PIERRE BOURDIEU: PARA PENSAR A SOCIEDADE

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PIERRE BOURDIEU: PARA PENSAR A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
Prof. Fábio Pendiuk
O CONCEITO DE HABITUS
O conceito de habitus foi desenvolvido pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu com
o objetivo de pôr fim à antinomia indivíduo/sociedade dentro da sociologia estruturalista.
Relaciona-se à capacidade de uma determinada estrutura social ser incorporada pelos
agentes por meio de disposições para sentir, pensar e agir.
Segundo Bourdieu, os habitus individuais são constituídos por sistemas de
disposição (localização no campo ou entre campos) produzidos por diferentes trajetórias
sociais em espaços distintos como a família, a escola, o trabalho, os grupos de amigos e a
cultura de massa, através do condicionamento e coerção do corpo.
O conceito de campo utilizado por Bourdieu se define como o espaço social
estruturado pelo conjunto de ações, representações e interações sociais enfrentadas pelo
sujeito, ou seja, pelo conjunto de relações entre sujeitos e instituições em permanente luta
pelo poder, seja ele manifestado nas relações da vida econômica, política ou cultural. Em
outras palavras, o campo é a estrutura objetiva que define as condições de produção do
habitus.
O conceito de habitus apresentado por Bourdieu é um instrumento que auxilia
pensar as relações de afinidades entre o comportamento dos agentes e as estruturas sociais e
seus condicionamentos. Trata-se de um sistema engendrado no passado que orienta a ação
no presente, ou seja, um sistema de disposições incorporadas (duráveis e transponíveis) que,
integrando todas as experiências passadas, funciona como uma matriz de percepções,
aspirações e ações. Pensar a relação entre indivíduo e sociedade com base no habitus
implica afirmar que o individual, o pessoal e o subjetivo são simultaneamente sociais e
coletivamente orquestrados.
A QUESTÃO DA JUSTIFICAÇÃO
Conforme Bourdieu, o indivíduo quando incerto a respeito de seu futuro, está
também incerto sobre o que ele é, sobre sua “identidade”. Destituído do poder de dar
sentido à sua vida, de dar significado à sua existência, ele está condenado a viver num
tempo orientado pelos outros, alienado. É este o destino de todos os dominados, obrigados a
esperar tudo dos outros que detêm o poder sobre o jogo e sobre a esperança de ganhos que
este pode proporcionar. Para o autor, o que move este jogo é justamente a razão de ser, da
justificação de uma existência particular. Desta forma, através do investimento num jogo e
do reconhecimento que traz a competição, o mundo social oferece aos humanos uma
justificativa para existir.
O autor ressalta, ainda, que o homem, sabendo-se mortal, ou seja, condenado à
morte, é um ser sem razão de ser, que necessita de justificação, de legitimidade, de
reconhecimento. Se compreende, assim, o poder quase divino do mundo social de arrancar
o homem dessa indeterminação.
O CAPITAL SIMBÓLICO
Segundo Bourdieu, o mundo social proporciona reconhecimento através dos jogos
sociais. Ser esperado, solicitado, ter obrigações e compromissos não tem apenas o
significado de ser arrancado da insignificância, mas também de experimentar o sentimento
de ser importante para os outros, logo para si mesmo, e encontrar uma espécie de
justificativa para existir. Para o autor, o fato de serem dotados de uma identidade social
protege os agentes do questionamento do sentido de sua existência, evitando assim o
sofrimento e até mesmo o suicídio. Desta forma, o mundo social oferece o que há de mais
raro, o reconhecimento, a consideração, ou seja, a razão de ser, dando sentido à vida.
De acordo com o autor, de todas as distribuições, a mais desigual e cruel é a
repartição do capital simbólico, ou seja, da importância social e das razões de viver. Um
exemplo disso são os cuidados e tratos prestados pelas instituições e agentes hospitalares
aos moribundos, proporcionais à sua importância social, ainda que de maneira mais
inconsciente do que consciente.
Para o autor, os ritos de instituição, destinados a justificar o ser consagrado a ser o
que é, declaram publicamente que ele é mesmo quem pretende ser, ou seja, que está
legitimado para ser o que pretende e qualificado para assumir sua função. Esses ritos apenas
tranqüilizam o indivíduo sobre sua existência, enquanto membro de pleno direito do grupo,
e asseguram ao grupo sua própria existência como grupo consagrado e capaz de consagrar e
reproduzir nomes, títulos e honrarias. Estes atos de nomeação, desde os mais triviais, como
a concessão de uma carteira de identidade, até os mais solenes, que consagram as nobrezas,
levam às estruturas de maior poder, como o Estado ou a religião, que consagram os atos de
autoridade capazes de atestar e legitimar a validez de nossa existência social.
UMA EXPERIÊNCIA SOCIAL: HOMENS SEM FUTURO
Segundo Bourdieu, costuma-se esquecer as condições econômicas e sociais que
tornam possíveis a ordem ordinária das práticas. Conforme o autor, o aniquilamento das
oportunidades em uma situação de crise, como no caso dos subproletários, dos
desempregados ou daqueles que se encontram em situações críticas de marginalização,
acarreta na desorganização da conduta por força do desmoronamento das perspectivas de
futuro.
Conforme o autor, as condutas desordenadas desses homens sem futuro comprovam
que a disposição estratégica não consegue se constituir quando a referência prática é tomada
como um porvir, por vezes remoto. A ambição de dominar o futuro depende do poder
efetivo de dominá-lo, ou seja, da possibilidade da prática ou da proximidade da experiência.
Privados do universo objetivo das exigências e urgências que estimulam a ação e toda a
vida social, aqueles que passam um longo período em situação de marginalidade, como os
desempregados durante as grandes depressões econômicas, passam a viver o tempo livre
como tempo morto, esvaziado de qualquer sentido e sem projetos conscientes. Excluídos do
jogo, esses homens destituídos da ilusão vital de ter uma função ou uma missão podem
recorrer a atividades que o levam a se desligar do tempo de uma vida sem justificativa
(jogos de azar, por exemplo), reintroduzindo, por um momento, a expectativa. Podem
também, no caso dos mais jovens, buscar nos atos de violência ou jogos de morte com
carros e motos um meio de existir perante os outros e ser reconhecido socialmente,
geralmente sob a justificativa da necessidade de que “algo aconteça” ao invés de nada.
Para Bourdieu, a experiência limite daqueles que estão excluídos do mundo
ordinário evidencia a questão das condições econômicas e sociais que tornam possível o
acesso à experiência do tempo como algo tão evidente a ponto de passar despercebido.
Segundo o autor, a experiência dos marginalizados faz surgir a evidência da relação entre
tempo e poder, ao mostrar que uma relação prática com o futuro depende do poder e das
oportunidades que ele descortina. Desta forma, é possível verificar que o investimento no
futuro do jogo supõe um mínimo de oportunidades no mesmo. Estas oportunidades (e
expectativas geradas) dependeriam da obtenção somada de capitais simbólicos e
econômicos do campo em questão.
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, Pierre. Campo do Poder, Campo Intelectual e Habitus de Classe. In: A
Economia das Trocas Simbólicas, pp. 183-202, São Paulo: Ed. Perspectiva, 1974.
__________. Sociologia. (Org. Renato Ortiz). São Paulo: Ática, 1983.
__________. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997
__________. Meditações Pascalianas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
__________. Esboço de auto-análise. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
PINTO, Louis. Pierre Bourdieu e a Teoria do Mundo Social. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2000.
VASCONCELOS, Maria Drosila. Pierre Bourdieu: A Herança Sociológica. Campinas:
Educação e Sociedade, Vol. 23. No.78, Abril, 2002.
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