humana. Indicam, também, que tais mudanças surgiram a partir de duas visões divergentes de como a mente funciona. A primeira delas foi a hipótese de que a mente poderia ser concebida como um mecanismo computacional defendida pela teoria do processamento da informação: O objetivo do computacionalismo é elaborar uma nova descrição formal de todo e qualquer sistema de funcionamento que trate do fluxo de informações bem estruturadas. Ele busca fazê-lo de uma forma que produza resultados previsíveis e sistemáticos – a mente humana é um sistema deste tipo. Mas uma forma mais profunda de computacionalismo refletido não propõe que a mente seja como algum tipo específico de “computador” que precisa ser “programado” de uma determinada forma para operar sistemática e “eficientemente”. O que ele argumenta é que todo e qualquer sistema que processa informações deve ser regido por “regras” ou procedimentos específicos que orientam o que deve ser feito com os inputs. Não importa se se trata de um sistema nervoso ou de um dispositivo genético que extrai as instruções do DNA e, então, reproduz gerações posteriores, ou seja lá o que for. Este é o ideal da chamada Inteligência Artificial. Mas, como já foi observado, as regras comuns a todos os sistemas de informação não dão conta dos processos de produção de significados, que são confusos, ambíguos e sensíveis ao contexto (Bruner, 2001, p. 18). A segunda, o autor chama de culturalismo e se inspira no fato evolutivo de que a mente não poderia existir se não fosse a cultura. A evolução da mente do hominídeo está ligada ao desenvolvimento de uma forma de vida em que a “realidade” é representada por um simbolismo compartilhado por membros de uma comunidade cultural, na qual uma forma técnico-social de vida é organizada e interpretada em termos desse simbolismo. Este modo simbólico não é apenas compartilhado por uma comunidade, mas conservado, elaborado e transmitido a gerações sucessivas que, devido a esta transmissão, continuam a 17 manter a identidade da cultura e o modo de vida. A Cultura, nesse sentido, para Bruner, é superorgânica, mas ela também molda a mente dos indivíduos, onde sua expressão individual é parte da produção de significado, a atribuição de significados a coisas em diferentes contextos em ocasiões particulares. Produzir significados envolve situar encontros com o mundo em seus contextos culturais apropriados a fim de saber “do que eles tratam”. Embora os significados estejam “na mente”, eles têm suas origens e sua importância na cultura na qual são criados. Bruner (2001), ainda, aponta que o computacionalismo assume três formas para abordar as questões educacionais: “A primeira reformula antigas teorias da aprendizagem (ou do ensino) em uma forma computável na esperança de que a reformulação produza uma força adicional. A segunda analisa protocolos detalhados e aplica o aparato da teoria computacional sobre eles para discernir melhor o que pode estar acontecendo do ponto de vista computacional. Então, ela tenta descobrir como o processo pode ser auxiliado. Finalmente, há a feliz coincidência de que uma idéia computacional fundamental, como “redescrição”, parece estar diretamente relacionada a uma idéia fundamental na teoria cognitiva, como a “metacognição” (p. 22)”. Karmiloff-Smith (In Bruner 2001) observa que quando estamos resolvendo determinados problemas, digamos, a aquisição da linguagem, geralmente “andamos em torno” dos resultados de um procedimento que funcionou localmente e tentamos descrevêlo de uma nova forma em termos gerais e simplificados. Dizemos, por exemplo, “coloquei um s no final daquele substantivo para pluralizá-lo; e se eu fizer o mesmo com todos os substantivos?”. Quando a nova regra não consegue pluralizar a palavra woman, o sujeito que está aprendendo pode criar algumas regras adicionais. Por fim, ele acaba com uma regra mais ou menos adequada para a pluralização, com apenas algumas “exceções”, que serão aprendidas por memorização. Em cada etapa desse processo, que Karmiloff-Smith chama de “redescrição”, o sujeito que está aprendendo age no nível “meta”, considerando como ele está pensando e sobre o que ele está pensando. Esta é a marca registrada da metacognição. Para Bruner isso eqüivale a dizer que: A regra da redescrição é um traço de toda computação complexa “adaptadora”, mas no exemplo em questão trata-se também de um fenômeno psicológico verdadeiramente interessante. Trata-se de um caso raro de sobreposição entre dois campos de indagação diferentes – se a sobreposição acabar 18 sendo fértil. Então, REDESCREVER uma regra semelhante à TOE5 para os sistemas computacionais adaptadores que, por acaso, também é uma boa regra na solução humana de problemas, pode vir a ser uma “nova fronteira”. E a nova fronteira pode vir a ser a próxima porta para a prática educacional (p. 22). O construtivismo tem sua fundação na figura do pesquisador Jean Piaget, que enfocou em suas pesquisas as alterações sofridas pelo organismo humano em processo de desenvolvimento. Essa corrente preconiza a construção do conhecimento, pesquisando como constâncias nas noções de tempo, espaço, objeto, probabilidade, proporção são elaboradas pelo organismo a partir do desenvolvimento da própria estrutura cognitiva. A abordagem sócio-histórica tem Vygotski como figura principal e baseia-se na idéia central de que o ser humano desenvolve-se por meio do plano social e material da realidade. Para essa corrente, a realidade é assimilada pelo organismo através da interação social e pelos instrumentos fornecidos pela cultura. A abordagem sócio-histórica pressupõe que a realidade não é neutra, assim como os estímulos são canalizados pela cultura, e concebe que o desenvolvimento do ser humano se dá por intermédio de uma estrutura cognitiva interna que se modifica por influência do plano social. A teoria metacognitiva será tratada no capítulo II, no item 2.1, que aborda o processo em questão. Nesse contexto, Reuven Feuerstein aproxima-se do modelo organicista, segundo a classificação de Pozo (1998), aproximando-se da corrente piagetiana e da abordagem sóciohistórica, como apontada pelos autores citados. Vejamos o que torna essas duas correntes fundamentais, e quais são os fundamentos para o pensamento de Reuven Feuerstein. 1.3 O modelo piagetiano Piaget (1973) preocupou-se com vários aspectos do conhecimento, dando ênfase principal ao estudo da natureza de todo conhecimento, principalmente no desenvolvimento intelectual da criança. Mostrou a criança e o adulto num processo ativo de contínua interação, procurando entender quais os mecanismos mentais que o sujeito usa nas 5 O autor utiliza a sigla “TOEs” como referência a “teorias de tudo”, como jocosamente algumas vezes os teóricos do computacionalismo que defendem a idéia de “modelos universais” complexos são tratados 19 diferentes etapas da vida para poder entender o mundo, pois a adaptação à realidade externa depende basicamente do conhecimento. Preocupou-se, também, em elaborar uma posição filosófica, a epistemologia genética. Isto é procurou estudar cientificamente quais os processos que o indivíduo usa para conhecer a realidade, procurando formular um ponto de vista filosófico sobre a gênese do conhecimento (aí o sentido do termo genético). Quais os processos mentais envolvidos numa dada situação de resolução de problemas e quais os processos que ocorrem na criança ou adolescente para possibilitar aquele tipo de atuação. O método utilizado em seus estudos foi severamente criticado, uma vez que o behaviorismo utilizava um rigoroso controle de variáveis experimentais e para o tratamento dos dados, procedimentos estatísticos rigorosos. As pesquisas feitas por Piaget não eram experimentais nesses termos. Desenvolveu um método clínico-descritivo: “O método clínico piagetiano consiste, portanto, em conversar livremente com a criança sobre um tema dirigido e seguir, por conseguinte, os desvios tomados por seu pensamento, a fim de reconduzi-lo ao tema, para obter justificativas e testar a constância, e em fazer contrasugestões” (Goulart, 1989, p.128). A partir de seus estudos, Piaget ficou convencido de que os atos biológicos são atos de adaptação ao meio físico. Ficou convencido de que a mente e o corpo não funcionam independentemente um do outro e que a atividade mental submete-se às mesmas leis que, em geral, governam a atividade biológica. Isso o levou a conceber o desenvolvimento intelectual do mesmo modo que o desenvolvimento biológico. Ele entendeu os atos cognitivos como atos de organização e adaptação ao meio. Isso não implica, de modo algum, que o comportamento mental deva ser completamente atribuído ao funcionamento biológico, mas que os conceitos referentes ao desenvolvimento biológico são úteis e válidos para pesquisar o desenvolvimento intelectual. O processo de organização e adaptação são dois processos complementares de um mesmo mecanismo, sendo que a organização é o aspecto interno e a adaptação o externo. Para Piaget, a atividade intelectual não pode ser separada do funcionamento do organismo “total”; assim sendo, ele considerou o funcionamento intelectual como uma (observação nossa). 20 forma especial de atividade biológica. Ambas as atividades, intelectual e biológica, são partes do processo global por meio do qual o organismo se adapta ao meio e organiza as experiências. Piaget entendeu a mente como dotada de estruturas do mesmo modo que o corpo. Estruturas mentais pelas quais os indivíduos intelectualmente se adaptam e organizam o meio. A essas estruturas mentais Piaget chamou de esquemas. Assim como o estômago é uma estrutura que se adapta de acordo com o alimento, de modo semelhante os esquemas se adaptam e se modificam com o desenvolvimento mental. Os esquemas não têm correlatos físicos e não são observáveis; eles são inferidos, são construtos hipotéticos. A criança quando nasce apresenta poucos esquemas, e à medida em que se desenvolve, os esquemas se tornam mais diferenciados e progressivamente mais adultos. Esses esquemas são usados para processar e identificar a entrada de estímulos. Dessa maneira, o organismo está apto a diferenciar estímulos e a generalizar. Os esquemas não são estruturas fixas, imutáveis, eles mudam continuamente ou tornam-se mais refinados. No momento do nascimento, os esquemas são reflexos. Podem ser inferidos a partir das atividades reflexas motoras, como sugar, pegar. À medida que a criança se desenvolve, os esquemas se tornam mais diferenciados, menos sensórios. Os esquemas adultos emergem dos esquemas da criança através do processo de adaptação e organização. Em qualquer fase, as respostas de uma criança refletem a natureza dos seus conceitos ou esquemas disponíveis naquele momento. Os processos responsáveis pelas mudanças nos esquemas são a assimilação e a acomodação. Assimilação é o processo cognitivo pelo qual uma pessoa integra um novo dado perceptual, motor ou conceitual nos esquemas ou padrões de comportamento já existentes. Nesse sentido, Piaget chama a atenção para a compreensão do significado do termo, quando explica que: Para muitos psicólogos, esse mecanismo é o da associação, que permite acrescentar, por via cumulativa, os condicionamentos aos reflexos e muitas outras aquisições aos próprios condicionamentos: toda aquisição, da mais simples à mais complexa, deveria dessarte ser compreendida como resposta aos estímulos exteriores e resposta cujo caráter associativo exprime uma subordinação pura e simples das ligações adquiridas às ligações exteriores. Um de nós supôs, ao contrário, que esse mecanismo consistia numa assimilação (comparável à assimilação biológica em sentido lato), isto é, que toda ligação nova se integra num esquematismo ou numa estrutura anterior: a atividade organizadora do sujeito deve ser, então, considerada tão importante quanto as ligações 21 inerentes aos estímulos exteriores, pois o sujeito só se torna sensível a estes últimos na medida em que são assimiláveis às estruturas já construídas, que eles modificarão e enriquecerão em função das novas assimilações. Em outros termos, o associacionismo concebe o esquema estímulo-resposta numa forma unilateral ER, ao passo que o ponto de vista da assimilação supõe uma reciprocidade E↔R, ou, o que vem a dar no mesmo, a intervenção das atividades do sujeito ou das do organismo Og, ou seja, E(Og.)R (Piaget, 1974, p. 13) Assim, assimilação pode ser vista como processo cognitivo de colocar (classificar) novos eventos em esquemas já existentes. Teoricamente, a assimilação não resulta em mudança dos esquemas, mas ela afeta o crescimento deles. Esquemas são estruturas a partir das quais as pessoas se adaptam e organizam o meio, a assimilação a uma parte desse processo de adaptação e organização, pois à medida que a assimilação faz com que aumente a quantidade de informações dos esquemas, o sujeito terá mais alternativas para se adaptar e organizar o meio interno. A assimilação amplia os esquemas mas não explica suas transformações. Quando confrontada com um novo estímulo, a criança tenta assimilá-lo a estímulos já existentes. Algumas vezes isso não é possível, ou seja, não encontra nenhuma informação similar ao novo estímulo. Um estímulo não pode ser assimilado por não encontrar uma estrutura cognitiva na qual prontamente se “encaixe”. A partir dessa situação ela pode criar um novo esquema no qual possa “encaixar” o estímulo ou, ela pode modificar um esquema prévio de modo que o estímulo possa nele ser incluído. Ocorrida a acomodação, uma criança pode tentar assimilar o estímulo novamente. Os esquemas - essa estrutura cognitiva que permite a adaptação externa e a organização interna - não nascem prontos com a criança, eles são construídos. Como construções, eles não são cópias exatas da realidade. Suas formas são determinadas pela assimilação e acomodação e com o passar do tempo se aproximam da realidade. A acomodação explica o desenvolvimento cognitivo - mudança qualitativa - e a assimilação explica o crescimento cognitivo - mudança quantitativa -, juntos eles explicam a adaptação intelectual e o desenvolvimento das estruturas cognitivas. O processo de assimilação e acomodação são necessários para o crescimento e o desenvolvimento cognitivos. De igual importância são as quantidades relativas de assimilação e acomodação que ocorrem. O mecanismo autoregulador, necessário para assegurar uma eficiente interação da criança e o meio ambiente e o estado de balanço entre assimilação e acomodação, foi chamado por Piaget de equilíbrio: 22 ...levando-se em conta, então, esta interação fundamental entre fatores internos e externos, toda conduta é uma assimilação do dado a esquemas anteriores (assimilações a esquemas hereditários em graus diversos de profundidade) e toda conduta é, ao mesmo tempo, acomodação destes esquemas à situação atual. Daí resulta que a teoria do desenvolvimento apela, necessariamente, para a noção de equilíbrio entre os fatores internos e externos ou, mais em geral, entre assimilação e acomodação (PIAGET, 1973, p. 95-6). O desequilíbrio seria o estado de “não balanço”, considerado como “conflito cognitivo” (onde a criança espera que alguma coisa aconteça de certa maneira e isto não acontece). O processo de passagem do desequilíbrio para o equilíbrio - processo autoregulador, cujos instrumentos são a assimilação e a acomodação - foi chamado por Piaget de processo de equilibração. A equilibração permite que a experiência externa seja incorporada na estrutura interna (esquemas). Quando ocorre o desequilíbrio6, ele proporciona motivação7 para a criança buscar o equilíbrio - para depois assimilar e acomodar. Os esquemas que a criança usa podem não estar em harmonia com os do adulto, mas o modo como a criança organiza os estímulos na sua estrutura cognitiva é, teoricamente, sempre apropriado ao seu nível de desenvolvimento conceitual. Não há, portanto, organização “errada”. Há apenas organizações cada vez melhores, à medida que o desenvolvimento intelectual avança. A criança, ao experienciar um novo estímulo ou um velho outra vez, tenta assimilar o estímulo a um esquema já existente. Se ela é bem sucedida, o equilíbrio em relação àquela situação particular é alcançado no momento. Se a criança não consegue assimilar o estímulo, ela tenta então fazer a acomodação, modificando o esquema ou criando outro. Quando isso é feito, ocorre a assimilação e o equilíbrio é alcançado. É dessa maneira que se processa o crescimento e o desenvolvimento cognitivo em todas as fases. Do nascimento até a vida adulta, o conhecimento é construído pelo indivíduo. Para tanto, é necessário que a criança atue sobre o meio para que ocorra desenvolvimento cognitivo. 6 Piaget no seu livro “Seis estudos de psicologia” (1973), no capítulo que trata do papel da noção de equilíbrio na explicação psicológica, utiliza por diversas vezes o termo “perturbação exterior” para designar aquilo que causaria um desequilíbrio. 23 A construção do conhecimento ocorre quando acontecem ações físicas ou mentais sobre os objetos que, provocando desequilíbrio, resultam em assimilação e acomodação dessas ações e, dessa forma, em construção de esquemas ou conhecimento. No desenvolvimento da criança, ela construiria três tipos de conhecimento. O conhecimento físico (descoberta) é o conhecimento das propriedades físicas de objetos e eventos: tamanho, forma, textura, peso e outras. Uma criança adquire conhecimento físico sobre um objeto, agindo sobre ele com seus sentidos. O conhecimento lógico-matemático (invenção) é o conhecimento construído a partir do pensar sobre as experiências com objetos e eventos. Aqui a criança também age sobre os objetos, mas são diferentes os respectivos papéis das ações e dos objetos na construção do conhecimento lógico-matemático. A criança inventa o conhecimento lógico-matemático, ele não é inerente ao objeto como o é o caso do conhecimento físico, mas é construído a partir das ações da criança sobre o objeto. Os objetos servem apenas como um meio para permitir que a construção ocorra. O conhecimento social é o conhecimento sobre o qual os grupos sociais ou culturais chegam a um acordo por convenção. Regras, leis, moral, valores, ética e o sistema de linguagem são exemplos de conhecimento social. O conhecimento social não pode ser extraído das ações sobre os objetos como acontece com o conhecimento físico e lógicomatemático, ele é construído pela criança a partir de suas ações com (interações) outras pessoas. Piaget entende que o desenvolvimento cognitivo é um processo coerente de sucessivas mudanças qualitativas das estruturas cognitivas (esquemas), derivando cada estrutura e sua respectiva mudança, lógica e inevitavelmente, da estrutura precedente. Novos esquemas não substituem os anteriores; eles os incorporam, resultando numa mudança qualitativa: Distinguiremos para maior clareza, seis estágios ou períodos do desenvolvimento, que marcam o aparecimento dessas estruturas sucessivamente construídas: 1. O estágio dos reflexos, ou mecanismos hereditários, assim como também das primeiras tendências instintivas (nutrições) e das primeiras emoções. 2. O estágio dos primeiros hábitos motores e das primeiras percepções organizadas, como também dos primeiros sentimentos diferenciados. 3. O estágio da inteligência senso-motora ou prática (anterior à linguagem), das regulações afetivas elementares e das primeiras 7 Na teoria de Piaget, a maior fonte de motivação (aquilo que ativa o comportamento), no que se refere ao desenvolvimento intelectual, é o desequilíbrio que ativa a equilibração (assimilação e acomodação). 24 fixações exteriores da afetividade. Estes três primeiros estágios constituem o período da lactância (até por volta de um ano e meio a dois anos, isto é, anterior ao desenvolvimento da linguagem e do pensamento). 4. O estágio da inteligência intuitiva, dos sentimentos interindividuais espontâneos e das relações sociais de submissão ao adulto (de dois a sete anos, ou segunda parte da “primeira infância”). 5. O estágio das operações intelectuais concretas (começo da lógica) e dos sentimentos morais e sociais de cooperação (de sete a onze - doze anos). 6. O estágio das operações intelectuais abstratas, da formação da personalidade e da inserção afetiva e intelectual na sociedade dos adultos (adolescência) (Piaget, 1973, p. 13). Deve-se observar que as faixas etárias previstas para cada etapa não são rigidamente demarcadas. Ao contrário, elas se referem apenas às médias de idade onde prevalecem determinadas construções de pensamento. “Nesse sentido, o modelo piagetiano é fortemente marcado pela maturação, pois atribui-se a ela o fato de crianças apresentarem sempre determinadas características psicológicas em uma mesma faixa de idade. Tal modelo pretende, por isso, ser universal” (DAVIS, 1991, p.46). No contexto piagetiano a inteligência consiste, pois “... em uma forma de coordenação da ação (motora, verbal ou mental) a uma situação nova, com o objetivo: a) de auto-organizar-se para enfrentar a situação; b) de encontrar um comportamento (invenção, descoberta) que mantenha o equilíbrio entre o organismo e o meio” (LIMA, 1980, p.73). A concepção piagetiana pode ser considerada interacionista, pois entende que, na construção do conhecimento, fatores internos e externos se interrelacionam continuamente, formando uma complexa combinação de influências. Dessa maneira discordam das teorias inatistas, por desprezarem o papel do ambiente e das concepções ambientalistas, porque ignoram fatores maturacionais. Os interacionistas destacam que o organismo e o meio exercem ação recíproca. Um influencia o outro e essa interação acarreta mudanças sobre o indivíduo. É, pois, na interação da criança com o mundo físico e social (no caso piagetiano muito mais físico), que as características e peculiaridades desse mundo vão sendo conhecidas. Para cada criança, a construção desse conhecimento exige elaboração, ou seja, uma ação sobre o mundo. 25 1.4 A teoria sociocultural da aprendizagem Nas primeiras décadas do século XX, a psicologia soviética (assim como a européia e a americana) estava dividida em duas tendências radicalmente antagônicas: “um ramo com características de ciência natural, que poderia explicar os processos elementares sensoriais e reflexos, e um outro com características de ciência mental, que descreveria as propriedades emergentes dos processos psicológicos superiores” (Cole & Scribner, 1984, p.6). Desse modo, existia de um lado um grupo que, fundamentado em pressupostos da filosofia empirista, via a psicologia como ciência natural que devia se deter na descrição das formas exteriores de comportamento, entendida como habilidades mecanicamente constituídas. Esse grupo limitava-se à análise dos processos mais elementares e ignorava os fenômenos complexos da atividade consciente, especificamente humana. Já de outro lado, o outro grupo, inspirado nos princípios da filosofia idealista, entendia a psicologia como ciência mental, acreditando que a vida psíquica humana não poderia ser objeto de estudo da ciência objetiva, já que era manifestação do espírito. Este grupo não ignorava as funções mais complexas do ser humano, mas se detinha na descrição subjetiva de tais fenômenos. Vygotski entendia que ambas as tendências, além de não possibilitarem a fundamentação necessária para a construção de uma teoria consistente sobre os processos psicológicos tipicamente humanos, acabaram promovendo uma série crise na psicologia. Ao mesmo tempo que tecia contundentes críticas às correntes idealista e mecanicista, buscava a superação desta situação através da aplicação dos métodos e princípios do materialismo dialético8, para a compreensão do aspecto intelectual humano. Ele acreditava que', por intermédio dessa abordagem abrangente, seria possível não só descrever, mas também explicar as funções psicológicas superiores. 8 Segundo o materialismo histórico dialético, o processo de vida social, política e econômica é condicionado pelo modo de produção de vida material. São as condições materiais que formam a base da sociedade, da sua construção, das suas instituições e regras, das suas idéias e valores. Nessa perspectiva, a realidade (natural e social) evolui por contradição e se constitui num processo histórico. São os conflitos internos desta realidade que provocam as mudanças que ocorrem de forma dialética. Esse processo é resultante das intervenções das práticas humanas. Já que a formação e transformação da sociedade humana ocorre de modo dinâmico, contraditório e através de conflitos, precisa ser compreendida como um processo em constante mudança e desenvolvimento. 26 Pretendia construir, assim, sobre bases teóricas completamente diferentes, uma nova psicologia que sintetizasse e transformasse as duas abordagens radicais anteriores: uma teoria marxista do funcionamento intelectual humano. Essa nova abordagem deveria incluir: “(...) a identificação dos mecanismos cerebrais subjacentes a uma determinada função: a explicação detalhada da sua história ao longo do desenvolvimento, com o objetivo de estabelecer as relações entre formas simples e complexas daquilo que aparentava ser o mesmo comportamento; e, de forma importante, deveria incluir a especificação do contexto social em que se deu o desenvolvimento do comportamento” (Cole & Scribner, 1984, p. 6). A teoria histórico-cultural (Rego, 1995; Salvador, 2000) ou sócio-histórica (Baquero, 1998; Oliveira, 1993; Ratner, 1995) ou sócio-interacionista (Duarte 2000; Davis, 1991) do psiquismo, tem como objetivo central “caracterizar os aspectos tipicamente humanos do comportamento e elaborar hipóteses de como essas características se formaram ao longo da história humana e de como se desenvolvem durante a vida de um indivíduo” (Vygotsky, 1984, p. 21). A compreensão dessa abordagem deve ser feita através do entendimento das principais teses de Vygotski. A primeira se refere à relação indivíduo/sociedade. Vygotski afirma que as características tipicamente humanas não estão presentes desde o nascimento do indivíduo, nem são mero resultado das pressões do meio externo. Elas resultam da interação dialética do homem e seu meio sociocultural. Ao mesmo tempo em que o ser humano transforma o meio para atender às suas necessidades, transforma-se a si mesmo (esta definição se aproxima do entendimento marxista de trabalho9). Em outras palavras, quando o homem modifica o ambiente por intermédio do seu próprio comportamento, essa mesma modificação vai influenciar seu comportamento futuro. Notamos, neste princípio, a integração dos aspectos biológicos e sociais do indivíduo: “as funções psicológicas 9 É através do trabalho, uma atividade prática e consciente, que o homem atua sobre a natureza. Ao produzir seus meios de vida, o homem produz indiretamente sua própria vida material. A noção de produção pelo trabalho (encarado como motor do processo histórico) não apenas diferencia o homem dos animais como também o explica: é pela produção que se desvenda o caráter social e histórico do homem. O homem é um ser social e histórico e é a satisfação de suas necessidades que o leva a trabalhar e a transformar a natureza, a estabelecer relações com seus semelhantes, produzir conhecimentos, construir a sociedade e fazer história. É entendido assim como um ser em permanente construção, que vai se constituindo no espaço social e no tempo histórico. 27 superiores do ser humano surgem da interação dos fatores biológicos, que são parte da constituição física do Homo sapiens, com os fatores culturais, que evoluíram através das dezenas de milhares de anos de história humana” (Luria, 1992, p.60). A segunda é decorrência da idéia anterior, e se refere à origem cultural das funções psíquicas. As funções psicológicas especificamente humanas se originam nas relações do indivíduo e seu contexto cultural e social. Isto é, o desenvolvimento mental humano não é dado a priori, não é imutável e universal, não é passivo, nem tampouco independente do desenvolvimento histórico e das formas sociais da vida humana. A cultura é, portanto, parte constitutiva da natureza humana, já que sua característica psicológica se dá por meio da internalização dos modos historicamente determinados e culturalmente organizados de operar com as informações. A terceira tese se refere à base biológica do funcionamento psicológico: o cérebro, visto como órgão principal da atividade mental. O cérebro, produto de uma longa evolução, é o substrato material da atividade psíquica que cada membro da espécie traz consigo ao nascer. No entanto, esta base material não significa um sistema imutável e fixo. O cérebro é entendido como “um sistema aberto, de grande plasticidade, cuja estrutura e modos de funcionamento são moldados ao longo da história da espécie e do desenvolvimento individual. (...) o cérebro pode servir a novas funções, criadas na história do homem, sem que sejam necessárias transformações no órgão físico” (Oliveira, 1993, p. 24). A quarta tese postula que a análise psicológica deve ser capaz de conservar as características básicas dos processos psicológicos, exclusivamente humanos. Este princípio está fundamentado na idéia de que os processos psicológicos complexos se diferenciam dos mecanismos mais elementares e não podem, portanto, ser reduzidos à cadeia de reflexos. Estes modos de funcionamento psicológicos mais sofisticados, que se desenvolvem num processo histórico, podem ser explicados e descritos. Assim, ao abordar a consciência humana como produto da história social, aponta na direção do estudo das mudanças que ocorrem no desenvolvimento mental a partir do contexto social. O quinto postulado, que merecerá um capítulo especial pela profunda implicação neste trabalho, diz respeito à característica de mediação presente em toda a atividade humana. São os instrumentos técnicos e os sistemas de signos, construídos historicamente, que fazem a mediação dos seres humanos entre si e deles com o mundo. A linguagem é um 28 signo mediador por excelência, pois ela carrega em si os conceitos generalizados e elaborados pela cultura humana. Entende-se assim que a relação da pessoa com o mundo não é uma relação direta, pois é mediada por meios, que se constituem nas “ferramentas auxiliares” da atividade humana. A capacidade de criar essas “ferramentas” é exclusiva da espécie humana. O pressuposto da mediação é fundamental na perspectiva sócio-histórica justamente porque é através dos instrumentos e signos que os processos de funcionamento psicológico são fornecidos pela cultura. É por isso que Vygotski confere à linguagem um papel de destaque no processo de pensamento. Um dos postulados centrais desta teoria se refere, como dissemos, a que os Processos Psicológicos Superiores se originam na vida social, quer dizer, na participação do sujeito em atividades compartilhadas com outros; portanto, depende essencialmente das situações sociais específicas em que o sujeito participa. São atributos destes: estarem constituídos na vida social e serem específicos dos seres humanos; regularem a ação em função de um controle voluntário, superando sua dependência e controle por parte do meio ambiente; estarem regulados conscientemente ou terem necessitado dessa regulação consciente em algum momento de sua constituição (ainda que seu exercício reiterado possa haver “automatizado” sua execução, comprometendo, uma vez consolidada, em menor medida a atividade consciente); o fato de se valerem, em sua organização, do uso de instrumentos de mediação. Dentre essas formas de mediação, a mediação semiótica será a que ocupará um lugar de maior relevância. A constituição dos Processos Psicológicos Superiores requer a existência de mecanismos e processos psicológicos que permitam o domínio progressivo dos instrumentos culturais e a regulação do próprio comportamento. É necessário não esquecer o complexo processo de mútua apropriação entre o sujeito e a cultura, ou seja, o sujeito parece se formar na apropriação gradual de instrumentos culturais e na interiorização progressiva de operações psicológicas constituídas inicialmente na vida social, isto é, no plano interpsicológico; todavia, reciprocamente, a cultura se “apropria” do sujeito na medida em que o forma. Não se deve descrever o processo apenas como uma acumulação de domínio de instrumentos variados, como um caráter aditivo, mas como um processo de reorganização da atividade psicológica do sujeito como produto de sua participação em situações sociais 29 específicas. Essa reorganização da vida psicológica ganha várias características, mas um de seus traços ou vetores relevantes é o domínio de si, o controle e regulação do próprio comportamento pela internalização dos mecanismos reguladores formados primariamente na vida social. Os processos de interiorização aparecem descritos, na obra de Vygotski, como uma espécie de lei do desenvolvimento ontogenético, conhecida como “lei da dupla formação” ou “lei genética geral do desenvolvimento cultural”. Essa lei, segundo a conhecida citação de Vygotski, consiste em que: Um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal. Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual; primeiro entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança (intrapsicológica). Isso se aplica igualmente para a atenção voluntária, para a memória lógica e para a formação de conceitos. Todas as funções superiores originam-se das relações reais entre indivíduos humanos. A transformação de um processo interpessoal num processo intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento” (Vygotsky, 1989, p. 64). O conceito de interiorização não deve ser interpretado como uma espécie de transferência ou “cópia criativa” de conteúdos externos no interior de uma consciência, no campo da teoria; na verdade, os processos de interiorização seriam os criadores de tal espaço interno. Quer dizer, deve-se conceitualizar a internalização como criadora da consciência e não como a recepção na consciência de conteúdos externos. Deve-se notar que os processos de internalização aludem à constituição dos Processos Psicológicos Superiores e se relacionam tanto com aspectos de desenvolvimento cognitivo como da personalidade do sujeito, ou da atividade psicológica geral; que dizer, põe-se em jogo tanto o desenvolvimento do pensamento, a capacidade de argumentação, como o desenvolvimento dos sentimentos e da vontade. Do mesmo modo, a interiorização de uma função psicológica implica uma reorganização mais ou menos geral do funcionamento psicológico, mesmo entre domínios diferenciáveis como a capacidade de raciocinar e o desenvolvimento do comportamento voluntário. Como vimos, Vygotski não ignora as definições biológicas da espécie humana, no entanto, atribui enorme importância à dimensão social, que fornece instrumentos e símbolos (assim como todos os elementos presentes no ambiente humano impregnados de significado cultural) que medeiam a relação do indivíduo com o mundo, e que acabam por fornecer também seus mecanismos psicológicos e formas de agir nesse mundo. O 30 aprendizado é considerado, assim, um aspecto necessário e fundamental no processo de desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores. Portanto, o desenvolvimento pleno do ser humano depende do aprendizado que realiza num determinado grupo cultural, a partir da interação com outros indivíduos de sua espécie. A criança só aprenderá a falar se pertencer a uma comunidade de falantes, ou seja, as condições orgânicas (possuir o aparelho fonador), embora necessárias, não são suficientes para que o indivíduo adquira a linguagem. Nesta perspectiva, é o aprendizado que possibilita e movimenta o processo de desenvolvimento: “o aprendizado pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que as cercam” (VYGOTSKI, 1989, p. 99). Desse ponto de vista, o aprendizado é o aspecto necessário e universal, uma espécie de garantia do desenvolvimento das características psicológicas especificamente humanas e culturalmente organizadas. Vygotski identifica dois níveis de desenvolvimento: um se refere às conquistas já efetivadas, que ele chama de nível de desenvolvimento real ou efetivo, e o outro, o nível de desenvolvimento potencial, que se relaciona às capacidades em vias de serem construídas. O nível de desenvolvimento real pode ser entendido como referente àquelas conquistas que já estão consolidadas na criança, aquelas funções ou capacidades que ela já aprendeu e domina, pois já consegue utilizar sozinha, sem assistência de alguém mais experiente da cultura (pai, mãe, professor, criança mais velha). Este nível indica, assim, os processos mentais da criança que já se estabeleceram, ciclos de desenvolvimento que já se completaram. Desse modo, quando nos referimos àquelas atividades e tarefas que a criança já sabe fazer de forma independente, estamos tratando de um nível de desenvolvimento estabelecido, isto é, estamos olhando o desenvolvimento retrospectivamente. O nível de desenvolvimento potencial também se refere àquilo que a criança é capaz de fazer, só que mediante a ajuda de outra pessoa (adultos ou crianças mais experientes). Nesse caso, a criança realiza tarefas e soluciona problemas através do diálogo, da colaboração, da imitação, da experiência compartilhada e das pistas que lhe são fornecidas. Este nível é, para Vygotski, bem mais indicativo de seu desenvolvimento mental do que aquilo que ela consegue fazer sozinha. 31 A distância entre aquilo que ela é capaz de fazer de forma autônoma (nível de desenvolvimento real) e aquilo que ela realiza em colaboração com os outros elementos de seu grupo social (nível de desenvolvimento potencial) caracteriza aquilo que Vygotski chamou de “zona de desenvolvimento proximal”. Neste sentido, o desenvolvimento da criança é visto de forma prospectiva, pois a “zona de desenvolvimento proximal” define aquelas funções que ainda não amadureceram, que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentes em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de “brotos” ou “flores” de desenvolvimento, ao invés de “frutos” do desenvolvimento” (Vygotsky, 1989, p. 97). Assim, pode-se afirmar que o conhecimento adequado do desenvolvimento individual envolve a consideração tanto do nível de desenvolvimento real quanto do potencial. O aprendizado é o responsável por criar a zona de desenvolvimento proximal, na medida em que, em interação com outras pessoas, a criança é capaz de colocar em movimento vários processos de desenvolvimento que, sem a ajuda externa, seriam impossíveis de ocorrer. Esses processos se internalizam e passam a fazer parte das aquisições do seu desenvolvimento individual. É por isso que Vygotski afirma que “aquilo que é zona de desenvolvimento proximal hoje será o nível de desenvolvimento real amanhã - ou seja, aquilo que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã” (VYGOTSKI, 1989, p. 98).10 Os princípios expostos acima desestabilizam algumas crenças bastante cristalizadas no âmbito pedagógico. De modo geral, nos meios educacionais, ainda parece prevalecer a visão de que o desenvolvimento é pré-requisito para o aprendizado (quem sabe pela forte influência piagetiana na formação dos nossos professores). Do ponto de vista da teoria histórico-cultural, isto é uma contradição, já que os processos de desenvolvimento são impulsionados pelo aprendizado. Ou seja, só “amadurecerá”, se aprender. Vygotski afirma que o bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento, ou seja, que se dirige às funções psicológicas que estão em vias de se completarem. Essa dimensão prospectiva do desenvolvimento psicológico é de grande importância para a educação, pois permite a compreensão de processos de desenvolvimento 10 Esta constatação nos remete às transformações qualitativas que ocorrem por meio da chamada “síntese dialética” onde, a partir de elementos presentes numa determinada situação, fenômenos novos emergem. Essa é exatamente a concepção de síntese utilizada por Vygotski ao longo de sua obra. 32 que, embora presentes no indivíduo, necessitam da intervenção, da colaboração de parceiros mais experientes da cultura para se consolidarem e, como conseqüência, ajuda a definir o campo e possibilidades de atuação pedagógica. Portanto, ensinar o que o aluno já sabe ou aquilo que está totalmente longe de sua possibilidade de aprender é totalmente ineficaz. É importante destacar, aqui, o risco de uma interpretação distorcida da posição de Vygotski. Assim como se pode fazer uma interpretação espontaneista das posições de Piaget, uma compreensão superficial de Vygotski poderia levar exatamente ao oposto: uma postura diretiva, intervencionista, uma volta à “educação tradicional”. Embora Vygotski enfatiza o papel da intervenção no desenvolvimento, seu objetivo é trabalhar com a importância do meio cultural e das relações entre indivíduos na definição de um percurso de desenvolvimento da pessoa humana, e não propor uma pedagogia diretiva, autoritária. Nem seria possível supor, a partir de Vygotski, um papel de receptor passivo para o educando: Vygotski trabalha explícita e constantemente com a idéia de reconstrução, reelaboração, por parte da pessoa, dos significados que lhe são transmitidos pelo grupo cultural e da possibilidade de resignificação. A consciência individual e os aspectos subjetivos que constituem cada pessoa são, para Vygotski, elementos essenciais no desenvolvimento da psicologia humana, dos processos psicológicos superiores e, portanto, da inteligência. A constante recriação da cultura por parte de cada um de seus membros é a base do processo histórico, sempre em transformação, das sociedades humanas. No capítulo seguinte veremos como o processo de reconstrução, reelaboração, resignificação e recriação é possível, se entendermos o conceito de mediação sociocultural em Vygotski e, como este é utilizado por Feuerstein na Experiência de Aprendizagem Mediada. 33 2. PROGRAMA DE ENRIQUECIMENTO INSTRUMENTAL 2.1 Reuven Feuerstein e as bases de sua teoria Reuven Feuerstein é um pesquisador israelita, nasceu na Romênia no ano de 1921 e vem alcançando renome mundial pelo método desenvolvido para o trabalho com crianças deficientes. Em Bucareste, estudou Psicologia e Pedagogia. Algum tempo depois, prestou exames de licenciatura em Jerusalém. Estudou, também, em Genebra, Suíça (nesse tempo trabalhou com André Rey e Piaget), e na Universidade de Sorbonne, Paris. Feuerstein completou seus estudos, em 1952, com o diploma em Psicologia Geral e Clínica, em Genebra, e, em 1970, com o Doutorado (Ph.D.) em Psicologia do Desenvolvimento na Universidade de Sorbonne, Paris. Suas principais áreas de estudo foram a Psicologia do Desenvolvimento, Clínica e Cognitiva. Desde 1964, é Diretor do Instituto de Pesquisas Hadassah-Wizo-Canada, em Jerusalém. Feuerstein tem ensinado em diferentes universidades na condição de professor convidado. A partir de 1970, atuou como Professor Titular da Universidade Bar Ilan, em Ramat Gan, Israel, e Professor adjunto da Universidade de Vanderbilt, em Nashville, USA. Feuerstein reside, atualmente, em Jerusalém, Israel. O trabalho de Feuerstein vem sendo reconhecido em vários países, como, por exemplo, nos Estados Unidos, na Espanha, na França, na Bélgica, e, naturalmente em Israel. Pode-se dividir o trabalho de Feuerstein em duas áreas principais, uma delas teórico-conceitual e a outra pedagógico-instrumental, apresentando-se teoria e prática integradamente no seu trabalho. Pode-se melhor entender, porque ele extrapola o mero campo teórico e elabora vários instrumentos psicopedagógicos, tendo-se em mente que ele é, primordialmente, um psicólogo e pesquisador ocupado na recuperação de indivíduos que apresentam dificuldades acentuadas de natureza cognitivo-intelectual. Responsável, juntamente com outros pesquisadores, pela adaptação em Israel de Judeus emigrantes do Norte africano, Feuerstein ocupou-se da avaliação intelectual das crianças. Sua constatação principal foi que muitas crianças e adolescentes evidenciavam baixos índices de rendimento cognitivo-intelectual. Os instrumentos utilizados 34 demonstravam o fraco nível intelectual, mas não colaboravam no sentido de melhorar o estado cognitivo daquelas crianças. A partir desse momento, começou a se preocupar em elaborar instrumentos que propiciassem o suporte psicopedagógico correspondente. Estava lançado o germe da construção dos dois programas constitutivos do seu método: O Programa de Enriquecimento Instrumental - PEI (“Feuerstein Instrumental Enrichment Programm” - FIE) e a abordagem da Avaliação do Potencial de Aprendizagem (“Learning Potential Assessment Device” - LPAD) Para Feuerstein, a cognição é o ponto medular do êxito no processo adaptativo. O desconhecimento dos processos cognitivos tem difundido a crença de que a inteligência é algo que se tem ou não, e que é impossível qualquer tentativa de mudar este quadro. Feuerstein se propõe a demonstrar a mutabilidade da inteligência por intermédio de intervenções realizadas em adolescentes e jovens adultos, as quais priorizam os processos metacognitivos, possibilitados por um mediatizador humano. Beltrán (1994) aponta que uma das preocupações da psicologia está em analisar o pensamento para conhecer seus conteúdos, o que levou ao surgimento do método introspectivo-reflexivo como a aplicação reflexiva da consciência sobre si mesma, para observar seus próprios estados e atos e explicar o sentido da conduta. A reflexão sobre o pensamento desde as coordenadas da psicologia cognitiva fez surgir o conceito de metacognição como uma possibilidade de conhecer as habilidades e processos de pensamento e converter a nós mesmos em usuários hábeis de nossa capacidade pensante. Para Flavell (In Beltrán, 1994) existem três variáveis que intervém no conhecimento metacognitivo: variáveis pessoais – em que a pessoa é considerada como ser cognitivo, capaz de conhecer-se e regular-se mediante o que seu próprio pensamento tem de operatividade; variáveis da tarefa - que oferecem situações variadas em que suas próprias características, suas dificuldades dão acesso a diferentes modos de realizá-las, de conhecer as operações e estratégias que estão em jogo e tornam possíveis seu melhor domínio em função do conhecimento das mesmas; e, variáveis das estratégias – que se convertem em parte integrante do modo de pensar e da eficácia do próprio pensamento. Cada ser humano dá mostras de possuir esquemas básicos de funcionamento diante de situações de aprendizagem sejam elementares ou complexas. O ato de “assimilação” (Piaget) ou “apropriação” (Leontiev) pelo qual a criança descobre a utilidade das 35 ferramentas culturais necessita, sem dúvida, da percepção do uso social que os adultos fazem delas, mediante a imersão na zona interpessoal (Vygotski) para chegar ao domínio das mesmas. Isso significa que o sujeito necessita interiorizar o conhecimento e as estruturas que este leva consigo (Beltrán, 1994). Feuerstein (1991) compreende o processo interno em termos funcionais-estruturais. Do ponto de vista funcional, ele procura analisar como a mente humana funciona e quais aspectos fazem-na funcionar mal, segundo a influência da interação humana. Por essa análise pôde constatar alguns elementos estruturais e fundamentais para um processamento mental eficiente, denominando esses elementos de funções cognitivas. Estas, por sua vez, foram sendo definidas a partir da influência das idéias piagetianas. Por intermédio da idéia de processamento, proveniente da teoria do processamento da informação, Feuerstein fundamentou uma organização para o movimento funcional das funções cognitivas por ele destacadas. O conceito de processamento, como vimos, enfoca que a estrutura cognitiva é, no final das contas, um processador que absorve informações, elabora-as e as devolve ao ambiente. Aproveitando a idéia da teoria do processamento da informação, de que todo ato mental abarca três fases fundamentais: entrada, elaboração e saída de informações, Feuerstein estabeleceu a existência das mesmas fases para explicas suas funções cognitivas. Portanto, a interiorização do comportamento é uma função cognitiva que se encontra na fase de elaboração, cuja finalidade é a formação de esquemas mentais sobre as ações utilizadas para a realização de uma tarefa, ou seja, esta função imprime a construção virtual de padrões complexos de comportamento, para produzir um alto nível de profundidade e precisão, disponíveis para qualquer situação. A metacognição tem sua força aqui, pois através dessa função cognitiva o indivíduo pode obter consciência de seus atos e formular inferências sobre as causas desses atos e melhorá-los. Em termos de teoria da aprendizagem, Feuerstein (1991) defende que não basta a interação com o envolvimento para a experiência de aprendizagem se desenvolver (por exemplo, o modelo piagetiano E - O - R). Segundo os seus pressupostos, é necessário que se verifique a presença de um mediatizador humano (H) afetivo, diligente, conhecedor e competente para mediatizar tal interação (exemplo: modelo E - H - O - H - R), o que constitui um axioma de sua teoria, isto é, a experiência de aprendizagem mediatizada (EAM). 36 Para compreendermos melhor a extensão do significado e da importância do conceito de mediação, vamos buscar em Vygotski as bases conceituais para a sua compreensão. 2.2 A mediação sociocultural de Vygotski e a experiência de aprendizagem mediada de Feuerstein Partindo da perspectiva de que o sujeito é construtor ativo de seus próprios processos psicológicos superiores, e que esta estruturação se dá fundamentalmente em situação de interação social, entendemos que o processo de mediação não pode ser focado (numa perspectiva sócio-histórica), desvinculado da atividade do sujeito. Dessa forma, não são os mediadores em si mesmo que determinam a gênese do psiquismo, mas todo o processo de mediação, enquanto o uso que o sujeito ativamente realiza desses mediadores. A mediação, deve ser considerada como um processo e não como uma coisa, sendo que a simples presença de mediadores (como o instrumento e o signo) não são suficientes para garantir a existência de um processo global de mediação. A palavra “mediação” tem adquirido muitos significados entre aqueles que lidam com temas relativos à educação e à psicologia. Entendemos que seja necessário levantar algumas considerações sobre a definição de mediação. Pino (1991) entende que “num sentido amplo, mediação é toda a intervenção de um terceiro ‘elemento’ que possibilita a interação entre os ‘termos’ de uma relação”. É evidente que este significado tão amplo não define o tipo de mediação que propõe Vygotski na explicação da atividade e do psiquismo humano. Segundo a definição acima, entendemos mediação como a intervenção de um elo intermediário na relação entre dois termos, o que é o mesmo que dizer que: entre “A” e “B” intervém um elemento “X”. Ou ainda: ao invés de uma relação direta, “imediata” ou “imediada” (A-B), temos uma relação indireta, “mediada”, ou “mediata” (A - X - B). Utilizando deste sentido extremamente amplo, é correto dizer, por exemplo, que o conhecimento é mediador entre o sujeito e a realidade; que o professor é mediador entre o 37 aluno e o conhecimento; que um árbitro é mediador entre dois lutadores de boxe; tanto quanto é correto dizer que uma vara é mediadora entre um macaco e uma banana. Todos os exemplos caberiam nesta definição geral; no entanto, é evidente que uma gama tão diferenciada de fenômenos não poderia estar reduzida a um mesmo significado. Cada exemplo dado de relação triádica (mediada) realiza uma forma diferente de “mediação”, cada um deles tem um significado diferente dos demais. Provavelmente, tendo em vista a indefinição dessa acepção, Pino (1991) restringe o significado desse termo, utilizando-o “para designar a função que os sistemas gerais de sinais desempenham nas relações entre os indivíduos e destes com o seu meio. Mais especificamente, este termo é utilizado para designar a função dos sistemas de signos na comunicação entre os homens e a construção de um universo sociocultural”. Esta definição aproxima-se do conceito de “mediação semiótica”, central na obra de Vygotski, ou seja a mediação que se utiliza dos sistemas de signos. Compreender a questão da mediação, que caracteriza a relação do homem com o mundo e com os outros homens, é de fundamental importância justamente porque é através deste processo que as funções psicológicas superiores, especificamente humanas, se desenvolvem. Vygotski distingue dois elementos básicos responsáveis por essa mediação: o instrumento, que tem a função de regular as ações sobre os objetos e o signo11, que regula as ações sobre o psiquismo das pessoas. Buscando as analogias entre o instrumento e o signo, Vygotski (1989) vai evidenciar também as diferenças entre estas duas formas de mediação, e mostrar o quanto o uso do signo (que é uma forma de mediação que só pôde surgir da relação entre pessoas, ou seja; da relação social) vai se tornar a grande ferramenta do funcionamento psicológico individual. Nesta concepção de que o uso de signos como mediadores é elemento fundamental na constituição das formas propriamente humanas de funcionamento psíquico, Vygotski entra em perfeita consonância com as teses de Marx no que diz respeito à constituição social da individualidade, ou, ainda, à formação social da mente. Pois se os signos só existem e só podem surgir a partir da relação social, e se esse mediador de origem 11 De modo geral, o signo pode ser considerado aquilo (objeto, forma, fenômeno, gesto, figura ou som) que representa algo diferente de si mesmo. Ou seja, substitui e expressa eventos, idéias, situações e objetos, servindo como auxílio da memória e da atenção humana. Como por exemplo, no código de trânsito, a cor vermelha é o signo que indica a necessidade de parar, assim como a palavra copo é um signo que representa o utensílio usado para beber água. 38 intersubjetiva é um elemento fundamental da estruturação do psiquismo, a formação da mente é mesmo social. Parece ficar mais claro, então, que realmente para Vygotski o sentido mais definido de mediação é o uso de mediadores para ampliar as possibilidades humanas na busca de atingir um fim, uma meta, para suprir determinadas necessidades, num circuito de relações sociais. O uso de signos não é só expressão de uma estrutura interna que se desenvolve por si mesma, pelo contrário, é exatamente o que possibilita a gênese das estruturas internas propriamente humanas. O instrumento é um meio (mais uma vez: um mediador) utilizado pelo ser humano para atingir determinados fins, para realizar determinados projetos, fundamentalmente tendo a função de efetivar uma produção material. O que ocorre é que no trabalho produtivo o ser humano vai além das possibilidades de seu próprio corpo quando usa de um pedaço de madeira, de uma alavanca, de uma lança, um machado, ou uma espaçonave. O que deve ser marcado é que o instrumento é algo utilizado pelo sujeito para atingir um objetivo, ampliando as possibilidades de transformação da natureza, e que o instrumento fundamentalmente está incorporado numa mediação entre o sujeito e um objeto. O instrumento realiza as intenções de uma pessoa no que diz respeito à transformação dos aspectos materiais da realidade. Uma mediação diferente é a realizada pelo signo que é utilizado na relação entre as pessoas. O signo também é um meio que as pessoas utilizam para suprir determinadas necessidades, fundamentalmente necessidades que são colocadas em jogo num processo de comunicação. Mas, diferente dos instrumentos, os signos não possibilitam uma transformação das coisas mesmas, os signos são elementos tomados da realidade para cumprir uma função de representar outra esfera da realidade; os signos são sinais de alguma outra coisa, e mais do que isso, são sinais que podem ser compartilhados entre sujeitos, de forma que possamos influenciar o comportamento de outras pessoas e sermos por elas influenciadas. Na interação entre seres humanos, através dos signos convencionados entre eles, surgem novas possibilidades de explorar o mundo, de percebê-lo, de atentar para características específicas da realidade. Tomando o exemplo da fala, a palavra não só “mexe” com aquele a quem se dirige, o interlocutor, mas também com aquele que a enuncia. Isso torna possível o diálogo, modo humano de comunicação. Na comunicação 39 animal isso não ocorre: ela é linear, embora de mão dupla. Ela não permite, como na comunicação humana, a reformulação, a interpretação múltipla, a criação do sentido e, como efeito dela, o erro de interpretação. O mais importante no signo é que ele visa o outro. A representação tem, fundamentalmente, uma função comunicativa e, se o visado na representação é o outro, isto quer dizer que representar é uma atividade social. Ela implica negociação e acordo entre sujeitos. Representar quer dizer “estar no lugar de” ou “agir no lugar de”. Por exemplo, um desenho gráfico, como uma palavra ou caricatura, está no lugar de uma idéia ou de uma pessoa. A capacidade de uma coisa representar outra é praticamente ilimitada, o que equivale dizer que a capacidade semiótica do homem é quase ilimitada. O que a limita são os termos da convenção social que cria o signo. Se representar é “estar no lugar de” e se a função representativa é atribuída às coisas pelos homens (convenção social), isso quer dizer que os homens estabelecem ligações entre os representantes e as coisas representadas. Em outras palavras, os homens criam socialmente relações entre as coisas que não existem nelas naturalmente. Daí o caráter convencional dos signos. Estabelecer uma ligação quer dizer atribuir a uma coisa o poder de significar outra coisa. Portanto, o valor de um signo está no que ele significa socialmente, ou seja, naquilo ao qual ele se refere: a significação. A natureza convencional dos signos faz com que eles signifiquem coisas previamente convencionadas. Assim, uma palavra da linguagem usual significa o que, previamente, foi estabelecido (convencionado) pelos homens. Isso quase sempre admite uma margem de variação. É a polissemia dos signos. Mas o poder significante dos signos não se limita ao previamente convencionado, mas ao que os interlocutores convencionam na interação comunicativa. Assim, numa situação de interação verbal ou dialógica, a fala se constitui numa atividade produtora de significação que extrapola as limitações impostas aos signos pela convenção. Os diferentes autores da corrente sócio-histórica (Vygotski, 1989; Bakhtin, 1988; Leontiev, 1978; Luria,1987), referindo-se expressamente à linguagem, distinguem claramente os termos significado e sentido. Com formulações diferentes, eles entendem por significado a significação convencional atribuída aos signos pela sociedade. Por sentido 40 eles entendem a significação que esses signos - articulados dentro de um contexto discursivo - têm para cada um dos interlocutores. Isso é mais ou menos explicitado no processo discursivo. Em outras palavras, o sentido é aquilo que uma palavra ou, mais propriamente, um discurso evoca no sujeito e que tem a ver com a história da sua experiência de vida pessoal (o que não significa que não seja social, pois toda a experiência humana é social por natureza). Não podemos nos abster de ressaltar a idéia de Bakhtin (1988, p.32) a respeito do caráter ideológico dos signos: “um signo não existe apenas como parte de uma realidade; ele também reflete e refrata uma outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou apresentá-la de um ponto de vista específico. (...) O domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos; são mutuamente correspondentes. Tudo que é ideológico tem um valor semiótico”. Por “ideológico” o autor entende o fato de uma realidade material (um dos componentes do signo) refletir e refratar uma outra realidade que lhe é exterior. Ideológico corresponde à função representativa do signo. Isso quer dizer que nos domínios dos signos existem campos diferentes (o religioso, as representações sociais, o político, o social, o jurídico, o científico, o artístico, o pedagógico). Toda a realidade é passível de ser semiótica e, portanto, ideológica. A existência do signo, diz Bakhtin, nada mais é do que a materialização da comunicação. É nisso que consiste a natureza dos signos ideológicos. Esse aspecto semiótico e esse papel comunicativo aparece, por excelência, na linguagem: “A palavra é o fenômeno ideológico por excelência. A realidade toda da palavra é absorvida por sua função de signo (...) A palavra é o modo mais puro e sensível da relação social” (p. 36). No Programa de Enriquecimento Instrumental desenvolvido por Feuerstein, destaca-se a importância do uso da linguagem enquanto instrumento de mediação privilegiado na construção do processo de significação do mundo. Ao se analisar alguns aspectos do pensamento de Vygotski, pode-se traçar determinados paralelos conceituais entre este autor e Feuerstein e, também, alguns distanciamentos se entendermos seus pressupostos teóricos. Beyer (1996) nos aponta o fato de que alguns autores (Brown, 1982, Günther, 1988), ao caracterizarem a teoria de Vygotski como uma teoria da internalização, 41 apresentam o Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) de Feuerstein como um método cognitivo que visa a fomentar os processos de internalização. Esses autores vinculam explicitamente Feuerstein e Vygotski no que tange à ênfase que ambos dão aos processos mediadores na construção da inteligência Feuerstein interpreta o desenvolvimento cognitivo como decorrente de duas formas de interação da criança com o seu meio: por um lado, ela aprende e se desenvolve por meio da percepção, assimilação (usado por ele no sentido piagetiano) e processamento direto dos estímulos existentes ao redor; por outro lado, a criança aprende através da mediação cognitiva de pessoas significativas (a mãe, o pai, os irmãos, os educadores, entre outras). Especialmente a segunda possibilidade de interação, a saber, a aprendizagem mediada, ocupa no pensamento de Feuerstein um lugar central: Por meio do conceito da experiência de aprendizagem mediada (EAM) nós nos referimos à forma como os estímulos emitidos pelo meio são transformados por um agente ‘mediador’, usualmente um pai, um irmão ou outra pessoa do círculo próximo da criança. Este agente mediador, motivado por suas intenções, cultura e envolvimento emocional, seleciona e organiza o mundo dos estímulos para a criança. O mediador seleciona os estímulos que são mais apropriados e então filtra e organiza; ele determina o surgimento ou desaparecimento de certos estímulos e ignora outros. Através desse processo de mediação, a estrutura cognitiva da criança é afetada. (1980, p. 15-6). Ao invés de uma interação assistemática e aleatória com os estímulos do meio, o mediador ajuda a criança a processar adequadamente aqueles aspectos significativos para o seu crescimento intelectual. A hipótese que interpreta serem as experiências de aprendizagem mediada fundamentais para o desenvolvimento cognitivo da criança aproxima-se do conceito cultural de inteligência de Vygotski, em que o ambiente sociocultural intermedia a aprendizagem da criança. Sem dúvida, ambos os autores acentuam a função do mediador junto aos processos cognitivos da criança. Porém, Feuerstein enfatiza o papel desempenhado pelo ser humano nos processos de aprendizagem infantil. A teoria de Vygotski abrange tanto a ação do mediador humano como também a importância dos conteúdos semânticos-culturais da linguagem, como já enfatizamos. Da mesma maneira, existe uma conexão entre a orientação estruturalista de Feuerstein e a teoria piagetiana. Feuerstein espera que, em decorrência da interação instrumental da criança com os exercícios propostos, ocorra uma construção/reconstrução 42 de estruturas intelectuais específicas. Tais estruturas correspondem às estruturas operatórias do pensamento. Beyer, apud Büchel (1987, 1-2), nos mostra porque Feuerstein dá tamanha ênfase ao processo da mediação na aprendizagem. ...avaliar, com testes psicológicos, judeus norte-africanos emigrantes (a maioria nômades), para esclarecer qual estrutura escolar Israel deveria preparar para essas pessoas. Feuerstein estudava então na Universidade de Genebra e foi auxiliado por um grupo de pesquisadores que estava desenvolvendo estudos junto ao psicólogo clínico André Rey. Na época, eles aplicaram tanto testes de inteligência não-verbais como utilizaram um método projetivo. O empreendimento fracassou já no princípio. Devido aos resultados dos testes, evidenciou-se uma porcentagem muito grande de pessoas com inteligência abaixo da média. De forma correta, os pesquisadores de Genebra explicaram tal desvio da média devido a diferenças culturais. Mas o que significam diferenças culturais? Presumivelmente não se trata simplesmente de um déficit em conhecimento. Os testes aplicados não exigiam aquilo que a literatura denomina como conhecimento universal. Esses norte-africanos diferenciavam-se dos europeus ocidentais muito mais na forma de sua compreensão de instruções dadas e no seu estilo em situações de trabalho cognitivo. As tarefas não tinham para eles o mesmo caráter problemático, e assim eles não utilizavam as operações cognitivas esperadas. Desse relato, pode-se compreender o motivo que levou Feuerstein a explicar as dificuldades cognitivas como sendo primordialmente determinadas por fatores socioculturais e não intelectuais. Determinadas estratégias e auxílios de compreensão, necessários para a solução das tarefas dos testes, não puderam ser utilizados pelos sujeitos da pesquisa, porque não eram elementos integrantes da sua cultura. Por isso, a defasagem intelectual constatada foi interpretada como defasagem de elementos cognitivos culturalmente determinados, já que seriam mediados pelos sistemas formais e informais de ensino. Essas experiências com crianças e adolescentes norte-africanos proporcionaram os subsídios teórico-metodológicos para a formulação conceitual da mediação cultural ou mais exatamente da experiência da aprendizagem mediada. Feuerstein (1991) interpreta esse fenômeno como privação cultural, deixando claro que a definição de culturalmente privado descreve o indivíduo ou o grupo privado de sua própria cultura e não o fato de uma cultura específica privar o indivíduo de direitos e privilégios. Uma pessoa com privação cultural não relaciona os fatos, não os compara, não os organiza considerando algum critério. Para essas pessoas tanto o mundo interno como o externo estão indefinidos e desorganizados; portanto, a capacidade para lidar com os estímulos e com as solicitações fica bastante reduzida. 43 Um indivíduo com privação cultural tem uma percepção episódica12 da realidade, impedindo-o de estabelecer relações entre os fatos. Esta deficiência o impede de decodificar os elementos da sua própria cultura, bem como a sua própria experiência individual. A causa da privação cultural é a carência de Experiência de Aprendizagem Mediada. A realidade da guerra impediu a possibilidade de mediação adequada aos jovens imigrantes. Nesse quadro de privação cultural houve uma ruptura entre gerações, impedindo, segundo Feuerstein, que os jovens passassem por EAM, provocando funcionamento cognitivo inadequado, que foi responsável direto pelo fracasso dos jovens nos testes. O resultado da privação cultural, além do baixo rendimento, é um estado do organismo a uma tendência de falta de necessidade de organizar os estímulos que facilitariam seu uso posterior em processos mentais. É importante ressaltar que a privação cultural independe do tipo de sociedade e do nível socioeconômico, podendo-se ter pessoas que não sofrem de privação cultural em culturas bastante primitivas ou mesmo o contrário, como no caso de pessoas sem dificuldades de natureza socioeconômica, porém com privação de cultura. Portanto, a privação cultural é definida como “Um estado de reduzida modificabilidade cognitiva de um indivíduo, em resposta à exposição direta às fontes da informação” (Feuerstein, 1978). Pretende-se, pois, pela Experiência de Aprendizagem Mediada desenvolver a inteligência dos sujeitos mediatizados, isto é, das crianças e dos jovens, normais ou portadores de deficiência, visto que, no fundo, a finalidade da educação é invariável para os dois casos. Desenvolver a inteligência, ensinar a pensar ou provocar a modificabilidade cognitiva daqueles que se encontram dela privada são os objetivos da experiência de aprendizagem mediada. 12 Percepção episódica é a forma de entender um acontecimento desconectado de sua causa ou origem, sem buscar a relação com os elementos que lhe dão significado. Se procede quando percebemos um fato desconectado de seu contexto 44 2.3 Critérios de Mediação Como vimos, Feuerstein desenvolve a forma E - O - R de Piaget e inclui um mediador humano entre o mundo de estímulos, o organismo e a resposta. Sua nova fórmula para aprendizagem mediada se torna então E - H - O - H - R, na qual H é o mediador humano. O mediador se interpõe entre o organismo que aprende e o mundo dos estímulos, interpretando, significando os estímulos. Nesse tipo de interação, a aprendizagem é intencional. Feuerstein acredita que a experiência mediada seja o fator chave para que a criança fique mais receptiva à exposição direta, beneficiando-se mais dela. Isso ocorre porque a mediação é o tipo de interação que desenvolve as atitudes e as competências básicas para a aprendizagem. Fig. 01 – Modelo de experiência de aprendizagem mediatizada (FONSECA, 1998, p. 61) Até o momento, Feuerstein (1991) identificou dez critérios ou tipos que são fundamentais para a mediação. Ele acredita que os três primeiros critérios são fundamentais e suficientes para uma interação ser considerada mediação. Os sete critérios restantes podem funcionar em diferentes momentos, onde e quando apropriados, servindo para equilibrar e reforçar uns aos outros. A mediação é um processo aberto e dinâmico e não deve ser rigidamente aplicada ou vista como fixa em dez critérios. •= Mediação de intencionalidade e reciprocidade Intencionalidade e reciprocidade são as condições básicas de uma interação de Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM). Na EAM, o conteúdo específico da interação - independente de sua importância - é caracterizado pela intenção não apenas de 45 mediar para o mediado os estímulos específicos, a atividade ou o relacionamento, mas também de compartilhar esta intenção com o mediado. Reciprocidade é a maneira de tornar uma intenção implícita num ato explícito, volitivo e consciente. A interação animada por uma intenção e um esforço para criar uma relação de reciprocidade pode ser vista como poderosa e rica em componentes comportamentais, mentais e emocionais. O primeiro, obviamente, é o conteúdo específico pelo qual a aprendizagem mediada é experimentada. Como já mencionado, qualquer conteúdo, do mais elementar à mais alta forma de atividade mental, tal como amamentar, ensinar habilidades elementares ou raciocínio hipotético, ensinar poesia, história ou filosofia, pode conter a qualidade da experiência de aprendizagem mediada, se caracterizado pela intenção. A intenção transforma os três parceiros envolvidos na interação - os estímulos, o mediador e o mediado. Certas características do acontecimento específico são transformadas pela intenção do mediador de tal maneira que ele é experimentado (não somente registrado por acaso) pelo mediado. A amplitude, a tonalidade e o destaque de um estímulo é modificado para garantir que ele seja observado e percebido. O ritmo de ocorrência de certos estímulos, a freqüência e redundância da exposição à atividade que deve ser aprendida são modificados pela intenção de integrá-la ao repertório comportamental do indivíduo. A melhor maneira de avaliar a qualidade de mediação de uma interação, tal como professor-aluno, consiste em detectar a transformação produzida pela intenção no estímulo ou no acontecimento a ser mediado. Qual a diferença do acontecimento mediado e o acontecimento sem mediação? Em que consiste a diferença entre o discurso do professor quando ele simplesmente transmite uma instrução e aquele usado quando ele media para o aluno? Está na certificação de que certos componentes do seu agir se tornem mais visíveis. Está no ressaltar a seqüência dos diferentes componentes do seu ato. Esta transformação dos estímulos, que são mediados, é acompanhada por esforços por parte do mediador para transformar o estado mental, emocional e motivacional do mediado. Tornar o mediado mais acessível à experiência pode requerer uma alteração do seu estado mental para aumentar seu grau de vigilância e criar condições de “consciência” e “percepção”, que afetarão seus processos mentais. 46 Uma análise mais profunda dos processos mentais, decorrendo da interação animada pela intencionalidade e pela reciprocidade, revela que esta modalidade de interação, mesmo quando feita em níveis elementares, cria no mediado uma consciência do processo de aprendizagem e dos princípios didáticos que o sustentam. Os componentes metacognitivos formam uma parte importante da interação mediacional sobre a forma de autoreflexão induzida, discernimento, e a articulação de todo o campo por meio de seus componentes. Esta orientação, uma vez internalizada, assume o papel de conduzir a um aprendizado mais eficiente e, por sua vez, para graus mais altos de modificabilidade. •= Mediação de transcendência Outro dos mais importantes componentes, em adição à intencionalidade e à reciprocidade, consiste na mediação de transcendência, quer dizer, ir além dos objetivos da interação. Fazer um indivíduo adquirir uma habilidade ou torná-lo competente numa área de saber é o objetivo da interação entre pais e criança, professor e aluno. No entanto, a intenção de fazê-lo sentir-se competente, claramente transcende o objetivo imediato da aquisição da habilidade ou da competência. A mesma coisa vale para a mediação do comportamento compartilhado, que pode estar totalmente ausente numa interação que visa ao cumprimento de necessidades básicas ou mesmo à aquisição de funções mentais mais desenvolvidas. A mediação do comportamento compartilhado, da individualização e da diferenciação psicológica, bem como a mediação da conscientização do ser humano como sendo uma entidade em mudança, não são condições necessárias para o objetivo primário da interação, mas elas as transcendem devido à interação do mediador. Transcendência, definida como sendo a orientação do mediador para ampliar a interação além do objetivo imediato e elementar, cria no mediado a propensão a aumentar constantemente seu repertório de funcionamento cognitivo e afetivo. Tornar uma criança consciente do fato de que batatas e mandiocas pertencem à mesma família de plantas não tem nada a ver com o ato de consumi-las para poder sobreviver. A criança pode, com certeza, tirar proveito de alimentar-se com elas sem ter esse conhecimento específico. Mas o fato da interação transcender o ato de “alimentação”, “cria” uma orientação em direção a “saber-entender”. Dessa maneira, ambos, saber e entender, tornam-se necessidades cruciais e, posteriormente, poderosos determinantes da modificabilidade humana. 47 Nesta linha, o mediatizador deve relacionar a tarefa com conteúdos prévios ou futuros; revelar as relações entre os conteúdos específicos e inerentes à tarefa com os objetivos mais globais; selecionar os conteúdos de acordo com a seqüência das situações de aprendizagem subseqüentes; assegurar proficiência dos mediatizados nas aquisições básicas e nos hábitos de trabalho, além das necessidades presentes; suscitar questões do “porquê” e de “como”, mais do que questões do “quem” e do “quê”; explicar as razões das suas ações e decisões; questionar os mediatizados para explicações racionais sobre as respostas e a sua conduta; ensinar fatos, conceitos, princípios e relações, além das necessidades das situações presentes; promover operações cognitivas superiores, como a representação e a categorização; sugerir situações- problema e definições e colocações de problemas; generalizar a partir das instâncias específicas envolvidas nas tarefas; colocar questões que promovam inferências das regras gerais; fornecer “pontes” entre a área dada e outras áreas correlacionadas, mas diferenciadas; encorajar os mediatizados a fazer sínteses integradoras entre várias áreas de conteúdo, que emergem da resolução das tarefas imediatas. •= Mediação do Significado Se os dois primeiros parâmetros representam a estrutura da interação e respondem às questões quando, onde, como, o quê, quanto, por quê, a mediação de significado trata principalmente da dimensão energética da interação, ela responde às perguntas por quê, para quê, e a outras perguntas relacionadas com os motivos de relação causal e teleológica13 que explicam por que alguma coisa ocorre ou tem que ser feita. As razões implícitas de certas interações não são facilmente entendidas e não conseguimos sempre torná-las explícitas e compartilhá-las com o parceiro de nossa interação. O raciocínio didático e pedagógico dos professores e, muito mais dos pais são, muitas vezes, escondidos do estudante ou da criança, a tal ponto que este “segredo” é considerado uma característica importante da teoria e da prática pedagógica. A Experiência de Aprendizagem Mediada, quando animada pela intenção de transcender, media, para o mediado, o significado da interação, seu conteúdo, seu “porquê” e seu “para quê” e torna explícitas as razões 13 Conhecimento ou explicação que relaciona um fato com sua causa final 48 implícitas das mudanças que ocorrem, bem como os objetivos primários e secundários da interação. A mediação de significado começa logo no início da relação mãe-filho quando a interação ainda se desenvolve em nível pré-verbal. A mãe torna a criança consciente da importância que ela atribui a certas dimensões da realidade que ela está mediando, usando modos de comunicação paralingüísticos mediante movimentos, freqüência e repetição dos estímulos mediados. Dessa maneira, ao desejo da criança de atirar objetos é dado um significado positivo, quando a mãe repetidamente se abaixa para recolher o objeto atirado e o entregar à criança para que ela possa atirá-lo novamente. Os movimentos e as mímicas que refletem a intenção da mãe são imediatamente entendidos pela criança, em estágio pré-verbal, como um encorajamento a continuar sua brincadeira preferida, sendo evidenciado pela expressão de alegria que aparece no rosto da criança. Quando o entendimento verbal aparece, a mãe acompanha sua modalidade de comunicação paralingüística com palavras que, por sua vez, designam o significado e o conteúdo e atuam como o agente energético e motivador do comportamento. O desenvolvimento posterior e as modalidades verbais mais complexas, utilizadas na mediação de significado, geram no mediado uma orientação para a busca do “significado”. Uma vez internalizada, esta necessidade se torna a fonte de modos independentes de funcionamento e de tomada de decisão. Os “significados” mediados um dia por um adulto podem ter sido esquecidos há muito tempo ou podem ter sido transformados pelo indivíduo, em virtude de sua personalidade ou das mudanças da cultura na qual ele vive; mas a necessidade e a orientação de procurar o “significado”, que lhe foi dada por seu mediador, torna-se uma condição permanente de sua existência. Indivíduos privados dessa orientação, e que não procuram pelo significado, levam desvantagem em muitos aspectos: cognição, emoção e em todas as maneiras que afetam as dimensões energéticas e motivacionais de sua vida. Presenciamos, hoje em dia, mais do que antes, os efeitos negativos da falta de mediação no mundo, muito limitado do significado e dos valores que servem de guias e forças para o indivíduo em sua vida. 49 •= Mediação do sentimento de competência O assunto competência tem-se tornado corriqueiro no decorrer das últimas décadas, porque ele é considerado um forte determinante do funcionamento cognitivo em geral e da realização profissional e acadêmica em particular. Este assunto está relacionado com a motivação, porque ele denota uma procura por uma fonte de competência. No contexto do desempenho diferencial entre indivíduos, a “competência” foi muitas vezes confundida com o “sentimento de competência”. A motivação foi vista como estritamente ligada a esse conceito mais geral de competência. Muitas vezes é considerado natural que um indivíduo com um bom nível de competência mensurada esteja motivado a atingir este nível ou ir além, enquanto pessoas que funcionam em um nível baixo estão negativamente motivadas a ultrapassá-lo. Infelizmente, esta confusão entre competência e sentimento de competência tornou quase impossível o maior entendimento deste fenômeno paradoxal e tão comum que reside no fato de que a competência não implica necessariamente num sentimento de competência, mesmo quando ela provoca grandes realizações. Feuerstein afirma que o sentimento de competência não é o resultado direto e inevitável da percepção da capacidade de alguém, mas, ao contrário, que a geração deste sentimento requer a intervenção de um mediador humano que interpreta o domínio e a competência e a transforma em consciência e percepção da competência deste alguém. Certas crianças e adultos vivem constantemente num regime de atividades rotineiras e mecânicas e não são confrontados com a necessidade de dominar tarefas não familiares com níveis mais altos de complexidade. Eles não têm a oportunidade de conhecer sua capacidade de tornar-se competentes. A oportunidade de enfrentar situações novas mais complexas e alcançar o domínio das mesmas é a condição para a consciência e o sentimento de competência. Quando as coisas são feitas automaticamente, como no caso de tarefas mecânicas, existem poucas oportunidades para instrospecção e para uma consciência do fato de que alguém seja ou possa se tornar competente. Para muitos professores, o método educacional usado mais freqüentemente é o uso de perguntas que são formuladas para suscitar a resposta inadequada. Tais questões não fazem necessariamente a criança pensar, mas resulta em falha em muitos casos. Sabendo disso, o examinado reage com ansiedade e tensão, com um bloqueio total de suas capacidades. Além de declarar claramente: “Você não sabe nada e, por isso, seria melhor 50 que você estudasse”, o professor também generaliza sua avaliação em outras áreas de estudo. O conflito entre a necessidade de criar competência através do trabalho árduo e a necessidade de criar um sentimento de competência é uma fonte de grande angústia em crianças normais e muito mais ainda em crianças que têm dificuldade de aprendizado. Prover o indivíduo com oportunidades de aplicar-se e construir sua competência é uma condição da geração do sentimento de competência. A mediação da competência é uma atividade complexa dificilmente alcançada pela maneira pela qual o adulto interage com a criança. Existem, segundo Feuerstein, dois elementos principais que devem ser considerados. O primeiro é a necessidade de dotar a criança de exigências de competência adequadas a seu estágio de desenvolvimento. Isto implica torná-la capaz de aprender os dados necessários para solucionar o problema, fazendo-a concentrar-se nas tarefas imediatas, dando-lhe condições de utilizar as fontes de informação necessárias e ajudando-a a armar-se de um certo grau de precisão que poderá ser aplicado a todos os tipos de situações. O segundo consiste em oferecer à criança possibilidades de enfrentar certas situações em que deve ter o domínio. Na medida em que ela não as procura, essas oportunidades devem ser-lhe oferecidas e apresentadas de tal maneira que ela tenha as oportunidades necessárias para atingir o domínio. Podemos entender que Feuerstein nos leva a compreensão da necessidade de trabalharmos a mediação do sentimento de competência (e as demais) na zona de desenvolvimento proximal do sujeito. Apresentar ao sujeito tarefas sobre as quais ele ainda não tem o domínio requer intervenção mediacional para dotá-lo das condições gerais e específicas que lhe permitirão atingir a competência. As condições gerais abrangem várias estratégias necessárias para dominar quase qualquer tarefa, tais como: a codificação adequada do problema e a separação dos dados relevantes dos que não são. Evidentemente, estratégias específicas dependem da natureza específica da tarefa. Um sentimento de competência é forjado por uma repetição criativa que é necessária para que se possa alcançar níveis mais altos de domínio. Dessa maneira, ajudar o indivíduo a aprender uma nova língua, por exemplo, requer primeiramente uma abertura e uma disposição para investir esforços para alcançar objetivos claramente definidos, usar uma modalidade de focar, fazer a diferença entre o conhecido e 51 o desconhecido e familiarizá-lo com significados e sons estranhos. Ele deve receber a informação básica e ir além do que ele já conhece, para aprender novos elementos da língua. Para fazer isso é preciso que o mediador tenha interesse em passar para o mediado o sentimento de domínio e que ele crie as situações necessárias. O mediador se certifica de que a quantidade e a natureza da intervenção dada não sejam nem mais nem menos do que o necessário para garantir o sucesso da criança. Se alguém observar mães, professores e auxiliares animados pela intenção de mediar o sentimento de competência, encontrará um repertório de estratégias rico e variado que visa a criar condições de domínio bem sucedido por parte das crianças, e outros adultos, no tocante a tarefas cada vez mais complexas. Mas isso não é suficiente. Como mencionado anteriormente, o fato de ter sucesso não cria necessariamente o sentimento de competência no indivíduo. Para que isso se consiga, uma interpretação é necessária, oferecida pelo mediador à criança, tornando-a consciente do significado do seu sucesso e que a reflexão de competência não fique necessariamente restrita ao acontecimento único específico, como também ao fato de que uma vez que ele tenha provado sua capacidade de dominar tal tarefa não há nenhuma razão para que ele não seja capaz de dominar muitos outros tipos diferentes de tarefas. Esta interpretação, segundo Feuerstein, tem vários aspectos. Primeiro, a criança deve saber que ela teve o domínio da tarefa. É chocante constatar que muitas crianças e mesmo adolescentes nem mesmo sabem que obtiveram sucesso numa tarefa. Nem sempre ela tem os critérios com os quais podem julgar se a tarefa foi dominada com sucesso ou não. Muitas crianças e adolescentes não sabem que cumpriram com o que se esperava delas. Por isso, é necessário, mediante retorno, conscientizar a criança e o adolescente de que eles obtiveram sucesso. O segundo passo é fazer com que o indivíduo entenda que o fato de dominar esta tarefa revela alguma coisa a respeito de sua competência. Certas crianças não sabem quais implicações podem resultar do domínio de um problema matemático ou de certas tarefas lógicas ou perceptuais. O mediador oferece à criança e, principalmente ao adolescente, uma interpretação mais ampla do fato onde ele obteve sucesso. Este tipo de mediação tem grande importância, porque ela cria no indivíduo a disposição para ir além da tarefa completada. Isso significa o aumento da confiança da criança e do adolescente. 52 A mediação se torna ainda mais complexa quando se trata de indivíduos que já se convenceram de sua incapacidade como imagem global de si mesmos. Essas pessoas identificam todas as suas atividades, por bem sucedidas que possam ser, com sua fraca imagem própria. Para eles, o domínio bem sucedido de uma tarefa ou não é acreditado, ou, se seu sucesso é óbvio até para eles, eles desmentem seu significado. Existem muitos casos nos quais crianças e adolescentes, que demonstraram grande capacidade de realização, reagem de maneira auto depreciativa, apesar de terem tido sucesso em seus esforços. Um sentimento de competência pode desempenhar um papel crucial na adaptação do indivíduo a novas situações no tocante às condições de mudança da vida no mundo cotidiano. Adaptar-se a situações estranhas, que se tornam cada vez mais complexas, requer por parte do indivíduo uma disposição para aventurar-se em direção a novos desafios. Um sentimento geral de competência tem de estar presente, para que ele possa ser suficientemente corajoso para explorar realidades que não lhe são familiares. •= Mediação da regulação e do controle do comportamento Feuerstein mostra que a mediação da regulação e do controle de comportamento consiste de atividades antagônicas - inibição e iniciação de comportamento - e é provavelmente qualitativamente, uma das dimensões mais importantes da interação entre pais e filhos, professores e alunos, e também entre autoridades e cidadãos. Chamar a atenção para os perigos - sugerindo a manutenção, a mudança ou a aceleração do ritmo de atividade em função de uma condição específica - domina a interação entre as pessoas, em geral, e entre pessoas de hierarquia diferente, em particular. Não é fácil saber o quanto isso contém de qualidade mediacional. A intervenção inibidora por parte dos pais e professores nem sempre se torna uma fonte de controle interno. A iniciação de um comportamento - o contrário de inibição - pode também tornar-se a fonte de um desenvolvimento inadequado. Quando não movida por uma intenção mediacional, ela age somente como um chicote induzindo a agir de conformidade com a instrução externa, sem assegurar-se de que o ato se torne próprio e controlado de maneira autônoma. A regulação mediada do comportamento cria a flexibilidade e a plasticidade necessárias para modificar o indivíduo no tocante à inibição e à iniciação. Ela acelera o 53 comportamento por meio da orientação do indivíduo para a auto reflexão, propicia o retorno necessário para a tomada de decisão relativa à propriedade ou impropriedade de certas condutas, a sua ocorrência adequada no tempo, a seu ritmo, e a sua condizência com uma situação específica. A mediação de regulação de conduta tem seu ponto mais alto na criação de elementos cognitivos que, amparados por uma orientação auto reflexiva metacognitiva, gera a propensão para um pensamento a respeito de um comportamento adaptado. O auto controle em relação a certas atividades torna-se possível pelo uso dos componentes cognitivos ligados à atividade específica muito mais do que pelo emprego de um tabu supergeneralizado ou de uma inibição produzida por uma experiência “histórica” que tem uma relevância limitada (se é que tem) em relação à presente. A mediação da regulação de conduta consiste, segundo Feuerstein, em dois elementos principais. Um diz respeito à criação de funções cognitivas que serão usadas no levantamento dos dados necessários à tomada de decisão, isto é, à fase de alimentação do ato mental, à natureza do processo de percepção quando do levantamento de dados, da precisão, da acuidade, e da exaustão do que é percebido, seguido pelo uso de fontes múltiplas de informação que - uma vez colhidos os dados - permitem o estabelecimento de uma orientação metacognitiva. O segundo componente, o estabelecimento analítico da metacognição, que consiste na avaliação conjunta dos dados levantados e na competência avaliada do indivíduo, seguida por uma avaliação do significado do evento específico, resulta na decisão de executar ou não a resposta específica, de que forma, onde, como, quão rápido, etc. O professor, que está mais preocupado com o “produto” do seu aluno, encoraja muito pouco o controle cognitivo do comportamento. Ele, muitas vezes, demonstra sinais de impaciência para com os processos de pensamento, vendo-os como sinais de falta de domínio do aluno que hesita em responder imediatamente a um desafio de aprendizado; assim, o professor passa para o aluno que responde mais eficientemente. Isso põe o indivíduo mais reflexivo numa posição de desvantagem e de frustração. Dessa maneira, o comportamento impulsivo não controlado se torna o padrão da classe. O caso de cálculo matemático errado, sob condições estressantes, ilustra uma grande variedade de interações frustrantes quando alunos são confrontados com uma regulação de conduta não mediada. 54 A imposição de controle e de aceleração do comportamento do aluno por parte do professor é mais aceitável quando ela apresenta a qualidade da mediação. Isso é particularmente verdadeiro quando a reciprocidade permite que o mediado seja capaz de entender o significado da ação inibidora do mediador e lhe oferecer a extensão desse significado para objetivos transcendentes estabelecidos por ambos: mediador e mediado. Essa qualidade da regulação afeta o comportamento do indivíduo de maneira estrutura, que é mais permanente e mais generalizável a situações que ele encontrará no futuro. A mediação da regulação do comportamento, baseada em componentes cognitivos e metacognitivos, tem, hoje em dia, uma importância vital, considerando a natureza da adaptação humana exigida pelas condições de vida impostas pelas mudanças da tecnologia. Para os indivíduos sócio-culturalmente diferentes e, mais ainda, para os privados culturalmente em termos de mediação, a regulação do comportamento deveria tornar-se, segundo Feuerstein, uma parte essencial de qualquer programa de enriquecimento cognitivo. •= Mediação do comportamento compartilhado Os parâmetros incluídos nas condições afetadas pela cultura, e determinadas pelas situações, têm pesos diferentes no desenvolvimento não somente de processos cognitivos, como também da personalidade global. Por exemplo, a mediação do comportamento compartilhado e a mediação da diferenciação individual e psicológica são aparentemente necessidades antagônicas. Compartilhar o comportamento reflete a necessidade do indivíduo de sair do seu próprio eu para participar com outros e para fazê-los participar com ele. Esta experiência é profundamente marcada pela cultura. A experiência de aprendizagem mediada considera a mediatização afetiva e emocional muito importantes e significativas no processo de modificabilidade cognitiva. Desde o diálogo tônico entre mãe e filho que as interações afetivas exercem um papel preferencial na estabilidade emocional e no conforto tátil e somático e na confiança afetiva, ingredientes básicos e energéticos da cognição humana. Vibrar com o outro, compartilhar emoções e percepções, estabelecer contágios afetivos positivos e sociais são condições de uma aprendizagem com sucesso. Compartilhar comportamentos é uma 55 necessidade primitiva do indivíduo; é um sistema precoce de interação, em que a emergência da significação e da linguagem interior tem lugar. O bebê humano, como préestrutura da sua conduta, está desde muito cedo preparado para interagir de forma tônica, não-verbal e mímica, com os outros; ele possui condutas de co-imitação e de co-vibração que se desenvolvem progressivamente através da experiência de aprendizagem mediada. A fusão com o outro e a interação crucial que se vivência no jogo são suportes fundamentais em que uma mediatização positiva e, portanto, uma pedagogia interativa deve assentar as suas bases. Repartir o sucesso e o êxito é uma característica da condição humana; repartir idéias, informações e conhecimentos é um processo inerente à experiência de aprendizagem mediada. O mediatizador (mãe, pai, professor, psicólogo, etc.) deve mostrar aos mediatizados (criança, adolescente, cliente) que estamos orgulhosos com seus êxitos. Transmitir ao mediatizado o sentido de compartilhar boas coisas, boas experiências e iniciativas, é algo fundamental, porque, essencialmente, promove-se a socialização entre os indivíduos em situação de interação. Para assentar estes pressupostos de partilha afetivo-cognitiva, o mediatizador, segundo Feuerstein, necessita compartilhar o entusiasmo e a curiosidade que os conteúdos lhe despertam; encorajar os mediatizados a repartir suas experiências com os outros; encorajar a ajuda mútua entre os mediatizados; encorajar a capacidade para escutar as experiências cognitivas e afetivas; facilitar experiências e atividades de grupo; escolher conteúdos que reforcem a importância de condutas de cooperação. •= A mediação da diferenciação individual e psicológica A individualização, o contrário do comportamento compartilhado, representa a necessidade do indivíduo de tornar-se um ser diferenciado em relação ao “outro”, com quem ele já compartilha. Este fenômeno também não é observado em todas as culturas. Existem sociedades que outorgam ao indivíduo o direito de constituir-se como uma pessoa diferente, de tal maneira que ele possa opor-se ao outro e considerá-lo como um estranho. Qualquer imposição deste estranho a ele constitui um infringimento de seus direitos, independentemente do outro ser o pai ou mãe ou a comunidade em geral. 56 A diferenciação individual e psicológica é, certamente, um dos atributos humanos que a cultura ocidental mais enfatiza, mais pela falta de experiência de aprendizagem mediada, segundo Feuerstein, do que por um ato volitivo destinado a produzir a individuação como um fenômeno transcendente. A criança rejeitada é forçada a um estado de independência pela configuração socioeconômica e familiar que modifica não somente a interdependência física entre pais e filhos, como também cria uma estrutura diferente de relacionamento emocional afetivo. Em certos casos, a independência física prematura leva a estados de forte dependência emocional que impede qualquer verdadeiro processo de diferenciação individual e psicológica. A diferenciação individual e psicológica pode ser melhor desenvolvida por um processo de mediação que é precedido e acompanhado por compartilhamento de comportamento, de significado, de transcendência e de todo o conteúdo emocional existente na experiência de aprendizagem mediada, evitando desta maneira os sentimentos de rejeição e abandono. O cenário educacional aumenta o grau de individuação do aluno até o ponto que os parceiros da interação experimentem, cognitiva e emocionalmente, reciprocidade e mutualidade em sua relação. Infelizmente, este nem sempre é o caso nas relações familiares, sendo ainda mais raro em ambientes educacionais. Na maior parte dos casos, a individualização é bloqueada pelas exigências de submissão a parceiros hierarquicamente superiores. Tornar o mediado consciente da legitimidade das diferenças da visão, inclinação, desejos e maneira de ser do outro, sem necessariamente aceitar os padrões resultantes de conduta, é uma condição necessária para um processo suave de individualização. Processos de mediação cognitiva permitem a procura das fontes das diferenças entre indivíduos. Isso leva a uma visão articulada de si mesmo em relação ao outro. No caso de necessidades conflitantes, isso leva à escolha de critérios mediante os quais decisões podem ser tomadas. A “pseudo-individualização”, que é produto de uma separação física forçada, não leva a uma verdadeira diferenciação psicológica da personalidade. Em muitos casos, ao contrário, ela é a origem de uma personalidade altamente egocêntrica, que não reconhece seus próprios limites e, por isso, não se percebe como sendo uma entidade independente. 57 A mediação da diferenciação psicológica é um processo variado e complicado que tem componentes emocionais e afetivos que atuam como facilitadores ou inibidores dos componentes cognitivos da diferenciação individual e psicológica. Como já foi mencionado, a mediação deste parâmetro é muito diferente em função das culturas e até das famílias. Mais do que em qualquer outro aspecto da interação mediacional, a estrutura da personalidade e o grau de diferenciação são fortemente afetados pelas imposições sociais. Por exemplo, as grandes diferenças que existem geralmente entre homens e mulheres em termos de dependência e independência estão ligadas aos papéis de gênero que a sociedade impõe. •= A mediação do comportamento de procura, de definição e de consecução de objetivos Este parâmetro desempenha um papel importante no desenvolvimento da modificabilidade, flexibilidade e propensão a aprender do ser humano. A presença de um objetivo no repertório mental do indivíduo é o reflexo da origem de uma maneira simbólica de pensar. Escolher um objetivo e procurar atingi-lo requer a ampliação da esfera de experiência de alguém através da entrada num mundo que está além da realidade sensorial imediatamente percebida. A mediação para a criança em desenvolvimento da procura e da escolha de um objetivo enriquece e articula sua vida. Adicionalmente, isso lhe dá um princípio de organização e de mobilização das ferramentas necessárias para a materialização do objetivo escolhido. Viver sem objetivo, muitas vezes, se manifesta na necessidade de satisfação imediata e na incapacidade de postergar um comportamento impulsivo em lugar de um objetivo mais afastado que deveria ter uma maior prioridade. Escolher um entre vários objetivos e planejar como atingi-lo requer uma sensibilidade a respeito de valores culturais de um grupo e também a respeito da capacidade de cada um de seus membros. A necessidade de enxergar o ambiente como uma entidade previsível, que permite a alguém planejar sua conduta oferece um certo grau de segurança que garante que tais planos possam, de fato, serem executados, também é importante. 58 •= A mediação do desafio: a procura por novidade e complexidade A mediação do comportamento desafiador deve ser o objetivo da educação em geral, e do seu enriquecimento em particular, de acordo com Feuerstein, em todos os programas que visam a preparar o indivíduo a adaptar-se à novidade e à complexidade de nosso mundo. A revolução da informação pela qual o mundo passa requer do indivíduo, muitas vezes despreparado, uma disposição para administrar uma tarefa complexa à qual ele nunca tinha sido exposto anteriormente. A disposição para aprender e a propensão de passar do estágio do conhecido para o desconhecido é uma necessidade vital no mundo em mudança. A adaptação a mudanças por meio da autoplasticidade14 é provavelmente a maneira mais efetiva de enfrentar as mudanças e requer, portanto, mudanças no nosso repertório de estrutura cognitiva de respostas e seu uso adequado. A propensão a confrontar-se com uma novidade e uma complexidade desafiadoras, em vez de desistir, é vital para nossa adaptação e a interação da mediação desenvolve um papel importante na sua concretização. •= Mediação da conscientização do ser humano como sendo uma entidade em mudança Este parâmetro é o ato volitivo menos comum desenvolvido pelos mediadores. No entanto, muitas culturas estabeleceram uma maneira institucional de passar ao indivíduo o processo de mudança como sendo uma função do seu crescimento etário e as mudanças decorrentes em seus papéis sociais. A idéia de que o indivíduo é uma “existência modificável”, independentemente de desenvolvimentos determinados biológicamente, e que estas mudanças não são apenas o desenvolvimento previsível de características que existem “potencialmente” no indivíduo não é uma visão encontrada em muitas culturas. Existem visões bastante paradoxais e opostas numa mesma cultura e até no mesmo indivíduo no tocante a considerar o ser humano como sendo uma entidade em mudança e modificável. De um lado encontramos expressões de estabilidade, fixidade e um alto grau de desenvolvimento previsível. Tal 14 Capacidade da pessoa de modificar suas necessidades para acomodar-se (no sentido piagetiano) a uma situação. Automodificação. É a adaptação e transformação das funções cognitivas para alcançar êxito 59 atitude deixa pouco espaço para que o indivíduo mude. O pessimismo educacional que daí decorre pode ser observado em todos os setores da vida na diferenciação da escolha de objetivos e dos meios empregados para atingi-los nos campos da educação, do emprego, da reabilitação. Por outro lado, há também uma visão contrária que presume que o ser humano seja acessível a mudanças extremas e radicais em todos os sentidos possíveis: competência, habilidades, julgamentos morais, emoções a afetividade. A crença de que a inteligência seja modificável, como propõe Feuerstein, é provavelmente a menos aceita, mesmo por aqueles que aderem à visão da modificabilidade em outros campos do crescimento humano. A natureza da visão da qual alguém compartilha, determina geralmente, o grau de atividade que ele emprega no sentido de modificar o indivíduo. A visão da aceitação passiva decorre claramente de um pré-determinismo que considera a mudança como muito improvável, independentemente das condições de vida ou da natureza do investimento educacional. Os aspectos intelectivo e afetivo-emocional da personalidade são vistos como não afetados pelo investimento em mediação ou em desenvolvimento. Um procedimento ativo que vise determinar a conduta ou as características do indivíduo não é recomendado. Ou o indivíduo demonstra sinais de bom desenvolvimento, e consequentemente não requer nenhum desenvolvimento, ou ele demonstra sinais de um desenvolvimento inadequado para o qual o investimento não será de nenhuma ajuda. A crença na modificabilidade pode tornar-se um poderoso determinante de mudança no indivíduo, mobilizando suas atividades intencionais e volitivas, tendo como primeiro objetivo manter-se afastado de mudanças para pior - deterioração intelectual, afetiva e moral - ou ajudá-lo a reestruturar sua reabilitação e seu re-desenvolvimento de uma maneira ativa, quando necessário. Mediar para o indivíduo e para a sociedade os fenômenos de modificabilidade como sendo uma característica única do ser humano pode tornar-se uma fonte de potencialização dos fatores ambientais que ativa seus agentes e o próprio indivíduo no sentido de aumentar e preservar seu comportamento adaptativo mediante o aumento de sua autoplasticidade e flexibilidade junto com a preservação de sua identidade. Além disso, o conceito de modificabilidade e de mediação pode incentivar os educadores a procurar por sinais de mudança como uma maneira de avaliar o indivíduo e de emitir um prognóstico mais 60 dinâmico no sentido de levar em consideração essas mudanças em vez de basear-se no grau de funcionamento prévio como sendo a manifestação do funcionamento futuro. Esta descrição dos critérios de mediação, apontadas por Feuerstein (1991), tem como objetivo dar uma visão geral dos componentes que determinam a qualidade da interação humana e dos efeitos que esta qualidade tem na condição cognitiva e afetiva do indivíduo. A experiência de aprendizagem mediada sensibiliza a pessoa em relação aos significados de uma exposição direta e contínua a estímulos e eventos, permitindo ao indivíduo que ele reaja pela modificação de si mesmo. 2.4 Operações Mentais e Funções Cognitivas As funções15 cognitivas são as estruturas básicas que servem de suporte a todas as operações mentais. São componentes básicos para a atividade intelectual. São capacidades que nos permitem perceber, elaborar e expressar informações. Sua origem está nas conexões cerebrais. As funções são o esqueleto do pensamento e vão se estruturando, adaptando e acomodando nos diferentes modos de interação com o ambiente. As operações são condutas interiorizadas ou exteriorizadas (um modelo de ação ou um processo de comportamento), pelas quais a pessoa elabora os estímulos. Elas são o resultado de combinar nossas capacidades, conforme as necessidades que experimentamos, em uma determinada orientação. Feuerstein dedica seu trabalho ao estudo e à compreensão dos impedimentos no desenvolvimento cognitivo, o que inclui tanto as crianças com dificuldades escolares como as portadoras de deficiência mental. Portanto, é de se esperar que sua abordagem se volte para a consideração das patologias do desenvolvimento e, portanto, considere em detalhes as características do funcionamento mental correspondente, surgindo, assim, o conceito de funções cognitivas deficientes. O termo deficiente não pretende de forma alguma transmitir 15 O termo é empregado para se referir às características da ação cognitiva da criança quando tenta resolver problemas. É a conjugação adequada das várias funções que vai possibilitar à criança o uso do pensamento operatório ou daquilo que Vygotski chama de funções superiores do pensamento. 61 uma noção de rigidez das estruturas ou acentuar a gravidade do distúrbio. Ele é empregado muito mais para conotar que algo não vai bem nos processos cognitivos da criança ou adolescente. O objetivo é o de facilitar o trabalho de diagnóstico e de intervenção (Gomes, 2002). É importante entender as características das funções cognitivas deficientes por dois motivos: em primeiro lugar, porque se pode avaliar mais adequadamente o motivo do baixo nível de rendimento do indivíduo, e, em segundo lugar, porque o Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) objetiva corrigir tais funções. Portanto, Feuerstein (1980) atribui o surgimento das denominadas funções cognitivas deficientes à ausência ou insuficiência das experiências de aprendizagem mediada: “As funções deficientes (...) são concebidas como sendo um produto da ausência ou insuficiência da experiência de aprendizagem mediada e são responsáveis e se refletem na performance cognitiva atrasada” (p. 71). Feuerstein entende que os processos de pensamento ocorrem em três momentos: (1) a consideração inicial dos dados apresentados ao sujeito, fase de assimilação, fase de input ou fase de entrada; (2) 0s processos de análise, fase de elaboração e; (3) fase de elaboração da resposta, fase de output ou de saída. Na fase de assimilação, os estímulos nossa volta são captados por nossos sentidos: a visão, o olfato, o tato, a audição, o paladar, o sentido cinestésico. Qualquer dificuldade experimentada nesse estágio afetará a maneira como a tarefa será tratada na fase da elaboração e como o resultado será expressado. Analisaremos a seguir a funções cognitivas utilizadas em cada uma das fases, ressaltando que o material apresentado é uma adaptação do Programa de Enriquecimento Instrumental das Habilidades Mentais de Feuerstein, realizada pelo Programa de Pesquisa Cognitivo que foi estabelecido na Divisão de Educação Especializada da Universidade de Witwatersrand, África do Sul (MENTIS, 1997). Funções cognitivas utilizadas na fase de assimilação: 62 PERCEPÇÃO Clara Uma percepção clara tem a ver com a capacidade de: • prestar atenção pelo tempo necessário para perceber detalhes relevantes com clareza; • diferenciar detalhes relevantes ou essenciais de detalhes irrelevantes ou estranhos; • definir e descrever os atributos de um objeto ou problema; • aplicar a experiência anterior para analisar informações novas de forma significativa; • perceber todos os aspectos de um problema de forma global, isto é, integrar todas as suas partes; • investir tempo e atenção adequada aos detalhes, dependendo da complexidade e novidade da tarefa. Confusa e Superficial Percepção confusa e superficial pode ser identificada pelo seguinte: • atenção insuficiente para forma, tamanho e espaço; • má discriminação de letras, confunde “e” com “c”, confunde os sons de “s” e “z”; • inabilidade para selecionar detalhes relevantes (isto é, presta atenção ao barulho de um carro passando em vez de prestar atenção à voz do professor, ou não consegue focar um item visual específico numa gravura. EXPLORAÇÃO DE UMA SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM Sistemática Impulsiva A exploração sistemática de uma situação de O aluno que experimenta dificuldades com esta aprendizagem se refere à capacidade de: função cognitiva poderá manifestar impulsividade das seguintes maneiras: • abordar uma tarefa orientada pelo objetivo; • partir logo para fazer a tarefa, de maneira precipitada e desorganizada, sem atenção • usar o tempo suficiente para reunir e avaliar adequada ao que é necessário ou sem adotar todas as informações necessárias para definir uma abordagem metódica; um problema; • pensar em uma tarefa de forma organizada e • adotar estratégias pobres de investigação e não visualizar a necessidade de reunir e integrar sistemática; todas as informações necessárias para resolver • controlar a velocidade e a precisão ao um problema; solucionar um problema. • falta de autocontrole e dificuldade em ajustar a velocidade e a precisão necessárias para uma tarefa particular. CONCEITOS E INSTRUMENTOS VERBAIS RECEPTIVOS Precisos Os instrumentos receptivos precisos se relacionam com a capacidade de: • compreender conceitos e palavras correlatas a fim de interpretar as informações coletadas; • usar a linguagem como um instrumento para Deficientes O aluno que tem instrumentos e conceitos verbais deficientes pode: • ouvir e interpretar a língua falada com imprecisão, mesmo tendo audição normal; • interpretar instruções e perguntas de forma 63 receber informação; equivocada; • usar a linguagem como um sistema de • ter uma deficiência de compreensão que racionalização e de comunicação em interações prejudicará a interpretação da linguagem sociais; usada. • ouvir e interpretar (processar) a linguagem, o que requer um conhecimento de vocabulário e de estruturação de frases, de significado, de contextos sociais e culturais COMPREENSÃO DE CONCEITOS ESPACIAIS Bem desenvolvida Uma compreensão bem desenvolvida de conceitos espaciais está relacionada com a capacidade de: • compreender como os objetos ou pessoas estão fisicamente posicionados no espaço; • localizar-se com precisão em relação a outras pessoas ou a objetos (isto é, formular um sistema de referência pessoal); • avaliar as relações entre objetos e pessoas; • dar nomes que descrevem posições no espaço (esquerda, direita, abaixo, acima) Deficiente O aluno que tem uma deficiência de compreensão de conceitos espaciais pode: possuir nomes para descrever • não adequadamente posições e relações entre objetos; • não ter estabelecido um sistema pessoal de referências espaciais; • ter dificuldade em aceitar a relatividade do espaço pessoal; • ser incapaz de planejar o uso do espaço eficiente e adequadamente; • necessitar mostrar fisicamente e apontar, em vez de descrever um conjunto de direções; • ter dificuldade de coordenação de partes do corpo no espaço; • ter dificuldade de se localizar mentalmente no espaço. COMPREENSÃO DE CONCEITOS TEMPORAIS Bem desenvolvida Uma compreensão bem desenvolvida de conceitos temporais está relacionada com a capacidade de: • compreender a seqüência e a ordem dos eventos (isto é, lembrar uma série de eventos na ordem cronológica correta); • compreender como unidades de tempo são organizadas e somadas (isto é, horas, dias, semanas, meses e anos); • fazer comparações espontâneas de conceitos de tempo, a fim de obter significado (isto é, antes no lugar de depois); • compreender como o passado influenciou o Não possui ou é deficiente O aluno que tem uma deficiência de compreensão de conceitos temporais pode: • não compreender ou não planejar cronogramas; • não seguir programas (isto é, ficar pronto muito cedo ou atrasado); • perceber eventos fora do contexto (isto é, não ser capaz de estabelecer relações entre os eventos); • não compreender o resultado de ações ou eventos, consequentemente, manifestando comportamento problemático; 64 presente e como as ações no presente terão • não ser capaz de retardar a gratificação, conseqüências no futuro (isto é, causa e efeito); esperando recompensa (ou punição) imediata • fazer uso de experiências do passado ou de por seus atos; previsões futuras, a fim de controlar o • sentir-se confuso porque está desorientado no comportamento e organizar o tempo tempo; efetivamente. • não exibir comportamento exploratório sistemático (isto é, refazer os passos a fim de encontrar algo perdido). CAPACIDADE DE CONSERVAR CONSTÂNCIA Bem desenvolvida Uma habilidade bem desenvolvida para conservar constâncias implica a capacidade do aluno para: • perceber que a propriedade essencial de um evento ou objeto permanece a mesma apesar de alterações nas dimensões periféricas ou na orientação; • identificar um objeto mesmo que haja variação em seus atributos ou mudança de aparência (isto é, uma pessoa permanece a mesma, apesar de variações no vestuário e de suas expressões); • compreender que variações são produzidas por uma transformação na apresentação, que pode ser revertida e que a identidade do objeto permanece a mesma, sendo indiferente que esteja enrolada como uma bola ou como uma salsicha (a quantidade permanece, a forma muda). Deficiente O aluno que tem uma deficiência de capacidade de conservar constâncias pode: • não compreender a conservação e a reversibilidade dos números (isto é, não consegue ver que 3+2=5 é o mesmo que 2+3=5); • ter uma tendência a focar apenas na aparência imediata de um objeto, sem formar relações (apreensão episódica da realidade) ou generalizar para o abstrato (isto é, um copo visto do topo se parece com um círculo, enquanto ao lado se parece com um cilindro); • ter dificuldade de perceber similaridades e diferenças no nível perceptual (isto é, um quadrado colocado em ângulo poderia ser confundido com um diamante) ou no nível conceitual (isto é, um pastor alemão e um fila poderiam não ser considerados cães); • não ser capaz de identificar quais características relevantes são conservadas (por exemplo, um quilo de chumbo é mais pesado do que um quilo de algodão?). COLETA DE DADOS Precisa A necessidade de coletar dados de maneira precisa e acurada tem a ver com a necessidade de: • desenvolver uma necessidade intrínseca de ser preciso na coleta de informações; • selecionar somente o que for relevante para o processo preciso (apropriado ou correto) de um problema, uma vez que a necessidade tenha sido desenvolvida; Deficiente O aluno que apresenta coleta de dados insuficiente pode: • não compreender a importância de ser preciso quando coleta dados; • tender a produzir um trabalho no qual os dados não são precisos (claramente estabelecidos ou detalhados) nem apropriados ou corretos; • apresentar um trabalho incompleto, muito 65 detalhado, sem forma lógica ou faltando • usar vocabulário preciso (claro e detalhado) pontos importantes; para assegurar uma “captura” econômica e eficiente de informação. • ser incapaz de avaliar se estão faltando dados ou se eles estão distorcidos; • depender de recursos e instruções específicas do professor e ser incapaz de usar a informação que já possui ou sua experiência anterior; • não ter habilidade para pesquisar e extrair informações de várias fontes, mesmo quando a necessidade já foi desenvolvida. CONSIDERAR MAIS DE UMA FONTE DE INFORMAÇÕES Capacidade bem desenvolvida A capacidade bem desenvolvida de considerar mais de uma fonte de informação se refere à habilidade de: • pensar em duas ou mais fontes de informação ao mesmo tempo (por exemplo, considerar a cor, a forma e o tamanho ao montar um quebra-cabeça); • coletar dados de várias fontes (por exemplo, consultar o professor, especialistas e a biblioteca para fazer um trabalho de história); • perceber um conceito sob diferentes pontos de vista; • examinar mais de um aspecto de uma situação, a fim de perceber relações, conexões ou elos entre eles; • usar dois elementos como fontes de dados para comparação quando um problema for confrontado (por exemplo, considerar a nutrição e a disponibilidade de ingredientes quando planejar uma refeição. Capacidade deficiente O aluno que apresenta capacidade deficiente para usar mais de uma fonte de informação pode: • tender a centralizar-se ou levar em conta somente uma entre várias dimensões ou alternativas; • considerar apenas algumas das informações necessárias para completar um trabalho ou para resolver um problema; • ser incapaz de lembrar todos os fatos necessários para completar uma tarefa; • recuperar peças desconexas de informação e ser incapaz de colocá-las juntas para formar um todo significativo; • apresentar comportamento egocêntrico (isto é, ver a coisa somente do seu ponto de vista e ter dificuldade para acomodar opiniões diferentes). A fase de elaboração é a segunda etapa do processo de pensamento. Na fase de elaboração, a informação coletada é processada. Este é o estágio no qual o trabalho é realizado, a tarefa é executada e os problemas são resolvidos. Por exemplo, as informações que chegam à fase de assimilação são classificadas, organizadas, analisadas e testadas, a fim de se chegar a uma resposta ou produto que possam ser expressos na fase de saída. Um 66 aluno com dificuldades na fase de elaboração pode ser incapaz de ver quando existe um problema e pode falhar no uso de dados relevantes para resolvê-lo. O aluno não comparará os objetos, adicionará itens ou usará o que já aprendeu antes para fazer associações com a nova informação. Ele pode não ter habilidade ou necessidade de dar um motivo lógico para seu ponto de vista ou de pensar hipoteticamente. Esse tipo de aluno não formulará hipóteses espontaneamente nem as testará. Pode ser desorganizado ou incapaz de expandir ou de elaborar uma idéia. Essencialmente, um aluno com dificuldades na fase de elaboração percebe as coisas de maneira separada e isolada, falhando em fazer associações entre objetos e eventos. Analisaremos a seguir as funções cognitivas utilizadas na fase de elaboração. DEFINIÇÃO DO PROBLEMA Precisa Uma definição precisa de um problema se refere à habilidade de: • sentir que algo está errado e que necessita de atenção; • identificar a fonte ou discrepância que criou o problema (isto é, reconhecer e estabelecer claramente a causa e a natureza do problema); • estabelecer todos os fatores que influenciam o problema e identificar aqueles que são incompatíveis. Imprecisa O aluno que define um problema de forma imprecisa pode: • ser incapaz de ver incompatibilidade entre fontes de informação (isto é, pode não reconhecer que o problema existe); • é inábil na coleta de dados e incapaz de fazer associação entre as coisas e pensar reflexivamente; • demonstrar falta de idéias quando avalia uma situação; • ser insensível ou não ter curiosidade em relação a problemas; • ter dificuldade para decidir sobre um curso de ação em resposta a uma situação. SELEÇÃO DE DADOS RELEVANTES Habilidade para Habilidade Deficiente para A habilidade para selecionar dados relevantes O aluno que tem uma habilidade deficiente para implica o aluno ser capaz de: selecionar dados relevantes pode apresentar dificuldade de: 67 • escolher e usar a informação apropriada e correta para resolver um problema; • definir o objetivo e selecionar entre vários dados só aqueles que são especificamente relevantes para satisfazer o objetivo em particular; • decidir quais aspectos serão úteis numa situação em particular; • visualizar todas as opções objetivamente, para diferenciar as informações que estão apropriadas e relevantes das que não são. • encontrar as idéias principais de um texto; • extrair a moral de uma história; • identificar a idéia central de uma argumentação, discussão ou debate; • encontrar os pontos de sustentação de uma argumentação; • resolver problemas que requeiram a discriminação e a eliminação de alternativas irrelevantes (por exemplo, questões de múltipla escolha, problemas de linguagem). ADOÇÃO DE COMPORTAMENTO COMPARATIVO ESPONTÂNEO Habilidade para A habilidade de adotar comportamento comparativo espontâneo implica que o aluno possa: • sair da posição de simplesmente reconhecer objetivos e eventos para estabelecer relações entre eles; • fazer comparações automáticas ao executar tarefas ou resolver problemas; • pesquisar espontaneamente similaridades e diferenças entre itens; • organizar e integrar unidades discretas de informação em sistemas significativos que são inter-relacionados; • usar e modificar os critérios de comparação de maneira dinâmica para se ajustar ao problema. Inabilidade para O aluno que é incapaz de adotar comportamento comparativo espontâneo pode: • ter uma “apreensão episódica da realidade”, na qual os itens são vistos separadamente e como se não tivessem relação uns com os outros; • ter dificuldade em comparar dois itens (isto é, descreverá um ou outro individualmente, sem mencionar a conexão entre eles); • ter dificuldades em usar adjetivos como “similar”, “igual”, “diferente” no discurso espontâneo); • ter dificuldade em tomar decisões que envolvam a habilidade subjacente de comparação (isto é, usar critérios relevantes para identificar similaridades e diferenças entre itens); • fazer generalizações superficiais e apressadas sobre pessoas e eventos, sem estar atento a diferenças individuais. CAMPO MENTAL Amplo e profundo Estreito e limitado Um campo mental amplo e profundo se refere à O aluno que possui um campo mental estreito e capacidade de: limitado pode: • reter um número de unidades de informação a • ficar relutante em tentar guardar fatos na 68 fim de manipulá-las mentalmente; memória (isto é, não assumir responsabilidade para integrar e armazenar informações • focar, reter e usar duas ou mais fontes de ativamente); informação simultaneamente; • lembrar de informações que foram • não conseguir se lembrar de coisas há pouco memorizadas (isto é, dificuldade de se lembrar previamente armazenadas; de informações armazenadas recentemente); • lembrar de informações relevantes de • não conseguir se lembrar de coisas experiências passadas; memorizadas há muito tempo (isto é, ter • coordenar informações a partir de uma ampla dificuldade de recuperar informações que variedade de fontes. foram armazenadas há muito tempo); • lembrar-se de fatos episodicamente (isto é, lembrar-se num dia e no outro, não); • ter dificuldade de coordenar fatos de mais de uma fonte de informação (isto é, ser incapaz de associar informações a fim de torná-las significativas). COMPORTAMENTO SOMATIVO ESPONTÂNEO Necessidade de A necessidade de comportamento somativo espontâneo se refere à capacidade de: • se preocupar em saber a quantidade das coisas a nossa volta; • somar números, objetos e eventos com um objetivo claro em mente; • organizar a interação com o estímulo, no objetivo de agrupar, somar e tirar conclusões sobre dados; • quantificar eventos, idéias e materiais para comparar, avaliar e colocá-los em perspectiva; • extrair o conceito subjacente de um sumário de informações. Necessidade deficiente de O aluno que tem uma necessidade deficiente de comportamento somativo espontâneo pode: • não perceber que é necessário quantificar qualquer coisa (por exemplo, responder a pergunta “Quanto?” com: “Eu não sei... muitos!”); • relacionar dados sem a necessidade de estabelecer relações significativas ou assimilálos num esquema apropriado; • contar e somar de modo automático sem uma verdadeira compreensão dos conceitos numéricos subjacentes; • ser incapaz de aplicar conceitos devido a uma inabilidade de sumariar dados. PROJETAR RELAÇÕES VIRTUAIS Habilidade para Inabilidade para A habilidade para projetar relações virtuais O aluno que tem uma inabilidade para projetar implica o aluno ser capaz de: relações virtuais pode: • estabelecer relações entre eventos • ser incapaz de aplicar um conceito aprendido aparentemente isolados, o que envolve: em uma área a outra matéria diferente (por 69 aplicar regras e conceitos previamente exemplo, não perceber que somar maçãs é o mesmo que somar bananas); aprendidos a situações novas; - reestruturar relações para fazer associações novas e • prender-se a uma relação fixa mesmo quando o significativas; estímulo demande alteração na relação (por • unir habilidade de pensamento para estabelecer exemplo, aplicar o teorema aprendido para um relações em várias situações que existam triângulo a um quadrado no qual os lados e “virtualmente” ou “potencialmente”; ângulos foram alterados). • reconhecer uma modificação na relação quando um ou mais estímulos são alterados; • reestruturar as conexões existentes entre objetos ou eventos a fim de resolver novos. EVIDÊNCIA LÓGICA Necessidade de A necessidade de evidência lógica se refere à habilidade para: • internalizar o desejo de desafiar e questionar o jeito de ser das coisas; • buscar evidência para suportar ou confirmar a validade de afirmativas, fatos ou eventos; • buscar consistência lógica para descobrir ou resolver uma contradição; • gerar questionamentos, buscar respostas e apresentar explicações; • buscar ativamente uma solução, uma vez defrontado com um problema (quando o desequilíbrio é experimentado); • desejar automaticamente isolar a inconsistência numa seqüência de eventos. Falta necessidade de O aluno que demonstra falta de necessidade de evidência lógica pode: • não ser capaz de sustentar julgamentos, respostas ou afirmações com explicações adequadas; • demonstrar uma atitude de aceitação passiva quando confrontado com problemas; • não buscar ativamente uma solução quando a existência de um problema é evidente; • ser capaz de demonstrar alguma compreensão lógica, mas falhar em aplicar lógica para encontrar soluções. • permanecer inconsistente na formulação de opiniões; • responder a situações prematura ou irracionalmente, • ser facilmente persuadido a adotar soluções dos outros sem pensar nelas. INTERNALIZAÇÃO DE EVENTOS Habilidade para A habilidade para internalizar eventos implica o aluno poder: • assimilar e acomodar informações para fazer generalizações; • pensar abstratamente (sem o uso de ajuda concreta), isto é, usar representações como sinais, símbolos e conceitos para processar Inabilidade para O aluno que experimenta inabilidade para internalizar eventos pode: • depender demasiadamente de auxílios concretos sensoriais (por exemplo, usar blocos e os dedos para contar); • ser incapaz de reter ou usar várias fontes de informação; 70 dados; • ser incapaz de resolver problemas • manipular mentalmente informações e mentalmente; conceitos que foram armazenados • mostrar má formação conceitual espontânea (internalizados); (isto é, ter dificuldade para formular • usar informações armazenadas para resolver conclusões); problemas. • ser incapaz de associar eventos presentes com eventos do passado e do futuro (isto é, localizados aqui e agora); • ter dificuldade para executar tarefas baseadas em processos internalizados previamente por exemplo, conhecer multiplicação com dígitos múltiplos. PENSAMENTO HIPOTÉTICO-INFERENCIAL Habilidade para usar O pensamento hipotético-inferencial se refere à habilidade para: • fazer generalizações e inferências válidas, baseadas em várias experiências; • gerar várias teorias possíveis, baseadas na evidência, que serão testadas num estágio posterior; • tirar uma conclusão a partir de vários exemplos similares (por exemplo, “Se o fogo queima a madeira, então minha mão provavelmente também se queimará quando a colocar no fogo”.). Uso restrito do O aluno que experimenta uma utilização restrita de pensamento hipotético-inferencial pode: • ser incapaz de associar eventos ou ver similaridades entre coisas, a fim de fazer generalizações e inferências; • visualizar o mundo de forma desconexa e ter dificuldade para tirar conclusões; • não “perceber” alternativas, ou explorar outras possibilidades para explicar fenômenos; • não procurar evidências para criar uma hipótese. ESTRATÉGIAS PARA TESTE DE HIPÓTESES Habilidade para usar Habilidade deficiente para usar A habilidade para usar estratégias de teste de O aluno que experimenta uma habilidade deficiente para usar estratégias para teste de hipóteses implica o aluno ser capaz de: hipótese pode: • definir um método adequado para avaliar uma • ser incapaz de definir ou selecionar o método mais apropriado para testar uma hipótese em hipótese em particular (por exemplo, pesquisa, particular (por exemplo, confiar em experimentação, experiência prática); adivinhações ou estimativas em vez de • analisar e avaliar a validade do processo usado evidências empíricas); na formulação de uma hipótese (por exemplo, verificar se informações estranhas não foram • usar abordagens ineficientes ou não sistemáticas para testar hipóteses alternativas incluídas); (por exemplo, caminhar uma pequena distância • comparar e contrastar todas as teorias possíveis para confirmar a rota mais curta prevista, em e identificar qual hipótese é mais apropriada vez de usar um mapa); numa dada situação; 71 numa dada situação; • ser incapaz de fazer escolhas adequadas porque • examinar sistematicamente várias hipóteses as hipóteses alternativas não foram testadas alternativas e, por processo de eliminação, com sucesso (por exemplo, ter dificuldade em selecionar as opções mais viáveis. responder testes de múltipla escolha e ser impulsivo na seleção da resposta mais válida). COMPORTAMENTO DE PLANEJAMENTO Necessidade de A necessidade de comportamento de planejamento se refere à habilidade para: • ver o valor de estabelecer objetivos de curto e longo prazo; • projetar-se no futuro para planejar antecipadamente; • formular objetivos e estabelecer como eles podem ser obtidos; • construir e seguir um plano a fim de alcançar objetivos e resolver problemas; • identificar os passos específicos envolvidos na execução de um plano; • compreender a importância de trabalhar sistematicamente e de forma lógica quando executar um plano; • modificar os cursos de ação em termos de economia e eficiência. Falta de O aluno que experimenta falta de comportamento de planejamento pode: • ser incapaz de postergar a gratificação, a fim de planejar e investir a longo prazo; • atirar-se numa situação impulsivamente, sem planejamento; • não ver a necessidade de planejar, mas viver o aqui e o agora, resolvendo apenas os problemas imediatos; • não conhecer técnicas e processos envolvidos no estabelecimento, pesquisa e obtenção de objetivos; • ser incapaz de explicitar os passos envolvidos na solução de um problema; • ter de se esforçar para seguir um plano. ELABORAÇÃO DE CATEGORIAS COGNITIVAS Adequada A elaboração adequada de categorias cognitivas se refere à capacidade para: • movimentar-se de um exemplo concreto para uma compreensão abstrata, usando a linguagem como instrumento; • ligar um rótulo verbal a seu conceito subjacente (por exemplo, explorar o significado de uma palavra como “consciência’); • . descobrir e verbalizar conceitos subjacentes; • “pensar alto” enquanto trabalha numa atividade; • demonstrar verbalmente como dados coletados podem ser organizados em categorias relevantes. Deficiente O aluno que experimenta uma elaboração deficiente de categorias cognitivas pode: • não saber o nome correto de um objeto em particular, seqüenciar, relacionar ou conceituar; • ter dificuldade de se deslocar de uma tarefa concreta para o princípio abstrato subjacente; • ser incapaz de se expressar ou de pensar sobre sua abordagem de execução da tarefa; • ter dificuldade de explicar conceitos em grande profundidade devido a vocabulário expressivo ou receptivo limitado; • ser incapaz de generalizar uma habilidade cognitiva para tarefas similares. 72 APREENSÃO DA REALIDADE Significativa A apreensão significativa da realidade se refere à capacidade de: • associar informações num todo significativo e compreensivo, buscando ativamente relacionamentos de itens e eventos (por exemplo, organizando, ordenando, somando, comparando, etc.); • antecipar e prever conseqüências, estabelecer relações de causa e efeito e ver as implicações de uma ação; • internalizar a necessidade de adotar uma abordagem ativa em relação a informação (fazer conexões significativas), pois a passividade pode ser considerada a causa central da apreensão episódica da realidade; • controlar a impulsividade para reagir, consequentemente se dando tempo para chegar a uma compreensão razoável do problema. Episódica O aluno que apresenta uma apreensão episódica da realidade pode: • ver o mundo como uma série de eventos desconectados e separados que têm pouca relação uns com os outros; • ter necessidade de voltar a experiências concretas; • ter dificuldade para ligar causa e efeito ou para ver as conseqüências das ações; • ter dificuldade para colocar um evento numa categoria, porque cada um é vivenciado diferentemente e as similaridades com outros não são percebidas; • ter dificuldade com a formulação de conceitos, raciocínio abstrato e integração de material novo. A fase de resposta é o terceiro passo no processo de pensamento. Neste ponto, a informação que foi coletada na fase de assimilação e processada na fase de elaboração, é comunicada como uma solução ou produto. A qualidade de certas funções de resposta variará conforme precisão e o sucesso da elaboração. Similarmente, o tipo de resposta pode afetar futuras coletas de dados e a solução de problemas. Por exemplo, um aluno com dificuldades na fase de resposta pode ver as coisas apenas do seu ponto de vista. Faz adivinhações aleatórias para dar respostas ou se frustra e desiste. O aluno com linguagem expressiva deficiente pode ter dificuldade para comunicar uma resposta, ou pode ficar descuidado e impreciso. O aluno poderia sentir dificuldades para reter uma imagem mentalmente ou se apressar a dar uma resposta sem primeiro fazer uma consideração cuidadosa. Analisaremos a seguir alguma funções cognitivas referentes à fase de resposta. 73 MODALIDADES DE COMUNICAÇÃO Madura A comunicação madura se refere à capacidade para: • comunicar de forma flexível e enfática (isto é, ser capaz de ver as coisas a partir do ponto de vista dos outros); • entender que os outros intuitivamente não sabem o que está sendo pensado; consequentemente, busca desenvolver habilidades necessárias para a comunicação interpessoal efetiva; • desejar apresentar argumentos sólidos, detalhados e precisos em resposta a questões ou perguntas; • ouvir e levar em consideração a perspectiva dos outros. Egocêntrica O aluno que apresenta comunicação egocêntrica pode: • relacionar-se com o mundo somente a partir do próprio ponto de vista (por exemplo, não conseguir acomodar opiniões ou abordagens que difiram da suas próprias; interromper os outros que estão tentando explicar o ponto em questão); • acreditar que os outros pensam da mesma forma que ele, consequentemente tendo dificuldade na elaboração, expansão ou para dar os motivos de sua resposta; • ser insensível a questões sociais e, como resultado, responder inapropriadamente. EXPRESSÃO DE RESPOSTA I Participativa A expressão participativa de respostas se refere à habilidade para: • tentar novamente, apesar da falha anterior; • perseverar nas dificuldades ou tarefas não familiares; • iniciar uma abordagem ou estratégia diferente quando o método utilizado foi mal sucedido; • mostrar interesse na solução de problemas; • desenvolver autoconfiança e autoconceito positivos ao se defrontar com uma tarefa ou atividade que seja mais desafiadora. Bloqueada O aluno que experimenta uma expressão bloqueada de respostas apresenta: • falta de confiança quando defrontado com desafios; • baixa motivação para tentar uma tarefa nova ou difícil; • falta de perseverança para completar uma tarefa (por exemplo, desiste fácil e rapidamente); • relutância em tentar novamente ou em tentar de forma diferente quando não se sai bem em uma tarefa; • reações emocionais (por exemplo, rasga o livro, sai correndo, se recusa a responder, chora, etc.). EXPRESSÃO DE RESPOSTAS II Elaborada Tentativa e erro O aluno que apresenta uma resposta elaborada é O aluno que dá respostas por tentativa e erro pode: capaz de: • adivinhar as respostas aleatória e e comunicar problemas impulsivamente; • resolver sistematicamente; • não pensar à frente ou não planejar uma 74 estratégia; • trabalhar um problema de forma lógica e racional; • tender à repetição dos erros e não a aprender com os próprios erros; • colocar ordem naquilo que à primeira vista parece uma profusão de partes de informação; • aprender pouco a partir de ambientes de aprendizagem não estruturados; • estabelecer um objetivo e traçar uma estratégia • ter dificuldade para definir e manter seu para alcançá-lo. objetivo em mente ou para mudar estratégias repetidamente; • comunicar dados de maneira não planejada ou aleatória até que, por sorte, encontre uma solução. INSTRUMENTOS VERBAIS EXPRESSIVOS Adequados Instrumentos verbais expressivos adequados se referem à habilidade para: • comunicar verbalmente uma resposta que possa ser compreendida; • usar linguagem expressiva, que faz uso de palavras que representam o que se quer dizer, encontrando os nomes que descrevem processos, selecionando palavras corretas para fazer descrições claras e precisas; • selecionar as palavras apropriadas a partir da memória de longo prazo para comunicar resposta de forma clara e eficiente. Deficientes O aluno que manifesta instrumentos verbais expressivos deficientes pode: • ter pouca habilidade de comunicação (por exemplo, usar gestos em vez de palavras); • exibir pouco conhecimento ou uso de vocabulário, de gramática e de estrutura de frases (sintaxe); • ser inflexível, não ter criatividade e experimentar dificuldades na seleção de palavras apropriadas, frases e sentenças; • mostrar uma fluência verbal e lembrança inadequada de palavras, frases e sentenças a partir da memória de longo prazo (isso pode resultar em repetição, pausas prolongadas, uso inapropriado de palavras, dificuldade para encontrar palavras, circunlocução, uso abusivo de certas palavras, etc.); • encontrar a solução dos problemas, mas ser incapaz de explicitar para os outros como conseguiu isto. RESPOSTA DE DADOS Precisa Deficiente A resposta precisa de dados se refere à habilidade O aluno que demonstra respostas de dados para: deficientes pode: • comunicar uma resposta detalhada e correta; • comunicar dados incompletos e imprecisos, omitindo e distorcendo os fatos e detalhes • transmitir dados com eficiência, sem omissões 75 e distorções da informação coletada; • produzir respostas que demonstrem a consideração cuidadosa e o uso seletivo do material coletado; • internalizar a necessidade de coletar e apresentar informações que sejam específicas e apropriadas; • desenvolver o hábito de apresentar informações de modo claro e relevante; • explicar fatos em termos absolutos e não em termos relativos, e quantificar em vez de usar aproximações. coletados; • apresentar respostas vagas, unilateriais, obscuras e reducionistas; • apresentar material de forma não significativa pelo fato de habilidades cognitivas como a comparação e a soma não terem sido efetivas na fase de elaboração; • mostrar respostas por tentativa e erro, apressadas e prematuras (impulsivas) e má utilização da linguagem, resultando em dados produzidos imprecisamente; • dar atenção a informações irrelevantes e inapropriadas em resposta a uma questão. TRANSPORTE VISUAL Preciso O transporte visual preciso se refere à capacidade de: • perceber e então memorizar detalhes visuais com clareza; • referir-se a um conceito familiar e bem estabelecido para identificá-lo com precisão ou reproduzi-lo sem distorções (por exemplo, compreender a diferença entre um quadrado e um retângulo a fim de reproduzir o quadrado); • carregar uma imagem mentalmente, movendoa de um plano para outro (por exemplo encaixar um círculo em vários quadrados e fundos); • manipular mentalmente detalhes visuais para reorientar internamente a imagem (por exemplo, girar uma peça de quebra-cabeça mentalmente até que ela se encaixe); Deficiente A transposição visual deficiente pode ser indicada por: • uma má compreensão de conceitos (por exemplo, desenhar um triângulo, quando o modelo é um quadrado); • sistema imaturo de referências (por exemplo, inabilidade para descrever direita, esquerda, topo, fundo); • reproduções incorretas e imprecisas de estímulos originais (por exemplo, deixar fora detalhes importantes ao fazer a cópia de um desenho); • inabilidade para focar detalhes relevantes ou suficientes (dados visuais)'; • memória visual deficiente (por exemplo, inabilidade para lembrar como escrever uma determinada letra ou desenhar de memória). COMPORTAMENTO DE RESPOSTA Apropriado O comportamento de resposta apropriado se refere à habilidade para: • retardar uma resposta até que toda informação tenha sido sistematicamente processada (isto é, “pensar antes de fazer”); • equilibrar o desejo de completar a tarefa rapidamente com a necessidade de dar atenção apropriada para completá-la com precisão; Impulsivo O aluno que manifesta comportamento impulsivo pode: • agir inadequadamente (gritar, ter dificuldade de esperar por sua vez e de conter suas respostas); • apresentar respostas descuidadas sem suficiente atenção a detalhes; • chegar a respostas erradas sem dar tempo para 76 coletar dados apropriadamente e planejar suas • usar estratégias apropriadas de investigação respostas; para formular uma resposta precisa; • dar a resposta certa numa modalidade e em • elaborar todas as informações de entrada outra não; cuidadosa e sistematicamente, a fim de chegar • falar a primeira coisa que vem à cabeça, a fim a uma resposta correta apropriada. de impressionar os colegas ou o professor com uma resposta rápida. Em relação à lista apresentada, Beyer aponta que devemos levar em consideração, fundamentado nas idéias de Feuerstein, que: Esta lista de funções cognitivas não é definitiva e nem exaurida; cada criança com dificuldade de aprendizagem, portadora ou não de alguma deficiência específica, apresentará, em maior ou menor intensidade, algumas das funções deficientes. É tarefa do psicopedagogo avaliar as funções cognitivas da criança e decidir que medidas de apoio devem ser conduzidas. A organização das funções cognitivas deficientes, com base num ato mental composto por três elementos, a saber, a fase de assimilação, a fase da elaboração e a fase da resposta, deve ser entendida como um arranjo artificial. Na realidade, o processo mental ocorre integrada e dinamicamente. Tal organização formal ajuda a averiguar, ou precisar as funções deficientes da criança numa determinada fase, de forma a atendê-la, psicopedagogicamente, de forma efetiva. (Beyer, 1996, p. 100-1). O estudo das relações e dos conceitos nos ajuda a compreender melhor as estruturas cognitivas, já que nos permitem representar algo mentalmente e esta representação está em função da estrutura do sujeito. Ao realizar uma representação mental, nós não representamos o objeto tal qual ele é, mas sim algo mais ampliado, um marco de referência espacial, temporal e conceitual. Feuerstein (1980), ao apresentar sua teoria de “Modificabilidade Cognitiva Estrutural”, destaca que as modificações estruturais não se referem aos fatos isolados, mas, sim, à maneira como o organismo se inter-relaciona, quer dizer, atua e responde às fontes de informação, a modificação estrutural uma vez colocada em ação, determinará o curso do desenvolvimento de um indivíduo. É importante destacar que existe uma diferença entre mudança e modificabilidade: A modificabilidade é um conceito central, pois se refere às mudanças que se podem produzir no próprio indivíduo, na sua personalidade, na sua maneira de pensar e no seu nível global de adaptabilidade. Não se trata de modificação ou de uma mudança que ocorre como resultado dos processos circunstanciais e acidentais de desenvolvimento e de maturação, mas sim de modificabilidade, entendida como modificação estrutural no funcionamento do indivíduo, produzindo-se nele uma mudança no desenvolvimento qualitativa e substancialmente diferente da prevista pelos tradicionais contextos genéticos, neurofisiológicos ou educacionais. Trata-se, portanto, de uma mutabilidade significativa, sólida e durável. (Fonseca, 1998, p. 43). 77 Podemos considerar a estrutura mental – em sentido analógico – como uma rede na qual circulam uma infinidade de relações entre seus nós, esses nós seriam as operações mentais: quem percebe bem pode diferenciar; quem diferencia bem pode comparar; que compara bem pode classificar, inferir, relacionar, etc. Piaget definiu, como vimos, a operação mental como uma ação interiorizada que modifica o objeto do conhecimento e que vai se construindo de um modo coerente no intercâmbio constante entre pensamento e ação exterior. A criança começa por centrar sua ação sobre os aspectos figurativos do real, logo vai descentrando a ação para fixar-se na coordenação geral da mesma até construir sistemas operatórios que liberam a representação do real e lhe permite chegar às operações formais. Feuerstein recorre ao conceito piagetiano e centra-se no aspecto mais operativo da inteligência, assim como na mediação, que se pode realizar para a configuração das operações. As operações mentais, elaboradas de modo coerente, possibilitam a estrutura mental da pessoa. Constroem-se pouco a pouco, as mais elementares permitem a construção das mais complexas e abstratas. As operações lógicas, por exemplo, se apoiam em outras menos complexas já estabelecidas na estrutura mental. Portanto, a construção de operações mentais só são possíveis graças à interação social ou à mediação. Descreveremos a seguir algumas destas operações mentais. RACIOCÍNIO LÓGICO – Todo o desenvolvimento mental leva ao pensamento lógico ou formal em uma unidade de processo, que vai desde a construção do universo prático pela inteligência sensório-motora, até a construção do universo do uso de hipóteses, passando pelo universo do concreto. O pensamento formal é a representação de uma representação de ações possíveis. É a arte de bem pensar, a organização do pensamento que chega à verdade lógica graças a diversas formas de raciocínio (inferencial, hipotético, transitivo, etc.). PENSAMENTO DIVERGENTE – Por contraposição ao convergente, podemos entender o pensamento divergente de maneira equivalente ao pensamento criativo, que seria a capacidade de estabelecer novas relações sobre aquilo que já se conhece, de modo que levem a produtos novos em forma de idéias, realizações ou fantasias. O pensamento 78 convergente leva ao domínio rigoroso dos dados, à exatidão, ao rigor científico; o divergente leva à flexibilidade, a buscar o original e não o usual. RACIOCÍNIO SILOGÍSTICO – O silogismo trata da lógica formal proposicional e descansa sobre estruturas que permitem chegar à verdade lógica, ou seja, a que surge da construção, seja ou não uma verdade real. Esta “espécie de matemática universal” permite o exercício do pensamento lógico e do desenvolvimento de capacidades, como: construir modelos mentais da situação (cenário); utilizar-se de leis para ser mais lógico; suprimir a palavra impossível diante de situações que não consegue elaborar, codificar e decodificar os modelos mentais. RACIOCÍNIO TRANSITIVO – A transitividade é uma propriedade da lógica, e as atitudes sobre a transitividade uma propriedade do pensamento lógico formal. Consiste em ordenar, comparar e descrever uma relação de modo que se chegue a uma conclusão. É dedutivo, permite a inferência de novas relações a partir das já existentes. Surgem implicações (por exemplo, se p implica q, e q implica r, então p implica r) e equivalências (se p = q, e q = r, então p = r). RACIOCÍNIO HIPOTÉTICO - É a capacidade mental de realizar inferências e precisões de fatos a partir dos já conhecidos e das leis que os relacionam. RACIOCÍNIO ANALÓGICO - O análogo é equivalente ao proporcional. Como forma de raciocínio, usa um argumento indutivo dentro de um âmbito “toleravelmente extenso”. É a operação através da qual, dados três termos de uma proposição, se determina um quarto termo por dedução da semelhança. Não vale como argumento demonstrativo, mas sim como descobrimento e mostra de convicção. INFERÊNCIA LÓGICA - Capacidade para realizar deduções e criar novas informações a partir dos dados percebidos. ANÁLISE- SÍNTESE - Formas de perceber a realidade. Decompor um todo em seus elementos constitutivos e relacioná-los para extrair inferências. As análises permitem as sínteses, como nos mostram tantos descobrimentos científicos. PROJEÇÃO DE RELAÇÕES VIRTUAIS - Percebemos estímulos externos em forma de unidades organizadas que logo projetamos diante de estímulos semelhantes. Projetamos imagens e fazemos com que ocupem um lugar no espaço. 79 CODIFICAÇÃO - DECODIFICAÇÃO - Estabelecer símbolos ou interpretá-los, de modo que não deixem lugar para ambigüidade. Esta operação mental permite dar amplitude aos termos e símbolos, à medida que aumenta sua abstração. CLASSIFICAÇÃO - A partir de categorias reunimos grupos de elementos de acordo com atributos que os definem. Os critérios de agrupamento são arbitrários, dependem da necessidade; serão critérios naturais ou artificiais segundo se realizem sobre as coisas ou conceitos. COMPARAÇÃO - É a operação mental por meio da qual se estudam as semelhanças e as diferenças entre objetos e fatos, atendendo a suas características. A percepção dos objetos necessita ser clara e estável, para poder realizar a comparação. TRANSFORMAÇÃO MENTAL - Atividade cognitiva através da qual podemos modificar ou combinar características de um objeto ou de vários para produzir representações de maior grau de abstração e de complexidade. REPRESENTAÇÃO MENTAL - Interiorização de características de um objeto do conhecimento, seja este concreto ou abstrato. Não é uma cópia do objeto como uma fotografia, mas sim representação de linhas essenciais que permitem defini-lo como tal. DIFERENCIAÇÃO - Reconhecimento de algo por suas características, distinguindo as que são essenciais das irrelevantes em cada situação dada. IDENTIFICAÇÃO - Reconhecimento de uma realidade por suas características globais recolhidas em termos daquilo que a define. 2.5 Mapa Cognitivo Tanto o Programa de Enriquecimento Instrumental como seus princípios didáticos são elaborados com base num design analítico dos processos mentais, denominado de mapa cognitivo. O mapa cognitivo possibilita a análise do perfil cognitivo da criança ou adolescente com dificuldades de aprendizagem, e serve de auxílio para a aplicação dos instrumentos que compõem o programa. 80 Conforme comentado no item anterior, as funções cognitivas deficientes compõem o quadro de características que formam o perfil cognitivo das crianças com dificuldades cognitivas. A finalidade do mapa cognitivo consiste em analisar este perfil e apoiar a aplicação do Programa de Enriquecimento Instrumental. Assim, objetiva-se mediar aos alunos estratégias de pensamento necessárias para a superação das funções cognitivas inadequadas. A linha de análise proposta pelo mapa contém as seguintes dimensões: · Conteúdo: refere-se à matéria ou ao objeto de um ato mental. O conteúdo é uma das áreas do funcionamento cognitivo na qual as pessoas diferem enormemente, com diferenças determinadas diretamente por suas experiências passadas, histórica, educacional e sua distinta compreensão determinada culturalmente de certos universos de conteúdos. Ao comparar a competência relativa em certas áreas específicas do conhecimento, devem considerar-se primeiro as características culturais dos indivíduos comparados, e só então pode atribuir-se um peso específico aos graus de competência ou incompetência. Certos conteúdos podem soar ao indivíduo tão estranhos e diferentes, que requer um investimento e esforço muito específico e intenso para alcançar seu domínio. Por conseguinte, quando se pretende ensinar uma operação cognitiva específica, o papel do conteúdo é importante. Se um conteúdo é tão difícil de absorver, o aluno pode ser deixado com pouca ou nenhuma capacidade para concentrar-se na operação específica que é o objeto de ensino. Em outros casos, seria desaconselhável utilizar elementos demasiado familiares, porque eles podem não propiciar o estado de vigilância necessário para despertar a atenção e o interesse do indivíduo para ativar sua capacidade de funcionamento (neste ponto concorda-se com Vygotski quando ele nos mostra que ensinar aquilo que está distante demais para o aluno ou aquilo que ele já sabe é totalmente infrutífero). Na elaboração dos materiais de ensino, essas considerações deveriam influenciar a seleção dos conteúdos. Neste sentido, o Programa de Enriquecimento Instrumental de Feuerstein pretende evitar o ensino de conteúdos específicos. · Operações do pensamento: Uma operação pode ser entendida como um conjunto de ações interiorizadas, organizadas, coordenadas, em função das quais elaboramos informação derivadas de fontes externas e internas. Na análise de um ato mental, é 81 necessário definir a natureza precisa de uma operação implícita. As operações podem flutuar desde simples reconhecimento e identificação de objetos, até atividades mais complexas, tais como: classificação, seriação, multiplicação, comparações e lógica. As operações podem ser aplicadas à informação existente, ou podem, por si mesmas, requerer a produção de novos fatos que não estavam imediatamente presentes no repertório de informação disponível do indivíduo, como no caso do raciocínio logístico, analógico ou inferencial. Ao designar os exercícios ou os programas de estudo que incluem certas operações, a definição da operação deve ser seguida a fim de se delinear todos os componentes dos elementos interpostos necessários para sua aquisição e aplicação. A criança, para fazer uma analogia, deve deduzir a relação existente entre os conjuntos de dados. A fim de poder deduzir essa relação, terá que comparar os componentes da analogia. Para que a operação aconteça satisfatoriamente deverá existir a planificação de uma série de passos que levem em consideração tanto a estrutura da operação como o equipamento do indivíduo para sua aquisição. · Modalidade: Um ato mental pode ser expresso em uma variedade de linguagens. Sua modalidade pode ser figurativa, gráfica, numérica, simbólica, verbal ou uma combinação destas e de outras. Existe uma grande quantidade de códigos que vão desde a mímica e modos metalingüísticos de comunicação, até signos e símbolos convencionais totalmente desvinculados dos conteúdos que representam. É necessário identificar qual destas modalidades de comunicação intercalam diferentes sistemas, permitindo a ocorrência de processos mentais bastante complexos. A eficácia de modalidades específicas de comunicação pode diferir entre vários grupos étnicos, socioeconômicos e culturais, ou entre indivíduos, de acordo com seu nível de funcionamento e diferenças especiais. · Fases: Um quarto parâmetro está relacionado com a fase, na qual tem lugar o ato mental específico: na fase de assimilação, na fase de elaboração ou na fase de resposta. Estas fases estão interconectadas e o papel de cada fase somente pode ser considerado em função uma das outras. 82 · Nível de complexidade: O nível de complexidade deve ser entendido como a quantidade e a qualidade de unidades de informação necessárias para produzir um ato mental; portanto, requer um cômputo diferenciado que considere simultaneamente o número de unidades de informação e a qualidade destas em função de seu grau de inovação ou familiaridade. Quanto mais familiares forem as unidades, menos complexo será o ato ou, quanto menos familiar, mais complexo. · Nível de abstração: Por meio do parâmetro do nível de abstração definimos a distância entre um ato mental dado e o objeto ou eventos sobre o qual opera. Os parâmetros anteriores descritos podem ser concebidos como operando diretamente sobre objetos ou eventos. Dessa maneira, o conteúdo pode envolver objetos que podem ser percebidos sensorialmente ou manejados completamente por meio de manipulação motora. Assim temos que um ato mental implica operações sobre os objetos mesmos, tais como separá-los de acordo com um sistema de classificação. Em um nível mais abstrato, as operações podem ser executadas sobre representações de objetos, tais como, aplicar uma classificação a um conjunto de objetos hipotéticos. Ainda mais abstrata é a aplicação de operações a proposições puramente hipotéticas sem referência a objetos ou eventos reais ou imaginários. Assim, se pode estabelecer uma hierarquia de níveis de abstração, utilizando como critério a distância entre a operação mental e o universo de objetos ou eventos aos quais é aplicada. · Nível de eficiência: O ato mental também pode ser descrito e analisado de acordo com o grau e nível de eficiência segundo o qual é produzido. Como critério de eficiência se pode usar o complexo rapidez-precisão e/ou a quantidade de esforço projetado, objetiva e subjetivamente pelo indivíduo na produção do seu ato particular. O conceito de eficiência pode ser concebido como uma dimensão que difere qualitativa e quantitativamente dos outros seis parâmetros, ainda que possa ser determinado ou afetado por eles. A falta de eficiência, quando está definida pela lentidão, a produção reduzida ou o manejo impreciso e ineficaz, pode ser totalmente irrelevante a respeito da capacidade do indivíduo para apreender e elaborar um problema particular. Nossa inabilidade para separar a eficiência da capacidade é uma importante fonte de erro na avaliação, não só da verdadeira capacidade 83 do indivíduo, senão inclusive do seu repertório de informação e destrezas. Semelhante erro, que parte da confusão entre eficiência e capacidade, traz como conseqüência uma formulação de prognóstico baseado em uma baixa capacidade do indivíduo, derivada somente de um baixo nível de eficiência observado. O manejo eficaz de uma tarefa sempre depende de uma variedade de fatores intrínsecos e extrínsecos que afetam o indivíduo. A ansiedade ou carência de motivação podem repercutir de forma negativa na eficiência com a qual realizamos uma tarefa. A preocupação de Feuerstein - além das questões conceituais - concentra-se fundamentalmente no lidar, tanto diagnóstica como terapeuticamente, com a criança cognitivamente debilitada. O indivíduo-alvo do trabalho de Feuerstein é, assim, a criança, o adolescente e o adulto que evidenciam dificuldades consideráveis no que tange às operações cognitivas. Por isso, sua contribuição maior no campo da psicopedagogia e também da educação especial reside na construção de uma gama considerável de instrumentos psicopedagógicos, com a finalidade principal de diminuir as funções cognitivas deficientes. O design do mapa cognitivo aparece neste trabalho em anexo. 2.6 Programa de Enriquecimento Instrumental - características e instrumentos Ao se abordar o Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI), é importante ressaltarmos alguns dos conceitos fundamentais da teoria de Feuerstein, já especificados. O autor entende que a intervenção psicopedagógica com o PEI se caracteriza como uma forma de mediação, ainda que tardia, dos processos de aprendizagem do indivíduo. A pessoa (a faixa etária normalmente atendida pelo programa se estende da pré-adolescência até a idade adulta) com dificuldades cognitivas que, na infância, não vivenciou experiências mediadas de aprendizagem, tem a oportunidade, hoje, de usufruir desta mediação, só que agora em caráter terapêutico, ou não. Feuerstein pressupõe, conforme comentado anteriormente, que toda pessoa possui níveis variados de modificabilidade cognitiva. Ele objetiva, por meio do trabalho com o PEI, favorecer o desenvolvimento de mudanças cognitivas estruturais. 84 Ele diferencia entre um alvo principal e seis subobjetivos que servem como parâmetro de análise e de aplicação do PEI. A intervenção cognitiva através do PEI tem como objetivo principal oportunizar para a criança, ou adolescente, maiores possibilidades de aprendizagem através do contato direto com o meio, ou seja, apoiar a capacidade da aprendizagem autônoma. Como subobjetivos do PEI compreende-se: •= Corrigir as funções cognitivas deficientes, resultantes da mediação debilitada da aprendizagem. As diferentes tarefas do programa possibilitam o desenvolvimento de operações e estratégias cognitivas, como forma de suporte para a correção das funções deficientes. •= Auxiliar os alunos na aquisição dos conceitos, palavras, estratégias, capacidades, operações e relações que são necessários para a realização das tarefas do programa. Os professores responsáveis pela aplicação do programa devem verificar quais dos pré-requisitos acima os alunos não possuem e mediar sua aquisição. •= Propiciar o desenvolvimento de motivação interna por parte da criança. O processo de internalização (no sentido vygotskiano) pelo aluno é importante, pois assim ele passa a utilizar e a aplicar os conceitos, relações, operações e estratégias de forma autônoma. O desenvolvimento da motivação interior é um alvo que acompanha o sexto objetivo. Sabemos que a motivação e a auto-estima correlacionam-se positivamente. •= Favorecer o desenvolvimento, pelo aluno, da abstração (desenvolvimento de processos reflexivos do pensamento e de habilidades metacognitivas) dos diferentes processos e estratégias cognitivas. Dessa forma, o aluno pode entender melhor os motivos do sucesso ou fracasso na aprendizagem. •= Favorecer o desenvolvimento, pela criança, de uma motivação intrínseca à realização das tarefas. Tal objetivo cumpre-se por meio da ordem crescente de dificuldade das tarefas. •= Possibilitar o desenvolvimento, pela criança, de uma auto-imagem ativa (no lugar de uma atitude passiva) no que tange aos processos de aprendizagem. As tarefas do PEI auxiliam o aluno a encontrar respostas através do trabalho 85 autônomo, onde ele pode refletir de forma independente a partir de novas bases de aprendizagem. O Programa de Enriquecimento Instrumental contém cerca de quinhentas páginas de tarefa, repartidas entre os quatorze instrumentos do programa. Feuerstein define o PEI como um método instrumental, pois em sua opinião o material desempenha a função instrumental de mediação, no sentido conceitual vygotskiano. Através das unidades sistemáticas das tarefas objetiva-se fomentar operações e estratégias cognitivas e a inteligência nas crianças com atrasos cognitivos. Os instrumentos constantes do Programa de Enriquecimento Instrumental são os seguintes: 01 - Organização de pontos: numa nuvem de pontos, amorfa e irregular, o aluno deve distinguir as figuras idênticas em forma e dimensão às dos modelos. A procura complica-se com a densidade dos pontos, porque estes ocasionam sobreposições de linhas com dificuldade crescente de figuras e de mudanças das suas orientações. O êxito da procura exige uma seleção e uma articulação do espaço. Entre as funções cognitivas implicadas temos: projeção de relações potenciais; discriminação de formas e dimensões; constância de formas e dimensões através de mudanças de orientação; utilização de informação pertinente; descoberta de estratégias; perspectiva, moderação da impulsividade. 02 - Orientação espacial I: As tarefas deste instrumento trabalham a orientação espacial, tomando o próprio corpo como ponto de referência, visando a aumentar a capacidade de utilizar conceitos e sistemas referenciais constantes na orientação espacial concreta, abstrata e interpessoal. É feita uma distinção entre relações que são relativas e podem ser descritas sob diferentes ângulos e aquelas constantes que podem ser fixadas pelas coordenadas. Uma comunicação informativa exata e precisa diminui a egocentricidade. 03 - Orientação espacial II: Ao esquema variável de Orientação Espacial I se acrescenta o esquema fixo dos pontos cardeais e pontos intermediários. Ao aumentar a complexidade das tarefas, requer-se maior nível de abstração para a representação do espaço e o jogo que implica a superposição dos dois sistemas. 04 – Comparações: Apresentação de tarefas baseadas em conceitos de igualdiferente, que existem entre os objetos, assim como entre os conceitos abstratos. A 86 comparação requer identificação e diferenciação do que se percebe, assim como o ajuste dos critérios de comparação. 05 - Percepção analítica: Ajuda na diferenciação do todo e suas partes, regulando ambos os processos de percepção. Trabalha de modo especial a representação mental e a projeção de relações, dando uma compreensão maior da realidade ao distinguir as relações entre as partes e o todo, sua estruturação e o resultado de sua fusão para criar novos todos. 06 – Classificações: A comparação prepara a operação mental de classificar. Ajuda a eleger critérios abstratos onde cabem elementos com características semelhantes. As tarefas ajudarão posteriormente no raciocínio analógico e silogístico. 07 – Ilustrações: Este instrumento consta de uma série de lâminas com situações absurdas, que o aluno deverá interpretar a partir da percepção correta dos dados; devendo utilizar a inferência lógica, e a partir dos elementos coletados generalizar as conclusões para outras situações. 08 - Relações familiares: A partir de algo conhecido como é a família, trata-se de encontrar a estrutura e os tipos de relações: hierárquica, horizontal e vertical. Mediante a análise, o aluno descobre qual é o seu lugar e seu papel em cada uma das estruturas em que se move e atua. 09 - Relações temporais: Dentro do pensamento relacional trata-se de diferenciar: antes, durante e depois; simultaneidade, coincidência e causalidade, tempo objetivosubjetivo. Estuda-se as relações existentes entre espaço, velocidade e tempo. 10 - Progressões numéricas: É o início do segundo nível e trabalha-se com operações que vão se distanciando da realidade concreta para iniciar o pensamento relacional. Este instrumento despertará a necessidade de encontrar a fórmula, a lei que governa a relação em uma sucessão de números e fatos. Pelo pensamento hipotético a pessoa ativa tem a possibilidade de predizer e antecipar o futuro. 11 - Instruções/referências: Neste instrumento a palavra cobra especial relevância, pois se trata de codificar e decodificar instruções cada vez mais complexas, despertando a necessidade de percepção precisa de ordenação espaço-temporal, de articulação do campo perceptivo, de utilizar o pensamento hipotético inferencial. 12 – 13 – Relações Transitivas e Silogismos: Querem desenvolver o pensamento lógico formal. Utiliza-se do raciocínio transitivo e do silogístico como formas mais 87 importantes da dedução lógica. Os exercícios se relacionam com a realidade concreta e com formas de representação abstrata: A > B... A ⊂ B... O aluno constrói seus esquemas de pensamento como redes lógicas que o ajudam a analisar as mensagens e argumentos que recebe ou emite, para descobrir sua veracidade ou falsidade. As estruturas formais são o melhor apoio para o pensamento lógico. 14 – Desenho de padrões: O aluno põe em jogo todas as operações mentais que se trabalhou até então e assume seu funcionamento de maneira autônoma. É uma boa oportunidade para mediar o sentimento de mudança e a tomada de consciência da capacidade para aprender por si mesmo. O instrumento ajuda a analisar em profundidade a realidade; reforça a representação e transformação mental, assim como o pensamento hipotético. 88 ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS 3.1 Metodologia de trabalho Considerando os objetivos deste estudo, procuramos utilizar uma forma de pesquisa que subsidiasse da melhor maneira possível a relação entre o sujeito que pesquisa (e que ao mesmo tempo media a relação) e o objeto pesquisado e que permitisse a imersão no mundo de ambos, além de atender às peculiaridades dos instrumentos utilizados. De posse dessas características, a opção de trabalho foi pela abordagem de pesquisa de tipo qualitativa, sendo que seu principal objetivo é a ampla compreensão do objeto em estudo, considerando importantes todos os dados coletados, bem como a análise dos mesmos. Na investigação procuramos seguir uma abordagem interpretativa, relacionando os dados, fatos, com o contexto e buscamos entender o significado das ações, uma vez que na abordagem interpretativa “(...) o interesse central de todas as pesquisas neste paradigma é o significado humano da vida social e sua elucidação e exposição para o pesquisador” (MOREIRA, 1996, p.30). 3.2 - Amostra O estudo envolveu 17 alunos, da décima turma de formação de Assistente Eletromecânico, ofertada pela Escola Técnica Tibagi, filiada ao Projeto Pescar. A Escola Técnica Tibagi está vinculada à Diretoria de Operações da Tibagi Engenharia, Construções e Mineração Ltda., e tem por objetivo educar jovens para a integração social por meio do preparo para o exercício de uma profissão. O aluno atendido pelo projeto deve ser, comprovadamente, menor e carente quanto a aspectos socioeconômicos, ter entre 14 e 18 anos, ter cursado no mínimo a sexta série do ensino fundamental e estar motivado à formação básica em Eletromecânica. O recrutamento é feito junto a entidades, como: Igreja, Associação de Moradores, Escolas Municipais e Estaduais e outras entidades que lidam com educação em bairros e vilas onde o nível socioeconômico é considerado baixo. O processo de seleção passa pela fase de: comunicado com o líder da entidade para o alistamento dos interessados; palestra com o grupo de interessados, visando a esclarecer objetivos, metodologia, responsabilidade, etc.; avaliação de Matemática e 89 Língua Portuguesa, contemplando a matéria cujo conteúdo mínimo corresponde à sexta série do Ensino Fundamental, sendo cinco a média mínima para aprovação; e, por ultimo, visita domiciliar objetivando averiguar as reais condições socioeconômicas da família. Pelas características apontadas do projeto em questão, trabalhamos com uma amostra intencional com critérios pré-estabelecidos de seleção. 3.2.1 Caracterização do Projeto Pescar A Escola Técnica Tibagi conta com a estrutura física de uma sala de 45 metros quadrados para aulas teóricas, experimentos e práticas em aparelhos. Conta também com a parceria do Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná (a proximidade da ETTibagi com o Cefet-PR propicia esta parceria, mas as escolas do Projeto Pescar normalmente desenvolvem todas as atividades no âmbito da empresa), em cujos ambientes são ministradas as aulas práticas de Instalações Elétricas, Comandos, Ajustagem e Soldagem. O curso tem uma duração de seis meses, totalizando 376 horas, distribuídas em 4 horas- aula diárias, das 13 horas e 30 minutos às 17 horas e 30 minutos. Portanto a cada seis meses há a entrada de uma turma de 16 alunos. Como benefícios, os alunos recebem o uniforme completo, seguro de acidentes pessoais e material apostilado. A estruturação do curso segue o seguinte currículo: Matemática Aplicada (20 horas), Atividades de Integração (42 horas), Ajustagem (52 horas), Desenho Mecânico (16 horas), Soldagem (40 horas), Instalações Elétricas (88 horas), Manutenção de Máquinas e Aparelhos (118 horas). O Projeto Pescar é a denominação de um programa de integração de jovens carentes ao convívio social e profissional. Este projeto teve início em 1976, com a criação de uma escola técnica para a formação de Auxiliares de Mecânica, por iniciativa do empresário Geraldo Tollens Linck, na sede de sua empresa em Porto Alegre. A iniciativa evoluiu para uma rede de escolas mantidas por empresas privadas, cuja filosofia é a de “não dar o peixe, mas, sim, ensinar a pescar”. O Projeto conta com o apoio da UNESCO. Hoje, a Fundação Projeto Pescar estimula empresas e outras entidades a formarem novas escolas e através de uma franquia social fornece todas as informações. 90 Todas as escolas do Projeto Pescar adotam forma semelhantes de seleção, formação e encaminhamento dos alunos ao mercado de trabalho. 3.2.2 Caracterização da amostra O perfil dos alunos da décima turma de profissionalização em Assistente Eletromecânico, no que diz respeito aos dados de classificação, como exigência do processo seletivo para participar do Projeto, está demonstrado na Tabela 1, a seguir e foi fornecido pela coordenação do curso. Para resguardar a privacidade dos alunos, substituímos os nomes por códigos, que serão utilizados no decorrer do processo de análise dos resultados. TABELA 1 – Perfil dos alunos da 10ª Turma de Formação em Assistente Eletromecânico Aluno 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 Comunidade Rebouças CIC Rebouças Xaxim Araucária CIC Parolin Xaxim Xaxim Colombo Xaxim Uberaba Parolin Xaxim Parolin Sitio Cercado Sitio Cercado Idade 14 14 14 15 16 16 15 15 15 14 14 15 15 15 16 14 17 Série 5a. 8a. 7 a. 8 a. 1a 2o 3a 2o 8a 2a 2o 1a 2o 7a 6a 7a 6a 2a 2o 5a 7a 8a Mat. 6.0 7.0 5.0 4.0 5.0 10.0 4.0 3.0 6.0 3.0 5.0 8.0 3.0 1.0 6.0 6.0 4.0 Port. 6.0 7.0 5.0 6.0 7.0 10.0 6.0 7.0 6.0 7.0 7.0 8.0 7.0 9.0 6.0 6.0 6.0 Média 6.0 7.0 5.0 5.0 6.0 10.0 5.0 5.0 6.0 5.0 6.0 8.0 5.0 5.0 6.0 6.0 5.0 Mat - Nota da avaliação em Matemática Port- Nota da avaliação em Português Média - média tirada das duas avaliações Comunidade - procedência de moradia dos alunos Série - O aluno necessariamente deve estar matriculado e cursando uma série. Indica a série do aluno quando da sua participação no curso 91 3.3 Instrumentos utilizados O Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) é um programa para aprender a pensar e a refletir, procurando não desenvolver um saber específico, mas proporcionar condições e situações em que se possam maximizar e otimizar requisitos e aptidões necessárias a novas aprendizagens, a novos métodos de trabalho, a novas estratégias de pensamento e a novos tipos de organização. Como vimos, o Programa é composto de 14 instrumentos, porém em nosso estudo optamos pela aplicação de quatro instrumentos, devido ao tempo que nos foi disponibilizado pela coordenação do curso, de 42 horas, dentro das chamadas Atividades Complementares. Portanto, a mediação dos instrumentos aconteceu uma vez por semana, por um período de tempo de duas horas. Devido às características do PEI, utilizamos a observação pouco ou não estruturada na forma da observação participante como instrumento de coleta de dados pertinente ao processo de mediação. No decorrer do processo de mediação dos instrumentos, as respostas dadas pelos alunos e as observações feitas foram registradas em fitas K-7, por meio de gravações autorizadas pelo grupo. Antes de analisarmos os instrumentos do PEI que foram utilizados, faz-se necessário justificar que os mesmos foram selecionados por trabalharem algumas habilidades básicas indispensáveis ao perfil do profissional egresso do curso de Assistente Eletromecânico, apontado pelo projeto Pescar. As habilidades básicas como: percepção e memória; habilidade temporal e cinestésica; habilidade de posição e localização; habilidade de relações todo/parte em utensílios e projetos; habilidade de operações com estruturas; habilidade lógicometemática, como reversibilidade de operações; lógica de classes e relações, como inferência, seqüência, ordem, associações e analogias; lógica das proposições, soluções de problemas; conhecimento intrapessoal; relações interpessoais; habilidade de discernimento, avaliação e juízo; habilidade lingüística, se constituem num conjunto de saberes e de estratégias, visando ao desenvolvimento das estruturas de aprendizagem que capacitarão o 92 sujeito para refletir e interpretar a realidade com autonomia, para comunicar-se, para aprender a pensar, para aprender a aprender. Apresentaremos, na seqüência, a análise da mediação dos instrumentos selecionados, de acordo com o desing proposto de mapa cognitivo, descrito no capítulo II, no item 2.5. •= Análise da mediação do instrumento Organização de Pontos As tarefas deste instrumento referem-se à reprodução de figuras geométricas universais e não universais dadas no modelo em uma nuvem de pontos amorfa. Pretende promover a ordem em um mundo desorganizado através da relação estabelecida entre os objetos e os fatos, em sistemas significativos. A projeção de relação virtual em Organização de Pontos e no mundo em geral requer do sujeito disposição e necessidade para buscar conexões e significados entre os fenômenos que aparecem separados uns dos outros. Nesta tarefa se combinam fatores de atividades perceptivas, cognitivas e operacionais. A seguir, apresentamos a programação da unidade. PROGRAMAÇÃO DA UNIDADE ORGANIZAÇÃO DE PONTOS Instrumento: Organização de Pontos Unidade: 01 a 04 Páginas: 1 a 10 1. Critérios de mediação: Intencionalidade e Reciprocidade, Significado, Transcendência, Sentimento de Competência, Domínio da Impulsividade, Compartilhar, Adaptação a situações novas. 2. Objetivo geral da unidade: Desenvolver a função cognitiva de projetar relações virtuais, mediante as tarefas que exigem do aluno identificar e desenhar formas dadas dentro de uma nuvem de pontos. 93 3. Objetivos específicos de cada página e vocabulário Página 01 - Organizar os pontos segundo as figuras do modelo e de acordo com as regras. Ser flexível para mudar estratégias, segundo as novas situações. Vocabulário - Conceitos: modelo, idêntico, impulsividade, flexibilidade, estratégias. Página 02 - Receber informação implícita e explícita. Decodificar instruções e traduzi-las em ações. Investigar erros baseados no número e no tamanho. Vocabulário - Conceitos: Implícito, inferência, explícito, código. Página 03 - Desenvolver um plano para realizar tarefas que possuem indícios internos. Aprender a buscar sistematicamente. Vocabulário - Conceitos: Isolar, precisão, interiorizar, plano, sistemático, conclusão. Página 04 - Diferenciar distintas fontes de erro. Vocabulário - Conceitos: distinguir, dimensões, diferenciar, relativo, erro. Página 05 - Aprender o uso dos pontos de referência. Introduzir uma estratégia ou método para resolver os problemas. Favorecer a flexibilidade frente aos indícios que diminuem. Nomear por associação, ou função quando não existir um nome universal. Vocabulário - Conceitos: universal, individual, particular, associação. Página 06 - Clarificar o significado da palavra de acordo com o contexto. Ressaltar a necessidade de prestar atenção na leitura das instruções. Vocabulário - Conceitos: contexto. Página 07 - Buscar razões objetivas para tomar uma decisão. Discriminar entre duas alternativas qual será a mais precisa e exata. Indicar a necessidade de representação mental quando a figura assimétrica muda de orientação. Vocabulário - Conceitos: eixo, diagonal, assimetria, simetria, quadrilátero. Página 08 - Ampliar a conduta somativa. Diferenciar a busca de figuras simétricas de assimétricas. Reconhecer o todo a partir das partes. Revisar termos geométricos. Vocabulário - Conceitos: côncavo, convexo, arco, curvelíneo, eqüidistante. Página 09 - Aplicar o uso de indícios intrínsecos e extrínsecos. Contrastar diferentes estratégias. Vocabulário - Conceitos: intrínseco, extrínseco, estável, instável, permanente. Página 10 - Introduzir o conceito de hierarquia na linguagem. Destacar a necessidade de um processo simultâneo da informação. 94 Vocabulário - Conceitos: polígono, pirâmide, losango, hierarquia, simultâneo. Página 11- Ensinar como dominar uma tarefa complexa, dividindo-a em unidades menores. Contrastar a facilidade de manejar o familiar com a relativa dificuldade em manejar o estranho. Vocabulário - Conceitos: familiar, complexo, estranho, raro. Página 12 - Centrar a percepção nas partes do todo. Introduzir o conceito de ilusão. Vocabulário - Conceitos: ilusão de ótica, ilusão, contexto, paralelogramo. 4. Análise segundo Mapa Cognitivo Conteúdo: Figuras geométricas simples, quadrados e triângulos. Modalidade: Figuras e pontos, com uma utilização mínima de palavras por página. Funções Cognitivas: Fase de entrada - Percepção precisa e definição das figuras do modelo. Denominação das figuras do modelo com termos universais (quadrados, triângulos e retângulos. Busca sistemática mediante estratégias (utilização dos indícios dados pelos pontos grandes), utilização das regras das figuras do modelo quando da não existência dos pontos grandes. Conservação da forma e do tamanho apesar da mudança na orientação espacial das figuras. Uso de mais de uma fonte de informação (tamanho e forma). Fase de elaboração - Definição do problema, seleção dos pontos relevantes na figura buscada. Planejamento. Pensamento hipotético e uso de evidências lógicas. Comparação espontânea entre a figura projetada e o modelo. Conduta somativa. Fase de resposta: Necessidade de precisão. Projeção de relações de acordo com as regras. Restrição da impulsividade. Diminuição da conduta de ensaio e erro. Operações Mentais: Diferenciação de figuras que se sobrepõem. Articulação do campo. Reorientação das figuras. Representação. Pensamento dedutivo. Nível de complexidade: Baixo Nível de abstração: Baixo A organização descrita do instrumento facilita o processo de mediação, pois permite que observemos de maneira mais precisa as manifestações do aluno e, a partir do comportamento e das respostas, reconduzir a mediação sempre que necessário. Passaremos a analisar algumas situações manifestadas pelos alunos. 95 EXEMPLO 1 - Abaixo exemplificamos o processo de mediação a partir dos objetivos descritos para a página 1 e para o instrumento. Mediadora: Antes de começarmos a tarefa, o que devemos saber? (Mediação do problema). Aluno 01: Devemos saber o que teremos de fazer. Mediadora: O que vocês pensam que devemos fazer nesta página? (Mediação de inferência). Aluno 15: Os pontos estão pedindo para serem unidos. Mediadora: O que lhes dá essa informação? Aluno 07: Existem pontos grandes e pontos pequenos. Existem triângulos e quadrados desenhados. Mediadora: Como vocês sabem que são triângulos e quadrados? (Aqui deixamos que os alunos construíssem coletivamente uma definição partindo de uma figura universal, utilizando conduta somativa, comparação. A utilização de nomes precisos nos ajudam a interiorizar e a buscar as representações de que precisamos). Mediadora: Há algo mais nesta página que nos ajude a definir a tarefa? Aluno 07: Tem quadrados com figuras em seu interior. Mediadora: Vamos chamar a essas figuras de modelos. Aluno 07: Então temos que unir os pontos para ficar igual ao modelo. Aluno 09: Pode sobrar ponto? Pode ficar um dentro do outro? Aluno 07: Não tá vendo que não pode? Mediadora: Como vocês sugerem que façamos? (Mediação da necessidade de conduta planejada). Aluno 07: Devemos escrever o que pode e o que não pode. Mediadora: Em que outras situações nós também devemos, antes de começar a fazer algo parar para planejar o que devemos fazer? (Mediação da transcendência). Aluno 02: Nas tarefas que o prof. X passa para nós. Temos que descrever passo a passo o que teremos que fazer. Mediadora: Isso, muito bem! E em que outras situações do nosso dia-a-dia esse comportamento também é necessário? 96 Aluno 07: Outro dia meus amigos vieram me chamar para sair e eu fui correndo. Não sabia para onde. Como estava sem dinheiro tive que andar um monte para voltar para casa. Se eu tivesse perguntado antes aonde a gente ia, o que ia fazer, eu teria me prevenido. Mediadora: Então, voltando para a página, o que vocês acham que deverá ser feito? Aluno 05: Não pode sobrar pontos e uma figura pode estar dentro da outra. As figuras devem ser do mesmo tamanho do modelo. Mediadora: Vamos chamar uma figura dentro da outra de figuras sobrepostas (Mediação da necessidade de usar nomes precisos). Aluno 11: Está sobrando um monte de bolinhas. Aluno 08: Não tá vendo que não pode. Aluno 11: Mas eu não tô vendo nada aqui! Mediadora para o aluno ao lado: Não desenhe para ele. Explique para ele a maneira como você está resolvendo. (Mediação de compartilhamento e do comportamento impulsivo). Aluno 08: Procura primeiro o quadrado. Mediadora: Por quê? Aluno 08: Porque os pontos grandes levam ao quadrado e são quatro pontos, por isso é mais fácil. Aluno 14: Eu acho que começar pelos triângulos é mais fácil. Mediadora: Por quê? Aluno14: Porque são os pontos menores e tem menos lados. Mediadora: O que faríamos se não houvesse pontos grandes? (Neste momento foi importante discutir o processo de busca para mostrar que as pessoas se utilizam de referências diferentes para resolver um problema). Aluno 08: Usaria as regras do quadrado para encontrá-lo. Mediadora: Qual foi o mais difícil de se resolver? (Busca da dificuldade). Aluno 11: Todos foram difíceis. Aluno 06: Quando todos os pontos ficaram do mesmo tamanho. Mediadora: Por quê? Aluno 06: Porque estava acostumado com uma maneira de resolver, depois não dava mais para resolver da mesma maneira, a regra mudou, daí eu tive que pensar em um outro caminho. 97 Mediadora: Vocês escutaram o que o colega disse? Em que outras situações isso já aconteceu com vocês? (Aplicação do princípio de relevância em nossa vida diária). Aluno 16: Às vezes a gente é cabeça dura, teimoso mesmo e quer fazer do jeito da gente e bate a cabeça, bate a cabeça e não escuta o que o outro fala ou não quer ver que a coisa mudou e daquele jeito não dá mais certo. Mediadora: Isso mesmo, muitas vezes nós temos de mudar nossas estratégias de pensamento, de comportamento. Para isso, devemos estar atentos àquilo que estamos fazendo, para que possamos perceber as mudanças. Muito boa a sua observação (Mediação do sentimento de competência). Mediadora: O que aprendemos com essa lição? Aluno 04: Organizar pontos em quadrados e triângulos de acordo com as regras, que temos que planejar, como usar uma estratégia e ter que mudar, não fazer de qualquer maneira. (Aqui estamos mediando a necessidade de elaborarmos princípios). O exemplo acima nos mostra como deve ser o procedimento de mediação em todas as folhas de exercício de todos os instrumentos. Uma vez que temos claros os objetivos de todas as páginas, o vocabulário que se deve empregar, o que se quer mediar, o trabalho fica facilitado. O importante é que o mediador deve estar atento para as manifestações de todos os alunos, sejam verbais, sejam corporais, utilizando-as como dados a serem partilhados, discutidos, analisados. Evidencia-se, também, a partir desse exemplo, aquilo que Vygotski nos fala de que as funções psicológicas aparecem duas vezes (interpsicológica e intrapsicológica) quando da mediação que primeiro se dá em nível social e depois em nível da elaboração individual, voltando a ser comunicada ao social quando o aluno verbaliza sua compreensão. EXEMPLO 2 - Nesta página, o aluno 11 encontrou algumas dificuldades para realizar a tarefa, como demonstrado nos exemplos abaixo. O objetivo dos problemas da página 1, do instrumento organização de pontos, seria o de organizar os pontos segundo as figuras do modelo e de acordo com as regras; ser flexível para mudar as estratégias, segundo as novas situações. 98 A figura n.º 02 nos mostra o trabalho do aluno com o processo de mediação que foi realizado com todos do grupo. Em relação às funções cognitivas, podemos dizer que apresentou na fase de entrada percepção imprecisa, foi inábil na coleta de dados, não conseguiu conservar constância do objeto. Na fase de elaboração não conseguiu selecionar os pontos relevantes, apresentou dificuldade em se concentrar na comparação. Por conseguinte, na fase de comunicar a resposta, pela dificuldade na fase anterior, mostrou muito o comportamento de ensaio e erro, decorrente da falta de compreensão do problema. Fig. 02 – Resposta do aluno com o processo previsto de mediação Começamos a trabalhar algumas horas a mais com este aluno, buscando uma mediação mais adequada. Apesar do Programa de Enriquecimento Instrumental não prever mediação com material concreto, achamos por bem utilizá-lo para, aos poucos, podermos chegar à zona de desenvolvimento real do aluno e constatarmos quais construções (aquelas que levariam a realizar a tarefa) haviam sido internalizadas e faziam parte do repertório do aluno. O conceito internalizado de quadrado e triângulo o aluno possuía, pois ele conseguia desenhá-los conceituá-los e reconhecê-los. Utilizamos os blocos lógicos no sentido de trabalhar com a rotação e conservação das figuras, e figuras em papel de seda de diversas cores, para que o aluno percebesse a possibilidade da sobreposição. Foi indispensável a mediação do Sentimento de Competência, pois já havia sido estigmatizado e incorporado pelo aluno o atraso escolar como sinal de “burrice”. 99 Fig. 03 – Resposta do aluno após o processo de mediação especial Podemos destacar, também, o trabalho do aluno 11 em outra página deste instrumento. Os objetivos previstos para a página 08 eram o de ampliar a conduta somativa; diferenciar a busca de figuras simétricas de figuras assimétricas; reconhecer o todo a partir das partes e revisar termos geométricos. Quando houve uma mudança na estrutura da figura (passamos a trabalhar com figuras curvas), o aluno também encontrou dificuldades em resolver o problema. Passamos a trabalhar com figuras não universais, sendo que uma era simétrica e outra assimétrica. A busca inicial dos alunos era saber o que os signos significavam e passaram a negociar um significado. Para o aluno em questão, tivemos que concretizar, fazendo com que ele recortasse figuras simétricas e assimétricas e percebesse a diferença, verbalizando suas conclusões, e procuramos reforçar o trabalho de percepção espacial e sobreposição de figuras. Fig. 04 – Resposta do aluno a partir do processo previsto de mediação 100 Fig. 05 – Resposta do aluno após processo de mediação especial 5. Princípios: Os princípios foram, à medida que o trabalho prosseguia, introduzidos sempre que a atividade propiciava. O importante neste trabalho é que o mediador (que necessariamente passou pela formação) os tenha internalizado como um parâmetro, aproveitando sempre que possível as contribuições dos mediados. Página 1 - Ao realizar uma tarefa, devemos seguir certas regras. Página 2 - As coisas são grandes ou pequenas, dependendo de como elas se relacionam. Página 3 - Uma boa estratégia pode assegurar o êxito do trabalho. Página 4 - O erro nos leva a pensar, porque pegamos o caminho errado. Página 5 - É importante saber trocar a estratégia quando a anterior não serve mais. Página 6 - É importante estar atento a ler as instruções, pois detalhes que não são percebidos podem alterar a informação. Página 7 - Necessitamos buscar pontos de referência ou mais informações para poder decidir. Página 8 - Devemos pensar antes de tomarmos decisões, principalmente quando houver muitos elementos distintos na informação. Página 9 - Devemos mudar de estratégia quando a antiga não serve mais. Página 10 - É necessária a construção de indícios próprios, estudando a realidade. Página 11 - Quando uma tarefa tem muitas partes, deve-se planejar sua realização. Página 12 - Nem sempre podemos crer em tudo que vemos. 101 Princípios elaborados pelos alunos: • Às vezes somos cabeça dura e teimoso e não queremos mudar de idéia. Não dá para ser teimoso no trabalho quando você está fazendo uma coisa que não está certa. • Podemos aprender com o erro dos outros ou evitar de errar. Em relação a este instrumento, podemos assinalar que a princípio os alunos, em sua maioria, apresentaram um comportamento impulsivo, ligando os pontos de qualquer maneira, na pressa de passar para a folha seguinte. À medida que os exercícios aumentavam seu grau de complexidade, houve a necessidade dos alunos falarem mais sobre as dificuldades e reduziram com isso a impulsividade. Outro fator importante é que no início houve muita "gozação" entre eles, principalmente com aqueles que ficavam mais atrasados e verbalizavam que não conseguiam resolver o problema. Nesse sentido, a Mediação do Sentimento de Compartilhamento foi fundamental, para que o grupo adotasse uma postura de respeito e de ajuda. Para os alunos com maior dificuldade, principalmente o aluno 11, houve a necessidade de se trabalhar mais particularmente a Mediação do Sentimento de Competência, em que algumas tarefas foram refeitas e alguns conceitos mais concretos foram trabalhados. O resultado foi muito bom, pois o aluno conseguiu refazer as tarefas como demonstrado nos exemplos, ficando clara, também, a possibilidade de levá-lo a pensar sobre seu pensamento, ou seja, trabalhar a metacognição parece possível. Os alunos que conseguiam realizar as tarefas com certa agilidade, como o aluno 12 e o aluno 06, demostraram percepção precisa, busca sistemática adequada a partir da proposta do problema, conservação de forma e tamanho adequadas; conseguiram definir o problema para os colegas e indicaram verbalmente estratégias de resolução, demostrando uma conduta planejada. Aos poucos estes alunos foram orientados a mediar os exercícios para os colegas com maior dificuldade, fazendo-os pensar e a verbalizarem quais caminhos utilizaram para tentar resolver as situações problemas; estavam desenvolvendo o processo cognitivo de seus colegas, além de partilharem o seu próprio processo metacognitivo, quando comparavam com o seu próprio processo de busca e resolução. 102 •= Análise da mediação do Instrumento Orientação Espacial I Este instrumento trabalha com o conceito de sistema relativo de referência, localizando os objetos no espaço, visando às relações entre eles. Através do programa, os sujeitos aprendem porque existem diferentes pontos de vista na percepção de um objeto ou experiência e como relativizar uma opinião que é diferente da sua. A seguir, apresentamos a programação das unidades deste instrumento. PROGRAMAÇÃO DA UNIDADE ORIENTAÇÃO ESPACIAL I Instrumento: Orientação Espacial I Unidade: 02 Páginas: 01 a 10 1. Critérios de mediação: Intencionalidade e reciprocidade; Transcendência; Significado; Compartilhamento; Competência e Individuação. 2. Objetivo geral da unidade: Apresentar um sistema de referência estável, ainda que relativo, para descrever as relações espaciais. Trabalhar as limitações na utilização articulada e diferenciada do espaço representacional. 3. Objetivo específico de cada página e vocabulário Página 01 - Introduzir os conceitos de sentido e direção. Demonstrar que as mudanças nas relações resultam das mudanças na orientação. Vocabulário - Conceitos : Sentido, direção, relações. Página 02 - Definir problemas sem instruções escritas. Diferenciar entre elementos estáveis (fixos) e relativos (variáveis). Reconhecer que a mudança de posição resulta em mudança de relação. Vocabulário - Conceitos: Relativo Páginas 03, 04 e 05 - Desenvolver o pensamento representativo (interiorização do comportamento). Desenvolver a flexibilidade e a plasticidade do pensamento. Codificar informações em quadros ou tabelas. Página 06 - Demonstrar domínio dos conceitos de sentido e direção. Recolher somente as informações relevantes e codificá-las de forma clara e precisa. 103 Pagina 07 - Introduzir os conceitos de símbolos e signos. Contrastar informações apresentadas na modalidade pictórica e simbólica. Aplicar as aprendizagens anteriores a novas situações. Vocabulário - Conceitos: Símbolos, signos. Página 08 - Identificar a posição do ponto em relação à seta. Passar do código verbal a uma operação. Página 09 - Descobrir que há situações nas quais pode haver diferentes alternativas válidas. Página 10 - Desenvolver a flexibilidade do pensamento. 4. Análise segundo o mapa cognitivo Conteúdo - Um sistema de referência estável, porém relativo, para a localização dos objetos no espaço e a relação de uns com os outros. Modalidade - Principalmente figurativa e gráfica. Funções Cognitivas: Fase de entrada - Percepção distinta dos objetos, fatos e ralações, estes incluem quatro objetos ou um ponto, posições do menino e uma seta, e a relação entre eles. Necessidade dos conceitos básicos e dos termos que relacionam o indivíduo com o espaço circundante. Necessidade de decodificar os códigos numéricos e a interpretação de símbolos e signos. Necessidade de orientação no espaço, incluindo um sistema de referência para estabelecer relações espaciais: topológico e projetivo. Conservação da constância dos objetos apesar das transformações em sua orientação. Necessidade de considerar simultaneamente mais de uma fonte de informação: a do referente, a que se refere e a relação entre os dois. Fase de elaboração - Definição do problema quando não há instruções ou quando o problema modifica de uma tarefa para outra. Seleção de sinais apropriados para definir e resolver problemas, um entendimento da realidade em que os elementos se comparam e se resumem com esforço para buscar e para projetar relações. Necessidade de uma conduta espontaneamente comparativa. Necessidade de ampliar o campo mental, a fim de não se esquecer do objeto em processo de busca. Necessidade de evidência lógica para chegar às conclusões, fundamentado em dados que estejam relacionados indiretamente com a tarefa. Necessidade de considerar pontos de vista diferentes do seu ponto de vista e colocar-se no 104 lugar do outro para ver o mundo. Necessidade de projetar relações entre dois ou mais elementos. Fase de resposta - Eliminação da conduta de ensaio e erro, colocando ênfase na representação e planificação. Necessidade dos instrumentos verbais para comunicar de maneira apropriada respostas elaboradas. Necessidade de precisão. Necessidade de transporte visual para colocar o menino (do desenho do instrumento), o ponto ou a seta no quadro. Necessidade de frear a impulsividade na comunicação das respostas. Operações mentais - Começa com elementos figurativos e termina com códigos simbólicos, em conseqüência, há uma redução no uso da identificação com a figura presente, como processo principal para a solução do problema e uma possibilidade diminuída do indivíduo para usar os movimentos do deu próprio corpo. Integração e coordenação de dois sistemas pelo confronto com um que é estável e relativo, e outro que é instável, porém constante. Nível de complexidade - moderado Nível de abstração - relativamente baixo nos exercícios com elementos figurativos; medianamente alto com codificação simbólica; alto na representação particular de apoio figurativo. Nível de eficiência - moderadamente alto com apoio figurativo; vestígio da conduta motora apenas discernível em formas de movimento corporal quando está trabalhando com essa tarefa. Passaremos a analisar algumas situações vivenciadas pelos alunos. O exemplo a seguir diz respeito à página 08 do instrumento, cujos objetivos seriam o de identificar a posição do ponto em relação à seta; passar do código verbal para uma operação. Para dois alunos em especial, houve a necessidade da reelaboração dos conceitos de direita e esquerda em relação a outro objeto que não o próprio corpo; a maior dificuldade para esses alunos foi sair de uma conduta egocêntrica e colocar-se no lugar do modelo e a partir dele localizar-se; novamente foi necessário que dramatizássemos muitas das situações. O aluno 10 e o aluno 14, em termos de funções cognitivas deficientes, apresentaram na fase de assimilação uma atenção insuficiente para perceber relação no espaço; partiram 105 logo para fazer a tarefa sem atenção adequada a todas as informações; não apresentaram um sistema pessoal de referências espaciais desenvolvidas e demonstraram dificuldade de coordenar as partes do corpo no espaço. Na fase de elaboração, apresentaram dificuldade em considerar pontos de vista diferentes do seu e colocar-se no lugar do outro para ver o mundo; e, na fase de comunicação, dificuldade no transporte visual. 106 5. Princípios: Sempre que a situação permitia, os princípios previstos foram trabalhados com os alunos, levando-os a refletir e a construir novos. Página 01 - Os lados do corpo não mudam. O que muda é a direção, a orientação e as relações. Página 02 - O mesmo objetivo ou fato pode ter aspectos diferentes para observadores com pontos de vista distintos. Páginas 03, 04, 05 - Problemas distintos requerem estratégias e soluções distintas. Sempre há uma estratégia para realizar o trabalho mais eficaz e rapidamente. Em uma relação de três elementos, se conhecemos dois deles, podemos deduzir o terceiro. Pessoas diferentes podem ter pontos de vista diferentes e ver as mesmas coisas de maneira distinta. Página 06 - É importante saber a origem de uma pessoa, para conhecê-la melhor. É importante a direção na orientação espacial, na descrição dos objetos e processos. Página 07 - A mesma informação pode ser apresentada de formas diferentes. Há signos universais que valem para todas as culturas; outros signos são particulares, próprios de uma cultura determinada. Página 08 - Esquerda, direita, frente, atrás, são elementos de um sistema fechado de referência. Para que exista um sistema pessoal de referência deverá existir um referente ou um ponto de referência. Ao utilizar um sistema pessoal de referência, nossa perspectiva muda quando mudamos nossa orientação. Para receber e dar instruções, é necessário definir de maneira clara e explícita a orientação a partir da qual se dá a instrução. Princípios elaborados pelos alunos: • Devemos perceber que nossa maneira de ver o mundo não é a única. • Em tudo o que fazemos sempre buscamos uma referência que foi construída anteriormente e que deve ser sempre revista. • Nem sempre o significado daquilo que eu digo é entendido da mesma maneira por todas as pessoas. Neste instrumento, o que mais chamou a atenção foi a importância da clareza na comunicação. A comunicação deve ser precisa e os significados negociados. Por exemplo, se o significado das palavras direção e sentido estiverem claros, muitas dificuldades 107 poderão ser evitadas. Outra característica é o trabalho com o descentramento, ou seja, sair de uma postura egocêntrica (que muitas vezes caracteriza o comportamento adolescente) para colocar-se no lugar do outro, buscando enxergar o mundo através de referenciais diferenciados. Foi um exercício muito difícil para o aluno. No começo ainda persistia o comportamento de "gozação" (um mecanismo de defesa pela resistência de abrir mão do seu ponto de vista) quando um colega expunha sua dificuldade, ou quando tentávamos concretizar um exemplo. Novamente enfatizamos a mediação do Sentimento de Pertencimento, para que pudéssemos criar um espírito de grupo, que deveria realizar trocas para que todos pudessem crescer. •= Análise da mediação do instrumento Comparações Ser capaz de comparar é um pré-requisito essencial para qualquer processo cognitivo, que seja algo mais que um mero reconhecimento e identificação das coisas que percebemos. A conduta comparativa é uma condição primária para estabelecer relações que conduzem ao pensamento abstrato, porque determina a organização e integração de unidades discretas de informação em sistemas coordenados e significativos de pensamento. A seguir, apresentamos a programação das unidades deste instrumento. PROGRAMAÇÃO DAS UNIDADES DO INSTRUMENTO COMPARAÇÕES Instrumento: Comparação Unidade: 03 Páginas: 01 a 16 1. Critérios de mediação: Intencionalidade e reciprocidade; Transcendência; Significado; Sentimento de compartilhamento. 2. Objetivo geral da unidade: Ampliar a capacidade do aluno de comparar; aumentar e enriquecer o repertório de atributos/critérios pelos quais podem ser comparados; isolar critérios relevantes para a comparação, que são característicos, e critérios para as necessidades, que gerarão a conduta comparativa; estimular a flexibilidade no uso de parâmetros para a comparação, incrementando a habilidade de o aluno diferenciar os elementos; converter o ato da comparação em uma atividade automatizada, de forma que o 108 aluno perceba e descreva, espontaneamente, a relação entre objetos, fatos e idéias, nas suas semelhanças e diferenças. 3. Objetivos específicos de cada página: Página 01 - Descrever o comum a dois objetos segundo um conceito ordenado. Descrever a diferença entre dois objetos, baseando-se num mesmo parâmetro. Perceber o conceito de diferença entre classes. Vocabulário - Conceitos - Comparar, idêntico, similar, incluir, excluir, diferenciar, conjunto. Página 02 - Comparar figuras geométricas em sua direção, número, longitude, cor ou textura. Definir diferenças dentro de uma mesma classe através de conceitos espaciais. Conservar a constância de um objeto através de mudanças em suas partes. Vocabulário - Conceitos - Indistinto, vago, distorcido, segmentado, transporte visual. Página 03 - Comparar elementos apresentados na modalidade verbal. Entender que as palavras têm uma função simbólica. Diferenciar conotação e denotação. Ampliar os parâmetros para a comparação. Vocabulário - Conceitos - Idiossincrasia, universal, significado, específico, conotação, denotação, simbolizar. Página 04 - Comparar itens e conceitos abstratos,, a partir de critérios, como: pode, função, papel, uso e atributos físicos. Vocabulário - Conceitos - Arbitrário, consenso, atributo, função, papel. Páginas 05 e 06 - Descrever semelhanças e diferenças mediante conceitos ordenados. Melhorar a flexibilidade no uso dos conceitos. Vocabulário - Conceitos - Dureza, largura, divergente, convergente, ordenado. Página 07 - Achar dois objetos idênticos dentre cinco quadrados. Desenvolver uma estratégia para sua busca. Perceber o objetivo da busca, analiticamente. Converter indícios em ponto de referências. Vocabulário - Conceitos - Ponto de referência, indício, complexo. 109 Página 08 - Utilizar semelhanças ou diferenças para ordenar objetos segundo sua semelhança com o modelo. Utilizar um código para designar a ordem ou seqüência. Vocabulário - Conceitos - Proximidade, distância, código, ordem, seqüência. Página 09 e 11 - Comparar objetos com o modelo, segundo parâmetros dados, buscando semelhanças e diferenças. Definir com precisão o significado dos diferentes parâmetros, eliminando a confusão entre eles. Vocabulário - Conceitos - Palavras-chave, tamanho, forma, direção, parte/todo, figura/forma, forma/tamanho. Página 10 - Localizar e descrever cinco diferenças entre os quadros. Busca sistemática seguindo uma estratégia. Vocabulário - Conceitos - Hipóteses, textura, pensamento hipotético, inferir. Páginas 12 e 13 - Construir itens semelhantes e diferentes do modelo, com variedade de parâmetros. Seguir as instruções de forma precisa. Usar o pensamento hipotético, inferência, a evidência lógica, para completar a tarefa. Vocabulário - Conceitos - Ambíguo, restringir, seqüência, suposição, contrário. Página 14 - Construir verbalmente itens que diferem uns dos outros, a partir de atributos dados, mas que são membros da mesma classe ordenada. Eleger itens como exemplos que sejam simultaneamente apropriados para descrição do comum e do diferente. Investigar várias respostas divergentes. Vocabulário - Conceitos - Classe, família, infinito, limitado, conjunto, dedução, critério. Páginas 15 e 16 - Demonstrar compreensão e domínio da comparação. Mostrar progresso ao eleger parâmetros na comparação de exemplos para sua aplicação. Eleger itens que sejam apropriados para descrever o conjunto e os subconjuntos. Vocabulário- Conceitos - Formato, domínio, habilidade. ` 4. Análise do mapa cognitivo Conteúdo: Comparação entre objetos familiares, figuras e conceitos. Figuras complexas, comparadas de forma semelhante. Modalidade: Figurativa, pictórica e verbal. Funções Cognitivas: 110 Fase de entrada - Percepção clara dos elementos para reunir informação completa e precisa acerca de todos os seus atributos. Uso de conceitos e termos apropriados para descrever semelhanças e diferenças entre objetos e discernir entre eles. Uso de conceitos espaciais e temporais como parâmetro de comparação. Exploração sistemática dos vários elementos da tarefa. Conservação da constância dos objetos da comparação através de mudanças que podem ocorrer em uma ou várias de suas características, como tamanho, quantidade, cor, orientação e direção. Uso de duas ou mais fontes de informação. Precisão na coleta de informações, de modo que várias características são diferenciadas. Fase de elaboração - Estabelecimento de relações entre objetos e fatos em termos de suas semelhanças e diferenças. Aprendizagem de técnicas e estratégias de comparação como preliminar para a conduta comparativa espontânea. Seleção de atributos relevantes. Uso dos produtos da comparação como base para a inferência e raciocínio lógico. Soma dos atributos que são similares ou diferentes, com o objetivo de avaliar e formar juízos. Formação de categorias com base em conceitos perceptuais e semânticos, utilizando critérios que são constantes, críticos e relevantes. Busca de conceitos superordenados sobre a base do pensamento hipotético e a evidência lógica. Fase de resposta - Enriquecimento do repertório, para permitir a comunicação precisa dos produtos da comparação. Restrição da impulsividade em responder até que toda a informação seja reunida e elaborada. Operações mentais - Discernimento entre itens, apesar de certas propriedades comuns. Generalização da resposta a novos itens, apesar de certas diferenças. Integração de elementos discretos em unidades de significação. Seriação dos atributos ao longo de um conteúdo. Análise e ordenação de um parâmetro superordenado em seus elementos. Nível de complexidade: Baixo Nível de eficiência: Alto em um nível simples. Baixa, até que as dificuldades antecipadas não são eliminadas como resultado da aprendizagem e da prática. Passaremos a analisar algumas situações vivenciadas pelos alunos. O objetivo da página 11, deste instrumento, consiste em comparar objetos com o modelo, segundo parâmetros dados, buscando semelhanças e diferenças; definir com precisão o significado dos diferentes parâmetros, eliminando confusão entre eles. Como 111 mencionado, ser capaz de comparar é um pré-requisito essencial para qualquer processo cognitivo. O Assistente em Eletromecânica, como vimos, deve localizar rapidamente partes de um todo, perceber e distinguir semelhanças e diferenças pequenas, pois trabalha com circuitos e projetos que envolvem tais habilidades. O aluno 11 apresentou dificuldades no processo de comparação, pois ele só conseguia perceber as semelhanças (na concepção piagetiana, as funções cognitivas desse aluno priorizam a assimilação, ou seja, ele possui poucos esquemas, com um número muito grande de informações, apresentando dificuldades no processo de acomodação que possibilita a criação de novos esquemas ou a modificação de esquemas anteriores). A acomodação (possibilita visualizar diferenças) deficiente acarreta a não discriminação do signo e seu significado, como demonstra a figura 07. A tarefa solicitada ao aluno consistia em que ele sublinhasse a palavra ou as palavras que descrevessem o que é diferente entre o modelo à esquerda e os desenhos da mesma linha. 112 Com este aluno foi necessário trabalhar desde exercícios simples, com jogos de objetos concretos, que envolvessem a discriminação de diferenças. A todo momento ele era levado a transportar o modelo trabalhado visualmente, através de sua interiorização ou através de mediadores verbais (ou seja, refazer verbalmente a operação). 113 Na página 13, o aluno deveria construir itens semelhantes e diferentes do modelo, com variedade de parâmetros; seguir as instruções de forma precisa; usar o pensamento hipotético, a inferência e a evidência lógica para completar a tarefa. Novamente ele apresentou dificuldade em coletar a informação. A tarefa solicitada ao aluno consistia em que ele observasse o modelo e em cada um dos quadros apresentados fizesse um desenho diferente do modelo nos aspectos indicados nas palavras colocadas nas cercaduras. 114 Neste instrumento, observamos que os alunos apresentaram comportamento menos impulsivo. Alguns manifestaram-se perguntando: Aluno 01 -“Sobre quais pensamentos nós vamos pensar hoje?”. Interessante observar o envolvimento nas tarefas e o sentimento de compartilhamento quando alguns alunos passaram a realizar a mediação. Concordamos com Vygotski quando ele nos fala da mediação dos pares, ou seja, em várias situações alguns alunos mediavam a nossa mediação, utilizando signos adequados à idade e ao contexto do grupo, fato que, muitas vezes, tornava o processo mais dinâmico. 115 5. Princípios Página 01 - Não podemos ver o comum em tarefas nas quais os objetos pertencem a diferentes classes; só vemos as diferenças. Quando não temos um critério determinado para comparar, devemos reunir toda a informação e comparar todos os parâmetros possíveis. Página 02 - O ato de comparar nos torna conscientes do que de outra maneira poderíamos esquecer. Uma só diferença, que parece menor, pode ser significativa. Os objetivos devem ser utilizados para assinalar as diferenças dentro de uma mesma classe, principalmente quando essas diferenças são descritas em termos de subconjuntos. Página 03 - As palavras são menos concretas que as figuras. A modalidade verbal é mais universal. É mais fácil comparar coisas e objetos que podemos ver ou que nos são familiares, que comparar idéias ou relações abstratas. Se trabalharmos com a modalidade verbal, é necessário decodificar a palavra e representar a coisa que simboliza com todo detalhe. Página 04 - Para comparar, devemos sobrepor um item a outro. O grau de intersecção pode ser muito pequeno, nos casos em que as diferenças são maiores que as semelhanças. Toda comparação pede um modelo e um critério que oriente a atividade. Página 05 e 06 - Para chegar a conceitos ordenados, a partir de diferenças, devemos somar as diferenças e achar um termo que as inclua. Página 07 - As estratégias devem ser mudadas sempre que não forem eficientes. A identidade pode ser um fator crítico. Página 08 - Podemos ordenar de forma crescente ou decrescente, uma vez que podemos ler em qualquer direção. O grau de proximidade depende das necessidades da tarefa. Páginas 09 e 11 - A constância do objeto se conserva apesar das mudanças em um ou mais de seus atributos. Tomar cuidado para ser preciso ao definir o significado de um parâmetro. A relevância das diferenças entre os objetos está na necessidade que originou a comparação. Página 10 - As hipóteses governam a investigação. Se as diferenças são sutis, requerem um maior discernimento. 116 Páginas 12 e 13 - Todos os elementos devem ser processados simultaneamente. Em determinados conteúdos outras situações nos obrigam a trabalhar de forma seqüencial. Ler as instruções cuidadosamente. À primeira vista podem parecer iguais. Página 14 - Devemos ir do conjunto aos atributos que descrevem diferenças, antes de eleger os itens apropriados. Para resolver um problema, usamos o processo dedutivo: do geral para o específico. Para controlar o nosso trabalho, podemos empregar o processo indutivo, do específico para o geral. Páginas 15 e 16 - Os elementos de um conjunto podem ser descritos ou classificados, levando-se em conta diferentes atributos. A flexibilidade no pensamento é uma boa qualidade. É necessária para descobrir todos os parâmetros e aplicá-los. Princípios elaborados pelos alunos: • Nem sempre as mesmas palavras têm o mesmo sentido para as pessoas. • Dependendo da situação, precisamos buscar uma maneira diferente de pensar. • Não é fácil pensar de maneira diferente, quando estamos acostumados a pensar sempre do mesmo jeito. • Não é fácil mudar. •= Análise da mediação do instrumento Percepção Analítica Neste instrumento, os mediadores promovem o desenvolvimento das estratégias cognitivas para a diferenciação e integração. Este instrumento possibilita mudança de atitudes e de motivações na adaptação dos sujeitos no mundo e os ensina a formar um sistema de referências interno para estruturar as várias experiências da vida. Apresentaremos a seguir a programação das unidades deste instrumento 117 PROGRAMAÇÃO DO INSTRUMENTO PERCEPÇÃO ANALÍTICA Instrumento: Percepção Analítica Unidade: 05 Páginas: 01 a 25 1. Critérios de mediação: Intencionalidade e reciprocidade; Transcendência; Significado; Sentimento de compartilhamento; Sentimento de competência; Sentimento de desafio. 2. Objetivo geral da unidade: Fornecer subsídios para criação de estratégias, a fim de articular e discriminar o campo, a divisão do todo nas partes que o constituem, de acordo com objetivos específicos. Ensinar estratégias para integração, síntese das partes em um todo de acordo com as necessidades de um dado momento. Exercitar a estruturação de um campo dado. Incentivar a mudança de atitudes e motivações nos indivíduos em sua relação com a realidade, para o uso de processos perceptuais, a fim de conseguir o desenvolvimento de estratégias cognitivas variadas. 3. Objetivos específicos de cada página: Página 01 - Analisar figuras geométricas simples ou complexas e suas partes. Reconhecer cada parte como um todo. Compreender a necessidade de nomear para identificar e comunicar. Vocabulário - Conceitos - Simples, complexo, enumerar, código, constância, ao acaso. Página 02 - Encontrar uma parte incluída entre outras figuras, similar ao modelo dado em todos os seus atributos, exceto na orientação. Usar duas fontes de informação: tamanho e forma. Vocabulário - Conceitos - Particular, estável, relevante, universal. Página 03 - Achar uma ou mais partes idênticas ao modelo em um todo complexo. Achar uma estratégia para comprovar o trabalho na ausência de um feedback imediato. Usar o pensamento hipotético e a evidência lógica para a solução de problemas. Vocabulário - Conceitos - Discriminação, precisa, interpretação, interior, exterior. Página 04 - Isolar e identificar um número de partes incluídas em um desenho mais complexo. 118 Vocabulário - Conceito - Marco de referência, metódico. Página 05 - Analisar as fontes de erros por comparação. Discriminar os itens semelhantes. Vocabulário - Conceito - Comprovar, formato, autocrítica. Páginas 06 e 07 - Analisar o todo, usando parâmetros de forma, número, tamanho e cor. Tomar consciência que um todo está em função de suas partes, mas é mais que a sua soma. Vocabulário - Conceito - Categoria, relevante, síntese, elementos. Páginas 08 e 09 - Discriminar o todo e seus componentes. Identificar os componentes de um todo específico. Vocabulário - Conceitos - Componentes, exceção, ponto-chave. Página 10 - Corrigir as partes de uma figura de modo que concordem com os componentes da figura dada. Vocabulário - Conceito - Intercambiável, omissão. Páginas 11 e 12 - Construir uma figura semelhante ao modelo, através da integração das partes pequenas. Vocabulário - Conceitos - Marco, identificar, diferenciar, interiorizar. Páginas 13 a 17 - Integrar as partes complementares em um todo. Vocabulário - Conceitos - Raio, ponto médio, intersecção, perímetro. Páginas 18 a 20 - Unir pequenas partes em um novo todo. Vocabulário - Conceitos - Composto, fusão, solução. Páginas 21 e 22 - Isolar figuras que estão em um todo complexo. Identificar e delinear as partes de um todo. Revisar o que foi aprendido anteriormente. Vocabulário - Conceitos - Irrelevante, delinear. Páginas 23 a 25 - Construir um todo novo a partir das partes identificáveis. Aprender que somente certos componentes formarão um todo específico. Vocabulário - Conceitos - Código, atributo, constância, posição. 4. Análise segundo o mapa cognitivo Conteúdo: Figuras geométricas simples e complexas divididas arbitrariamente em partes. 119 Modalidade: Figuras, componente verbal escasso, números usados como códigos. Funções cognitivas: Fase de entrada: Percepção analítica precisa de um todo e suas partes. Uso de nomes para as figuras geométricas e códigos de identificação das partes e sua relação. Uso de conceitos temporais na análise operativa da tarefa. Uso de conceitos espaciais na análise estrutural do todo. Conservação da constância da figura do todo, apesar da modificações nas características de suas partes. Uso de um sistema para reunir toda a informação, sem esquecer nem repetir nenhuma parte. Precisão e exatidão no planejamento do comportamento. Uso de várias fontes de informação para a diferenciação do todo em partes. Fase de elaboração: Estabelecer relações entre as partes de um todo. Comparação entre as tarefas e suas exigências. Comportamento somativo como ajuda para integrar o todo. Eliminação da conduta de ensaio e erro por meio da planificação. Fase da resposta: Domínio da impulsividade, uso de códigos para comunicar a informação com precisão, tendo em conta tanto a análise do todo e de cada parte, como a síntese das partes de um todo. Operações mentais: Identificação; Discriminação; Enumeração; Articulação do campo; Pensamento hipotético. Nível de complexidade: Baixo a moderado. Nível de abstração: Baixo nas tarefas e alto nas discussões que ele proporciona. Nível de eficácia: Medianamente alto. Passaremos a analisar algumas situações vivenciadas pelos alunos. O objetivo da página 13, deste instrumento, é integrar as partes complementares em um todo. A diferenciação, a divisão de um todo em suas partes, a integração, ou a síntese em um todo dado, são requisitos para a adaptação de uma pessoa e para seu ajuste no mundo. O funcionamento cognitivo adequado depende do equilíbrio entre os dois processos. Tem-se demonstrado, ainda que a adolescência seja normalmente um período de grande diferenciação, que algumas pessoas possuem uma percepção global ou superintegrada dos objetos que encontram. A percepção de partes diferenciadas do todo 120 implica comportamentos que - ainda que existam no repertório dos indivíduos - não se usam de modo espontâneo, sobretudo entre sujeitos com dificuldades de aprendizagem. Através das tarefas do instrumento, o aluno adquire uma aproximação ao raciocínio analítico importante, para que possa diferenciar com claridade os limites entre si mesmo e seu entorno. A figura 12 nos mostra que o aluno 13, na fase de coleta das informações, foi impreciso: demonstrou uma compreensão episódica da tarefa, não percebeu a relação figura-fundo (até onde esta pesquisa se propôs, não encontramos evidências da teoria da Gestalt como uma influência explícita nos conceitos elaborados por Feuerstein, se bem que muitas tarefas poderiam ser explicadas pelas leis da Gestalt, como, por exemplo, a lei do fechamento), não conseguiu realizar o transporte visual de acordo com o modelo. A tarefa solicitada ao aluno 13 consistia em que ele observasse a figura , focalizada na parte superior central da página. Para cada desenho da coluna da esquerda há um desenho da coluna da direita que o completa. O aluno deveria escrever o número e a letra dos dois desenhos combinados, para completar a figura. 121 Com este aluno 13, em particular, fizemos com que ele construísse a figura do modelo e, em papel de seda, trabalhamos a sobreposição de figuras para que ele 122 internalizasse o todo. Após o trabalho com o papel de seda, solicitamos ao aluno que representasse o modelo e verbalizasse sua construção, e repetisse essa construção mentalmente. Logo após, realizamos a tarefa novamente. 123 Na página 23, o objetivo é a construção de um todo novo a partir das partes identificáveis; aprender que somente certos componentes formarão um todo específico. Portanto, deve-se estabelecer pontos de referência, marcos para a construção de figuras compostas. O aluno 13, somou as partes da figura, ou seja, ele não construiu uma figura nova, apresentando uma percepção apenas das partes. Demonstrou dificuldade em lidar com várias fontes de informação. A tarefa solicitada ao aluno consistia: desenhar em cada um dos contornos seguintes o novo todo, composto pelas partes cujos números aparecem debaixo dos ditos contornos, com o adendo de que não seria necessário traçar linhas entre as partes. 124 Como no exemplo anterior, as estratégias utilizadas foram reler as instruções, revisar a razão, porque as linhas interiores sobraram; ensinar ao aluno como projetar linhas imaginárias, para dividir a área total em parte; utilizar instrumentos de ajuda, quando a precisão é crítica. Nessa tarefa, optamos por não realizar a concretização, procurando trabalhar com a construção realizada até então pelo aluno, e buscando em suas representações a compreensão para a solução da tarefa. 125 5. Princípios Página 01 - Um número pode ser utilizado como distintivo para indicar quantidade ou para indicar seqüência. É melhor um trabalho ser realizado sistematicamente do que feito por ensaio e erro. Página 02 - O objeto é constante em sua forma e tamanho apesar das mudanças de orientação. Quando os atributos essenciais de um objeto se conservam, o objeto continua sendo identificável. Página 03 - Quando uma parte aparece mais de uma vez, devemos observar cada parte do todo com cuidado. Não podemos nos contentar em achar uma coisa parecida. Quando não há uma comprovação imediata, devemos criar uma forma de comprovar nosso trabalho. Necessitamos de mais tempo na medida em que há mais partes, o que não torna necessariamente a tarefa mais difícil. Página 04 - A busca sistemática requer: descobrir o objeto que buscamos com todos os seus atributos; estreitar o campo de busca; planificar a estratégia incluindo os passos que devo seguir; o pensamento hipotético e a comprovação das hipóteses. Página 05 - Devo ler as instruções e as palavras chaves com cuidado. Página 6 e 7 - Uma característica comum a muitos objetos, não serve para diferenciá-los. A eliminação só nos diz o que não é apropriado. O todo depende das partes e da relação de uma com a outra. Página 8 e 9 - O que é comum a vários itens não se pode usar para diferenciá-los. Podemos identificar o todo através de seus elementos. Página 10 - O método para corrigir algo deve ser apropriado às necessidades da tarefa. Página 11 e 12 - Existem marcos que se podem ver, tocar e sentir. São concretos. Há outros que conhecemos, mas que não podemos ver ou sentir - são abstratos. Quando não temos indícios, é necessário criá-los como ponto de referência. Estudando com cuidado o modelo, simplifica-se a tarefa de integração das partes. Página 13 a 17 - Temos de definir de modo preciso, exato e completo o que estamos buscando. Devemos observar as linhas internas e externas para identificar o que falta. É imprescindível saber subdividir uma parte em seus elementos e recompô-los. O todo é mais que a soma de suas partes. 126 Páginas 18 a 20 - Em muitos casos, a direção é um atributo essencial. As linhas que separam as diferentes partes se confundem, quando se fundem entre si. Deve-se conservar a orientação de uma parte em relação ao todo que faz parte. Páginas 21 e 22 - Um todo pode ser composto por várias partes e cada uma ser por sua vez outro todo. Páginas 23 a 25 - Quando não nos dão um ponto de referência devemos elegê-lo. Princípios elaborados pelos alunos: •= É importante perceber o significado das coisas, que é diferente para cada pessoa. •= Nós sempre tendemos a dividir as coisas para entendê-las e não as juntamos de novo. •= Os modelos mais fáceis de comparar são aqueles que já conhecemos. •= É mais fácil reconhecer uma coisa do que construí-la •= Para entendermos as pessoas precisamos entendê-las no seu todo 127 CONSIDERAÇÕES FINAIS O momento atual exige uma reflexão sobre a Educação e a Profissionalização, seja em relação ao “como” se processam os seus caminhos, seja ao “para onde” esses caminhos as estão conduzindo. Tanto mais aguda é essa exigência, quanto mais evidentes se tornam os impactos do desenvolvimento científico-tecnológico e das grandes transformações sociais, mudando aceleradamente comportamentos e critérios, não só no campo técnico, como também nas questões econômicas, políticas e sociais. Essas mudanças, por sua abrangência e velocidade, provocam a busca constante de legitimidade, que necessariamente implicam o enfrentamento da dimensão ética. Apesar da convicção de todos sobre o papel da escola como encorajadora do aluno no seu despertar e tornar-se autônomo, no verificar as fronteiras e profundidades do próprio Eu, no procurar o significado da vida e da sociedade, no testar os limites da consciência humana em relação ao universo do qual faz parte, os resultados da ação escolar não têm sido julgados satisfatórios. Os conhecimentos, que são sistematizados nos conteúdos curriculares, revelam freqüentemente seu comprometimento com um saber fragmentado. O desafio do momento é, portanto, pensar a Educação de modo que o homem seja capaz tanto de aprender e assimilar o mundo complexo em que vive, quanto de desenvolver condições de transformá-lo, ao invés de reproduzi-lo. Uma educação que tenha compromisso com o desenvolvimento do próprio homem e de suas potencialidades, tornando-o capaz de transformar informação em conhecimento, conhecimento em sabedoria, sabedoria em arte de viver, de amar, de conviver, de trabalhar, de interrogar o mundo e de tornar-se, cada vez mais, um ser integral. Nesse contexto, a Educação Profissional deve qualificar o trabalhador competente e o cidadão participativo, consciente da dinâmica da produção, não de uma peça ou de um produto, mas de todo o processo produtivo. Portanto, é necessário incorporar à formação desse profissional princípios que valorizem o aprender, a capacidade de decisão e de iniciativa, a cooperação, a autonomia e a responsabilidade, a criatividade e a participação. Exigências essas que levam à necessidade de rever os conteúdos curriculares e as metodologias, tanto na educação geral, 128 quanto na formação especial – como é o caso do Projeto Pescar -, integrando-as na busca da formação global do homem. Esta “nova” perspectiva, apontada pelo mundo do trabalho, sempre nos causou e nos causa certas inquietações. A principal delas é a de como possibilitar a jovens de baixa renda, com atrasos significativos em seu processo de aprendizagem, as competências requeridas como garantia de um lugar no processo produtivo. O fato apontado nos motivou ao aprofundamento de nossos estudos na área da psicologia cognitiva, a fim de buscarmos metodologias que pudessem auxiliar professores e/ou formadores a desenvolverem as competências atuais requeridas em seus alunos. Buscamos, portanto, por fontes teóricas que evidenciassem a existência de programas de desenvolvimento das competências cognitivas das pessoas, como é o caso do que propõe o Programa de Enriquecimento Instrumental de Reuven Feuerstein. A partir dessa constatação, questionamo-nos se a mediação desse programa a um grupo de jovens integrados a um projeto de qualificação profissional básica possibilitaria uma modificabilidade. No capítulo I, buscamos entender por intermédio da revisão da literatura alguns contornos teóricos da psicologia cognitiva, implícitos na abordagem de Feuerstein, e explicitados pelos autores apontados. Apesar de Feuerstein ter superado o Comportamentismo (sua atenção está concentrada na entrada e na saída, no estímulo e na resposta e na relação das contingências do meio ambiente considerada na conduta da pessoa) permanecem elementos do modelo (E-R) apenas na forma gráfica de colocá-lo, pois fala-se em busca, em entrada de informações e numa posterior resposta. Seus postulados aproximam-se muito mais da teoria do processamento da informação do que do comportamentismo. Da teoria piagetiana (avançando com uma teoria integrativa, defendendo um fator biológico no desenvolvimento cognitivo, embora sem evocar bases genéticas ou neuroevolutivas, Piaget recorre a um método clínico subjetivo, não padronizado e sem controle e assume um corpo teórico volumoso com ênfase no raciocínio e na abstração, reforçando em síntese a capacidade racional da inteligência. Com sua teoria de emergência 129 gradual das inteligências: sensório-motora, pré-operacional, operacional e formal, de construção qualificativa e complexidade crescente, resultantes da dinâmica dos processos cognitivos e básicos de assimilação-acomodação, Piaget sustenta que a cognição é um processo adaptativo contínuo baseado num desenvolvimento preexistente) encontramos a mesma preocupação em Feuerstein em analisar os processos de construção do pensamento e extrair, daí, implicações de natureza teórica qualitativa. Os postulados piagetianos sobre a maneira como o sujeito vai construindo os seus conhecimentos, embora sejam muito gerais, repercutem claramente na maneira de entender as aprendizagens escolares. Centram a atenção sobre a natureza construtiva e ativa do conhecimento e outorgam ao aprendiz um protagonismo central na aquisição de novos conhecimentos. Oferecem uma imagem interativa do processo de aprendizagem, que, segundo Piaget, desenvolve-se na interação do aluno e o mundo que o envolve. Piaget faz-nos ver que aquilo que o aluno aprende depende, sobretudo, dos esquemas que construiu e da maneira de organizá-los; esquemas que lhe servem de marcos assimiladores para adquirir novos conhecimentos. Os postulados de Piaget, porém, também nos dão a idéia de um processo de aprendizagem espontâneo e solitário: o aluno o aprende sozinho e de maneira natural mediante as ações que desenvolve com os objetos. Entendemos que, apesar de não explicitada, nos parece ser essa, também, a preocupação de Feuerstein (ele chega a utilizar alguns pressupostos teóricos, como a noção de assimilação-acomodação, o entendimento de desequilíbrio cognitivo como desafiador, modelo de interação com envolvimento na forma – E - O - R ), uma vez que, por influência de Vygotski, avança no modelo piagetiano; introduzindo a figura de um mediatizador humano (H), afetivo, diligente, conhecedor e competente para mediatizar tal interação, o que constitui o cerne de sua teoria, isto é, a Experiência de Aprendizagem Mediada (E - H - O - H - R). Da teoria sociocultural da aprendizagem de Vygotski, vimos que o desenvolvimento humano é um processo mediado por instrumentos de tipo simbólico e representacional, realizado em situações de interação social. A participação em atividades com pessoas mais experientes é o que permite aos pequenos apropriarem-se dos conteúdos culturais e progredirem na elaboração interna das capacidades humanas superiores (atenção voluntária, pensamento, fala). Dessa forma, atribui importância ao envolvimento dos alunos em atividades educativas planejadas para que, apropriando-se dos conteúdos culturais, eles 130 façam seus os processos de representação simbólica e cheguem a dominá-los de maneira controlada e experiente (processos inter e intrapsicológicos). Essa concepção permite afirmar que os conteúdos da educação formal são inseparáveis da atividade dos professores e da dos companheiros, de maneira que a utilização progressiva de instrumentos e recursos de mediação e representação cada vez mais complexos está estreitamente vinculada com o desenvolvimento e a aprendizagem de habilidades de mediação social (falar, apresentar idéias, entender, demandar ajuda, argumentar, captar os objetivos propostos na tarefa, organizar planos de ação e de auto-regulação próprios do processo e do processo conjunto). Do domínio externo dos instrumentos progride-se ao domínio interno e consciente (processo de internalização), assegurando o controle do próprio processo e o da construção de conhecimentos compartilhados. As aprendizagens específicas de natureza cultural e social e o caráter mediador dos processos educativos são a causa e motor do desenvolvimento. Percebe-se, portanto, várias aproximações aos pressupostos teóricos de Feuerstein. Um ponto a ser questionado, na confluência das orientações teóricas piagetiana e vygotskiana em Feuerstein, consiste em como se dá a conjugação epistemológica de ambas as teorias, e até mesmo se tal confluência é possível. Em Piaget predomina o sujeito epistemológico universal que constrói suas estruturas intelectuais por meio de processos contínuos de auto-regulação. Já, em Vygotski, sobressaem-se as relações culturais de mediação das estruturas psicológicas: o fator decisivo do desenvolvimento não recai sobre o indivíduo, sujeito dos processos de construção intelectual, mas sobre os processos de mediação das estruturas cognitivas e lingüísticas. A teoria de Vygotski não enfatiza apenas a ação do sujeito epistemológico autônomo, mas precipuamente a mediação cultural, ou a ação dos outros sujeitos na construção psicológica individual. Feuerstein parece se apropriar da ênfase vygotskiana da mediação cultural dos processos psicológicos, ou seja, enfatiza epistemologicamente a necessidade e importância da ação mediada dos processos de construção intelectual da criança. A criança é auto-suficiente na regulação dos processos de desenvolvimento cognitivo, contudo tal autonomia carece, para sua solidificação e estruturação, das vivências sociointerativas. Assim, o desenvolvimento cognitivo da criança depende principalmente das experiências de aprendizagem mediada, propiciadas por pessoas próximas, com o objetivo 131 de criar zonas de desenvolvimento proximal (este também é um conceito extremamente importante em Feuerstein, pois é na zona de desenvolvimento proximal que a mediação dos instrumentos do PEI deve acontecer). Numa lógica de proporção, quanto mais a criança usufruir, em seu desenvolvimento, do auxílio cognitivo direto e intencionado de outras pessoas, mais seguramente apresentará um desenvolvimento cognitivo normal. Inversamente, a não intermediação humana no processo de aprendizagem da criança acarretará defasagens cognitivas acumuladas, que implicarão o surgimento de problemas no seu funcionamento cognitivo-intelectual posterior. Por isso, Feuerstein pressupõe que uma das causas fundamentais dos problemas de aprendizagem reside nas condições de interação social (interpessoal) do indivíduo. O modelo de Feuerstein busca compreender as dificuldades no processo de raciocínio do ser humano, encontrando subsídios para a explicação das dificuldades de aprendizagem. Para se ter uma idéia das implicações educacionais práticas, sua teoria define a dificuldade escolar como um sintoma, um sinal que denuncia uma aprendizagem mediada ineficaz e a presença circunstancial de funções cognitivas deficientes que emperram a aquisição adequada de novos conteúdos por meio da construção do conhecimento. Portanto, como sintoma da falta ou de uma ineficaz aprendizagem mediada, a presença de funções cognitivas deficientes compromete a aprendizagem. O conceito da privação cultural, como vimos, empregado para designar a ausência da mediação cognitivo-cultural da geração adulta para a que se segue, é utilizado não em sua possível conotação social, econômica ou até mesmo cultural, mas no sentido estrito da não intermediação adulta nos processos de aprendizagem da criança. É relevante que entendamos que a base material, filosófica, histórica, sob a qual as teorias são construídas, acabam refletidas nas posturas de seus criadores. Portanto, apesar de quando se refere aos critérios de mediação Feuerstein chamar a atenção para a importância de se levar em consideração alguns fatores culturais, sua preocupação pára por aí. A mediação proposta por Feuerstein não prevê o trabalho com o caráter ideológico dos signos, na perspectiva que nos aponta Bakthin, e consequentemente da própria linguagem. Como os instrumentos não trabalham conteúdos específicos, mas, sim, funções cognitivas e operações mentais, não podemos dizer que o caráter ideológico dos mesmos 132 também não foram previstos, mas o conteúdo que eles despertam, dependendo da situação e da intenção do mediador, podem levar, ou não, a se perder de vista o caráter ideológico da mediação. No capítulo II, tratamos do Programa de Enriquecimento Instrumental de Reuven Feuerstein, que se fundamenta na Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural e na Experiência de Aprendizagem Mediada, nos seus aspectos teóricos e metodológicos. Conforme pôde-se constatar no trabalho teórico de Feuerstein, seu pensamento fundamenta-se precipuamente no conceito da Experiência de Aprendizagem Mediada. Segundo a concepção do autor, os fatores de inibição ou de fomento do desenvolvimento cognitivo infantil dependem do nível qualitativo de mediação oportunizado por pessoas significativas. Caso outras variáveis, tais como as condições emocionais, a situação econômica da família e eventuais privações orgânicas sejam consideradas como fatores de influência da aprendizagem, estas são levadas em conta muito mais como elementos facilitadores ou dificultadores dos processos mediados da aprendizagem. Tal é a importância do significado da mediação em sua obra que ele destaca a existência de critérios fundamentais para a mediação. Feuerstein identificou, como vimos, dez critérios: mediação de intencionalidade e reciprocidade, mediação de transcendência, mediação do significado (estes primeiros considerados como fundamentais e suficientes para uma interação ser considerada mediação), mediação do sentimento de competência, mediação da regulação e do controle do comportamento, mediação do comportamento compartilhado, mediação da diferenciação individual e psicológica, mediação do desafio: a procura por novidade e complexidade, mediação da conscientização do ser humano como sendo uma entidade em mudança. No Capítulo III, tratamos dos procedimentos metodológicos do estudo em questão, salientando que optamos pela pesquisa de tipo qualitativa em sua abordagem interpretativa; trabalhamos com uma amostra intencional com critérios pré-estabelecidos de seleção e utilizamos para coleta de dados a aplicação de quatro instrumentos do PEI e como técnica, a observação pouco ou não estruturada na forma de observação participante. Segundo Feuerstein (1991), a aplicação ideal dos 14 instrumentos do PEI deve decorrer durante três anos, na base de três a cinco horas semanais, alternadas com os 133 conteúdos curriculares e com a experiência cotidiana, para que se verifiquem efeitos cognitivos significativos. Neste estudo, na aplicação mediada do PEI, foram utilizados somente os quatro instrumentos anteriormente descritos, durante um período aproximado de quatro meses, à base de duas horas semanais, completando uma carga aproximada de 42 horas de intervenção, devido aos objetivos apontados na introdução deste trabalho e pelas próprias características da organização curricular do Projeto Pescar. A metodologia das sessões seguiu criteriosamente os planos didáticos de cada instrumento e seus respectivos planos de sessão prescritos pelo autor, pondo em prática a maioria das estratégias de aprendizagem mediatizada, por nós vivenciadas nos dois níveis de formação. A partir da aplicação do Programa de Enriquecimento Instrumental pudemos fazer algumas constatações. Optamos por descrever algumas situações pertinentes, da mesma maneira que optamos no capítulo anterior por levantar alguns exemplos que corroborassem, ou não, com os objetivos deste estudo e sua fundamentação teórica. Em alguns alunos pudemos observar algumas dificuldades ou de recepção, ou de integração, ou de elaboração e expressão da informação. A maioria por apresentar um comportamento impulsivo e pelo espírito de competitividade que o instrumento Organização de Pontos despertou a princípio. No decorrer do trabalho com o instrumento, à medida com que se familiarizavam com a metodologia e com o próprio instrumento, a competitividade foi deixando de existir. Como critério de mediação, investimos no Sentimento de Compartilhamento nos quatro instrumentos, principalmente pela característica adolescente do espírito de "gozação", de menosprezar o trabalho do outro e dos rótulos utilizados, como: “burro”, “incompetente”. A todo momento buscávamos que os alunos, errando ou acertando, explicassem aos demais a maneira como chegaram à resposta, que caminhos buscaram e que explicassem o seu erro. Mediávamos, sempre que houvesse a oportunidade, a importância de pensarmos sobre como pensamos. Ou seja, buscávamos, segundo vimos em Vygotski, o processo de interiorização do comportamento, primeiro mediando o problema (processo interpsicológico), depois com a resolução individual (processo intrapsicológico), em seguida, discutindo as várias maneiras encontradas de solucioná-lo (processo interpsicológico). 134 Ao mediar o sentimento de compartilhamento e o sentimento de pertencimento (não esquecendo que sempre a mediação da intencionalidade e reciprocidade, do significado e da transcendência sempre estiveram presentes), observamos que no decorrer do processo houve uma expansão das funções de comunicação e de interação social. Os alunos mais introvertidos (aluno 11 e 15) mostraram-se bastante resistentes. Se observarmos, o aluno 11 tem 14 anos e encontra-se na sexta série, o aluno 15 tem 16 anos e encontra-se na quinta série. Na grande maioria dos problemas a serem resolvidos, de alguma maneira manifestavam, muito pouco verbalmente, mais corporalmente, o sentimento de incompetência. Com esses alunos, aos poucos fomos fazendo um trabalho de mediação correlato do sentimento de competência e quando havia a oportunidade e o clima propício no grupo (o próprio grupo não dava importância a eles, tratando-os como os lanterninhas) procurávamos expô-los no sentido de mostrar que suas contribuições também eram importantes. A teoria de Feuerstein não aponta para a leitura corporal, para os indícios não explícitos do comportamento do aluno e como mediá-los. Para um mediador com pouca experiência esses dados passariam despercebidos (como muitas vezes acontece em sala de aula quando o professor é cego para esse tipo de leitura). Ainda com o aluno 11, observamos diversas disfunções cognitivas, como demonstraram os exemplos levantados no capítulo anterior. Salientamos que um dos principais objetivos do PEI é desenvolver o pensamento abstrato; portanto, ele não prevê o tipo de mediação que realizamos, ou seja, desenvolver um outro tipo de material concreto ou outra situação concreta. Este aluno em particular, se buscarmos em Piaget, não elaborou algumas funções importantes, como: constância do objeto e rotação do objeto no espaço; ele possui dificuldades em acomodar (no sentido piagetiano) novas situações, ou seja ele só assimila (só percebe as semelhanças, possui extrema dificuldade em perceber as diferenças), possui dificuldades em discriminar signos. Com esse aluno em particular, trabalhamos pelo menos meia hora a mais por encontro, pois como vimos na revisão de literatura, Vygotski trabalha explícita e constantemente com a idéia de reconstrução, reelaboração, por parte do indivíduo, dos significados que lhe são transmitidos pelo grupo cultural e da possibilidade de resignificação. O processo de significação representa a totalidade das modificações resultantes de um determinado comportamento para o agente e para o seu parceiro de interação e que são internalizadas dando um sentido às coisas 135 (Brunner & Zeltner, 1994). O processo de significação é o princípio energético da experiência de aprendizagem mediada e permite ao indivíduo entender porque é importante aquilo que faz. Chega por esse processo a saber o que é, por quê e para quê daquilo que está fazendo. Resignificar, portanto, é a possibilidade de poder significar de novo, podendo levar a novos significado (Tébar, In Rubinstein, 1995). Para Piaget, seria muito difícil reconstruir algumas dessas funções. A reconstrução, por meio da concretização, foi bastante pertinente neste caso, sendo que primeiramente buscamos evidenciar a capacidade de o aluno representar mentalmente, por intermédio de situações simples como desenhar uma figura geométrica, como um quadrado. Sempre que a atividade permitia, solicitávamos que ele fechasse os olhos e repetisse mentalmente o que tinha acabado de fazer concretamente e que, de alguma maneira, tentasse representar de outra forma a situação concreta. Esse trabalho foi realizado durante as 42 horas em que o estudo ocorreu. Percebemos que, mais ao final do programa, ele conseguia resolver os problemas com maior desenvoltura e autoconfiança. Os professores do curso também observaram melhoras nas atividades realizadas pelo aluno. Outra característica do programa é a maximização da transferência e da generalização, ou seja, pela mediação da transcendência, sempre que possível as dificuldades levantadas pelos alunos, as descobertas, eram trabalhadas na forma de princípios (por exemplo, com perguntas como: em que situação do dia-a-dia nos deparamos com a mesma dificuldade? Como podemos utilizar esta descoberta para resolver outros problemas parecidos?). Em conversa com os professores do curso, estes relataram que a partir de determinado momento (por nós identificado como o início da aplicação do terceiro instrumento) os alunos, apesar de demonstrarem maior interesse em querer saber o porquê e o para quê de determinadas tarefa, não conseguiam estabelecer a relação entre determinadas atividades realizadas na mediação dos instrumentos do PEI e os conteúdos específicos desenvolvidos no curso. Cabe aqui lembrar que o foco da seleção dos instrumentos, e consequentemente a maneira como o trabalho foi encaminhado, estava voltado para as habilidades básicas indispensáveis ao perfil do profissional que se queria formar e não relacionado aos conteúdos programáticos do curso, ou a sua estruturação curricular. 136 Fundamental foi perceber o quanto o trabalho realizado mexeu com a auto-estima das pessoas, reforçando a teoria de Feuerstein de que é a “mediatização que transmite a auto-avaliação que o indivíduo faz da sua ação, o acesso ao sucesso e ao ‘ser capaz de fazer’ é essencial à sua auto-estima e autoconfiança. Escolher as tarefas que estão ao nível de acomodação do mediatizado é um ponto de partida fundamental para produzir modificabilidade cognitiva” (Fonseca, 1998, p. 72). As análises feitas a partir deste estudo fornecem-nos algumas evidências de que a pessoa está aberta à modificabilidade. Pudemos evidenciar algumas mudanças de comportamento dos alunos, como: diminuição da impulsividade, comportamento mais reflexivo, preocupação na utilização de termos corretos para se expressar, respeito ao colega, negociação do significado das palavras, busca compartilhada de estratégia para a resolução de problemas. Tais comportamentos evidenciam que houve mudança comportamental e afetiva, pois estas foram observadas; porém, com relação à cognição podemos apenas inferir uma mudança, uma vez que o aluno 11, por exemplo, foi capaz de resolver, após o trabalho de mediação “especial”, os problemas propostos com sucesso, sendo que este fato não nos garante que sua capacidade cognitiva modificou-se estruturalmente. Falamos aqui em mudança e não em modificabilidade. Se buscarmos o conceito de modificabilidade: “(...) não se trata de modificação ou de uma mudança que ocorre como resultado dos processos circunstanciais e acidentais do desenvolvimento e de maturação, mas, sim, de modificabilidade, entendida como modificação estrutural no funcionamento do indivíduo (...) trata-se, portanto, de uma mutabilidade significativa, sólida e durável (Fonseca, 1998, p. 43)”, não podemos garantir que a modificabilidade realmente aconteceu pelo curto período de tempo de aplicação dos instrumentos e por não acompanharmos os alunos do Projeto, após seu término, para poder verificar a profundidade e a durabilidade das mudanças observadas. Entretanto, constatamos em vários momentos que o trabalho metacognitivo é possível. Fazer com que o aluno pense, reflita sobre o seu pensamento, que evidencie verbalmente como chegou a tais resultados é possível por meio da mediação adequada. Büchel (In Beyer, 1996) comenta que as premissas teóricas de Feuerstein não apresentam uma concepção absolutamente nova. Para Büchel, "a teoria da aprendizagem mediada faz uma síntese convincente de outras teorias. Com certeza, além dessa síntese 137 algumas novas ênfases são elaboradas. Isto vale especialmente na ênfase conseqüente nos aspectos operacionais e metacognitivos da intervenção em contraposição à ênfase no produto (p. 193)". Entendemos que a contribuição de Feuerstein foi a de ter sistematizado, de maneira significativa, os critérios de mediação para a aplicação dos instrumentos do PEI. Os instrumentos por si só, podem ser vistos, por algumas pessoas, como simples exercícios de siga o modelo ou, obedeça às instruções. O diferencial está na mediação do processo, na consciência, na clareza que o mediatizador deve ter de aonde se quer chegar com aquela situação problema apresentada ao mediatizado. Nesse sentido, a estruturação do mapa cognitivo, que representa o planejamento de cada unidade, possibilita tal consciência e clareza. O fato acima indica uma das respostas ao questionamento feito na introdução desse estudo de como auxiliar o professor a buscar estratégias para desenvolver o potencial cognitivo de seus alunos, ou seja, estabelecer critérios de mediação adequados e ter a clareza de que o seu planejamento de ensino deve envolver não só o conteúdo a ser trabalhado mas, também, quais operações mentais e funções cognitivas estarão em jogo para a compreensão dos conteúdos é fundamental. Portanto, podemos afirmar que a mediação do Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) em um grupo de jovens integrados a um projeto de qualificação profissional básica, por um período limitado de tempo, possibilitou mudanças afetivas e comportamentais observáveis Em relação a modificabilidade cognitiva estrutural, os resultados desse estudo não puderam evidencia-la, apenas nos levaram a inferir a possibilidade de mudança cognitiva. LIMITAÇÕES E SUGESTÕES PARA FUTURAS PESQUISAS As limitações percebidas no decorrer do estudo estão ligadas ao fato apontado de que a aplicação do programa foi planejada segundo as habilidades básicas do perfil do profissional que se queria formar. Não foi levado em consideração que se poderia fazer um 138 planejamento envolvendo, também, as disciplinas que fazem parte do curso. O que ocasionou, de certa maneira, uma não compreensão da relação do programa com os conteúdos das disciplinas, apesar da mediação da transcendência e do significado. O fato de os professores não terem sido trabalhados em relação à metodologia do programa causou certa confusão na atitude dos alunos e dos professores, pois, como citado anteriormente, os alunos passaram a querer entender o porquê dos processos ensinados, exigindo dos professores uma mediação que eles não estavam prontos para realizar. Um fator limitante diz respeito à escassa bibliografia encontrada no Brasil sobre Reuven Feuerstein e o Programa de Enriquecimento Instrumental. Se foi possível o aprofundamento teórico deveu-se à possibilidade de poder participar dos dois níveis de formação em que grande parte dos conceitos teóricos foram construídos. Ressaltando, também, que os estudos existentes estão relacionados à clínica psicopedagógica, portanto, faz-se necessária sua aplicação em outras populações Sugerimos, a partir destas limitações, que se elabore uma metodologia de ensino que leve em consideração os processos cognitivos, ou seja, que o conteúdo não seja o único determinante no planejamento de uma atividade de ensino, mas também que passemos a pensar em quais funções cognitivas e operações mentais queremos construir com os conteúdos escolares planejados. Sugerimos a criação de um currículo diferenciado para o curso de formação em questão, em que se pudesse trabalhar o Programa de Enriquecimento Instrumental dentro do que se chamaria de desenvolvimento de Habilidades Básicas. Entendemos que a contribuição de Feuerstein para a compreensão do processo de mediação é bastante significativo, principalmente por concretizá-lo por meio de critérios. Seria relevante o estudo do papel da mediação, na visão do autor, na interface homem computador, uma vez que adota alguns conceitos da teoria do processamento da informação. Por último, e não menos importante, percebemos que Feuerstein, apesar de considerar a importância do processo comunicativo, não trabalha a visão Bakhitiniana de linguagem e comunicação que fizemos questão de ressaltar, quando no capítulo 2 trabalhamos a mediação sócio-histórica em Vygotski. Seria pertinente investigar os 139 processos históricos da construção dos signos e como eles são interiorizados pelas pessoas, são lidos e interpretados por meio da experiência de aprendizagem mediada. 140 ANEXO 1 MAPA COGNITIVO 141 PROGRAMAÇÃO DA UNIDADE-PÁGINA - P.E.I. Instrumento:__________________ Unidade:________ Pg._____ CRITÉRIOS DE MEDIAÇÃO: _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 1. OBJETIVO GERAL DA UNIDADE: _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS DE CADA PÁGINA: _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 3. NOVIDADES DA UNIDADE-PÁGINA: _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 4. VOCABULÁRIO-CONCEITOS: _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 5. 6. ANÁLISE SEGUNDO O MAPA COGNITIVO: a) Tema: ______________________________________________________________ b) Modalidade: _________________________________________________________ c) Operações mentais: 01020304050607- Identificação Comparação Análise Síntese Classificação Codificação Decodificação 080910111213- Projeção de relações virtuais Diferenciação Representação mental Transformação mental Raciocínio divergente Raciocínio hipotético 141516171819- Raciocínio transitivo Raciocínio analógico Raciocínio progressivo Raciocínio lógico Raciocínio silogístico Raciocínio inferencial 142 d) Funções cognitivas deficientes: Fase de input (entrada) 01- Percepção confusa. 02- Comportamento exploratório impulsivo. 03- Falta de instrumentos verbais. 04- Orientação espacial deficiente. 05- Orientação temporal deficiente 06- Deficiência na constância e permanência do objeto. 07- Deficiência na precisão e exatidão no resgate da dados 08- Dificuldade para considerar duas ou mais fontes de informação. Fase de elaboração 01- Dificuldade ao perceber um problema e defini-lo. 02- Dificuldade em distinguir dados relevantes de irrelevantes. 03- Carência de conduta comparativa. 04- Campo mental limitado. 05- Percepção episódica da realidade. 06- Carência de raciocínio lógico. 07- Carência de interiorização do próprio comportamento. 08- Restrição no pensamento hipotético inferencial. 09- Carência de estratégias para verificar hipóteses. 10- Dificuldade na planificação da conduta. 11- Dificuldade na elaboração de categorias cognitivas. 12- Dificuldade para a conduta somativa. 13- Dificuldade para estabelecer relações virtuais Fase de output (resposta) 01- Comunicação egocêntrica. 02- Dificuldade para projetar relações virtuais. 03- Bloqueio na comunicação de respostas. 04- Respostas por ensaio e erro. 05- Carência de instrumentos verbais adequados. 06- Carência de necessidade de precisão e exatidão para comunicar as respostas. 07- Deficiência no transporte visual. 08- Conduta impulsiva. e) Nível de complexidade: f) Nível de abstração: g) Nível de eficácia: DIFICULDADES PREVISTAS: _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 7. ESTRATÉGIAS: _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 8. DESENVOLVIMENTO DO INSIGHT: a) Princípio, conclusão, generalização: 1._____________________________________________________________________ 2._____________________________________________________________________ 3._____________________________________________________________________ 4._____________________________________________________________________ 9. b) Aplicação a matérias de estudo: _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 143 c) Aplicação ao mundo do trabalho: _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ d) Aplicação a vida diária: _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ ANOTAÇÕES: Do grupo em geral: _________________________________________________________ _________________________________________________________________________ Análise das situações de acerto: _______________________________________________ _________________________________________________________________________ As maiores dificuldades: _____________________________________________________ _________________________________________________________________________ O processo de mediação da página: ____________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ Alunos em particular: _______________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 144 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAKTIN, M. 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