190 APRENDER A VER O MUNDO: A FÉ PERCEPTIVA E O PAPEL DO FILÓSOFO DIANTE DESTA, SEGUNDO MERLEAU-PONTY Gustavo Luis de Moraes Cavalcante1 A fenomenologia para Merleau-Ponty é antes de tudo um método filosófico, ou seja, seu objetivo é pensar "as coisas mesmas", ou seja, por fora das coisas os pressupostos tanto científicos como práticos que temos tanto de nos mesmos como do mundo que estamos, e voltarmos a pensar as coisas como realmente as experimentamos diretamente pela percepção pré-reflexiva. Segundo o nosso filósofo as ideias/pensamentos e as coisas não podem ser separadas, pois constituem um único fenômeno, já que a consciência não tem poder de constituir o mundo, e por ser, como sabemos, sempre consciência de alguma coisa. Para Merleau-Ponty não se trata de considerar a consciência como algo puro, distanciada do mundo. Se o homem é um ser-no-mundo, a consciência tem de coexistir com esse mundo que desde sempre nos envolve. Ela(a consciência) não pode ser tratada como um espectador distanciado do mundo ou como um legislador supremo, pois é preciso reconhecê-la como uma luz em direção ao mundo ao qual ela se dirige. (Carmo, 2007, pp.23-24). Isto nós ajuda a entender o que buscava Merleau-Ponty com seus primeiros livros, a saber, mostrar uma filosofia que tivesse o espírito enraizado no corpo, ou seja, a consciência imbricada ao corpo e estes ligados ao mundo. Essa maneira de pensar alma e corpo se reflete diretamente no nosso aprendizado, o nosso aprendizado se dá no nosso dia-a-dia, no nosso cotidiano, ou melhor, na nossa vivência no mundo, no limite, na nossa existência. No aprendizado, o corpo e a consciência devem estar sempre e necessariamente ligados, um sempre dependendo do outro. Parafraseando o filósofo, um corpo sem consciência é apenas um autômato, e a consciência sem um corpo é incognoscível para nós. Portanto, o que faz Merleau-Ponty ao enraizar a alma no corpo e ao fim a consciência ao mundo é criar um ligação da consciência com o mundo da percepção. Aqui surge um ambiguidade, como é de costume na filosofia de Merleau-Ponty, entre o sujeito e objeto que é operada pelo corpo, essa relação muitas vezes ambígua é tratada 1 Mestrando em Filosofia pela UFSCar. Bolsista FAPESP. E-mail: <[email protected]>. Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 IX Edição (2013) 191 pelo filósofo não reduzindo um ao outro ou identificando um com o outro, como fazendo os ora os empiristas/realistas ora os intelectualista/idealistas. A solução do fenomenólogo é o de manter esses dois polos/termos sempre como opostos que se excluem e que ao mesmo tempo mutuamente se interpelam, mantendo assim essa ambiguidade ou circularidade. Como em Descartes há o cogito como o fundamento primeiro do conhecimento, ou no limite, de sua filosofia. Em Merleau-Ponty também o há(esse fundamento), em nosso trabalho tentamos mostrar que sempre há algo anterior ao que conhecemos reflexamente, sempre há o irrefletido, ou seja, sempre é necessário haver algo como o cogito tácito para haver um cogito reflexivo, por exemplo. Extrapolando este argumento podemos pensar que sempre há algo anterior, sempre há um fundamento para o nosso conhecimento, ou melhor, para a nossa vida. Há em Merleau-Ponty uma certeza e todos estão cientes dela, entendemos que esta certeza, em nosso filósofo, é a fé perceptiva. A saber, esta é uma crença inabalável de que percebemos o mundo, de que nele vivemos concreta e não ilusoriamente. Este é o primeiro plano de conhecimento.(...) A fé perceptiva, a vivencia silenciosa, que é a aceitação realista e ingênua do mundo, só é quebrada pela filosofia, que "não nos deixa ignorar a estranheza do mundo.(Merleau-Ponty, 1960/1991, p.31)". O dom da filosofia é, então, o de "fazer a própria experiência sair do seu obstinado silencio"(MerleauPonty, 1964/2009, p.71). Ao interrogar a nossa fé perceptiva no mundo, a filosofia introduz inquietação e dúvidas. Ela não cria outro mundo; apenas explicita uma razão que já faz parte do fenômeno sensível. A filosofia interrompe a fé perceptiva, mas não corta nosso vinculo com o mundo. (Carmo, 2007, pp.29-30). Como afirma o filósofo, o mundo é o que vemos e, contudo, precisamos aprender a vê-lo, mas aprender a vê-lo sem nos desligarmos dele. O que busca o nosso filósofo é ultrapassar esse dualismo corpo e alma, que no caso do conhecimento, seria o dualismo sentir e conhecer, mostrando que há uma interação, ou melhor, é algo mais forte que isso, há uma imbricação de um no outro. Assim no conhecimento é necessário sempre estar relacionado com o sensível, ou melhor, sempre estamos no sensível, ou seja, sempre deve haver a ligação, um contato, do sujeito que conhece com aquilo que ele busca conhecer. Segundo Merleau-Ponty todo nosso conhecimento pelo menos passou, teve inicio na percepção, afirma que nunca deixamos de viver no mundo da percepção, mesmo que esquecemos, ao passarmos para o pensamento crítico, a contribuição da percepção para o conhecimento ou busca pela verdade. Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 IX Edição (2013) 192 Assim o que propõem o filósofo é que, por ser sempre a reflexão algo a posteriori à experiência vivida, essa reflexão deve voltar-se a si mesma e pensar o préreflexivo. Haveria então para Merleau-Ponty a existência pessoal, a saber, aquela reflexiva, que pensamos a respeito do que vamos fazer e ou queremos conhecer; e a existência pré-pessoal, esta seria o papel absoluto do corpo, que já age e responde ao mundo, mas de maneiro anterior a nossa reflexão é o próprio corpo que dá sentido e significado a estes atos. Mas isto não quer dizer que algumas ações são realizadas sem o pensar, mas sim, segundo o filósofo, em nosso corpo já existe um pensamento só que latente, que escapa do pensar consciente ou reflexivo. Podemos concluir que para o fenomenólogo, contra a primeira impressão que podemos ter, não há duas espécies de conhecimento, ou seja, um inconsciente/préreflexivo e outro consciente/reflexivo, mas sim há dois graus de clarificação, de evidencia do mesmo fenômeno. A percepção não é um objeto tardio para a consciência. Ela é a forma originária e primeira do conhecimento. O percebido se transporta para uma consciência que, quando em estado de alerta, dá conta de sua manifestação. Toda percepção ocorre numa atmosfera difusa e escapa ao controle do sujeito, pois não é um ato da vontade, de decisão de uma consciência atenta, mas sim expressão de uma situação dada. (Carmo, 2007, p. 41). No limite a espontaneidade do corpo perpassa todo o mundo existente, nossos atos do cotidiano, como a fala, os gestos, etc. ocorrem de maneira espontânea sem seguir qualquer ordem reflexiva, sendo até empecilho para essas ações, em alguns momentos, o refletir. Como diz o filósofo, a corporeidade opera como uma "consciência" que não comporta controle deliberado. Em ultima analise o corpo teria como característica principal a de realizar atos que sejam exigidos de acordo com a situação, sem que seja necessário uma atitude deliberada, refletida. O corpo não age como causa separada para introduzir distorções no pensamento, mas sim produzir percepções da qual o pensamento se serve. Assim, o corpo deixa de ser considerado um receptáculo passivo das ações de um mundo de coisas ou uma barreira que isola o espírito do seu exterior. O corpo tampouco está na dependência do poder soberano da consciência; em vez disso, ele exerce um papel de mediador por excelência, já que nos põe em permanente contato com o mundo e marca a presença do mundo em nós. (Carmo, 2007, p.81). É isto que chamamos de estar no mundo e sempre estar no mundo em situação. Nossa presença no mundo se dá de maneira espontânea, nossos sentidos estão abertos as Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 IX Edição (2013) 193 diversas manifestações corporais sem que necessitemos refletir a cada momento sobre os procedimentos para então realizá-los. Esse engajamento não reflexivo, essa aceitação imediata do mundo, mostra que não há, em princípio, distinção entre pensamento e ato. Nossa consciência não pode intervir em cada movimento que ensejamos realizar. A isso Merleau-Ponty chama de "o segredo da ação expressiva". Tal ação não necessita ser tematizada.(...) Não é o espírito que orienta o corpo para o gesto de apreensão de um objeto. Somos como que atraídos ao apelo do objeto, sem termos que representar o ato a ser realizado.(...) Nosso corpo não é nem automatismo cego, nem consciência clara. Chama-se existência "esse terceiro termo que se interpõe entre o psíquico e o fisiológico.(Merleau-Ponty, 1945/2006, p.142). (Carmo, 2007, p. 86). Vale ressaltar que o corpo adquire hábitos, mas este ao contrários de um primeira impressão, não é um agir cego do corpo apos várias situações e repetições, como que por um motor próprio e só em certa condições. O hábito para Merleau-Ponty é uma "característica", "faculdade" do corpo que nos mostra que o corpo aprende, reflete, mas não sendo apenas um automatismo corpórea ou não só também uma operação da inteligência. O hábito tem uma flexibilidade que não se restringe a uma situação fixada de uma vez para sempre. Isso prova que temos uma conduta pré- reflexiva que vai agir constantemente, independentemente das "ordens" da consciência ou de uma força motriz cega atuando somente em condições específicas. Vemos que o hábito inicia uma operação que chamamos de existencial, isto é, ao mesmo tempo corporal e espiritual. Aprender, então, em seu sentido amplo, não significa apenas tornar-se capaz de repetir o mesmo gesto, mas de fornecer à situação uma resposta adaptada através de diversas maneiras. (Carmo, 2007, p.88). Ou como o próprio Merleau-Ponty diz "o hábito exprime o poder de ampliarmos nosso ser-no-mundo"(Merleau-Ponty, 1945/2006, p.168). Portanto, o hábito é um tipo de saber que surge de um esforço do corpo. É assim que o corpo pode ser dito como uma ponte que põem em contato o homem e o mundo. Portanto em Merleau-Ponty podemos identificar duas características principais do corpo, ou melhor dois sentidos para o corpo humano. O primeiro sentido é o de corpo objetivo, que seria o modo de ser do nosso corpo como sendo um objeto, uma coisa, seria o corpo animal, analisado, decomposto em elementos, em última analise, um corpo biológico. O segundo sentido Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 IX Edição (2013) 194 seria o de corpo fenomenal ou corpo próprio, que é tanto o "eu" como o "meu" corpo. Neste último sentido sou apreendido tanto como interioridade de uma exterioridade como exterioridade de uma interioridade. Este aparece para si próprio e que faz aparecer o mundo para nós. O corpo fenomenal é um corpo sujeito que possui uma estrutura metafisica tendo como qualidades o poder de expressão, de espírito, de produtividade criadora tanto de sentidos como de história. Já conhecendo o que Merleau-Ponty fala sobre o corpo, podemos então sucintamente falarmos sobre a fala, está para o filósofo é uma modalidade do corpo, assim adquire várias das características acima apontadas do corpo. A saber, a fala faz parte do mundo das experiências, ou seja, está em contato direto como o mundo, seria como que um comportamento só que em grau mais elevado. Ao falar o sujeito anima as ideias em palavras, assim como o mundo anima o corpo, o falante tem em si algo prépessoal que se revela na fala. Do mesmo modo que os nossos gestos são pré-reflexivos, a fala também tem esta característica, são as situações e os diálogos que dão o sentido das palavras e é só ao falar que fala tal ou tal palavra, mas sem mesmo pensá-las anteriormente, assim como os gestos se assim não fosse, se a cada palavra pronunciada eu tivesse que buscar seu correto significado em um dicionário, os diálogos seriam quase que impossíveis ou pelo menos impraticáveis. A língua tira seu significado de nossa experiência de mundo, de nosso envolvimento no mundo: precisamos ter contato com o mundo de uma maneira préreflexiva ou inconsciente antes de podermos começar a falar sobre ele explicitamente em linguagem. Portanto, entender significados não é primordialmente entender o que as palavras significam, mas sim o que as coisas significam, ou seja, compreender as raízes da língua no que Merleau-Ponty chama de "vida ante predicativa da consciência"(Merleau-Ponty, 1945/2006, p.XVII). (Matthews, 2011, p.30). Mas nem por isso a fala é posta com sendo exterior ao pensamento e muito menos como apenas um tipo de vestimenta do pensamento. Pensamento e fala estão em uma união bem intrincada, como que não sendo que possível dizer que há a linguagem e o pensamento, um é o desdobramento do outro e vice-versa, ou seja, "Todo pensamento vem das palavras e para elas regressa, toda palavra nasce em pensamento e nele termina"(Merleau-Ponty, 1960/1991, p.26). Como diz Merleau-Ponty, o correto seria dizermos o pensamento falante e a fala pensante. Com essas explicações sobre o corpo podemos entender o porque da importância da percepção para Merleau-Ponty, já que é Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 IX Edição (2013) 195 ela o contato com o mundo direto, um contato pré-reflexivo, e como o filósofo cria uma filosofia que quer um retorno as coisas mesmas ou as fontes do significado, é a percepção que terá o papel primordial em sua filosofia, pois é na percepção que as coisas mesmas são encontradas. A percepção é o envolvimento prático com as coisas. E só podemos dar significados as ideias abstratas se estas referem-se a nossa própria experiência direta, e este ultimo é o papel da percepção. Ou seja, antes de podermos saber algo sobre as coisas que estão no mundo, saber suas características e suas relações, temos antes de tudo, como estamos no mundo também, estarmos envolvidos com as coisas e num nível mais básico, um nível préreflexivo. Assim viver no mundo, estar no mundo vem primeiro, e saber sobre o mundo vem depois. E este mundo é onde as coisas estão, e estão em relação umas com as outras e formam assim um todo, não com um somatória ou coleção de objetos, mas sim sempre um todo onde cada parte está em relação com a outra. É neste todo, sempre em relação com os outros, que cada coisa adquire seu significado, ou seja, o mundo é o todo no qual cada parte tem um significado que advém de sua relação com o outro e com o todo e do seu papel neste mundo. Por isso, sempre temos que ter a experiência da coisa estando no mundo para depois refletir sobre o que ela é. Devemos ressaltar que este conhecimento que temos do mundo, que deve ser posterior a nossa experiência é sempre um conhecimento da nossa experiência, é um conhecimento a partir do nosso ponto de vista. Isto é importante lembrarmos, pois o nosso filósofo é um critico das ciência objetivistas que buscam um conhecimento de "nenhum lugar", algo que é impossível segundo Merleau-Ponty, sempre estamos em situação, sempre há um observador, que por mais imparcial que seja está situado em algum lugar e no tempo. Como diz Merleau-Ponty "a matéria é prenha de sua forma, o que equivale a dizer que toda percepção se dá dentro de certo horizonte e, em última análise, no mundo."(Merleau-Ponty, 1964/2009, p. 12). Assim, contra os intelectualistas/idealistas e os empiristas/realistas, Merleau-Ponty mostra que, no limite, o significado das coisas não estão nem dentro das próprias coisas e nem dentro das nossas mentes, mas sim no espaço, na relação, entre nós e o mundo. Percepção, portanto, tal como Merleau-Ponty a entende, não é receber passivamente as "representações" dadas de fora e então interpretá-las. É um contato direto com o mundo, contato que toma a forma de envolvimento ativo com as coisas a nossa volta. As coisas tem para nós o significado que tem devido ao nosso interesse nelas, o que molda o caráter de nosso envolvimento com elas.(Matthews, 2011, p.50). Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 IX Edição (2013) 196 Os significados das coisas são descobertas nos conceitos que partilhamos com os outros, conceitos este que são incorporados, corporificados na linguagem do nosso diaa-dia. Aprendemos nossa língua não ao anexar representações/significados àquilo que representam, mas sim aprendemos os significados ao fazer as coisa, aprendemos o significado de uma palavra da mesma maneira que aprendemos a utilizar um utensílio, ou seja, vendo-o ser usado em um certa situação. Assim com diz Merleau-Ponty, o aprendizado da língua não é parte apenas de nosso trato com o mundo, mas também de nossas relações com as outras pessoas. Portanto, de nada adiantaria um língua só minha, mesmo que esta conseguisse falar "a verdade" das coisas, ela não teria uma função, e no limite, podemos dizer que não seria uma língua. Assim para o filósofo não existiria um solipsismo, pois não podemos atribuir qualquer significado, por exemplo, a palavra mundo a não ser que possamos compartilhar este significado com os outros sujeitos que estão neste mundo, assim não poderia falar meu mundo, ou até mesmo de mim mesmo, se não pudesse falar das perspectivas de mundo de outros sujeitos e de outros "eus". Assim podemos dizer que a percepção em certo sentido cria o mundo percebido e em outro sentido não. O mundo que eu percebo é o "meu mundo", diferente do mundo que outro sujeito percebe. O meu mundo é um mundo significativo e os significados que tem são aqueles que eu vejo nele. Mas em outro sentido, o mundo não é o meu mundo, e os significados das coisas que estão no mundo, não são os significados que eu crio, mas são significados que encontro nestes objetos que estão no mundo. Por exemplo, a cadeira pode ter um significado para mim em certas situações, pode ser um descanso para mim após uma caminhada, pode ser onde coloco meu casaco quando chego em casa, mas sempre ela será um objeto feito para sentar, suportar certo peso, este significado já está na cadeira e não fui eu quem deu, apenas o descobri. Cabe nesta concepção de linguagem, e até mesmo do que se considera o eu, tanto uma criatividade, como as regras fixas para um linguagem útil, no sentido de ser compreendida por todos. O mesmo se dá com a "razão", ou seja, o sentido que dou as minhas ações, neste sentido se equivalendo a verdade. Pois a razão e a verdade são tidas com já constituídas e independentes dos desejos ou sentimentos de qualquer sujeito individual, assim são impessoais ou universais. Já nascemos e estamos em um mundo onde existe uma língua e critérios de racionalidade anteriores a nós, nascemos em uma sociedade e cultura já estabelecida, estas são baseadas por sua língua e por suas normas de racionalidade, assim para fazermos parte do mundo e sermos entendidos e Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 IX Edição (2013) 197 entendermos, devemos seguir estas regras que nos são dadas. Mas outra característica da língua e das regras de racionalidade é que, a língua é utilizada para comunicar significados a outros, e as normas de racionalidade são "criadas" pelos homens por meio de discussões, assim ao fim e ao cabo, tanto a língua como a racionalidade estão fundadas na experiência pessoal e sempre em modificação. Por isso, a língua e a racionalidade tem tanto um lado fixo com um lado criativo. Devemos ter em mente também, que para Merleau-Ponty o sujeito ou o eu pode ser considerado, até certo ponto, como fonte absoluta do mundo, mas ressaltando que o sujeito sempre está em uma relação bilateral com o mundo, ou seja, o sujeito só é o que é por causa de sua relação(suas situações) com os objetos do mundo( entre eles os outros sujeitos) ou com o próprio mundo; e os objetos do mundo ou o mundo é o que é somente enquanto objeto para algum sujeito. Segundo o nosso filósofo, a verdade não habita apenas o homem interior,( na verdade para Merleau-Ponty nem existe um homem interior), o homem está no mundo e apenas no mundo ele conhece a si mesmo. Isto é o ser-no-mundo. Devemos notar que por sermos no mundo, já deve existir um mundo onde podemos ter a nossas experiências, com define Merleau-Ponty, o mundo é o cenário de nossas vidas o palco preexistente no qual desempenhamos nossas vidas, incluindo nossos pensamentos. Mas daí não segue que exista um mundo "em si", totalmente independente de qualquer experiência de um sujeito perceptivo. Ser um sujeito incorporado é, portanto, ser ativo, com necessidades que motivam ações e em relação as quais elementos do ambiente ao redor adquirem significados. É ser no mundo que constitui assim, em parte, o mundo próprio: ninguém cria as coisas do mundo, no sentido de trazê-las a existência, mas são as necessidades e pensamentos que se tem sobre o mundo, enraizados na natureza do sujeito enquanto organismo biológico, que dão uma unidade de sentido a esses objetos, fazendo deles um mundo singular. Ao mesmo tempo, a corporeidade, o fato de ser incorporado significa que viver no mundo vem antes do pensamento consciente sobre o mundo: a experiência básica é préreflexiva, a reflexão diz respeito ao que é pré-reflexivamente dado. (Matthews, 2011, p.76). Algo interessante que podemos concluir disto que falamos, é que o eu de que tenho consciência na experiência é aquilo de que sou consciente ao agir, e as faculdades da "alma" só existe em ato. O eu é sempre um desenvolver-se, um constante devir, mas sempre o eu presente nos sendo cognoscível com ajuda do passado. Vale notar que este "eu" não um "eu" radicalmente privado que apenas eu teria acesso a ele, claro que Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 IX Edição (2013) 198 somente eu posso ter a experiência direta com o que eu penso, sinto, etc., mas estes são acessíveis ao outros, por diferentes meios, podendo ser percebidos pelas minha ações, pelos meus gestos, pela minha fala. Alguns podem argumentar que assim mesmo não teria como os outros saberem verdadeiramente o que passa comigo, mas para MerleauPonty isto não é um contra argumento válido, pois o mesmo ocorre comigo mesmo, pois posso também me equivocar sobre os meus pensamentos e sentimentos mais complexos, só saberei verdadeiramente o que se passou comigo após viver estes sentimentos e pensamentos e refletir sobre eles, não seria um olhar para dentro de mim mesmo, mas sim uma retrospecção, ou seja, uma reflexão, compreensão dos meus atos no passado. Isto ficou claro com o exemplo da jovem apaixonada. Para Merleau-Ponty a reflexão, que é formulado pelo cogito, é como que uma recuperação e uma recuperação pela filosofia da verdade da experiência. Assim o cogito não serve para designar o homem como um consciência ou uma subjetividade, mas sim designa o recolhimento e a elevação, pela filosofia por meio da expressão, do sentido da experiência a uma categoria de um conhecimento definitivo. O cogito tácito e o cogito falado são, alternadamente, fundamento e fundado, pois o cogito tácito funda o cogito falado, no sentido de que a linguagem pressupõe uma consciência da linguagem, um silêncio da consciência que envolve o mundo falante; e o cogito falado funda o cogito tácito, pois este silêncio da consciência ainda não se pensa e precisa ser revelado e só se torna verdadeiramente cogito por meio da expressão, ou seja, através do cogito falado. Portanto, o cogito tácito é o fundo da fixação verbal. As palavras remetem a uma consciência não tética de si, a uma significação pré linguagem. A consciência, portanto, não é produto da linguagem, pois esta não a esgota, mas a pressupõe, como fundo que escapa a fixação verbal e nem a linguagem é produto da consciência, pois a primeira traz significações novas. O sujeito é um campo, uma experiência, uma única experiência inseparável de si mesmo, uma única coesão de vida, uma única temporalidade, uma generalidade que só se confirma no mundo, que é portanto inerente ao mundo, que é para si estando no mundo, um sujeito em situação, que só realiza sua ipseidade em situação, e assim não é um sujeito absoluto, mas sendo efetivamente corpo e entrando através desse corpo no mundo, é um estar em situação no mundo.(Moutinho, 2006, p. 240). A fé perceptiva não exprime uma função psicológica limitada à ordenação de dados sensoriais e à exposição da presença de coisas sensíveis. A fé perceptiva se refere Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 IX Edição (2013) 199 a tudo o que se doa ao sujeito de maneira original e originária, quer dizer aquilo em relação ao qual não poderia haver uma visão mais perfeita. Segundo Merleau-Ponty nós vemos as próprias coisas, o mundo é isso que nós vemos, assim há um acesso direto e efetivo ao mundo sensível e não somente a representações privadas que poderia ser postas em dúvida. Esse acesso ao mundo não é algo baseado em uma certeza absoluta, trata-se justamente de uma fé, pois o sujeito se engaja nas situações vividas mesmo sem realizar todas as verificações necessária para determinar com segurança quais os componentes de cada experiência. Há fé porque há uma abertura ao mundo anterior à certeza. Portanto, a fé perceptiva para o filósofo nada mais é do que um engajamento no mundo sem garantia absoluta, mas que supõe acabado um desenrolar de experiências cuja exploração efetiva iria ao infinito, e percepção como um contato originário com o mundo, contato que apresenta as coisas tais como são, e não como representações privadas. Estes sendo para nós o primado do conhecimento em Merleau-Ponty. Por isso, ser necessário darmos atenção para estes termos, ou re-aprendermos a “ver” o mundo. BIBLIOGRAFIA: MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. [Phenomenologie de la perception, 1945]. Carlos Alberto Ribeiro de Moura (Trad.). São Paulo: Martins Fontes, 2006. CARMO, Paulo Sergio do. Merleau-Ponty uma introdução. São Paulo: EDUC, 2007. CHAUI, Marilena de Souza. Experiência do pensamento: ensaios sobre a obra de Merleau-Ponty. São Paulo: Martins Fontes, 2002. DUPOND, Pascal. Vocabulário de Merleau-Ponty. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. FERRAZ, Marcus Sacrini A. O transcendental e o existente em Merleau-Ponty. São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2006. MATTHEWS, Eric. Compreender Merleau-Ponty. Petrópolis: Editora Vozes, 2011. MOUTINHO, Luiz Damon Santos. Razão e experiência: ensaios sobre Merleau-Ponty. Rio de Janeiro: UNESP, 2006. Coleção Biblioteca de Filosofia. MÜLLER, Marcos José. Merleau-Ponty: acerca da expressão. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001. Coleção Filosofia. WAELHENS, Alphonse. Uma filosofia da ambiguidade. in “A estrutura do comportamento”. Márcia Valéria Martinez de Aguiar (Trad.). São Paulo, Martins Fontes, 2006. Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 IX Edição (2013)