ESTUDOS SÓCIO HISTÓRICOS E CULTURAIS DA EDUCAÇÃO AULA 02: ABORDAGENS TEÓRICAS DA EDUCAÇÃO TÓPICO 02: EDUCAÇÃO E CAPITAL Comecemos pela análise de Pierre Bourdieu, elaborada a partir da realidade francesa, no período que vai da metade dos anos sessenta ao início dos anos noventa. A França, como sabemos, é um dos países mais ricos da Europa e que consolidou mais fortemente o chamado Estado-de-bem-estar, o qual, estruturado com base nas relações capitalistas de produção, constituiu uma Fonte (HTTP://3.BP.BLOGSPOT.COM/_6L3 MH6BMNEA/SWEGRMKP06I/AAA AAAAABCU/QTAUKYBYBGM/S1600 /PIERRE_BOURDIEU.JPG) sociedade bem protegida, oferecendo bastante segurança social ao cidadão francês. Também não podemos esquecer que a França inaugurou (com a Revolução Francesa) a construção histórica da democracia burguesa, tornando-se o carro chefe do regime republicano no mundo ocidental. Em razão de tudo isso a França é, podemos dizer assim, o berço do pensamento sociológico. As pesquisas de Pierre Bourdieu medraram neste solo. Sua obra é como um corte transversal neste sistema, havendo o autor, como um excelente anatomista, identificado cada vaso, os mais recônditos, aqueles por onde a seiva passa despercebida, evidenciando suas ligações invisíveis aos grandes canais da vida. É bastante extensa a obra de Pierre Bourdieu, em vista de sua intensa atividade de pesquisa durante, praticamente, toda a segunda metade do século XX. Aqui, lançamos mão diretamente da coletânea organizada por NOGUEIRA Maria Alice CATANI Afrânio: Pierre Bourdieu – escritos de educação, Petrópolis, Vozes, 2003. Na expressão de Pierre Bourdieu trata-se de um “sistema de estratégias de reprodução” o qual pode ser definido como “sequências ordenadas e orientadas de práticas que todo grupo produz para reproduzir-se enquanto grupo”. Entre as estratégias o autor destaca as estratégias de fecundidade (limitando-se o número de filhos, realizando-se o casamento tardio ou até adotando o celibato, como formas de reduzir o total de pretendentes ao patrimônio); as estratégias sucessórias (que têm a finalidade de transmitir o patrimônio de uma geração a outra, com a menor possibilidade de degradação); as estratégias matrimoniais (realizadas para assegurar a reprodução biológica do grupo, tratando-se de evitar o “casamento desigual” e de prover a manutenção do patrimônio material e social, por meio da aliança com um grupo equivalente); as estratégias ideológicas (que visam legitimar os privilégios, naturalizando-os); as estratégias econômicas (de investimento, de acesso ao crédito etc.); as estratégias educativas (que consciente ou inconscientemente, são investimentos de longo prazo que, em geral, não são percebidas como tais pelos agentes). O “sistema de estratégias de reprodução” opera por meio de uma dinâmica de “reconversões”, ou seja, o futuro de classe é determinado pela relação entre o patrimônio (considerado em seu volume e composição) e os sistemas dos instrumentos de reprodução. Deste modo, os detentores de capital (material e simbólico), a fim de manterem sua posição na estrutura social, necessitam realizar incessantemente a conversão das espécies de capital que detêm, em outras espécies mais rentáveis e/ou mais legítimas no estado considerado dos instrumentos de reprodução. OLHANDO DE PERTO Essas “operações” são bastante comuns em nossa sociedade. Você pode perceber uma representação das mesmas nas telenovelas brasileiras. Pierre Bourdieu formulou os conceitos de “capital cultural” e “capital social” para explicar as relações sociais nas sociedades capitalistas, digamos assim, no paralelo, dos conceitos econômicos que explicam a reprodução do capital nestas sociedades. Para a economia política, o capital não é, em princípio, a coisa em si, mas a relação que institui a coisa. Melhor dizendo, o capital é o resultado de um modo específico de relação entre os homens na tarefa de produção dos bens materiais para manutenção da vida. O estranho é que, neste tipo de sociedade, a coisa é ressaltada em detrimento da relação que a constitui. Fonte (HTTP://ESCSPCHISTORIABLOG.BLOGSPOT.COM/2009_12_01_ARCHIVE.HTML) PARADA OBRIGATÓRIA Karl Marx foi o pensador que desvendou esse “mistério” ao analisar a mercadoria e observar aquela inversão, o que chamou de fetichismo da mercadoria. Tal fenômeno tem origem na alienação do trabalho como forma fundamental de relação social na sociedade do capital. Neste tipo de sociedade o trabalho é uma mercadoria e nesta condição é alienado – como, por exemplo, um carro é também alienado pela financeira. A diferença é que o cliente, um dia, quando liquidar o empréstimo, poderá vir a ser o proprietário do veículo, ao contrário do trabalhador que sempre será alienado a quem lhe compra a força de trabalho. Sua saída é desempregar-se (ou seja, recusar-se a vender sua força de trabalho) ou tornar -se, ele também, um empresário. No primeiro caso, irá para a mendicância; no segundo caso, irá alienar a força de trabalho de outros. Ou seja, no regime de capital, a saída para o indivíduo sempre se dá em nível individual, ou melhor, sob a responsabilidade particular das pessoas. Na rejeição à indigência e na impotência para se tornar mais um capitalista, o indivíduo procura qualificar-se a fim de encontrar uma melhor posição no mercado, o que traduzimos como melhorar de vida. O século XXI, talvez, esteja construindo uma alternativa a isto por meio da economia solidária. O trabalho de pesquisa de Bourdieu pretendeu desnaturalizar essa inversão, tão bem escondida no tecido social da sociedade francesa, e mais, no padrão geral da sociabilidade capitalista. Observe: CAPITAL CULTURAL O conceito de “capital cultural” foi formulado para explicar a ocorrência da desigualdade de desempenho escolar de crianças oriundas de diferentes classes sociais, relacionando o sucesso escolar, ou melhor, os benefícios específicos que as crianças das diferentes classes podem obter no mercado escolar, com a distribuição desse capital específico entre as classes ou frações de classe. O “capital cultural” se apresenta sob três formas: No estado incorporado, em que sua acumulação está ligada ao corpo (incorporação) pressupondo um trabalho de inculcação e assimilação e exigindo tempo, tempo este que deve ser investido pessoalmente pelo indivíduo receptor; ou seja, como uma espécie de “bronzeamento”, a incorporação não pode efetuar-se por procuração. No estado objetivado, sob a forma de bens culturais (quadros, livros, dicionários, instrumentos, máquinas) cuja propriedade pode ser transferida de modo instantâneo como em qualquer troca amparada pelo sistema jurídico, embora sua apropriação específica tenha de submeter-se às mesmas leis de transmissão do capital cultural em estado incorporado (assim como o bronzeamento, a alfabetização não pode ser adquirida por procuração). No estado institucionalizado, consolidando-se nos títulos e certificados escolares que, da mesma maneira que o dinheiro, guardam relativa independência em relação ao portador do título, ocorrendo, inclusive, de poderem ser adquiridos no mercado, como é o caso da compra ilícita de monografias nos cursos de pós-graduação, entre outros. O estado institucionalizado do capital cultural nos possibilita refletir sobre as funções sociais do sistema de ensino e apreender as relações que o mesmo mantém com o sistema econômico. CAPITAL SOCIAL Fonte (HTTP://DERECHO.LAGUIA2000.COM/WP-CONTENT/UPLOADS/2009/02/CAPITAL-SOCIAL.JPG) Já o conceito de “capital social” refere-se ao conjunto de recursos (atuais ou potenciais) que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas, em que os agentes se reconhecem como pares ou como vinculados a determinados grupos. Tais agentes são dotados de propriedades comuns e se encontram unidos por meio de ligações permanentes e úteis. Desta forma, o volume de capital social que um agente individual possui depende da extensão da rede de relações que pode ou consegue mobilizar, assim como do volume do capital (econômico, cultural ou simbólico) que é posse exclusiva de cada um daqueles a quem está ligado. A reprodução do “capital social” se estende ao trabalho de sociabilidade, exigindo do portador uma competência específica (conhecimento das relações genealógicas e das ligações reais, assim como da arte de utilizálas), um dispêndio de tempo e de esforços para mantê-la produzindo, além do capital propriamente econômico. Entretanto, é por meio diretamente das instituições que se dá a reprodução desse tipo de capital. Conforme Bourdieu, as instituições visam favorecer as trocas legítimas e a excluir as trocas ilegítimas, produzindo ocasiões (rallyes, cruzeiros, caçadas, saraus, recepções etc.), lugares (bairros chiques, escolas seletas, clubes etc.) e práticas (esportes de elite, jogos de sociedade, cerimônias culturais etc.) que reúnem, de maneira aparentemente fortuita, indivíduos tão homogêneos quanto possível, sob todos os aspectos pertinentes do ponto de vista da existência e pertinência do grupo. No centro da teoria de Pierre Bourdieu está a ideia de que a escola/educação permanece uma das instituições principais de manutenção dos privilégios, ressaltando o peso da instituição escolar na vida dos indivíduos, notadamente, o papel que podem ter seus veredictos nos processos de transmissão da herança familiar, e o fato de que seus efeitos de mudança nas posições e disposições dos agentes incidem poderosamente sobre a construção das identidades individuais. Para o autor, a escola segue excluindo, haja vista as novas formas de desigualdade escolar. Olhando para a França dos anos cinquenta, diz que a grande clivagem se fazia entre, de um lado, os escolarizados, e de outro, os excluídos da escola; hoje, entretanto, a escola opera a exclusão de modo menos simples, utilizando-se de um mecanismo de segregação interno ao próprio sistema educacional, o qual separa os educandos segundo o itinerário escolar, o tipo de estudos, o estabelecimento de ensino, a sala de aula, as opções curriculares, os métodos de avaliação. Para o autor, trata-se, agora, de uma exclusão branda, contínua, insensível, despercebida; ou seja, a escola prossegue excluindo, mas, hoje, ela o faz de modo bem mais dissimulado, conservando em seu interior os excluídos, postergando sua eliminação e reservando a eles os setores escolares mais desvalorizados. Responsável: Profª. Nidia Maria Barone Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual