debates Publicação destinada exclusivamente à classe médica PSIQUIATRIA HOJE Ano 2 . Nº5 . Set/Out de 2010 www.abp.org.br O fim à vida Seis especialistas, sete artigos. Uma edição especial com abordagem aprofundada sobre o suicídio Inspirados pela vida e motivados pela coragem, transformamos histórias. Shire, líder mundial na área de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, já chegou ao Brasil e em breve trará inovações para o tratamento do TDAH. Out/2010 Você faz parte dessa transformação. Serviço de atendimento ao consumidor 0800-7738880 www.shire.com.br Inspirados pela vida, motivados pela coragem. Editorial Opinião Debates N esta edição, a revista Psiquiatria Hoje Debates reúne artigos de seis psiquiatras para apresentação de diferentes abordagens sobre o tema suicídio, problema de saúde pública que está relacionado, em 90% dos casos, a doenças mentais. Iniciamos com o artigo de Fabio Souza, professor associado de Psiquiatria da Universidade Federal do Ceará, que faz uma análise epidemiológica do suicídio, alertando, entre outros números, para o crescimento mundial no número de jovens que escolhem colocar fim à vida. Fábio sugere medidas de prevenção primária, secundária e terciária e deixa evidente a necessidade de todos nós, psiquiatras, nos comprometermos com essa problemática. Antônio Geraldo da Silva Editor Temos também a preciosa colaboração de Alexandrina Meleiro, doutora em Psiquiatria pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, que nos apresenta duas leituras sobre o tema: o despreparo dos profissionais de saúde em identificar e lidar com o suicídio, o que exige maior conscientização e treinamento dos médicos em geral e dos profissionais dos serviços de emergência, e também a importância da administração dos pacientes após a tentativa do suicídio. Já Fernando Neves, Humberto Corrêa e Rodrigo Nicolato, do Departamento de Saúde Mental da Universidade Federal de Minas Gerais, contribuem nesta edição de Debates com três artigos. Num dos quais, fazem uma leitura cultural do suicídio, o que explicaria, em partes, o tabu que envolve o tema em nosso país de influência cristão-ocidental. Nos demais artigos, seguem com propostas de ações para prevenção do suicídio e de pesquisas em torno do assunto. João Romildo Bueno Editor Encontramos, por fim, no artigo de J. Marques-Teixeira, professor agregado da Universidade do Porto, em Portugal, a dissecação da intimidade do ato suicida, em um texto brilhante. A participação de Marques é simbólica do que pretendemos intensificar na Associação Brasileira de Psiquiatria: o intercâmbio cada vez mais frequente de especialistas e instituições estrangeiras, assim como de nossos brasileiros em outros países. Será assim nas publicações da ABP e será assim em diversos outros benefícios que irão se reverter a todos os associados. Boa leitura! debate hoje | 3 Endereço: Av. Presidente Wilson, 164 - 9o andar CEP: 20030-020, Cidade: Rio de Janeiro - RJ e-mail: [email protected] Diretoria Executiva: Presidente Antônio Geraldo da Silva Vice-presidente Itiro Shirakawa 1º Secretário Luiz Illafont Coronel 2ª Secretária Maurício Leão 1º Tesoureiro João Romildo Bueno 2º Tesoureiro Alfredo Minervino Secretários Regionais: Norte: Paulo Leão - PA Editores Antônio Geraldo da Silva João Romildo Bueno Nordeste: José Hamilton Maciel Silva Filho - SE Centro-Oeste: Salomão Rodrigues Filho - GO Sudeste: Marcos Alexandre Gebara Muraro - RJ Sul: Cláudio Meneghello Martins - RS Conselho Fiscal: Titulares: Emmanuel Fortes - AL Francisco Assumpção Júnior - SP Helio Lauar de Barros - MG Conselho Editorial Alexandrina M A S Meleiro Fábio Souza Fernando Neves Humberto Correa J. Marques Teixeira Rodrigo Nicolato Produção Editorial Assessora Comunicação www.assessoraonline.com.br Jornalista responsável: Carolina Fagnani, Redação: Gustavo Novo, Projeto gráfico: Angel Fragallo, Editoração e Capa: Bruno Grigoleto Suplentes: Geder Ghros - SC Fausto Amarante - ES Sérgio Tamai - SP Impressão Gráfica Ponto Final Tiragem: 5.000 exemplares Publicidade ABP Endereço: Av. Presidente Wilson, 164 - 9o andar CEP: 20030-020, Cidade: Rio de Janeiro - RJ e-mail: [email protected] Simone Paes – 21 2199-7500 Katia Silene – 11 5549-6699 Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da revista índice Ano 2 . Nº5 . Set/Out de 2010 Artigo Fabio Souza Twin City Photos Suicídio – dimensão do problema e o que fazer. pág.06 Artigo Alexandrina M A S Meleiro Avaliação médico-psiquiátrica do risco de suicídio. pág.10 Artigo J. Marques -Teixeira Uma abordagem fenomenológica do suicídio. pág.16 Artigo Fernando Neves Humberto Corrêa Rodrigo Nicolato Uma proposta para o fortalecimento da rede de cuidados em saúde mental. pág.24 Artigo Alexandrina M A S Meleiro Os sobreviventes. Após a tentativa, o que fazer? pág.30 Capa [especial] Suicídio O fim à vida. Artigo Fernando Neves Humberto Corrêa Rodrigo Nicolato Propostas de serviços e ações a serem executadas. Esta edição de Debates dedica-se exclusivamente à abordagem do suicídio, uma realidade para 24 brasileiros a cada dia (dados do Ministério da Saúde, 2009). Em sete artigos, seis especialistas brasileiros e um português abordam o tema em diferentes perspectivas, todas oportunidades ricas de aprofundamento sobre o problema. Errata: Lamentamos o equívoco no artigo publicado na edição 4 da revista Debates, no artigo de Elias Abdalla-Filho, sob o título “Pedofilia não é crime”, onde houve a supressão de um parágrafo do texto. pág.36 Artigo Fernando Neves Humberto Corrêa Rodrigo Nicolato Pesquisa em suicídio, perspectivas de aplicação na clínica. pág.43 debate hoje | 5 Artigo Suicídio – Dimensão do Problema e o que Fazer Suicídio Dimensão do Problema e o que Fazer O suicídio constitui uma importante questão de saúde pública no mundo inteiro. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, até 2020, mais de 1,5 milhões de pessoas irão cometer suicídio por ano. O número de suicídios no mundo cresceu em 60% nos últimos anos - cerca de três mil pessoas se suicidam por dia e 60 mil tentam, mas não conseguem. Este número representa quase 50% do total de mortes violentas. No ano 2000, 14,5 mortes por 100 mil habitantes (uma morte a cada 40 segundos) ocorreram no mundo. Atualmente, nos Estados Unidos, para cada homicídio há dois suicídios (cerca de 18 mil e 34 mil por ano, respectivamente). Em 2001, o suicídio foi a 11ª causa de morte entre todas as idades nos Estados Unidos, com uma taxa de 10,8 suicídios por 100 mil habitantes. E a terceira causa de morte entre 15-24 anos e a segunda entre 25-34 anos. O Brasil ocupa a 67ª posição em uma classificação mundial em taxa de suicídio. No entanto, em números absolutos, o Brasil está entre os 10 países com mais suicídios. No Brasil, cerca de 25 pessoas se matam por dia, fazendo do país o 11º colocado no ranking mundial de suicídios. No Brasil, a taxa de homicídios (25 por cem mil habitantes) supera a de suicídios (6 por cem mil habitantes), mas a distância entre as duas taxas tem se reduzido progressivamente. A taxa de suicídio no Brasil tem se elevado nos últimos anos, mais ainda entre os jovens com idades entre 15 e 24 anos, passando de 4,0 por 100 mil habitantes em 2000 para 4,7 em 2005. Ha subnotificação e o difícil reconhecimento do suicídio em nosso país em relação, por exemplo, aos acidentes (ocorrência deveria ser a correta denominação) de trânsitos e quedas. Preconceitos de natureza religiosa, cultural e social infelizmente impedem o correto dimensionamento do problema. Entre 1980 e 2006, um total de 158.952 casos de suicídio foi observado no Brasil. O índice total de suicídio cresceu de 4,4 para 5,7 mortes por 100 mil habitantes (29,5%). Os índices mais altos de suicídio foram registrados nas regiões Sul (9,3) e Centro-Oeste (6,1). Os homens são os que têm a maior probabilidade de cometer suicídio. Os índices mais altos de suicídio foram registrados na faixa etária de 70 anos ou mais, enquanto que os maiores aumentos aconteceram na faixa etária dos 20 aos 59 anos. As taxas de suicídio cresceram mais entre os indivíduos com idades entre 20 e 59 anos (30%) do que entre aqueles com idade maior que 60 anos (19%). Para os que têm 75 anos ou mais, o índice passa dos 15/100 mil . A taxa de suicídio mais baixa foi observada no grupo com idades entre 10-14 e 15-19, com um crescimento de 20% e 30%, respectivamente. 6 | debate hoje No período de 2000 a 2008, houve 73.261 óbitos por suicídios no Brasil: 57.937 homens e 15.324 mulheres, o que significa 22 mortes por dia. No mesmo período, houve 435.069 óbitos por homicídios, 132 por dia, resultando em 5,9 pessoas mortas por homicídios para cada uma que tenta suicídio (6,9 entre os homens e 2,3 entre as mulheres). No Brasil, 43 crianças de 0-9 anos entre 2000 e 2008 (média anual de cinco) morreram por suicídio, o que corresponde a 0,1% do total de mortes por essa causa. O enforcamento foi a forma utilizada por 80% dos meninos. As meninas utilizaram preferencialmente intoxicação medicamentosa, objetos cortantes e afogamento. No mesmo período, morreram 6.574 adolescentes de 10-19 anos por suicídio. Em média, anualmente, 730 adolescentes morrem por suicídio. A taxa nos anos 2000 a 2008 foi, em média, de 2/100 mil, 9% do total de todos os suicídios que ocorreram no país. Entre 2000-2008 morreram 17.557 adultos jovens (2029 anos) e 38.449 pessoas entre 30-59 anos em decorrência de suicídio. A taxa média encontrada entre os adolescentes (2/100 mil) salta para 6/100 mil entre adultos jovens e 6,8/100 mil entre adultos com mais idade. O impacto da mortalidade se eleva com o aumento da idade: 24% do total de mortes por suicídio ocorreram na faixa mais jovem e 52,6% entre pessoas de 30-59 anos. O número de idosos que se suicidaram foi de 10.434 neste período. As taxas oscilam em torno de 7/100 mil habitantes (pico de 8,2/100 mil em 2005). Os idosos possuem as mais elevadas taxas de mortalidade por suicídio comparando-se a outras faixas etárias, e são responsáveis por 14,3% do total de óbitos. Em todo o mundo, a taxa de suicídio é mais alta entre os indivíduos mais velhos do que entre os mais jovens; contudo, esta tendência vem se alterando em escala mundial desde os anos 90. O suicídio é um fenômeno que não depende de uma única causa. Há uma combinação de fatores – biológicos, psicológicos e sociais. Entre as principais causas psiquiátricas preveníeis está a depressão, transtorno bipolar, a esquizofrenia e o alcoolismo. Indivíduos com dois transtornos mentais têm um risco de tentar o suicídio 3,5 vezes mais alto do que aqueles que não têm nenhum transtorno. Embora os transtornos mentais estejam associados a mais de 90% de todos os casos de suicídio, o suicídio pode ser resultado de muitos fatores culturais e sociais muito complexos. O suicídio é mais provável durante os períodos de crises socioeconômicas, familiares e crises individuais, por exemplo, a perda de relacionamento afetivo. O suicídio afeta todo mundo, sem distinção. Acredita-se que o meio cultural influencie as taxas de suicídio. Altos níveis de coe- Fabio Souza Professor Associado de Psiquiatria da Universidade Federal do Ceará; PhD Universidade de Edinburgh; Coordenador do PRAVIDA (Projeto de Apoio à Vida) são social e nacional reduzem as taxas de suicídio. Essas são mais elevadas junto às pessoas aposentadas, desempregadas, divorciadas, sem filhos, urbanas, vivendo sozinhas. As seguintes características foram predominantes nos casos analisados (1980-2006): homens (77,3%), idade entre 20 e 29 (34,2%), sem companheiro/ companheira (44,8%) e ter tido pouca educação formal (38,2%). Em relação às características epidemiológicas, a própria casa foi o lugar de suicídio mais predominante (51%), seguido pelo suicídio em hospital (26,1%). Os seguintes métodos foram mais usados para o suicídio no período 1980-2006: enforcamento (47,2%), armas de fogo (18,7%), outros métodos (14,4%) e envenenamento (14,3%). Quando o envenenamento foi o método de suicídio utilizado, 41,5% cometeram suicídio usando pesticidas e 18% usando medicamentos. Em relação ao número total de mortes ocorridas em casa, 64,5% foram causadas por enforcamento e 17,8% por armas de fogo. Por outro lado, de todas as mortes por envenenamento, 37,1% aconteceram no hospital e apenas 5,8% em casa. Nas ruas ou áreas públicas, a maioria das mortes envolveu o uso de armas de fogo (24,7%). As regiões que apresentaram as taxas de suicídio mais baixas foram a região Nordeste, com uma média de 2,7, e a região Norte, com uma média de 3,4. No entanto, os maiores aumentos foram vistos na região Nordeste, que experimentou um incremento de 130%, e na região Centro-Oeste, com um aumento de 68% entre 1980 a 2006. As taxas médias mais altas entre as capitais foram Boa Vista (7,6), Porto Alegre (7,3) e Florianópolis (6,5). As capitais com as taxas médias mais baixas foram Salvador (1,2) e Rio de Janeiro (2,4). A Bahia tem a menor taxa de suicídio do Brasil – 1,8 para cada 100 mil habitantes. Entretanto, registra-se em torno de 100 a 120 novos casos de tentativa de suicídio por mês naquele Estado. Embora Rio de Janeiro e Salvador tenham as mais baixas taxas de suicídio, relatam taxas de homicídio que estão entre as mais altas do Brasil (38,1 e 42,3 por 100 mil habitantes, respectivamente). Os pesquisadores têm discutido a possibilidade da existência de conexões inversamente proporcionais entre homicídio e suicídio. A tentativa de suicídio é mais frequente entre as mulheres, no entanto, os homens conseguem um índice maior de morte por utilizarem métodos mais agressivos, como armas de fogo ou enforcamento, enquanto as mulheres utilizam de meios como remédios ou veneno. Os homens apresentaram taxas de mortalidade por suicídio mais altas em todas as regiões, particularmente na região Sul, com uma média de 11,7, e na região Centro- Oeste, com uma média de 7,1. A menor taxa de mortalidade por suicídio entre os homens foi encontrada na região Nordeste, com uma média de 3,3. Contudo, homens do Nordeste experimentaram o maior aumento (190%) durante o período do estudo. As mulheres apresentaram as maiores taxas médias na região Sul, a saber, 3,2. Na maioria das regiões, os métodos de suicídio mais comumente utilizados foram o enforcamento, armas de fogo e envenenamento, enquanto que na região Nordeste enforcamento (48,8%), envenenamento (18,2%) e armas de fogo (16,9%) foram os métodos de suicídio predominantes. No Sudeste, enforcamento (39,6%), outros métodos (24,2%) e armas de fogo (16,5%) predominaram. Nos casos de suicídio por envenenamento, destacou-se o uso de pesticidas, particularmente nas regiões Sudeste (29,7%), Sul (28,6%) e Nordeste (19,8%). As maiores taxas de suicídio com uso de medicamentos foram encontradas nas regiões Sudeste (7%), Sul (4,1%) e Nordeste (3,7%). Os homens predominaram em todos os métodos utilizados, com a exceção do uso de medicação, no qual as mulheres registraram porcentagens mais altas (48,6% x 51,4%). Medidas a serem tomadas Em 1999, a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou o Programa de Prevenção do Suicídio (Supre, em inglês), com o objetivo de alertar o mundo sobre o problema do suicídio. Aqui no Brasil ainda falta muito para um programa de prevenção de suicídio integrado. O treinamento de equipes especializadas em suicídio, bem como a integração de todos os serviços – linhas de telefone, emergências, ambulatórios especializados, Caps e outros serviços comunitários –, deve ter a máxima urgência. Estão listadas abaixo algumas medidas a serem tomadas. Prevenção primária 1) Acesso à informação. A mídia, os serviços de saúde, a escola , bem como serviços comunitários, têm um papel fundamental em qualquer programa de prevenção de suicídio. A escola pode ser um instrumento na identificação precoce de indivíduos em risco de suicídio. 2) Acesso a armas. Em 2005, suicídio por arma de fogo foi a segunda causa de morte entre americanos abaixo de 40 anos. Entre americanos de todas as idades, mais da metade de todos os suicídios é provocada por armas de fogo. Em 2005, 46 americanos por dia cometeram suicídio com armas de fogo. Existe uma enorme quantidade de evidências demonstrando que a posse de armas de fogo aumenta substancialmente a probabilidade de suicídio. Deste modo, métodos rígidos de controle na autorização de posse de armas são necessários. 3) Álcool. O álcool esta intimamente correlacionado com violência hetero e auto dirigida. Devemos aumentar progressivamente o controle sobre venda, incrementar impostos (e não como recentemente o Ceará fez ao reduzir o imposto cobrado para bebidas quentes que serão exportadas para outros estados da Federação). 4) Chumbinho e pesticidas. O carbamato é uma das principais formas de tentativa de suicídio no Brasil. Sua venda deve ser disciplinada para evitar que qualquer ponto comercial possa vendêlo sem qualquer controle. A Associação Brasileira de Psiquiatria deve fazer uma campanha nacional para sensibilizar o congresso sobre a urgência e necessidade de criar legislação a este respeito. debate hoje | 7 Fabio Souza Professor Associado de Psiquiatria da Universidade Federal do Ceará; PhD Universidade de Edinburgh; Coordenador do PRAVIDA (Projeto de Apoio à Vida) Artigo Suicídio – Dimensão do Problema e o que Fazer Prevenção secundária 1) Diagnóstico precoce de transtornos psiquiátricos. Depressão, transtorno bipolar, esquizofrenia e dependência alcoólica estão extremamente associados ao suicídio, assim o diagnóstico e tratamento precoce deverão diminuir de maneira importante a consumação do suicídio. 2) Antidepressivos e suicídio. Na Finlândia, em 15.390 pacientes acompanhados por 3,4 anos, houve uma redução do risco relativo de mortalidade em pacientes que estavam tomando antidepressivos (31% a 41%). Nos Estados Unidos, o aumento da taxa de suicídio em jovens coincide com a redução da prescrição de antidepressivos nesta população. Deste modo, não devemos deixar de tratar a depressão com todas as medidas adequadas. 3) Integração das linhas de socorro imediato com os serviços de atendimento médico-psiquiátrico. Prevenção terciária 1) Tentativa anterior. Pessoas que tentaram suicídio constituem um grupo de altíssimo risco em relação a cometerem suicídio em uma tentativa posterior. Assim, em cada emergência médica, deveria haver uma equipe especializada em suicídio que faria o primeiro atendimento, e em uma etapa posterior seria encaminhado para um seguimento em um Caps ou ambulatório especializado. Referências: ■■Lovisi GM, Santos SA, Legay L, Abelha Lucia A, Valencia E Análise epidemiológica do suicídio no Brasil entre 1980 e 2006 Rev Bras Psiquiatr. 2009;31(Supl II):S86-93 ■■Mann JJ, Apter A, Bertolote J, et al. Suicide prevention strategies: a systematic review. JAMA 2005;294:2064-2074 ■■Mello-Santos C, Bertolote JM, Wang Y. Epidemiology of suicide in Brazil (1980-2000): characterization of age and gender rates of suicide. Rev Bras Psiquiatr. 2005;27(2):131-4. ■■Miller M, Hemenway D. The relationship between firearms and suicide: a review of the literature. Aggress Violent Behav 1999;4:59-75. ■■Tiihonen J, Lönnqvist J, Wahlbeck K, Klaukka T, Tanskanen A, Haukka J Antidepressants and the Risk of Suicide, Attempted Suicide, and Overall Mortality in a Nationwide Cohort Arch Gen Psychiatry. 2006 Dec;63(12):1358-67 ■■Wunderlich U, Bronisch T, Wittchen HU. Comorbidity patterns in adolescents and young adults with suicide attempts. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci. 1998;95:248-87. 8 | debate hoje “Acesso a Tratamento e Justiça Social” Aprendizado e reciclagem serão as palavras-chave da próxima edição do Congresso Brasileiro de Psiquiatria - CBP. Entre os dias 2 e 5 de novembro de 2011, psiquiatras nacionais e internacionais estarão presentes no maior evento da especialidade do país para compartilhar conhecimentos e experiências na cidade do Rio de Janeiro. Com o tema “Acesso a Tratamento e Justiça Social”, o XXIX CBP promete buscar melhores condições profissionais para os médicos e, consequentemente, contribuir com a construção de uma assistência de qualidade para toda a sociedade. Esmerar-se no conteúdo científico e na aplicação prático-clínico é a grande responsabilidade da ABP ao promover um evento de tamanha importância. Para alcançar este objetivo e buscar a superação das expectativas do público, a programação do congresso conta com uma grade de atividades voltada 80% à clínica e 20% ao campo da pesquisa. Capacitação técnica e aplicação imediata: o CBP será a chance do especialista aprimorar seu aprendizado e se reciclar, dia a dia, em seu consultório. Aprender, aprender e aprender. Essa será a única preocupação dos congressistas durante o XXIX CBP. Pensando nisso, a Associação Brasileira de Psiquiatria - ABP já deu início ao planejamento do evento. Acomodação para quatro mil pessoas nas proximidades do congresso e horários da programação pré-planejados contra os picos do trânsito de uma das maiores metrópoles do país são apenas algumas das precauções que a comissão organizadora já tem tomado. Temos a certeza que, juntos, vamos promover mais um grande CBP. Reserve sua agenda e não deixe de acompanhar as novidades na página do Congresso. Este Congresso lhe reserva grandes surpresas. Aguarde! Itiro Shirakawa Fátima Vasconcellos Antônio Geraldo da Silva Coordenador da Cocien Presidente da APERJ Presidente da ABP e do XXIX CBP Informações Gerais Data, Local e Horários 2 a 5 de novembro de 2011, no Riocentro, Rio de Janeiro - RJ. Horário das Atividades Científicas: 2, 3 e 4 de novembro - 10h às 19h 5 de novembro - 9h às 13h30min Horário da Secretaria de Inscrições: 1º de novembro - 15 às 20h 2 de novembro - 8h às 18h30min 3 e 4 de novembro - 9h às 18h30min 5 de novembro - 8h às 12h Programa Científico Mais de 140 atividades científicas: Simpósio do Presidente Conferências Cursos Mesas Redondas Simpósios dos Departamentos da ABP Encontro com o Especialista Oficinas de Ensino Casos Clínicos Laudos Psiquiátricos Vídeos Pôsteres. Exposição Paralela de 2 a 5 de novembro de 2011 no Riocentro - Rio de Janeiro - RJ. o acesso de congressistas não médicos à área de exposição das empresas farmacêuticas estará sujeito à regulamentação da ANVISA. Reserva de Hotel, Passagem Aérea e Tours A BLUMAR é a agência oficial de turismo do XXIX CBP. Blumar Brazil Nuts Rio Turismo Ltda. Av. Borges de Medeiros, 633 - Sala 405 a 408 - Leblon 22430-041 - Rio de Janeiro - RJ Tel.: + 55 (21) 2142-9300 - Fax: + 55 (21) 2511-3739 E-mail: [email protected] Site: www.blumar.com.br/psiquiatria2011 Inscrições A ficha de inscrição está disponível no site www.cbpabp.org.br. A taxa de inscrição inclui a participação nas atividades científicas do XXIX CBP, a pasta com o material do Congresso e a participação na Solenidade de Abertura do XXIX CBP. As Sessões de Casos Clínicos e Laudos Psiquiátricos são restritas aos Associados da ABP. Secretaria Executiva do XXIX CBP ABP - Associação Brasileira de Psiquiatria Av. Presidente Wilson, 164 - 9º andar - Centro 20030-020 - Rio de Janeiro - RJ Tel.: (21) 2199-7500 - Fax: (21) 2199-7501 E-mail: [email protected]; [email protected]; [email protected] Site: www.cbpabp.org.br Datas Importantes Dezembro de 2010 Início das inscrições com desconto. Faça sua inscrição “on line”. Programa Científico - Publicação no site do XXIX CBP www.cbpabp.org.br - dos Formulários para o envio da composição dos Simpósios dos Departamentos da ABP, sugestões de Cursos, sugestões de temas para Mesas Redondas, inscrição de Casos Clínicos, Pôsteres e Vídeos. 22 de abril de 2011 Prazo final para recebimento de inscrições de trabalhos para as Sessões de Casos Clínicos, Pôsteres e Vídeos. 29 de abril de 2011 Prazo final para recebimento de sugestões de temas para Mesas Redondas Publicação dos Cursos “on line”. 2 de abril de 2011 Prazo final para recebimento da composição dos Simpósios dos Departamentos da ABP. Prazo final para recebimento de sugestões de Cursos dos Associados da ABP. www.cbpabp.org.br Artigo Avaliação médico-psiquiátrica do risco de suicídio Risco do Suicídio Avaliação médico-psiquiátrica do risco de suicídio O estigma e preconceito em torno deste tema são muito grandes. Há dificuldade de perguntar sobre a ideação suicida e de avaliar adequadamente circunstâncias que sugerem maior intenção suicida. Os fatores de risco podem alertar durante períodos de recorrência de um transtorno mental, de abuso de substâncias psicoativas ou após um evento estressante. O despreparo dos profissionais de saúde revela que é necessário mais informações e treinamento dos médicos. Pretende-se auxiliar o médico na identificação e avaliação de pacientes com ideação suicida ou com tentativa de suicídio anterior, bem como a sua adequada conduta médico e encaminhamento ao tratamento psiquiátrico especializado. Dezenas de pacientes entram nos Serviços de Emergências e são diagnosticados como tentativas de suicídio, sob forma de intoxicação exógena, traumatismos, queimaduras, ferimentos por arma de fogo ou arma branca e acidentes automobilísticos (Kutcher; Chehil, 2007). Estes demandam atenção de clínicos e cirurgiões do Pronto-Socorro e das Unidades Intensivas de Tratamento, e consomem grandes recursos de saúde. O suicídio e a tentativa são um problema grave de saúde pública. Frente a este sério problema, como avaliar adequadamente o potencial suicida? Como reconhecer os indivíduos suscetíveis antecipadamente? Quando liberar o paciente após uma tentativa frustra de auto-eliminação? Infelizmente, não há testes preditivos ou critérios clínicos que antevêem quem irá ou não cometer suicídio (Meleiro et al., 2004). Pretende-se auxiliar o médico, que trabalha em centros de atenção primária, consultório, ambulátorio e hospitais na identificação e avaliação de pacientes com ideação suicida ou com tentativas de suicídio anteriores, bem como a sua adequada conduta médica e encaminhamento ao tratamento psiquiátrico especializado. Entendendo o que é ato voluntário no suicídio 10 | debate hoje Podem-se identificar, segundo Sims (2001), quatro fases na vontade: 1. Fase de intenção: esboça a tendência básica do indivíduo, as inclinações e interesses. Há influência decisiva dos impulsos, desejos e temores inconscientes, nem sempre perceptível para a própria pessoa. 2. Fase de deliberação: há uma ponderação consciente baseando-se em razões intelectuais e influências afetivas. A pessoa faz uma apreciação e consideração dos vários aspectos e as implicações de determinada decisão: positiva ou negativa, favorável ou desfavorável, benéfica ou maléfica. 3. Fase de decisão: demarca o começo da ação, o momento culminante do processo volitivo. 4. Fase de execução: o conjunto de atos psicomotores simples e complexos são postos em funcionamento. Na ação voluntária, há ponderação, análise, reflexão e execução motora, pois a vontade é uma dimensão complexa da vida mental, ligada intimamente à esfera instintiva, afetiva, intelectiva e ao conjunto de valores, princípios, hábitos e normas socioculturais do indivíduo. O instinto e o desejo influenciam a vontade. O instinto como a resposta comportamental de uma dada espécie, de modo relativamente organizado, fixo e complexo, que permite sobreviver em seu ambiente natural. O conjunto de respostas e comportamentos herdados pode sofrer modificações superficiais e serve sempre para a adaptação do organismo. O desejo é um querer, um anseio, um apetite de natureza consciente ou inconsciente, que visa algo buscando sempre a sua satisfação. O desejo é moldado, modificado e transformado sócio-historicamente. A pulsão instintiva de prosseguir vivendo é resultado da imperiosa necessidade de sobreviver dos seres vivos. Quando há o desejo de interromper a vida como uma oposição a esse impulso vital natural, surgem impulsos patológicos que englobam o comportamento suicida, as automutilações e as autoagressões (Sá, 1988). Este autor chama atenção para a necessidade de estimar cuidadosamente o potencial suicida do paciente, o que chamou de síndrome pré-suicídio, alertando que não devem ser subestimadas as manifestações dos impulsos autodestrutivos, mesmo que velados. O paciente com risco de suicídio tem distorção perceptiva e a ponderação, análise, reflexão e execução motora da vontade estão prejudicadas. Alexandrina M A S Meleiro Doutora em Psiquiatria pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Avaliando a intencionalidade suicida Algumas circunstâncias sugerem maior intenção suicida e denunciam o desejo do paciente. Entre elas destacam-se: a comunicação prévia de que iria ou vai se matar, mensagem ou carta de adeus, planejamento detalhado, precauções para que o ato não fosse descoberto, ausência de pessoas por perto que pudessem socorrer, não procurou ajuda logo após a tentativa de suicídio, método violento ou uso de drogas mais perigosas, crenças de que o ato seria irreversível e letal, providência finais (conta bancária, providenciar a escritura de imóveis, seguro de vida) antes do ato, afirmação clara de que queria morrer, arrependimento por ter sobrevivido (Kutcher; Chehil, 2007). Outros fatores, por sua vez, seriam indicativos de repetição de tentativa de suicídio: história prévia de hospitalização por auto-agressões, tratamento psiquiátrico anterior, internação psiquiátrica anterior, transtorno de personalidade, alcoolismo/drogadição, estar vivendo sozinho (Osvath et al., 2003). Avaliação do risco iminente de suicídio A maioria das pessoas com intenção suicida comunica seus pensamentos e intenções suicidas através das palavras nas quais apresentam temas como sentimento de culpa, menosvalia, ruína moral e desesperança. Quaisquer que sejam os problemas, os sentimentos e pensamentos da pessoa suicida tendem a serem os mesmos em todo o mundo. Não existe um modelo que satisfatoriamente possa ser abrangente. Portanto, o melhor é a descrição subjetiva do paciente e a observação que se possa fazer dele. O levantamento do risco iminente de suicídio deve ser considerado, conforme quadro 2. Quadro 2: Levantamento do risco iminente de suicídio, segundo WHO(2000). Perguntando sobre a presença da ideação suicida: 01. Tem obtido prazer nas coisas que tem realizado? 02. Sente-se útil na vida que está levando? 03. Sente que a vida perdeu o sentido? 04. Tem esperança de que as coisas vão melhorar? 05. Pensou que seria melhor morrer? 06. Pensamentos de por fim à própria vida? 07. São ideias passageiras ou persistentes? 08. Pensou em como se mataria? 09. Já tentou, ou chegou a fazer algum preparativo? 10. Tem conseguido resistir a esses pensamentos? 11. É capaz de se proteger e retornar para a próxima consulta? 12. Tem esperança de ser ajudado? Avaliar se a pessoa apresenta um plano definido para cometer suicídio ■ Você fez algum plano para acabar com a sua vida? ■ Você tem uma ideia de como você vai fazê-lo? Investigar se a pessoa possui os meios (método) para suicídio ■ Você tem pílulas, uma arma, inseticida ou outros meios? ■ Os meios são facilmente disponíveis para você? Descobrir se a pessoa fixou alguma data para cometer suicídio ■ Você decidiu quando você planeja acabar com a sua vida? ■ Quando você está planejando fazê-lo? Psicopatologia do suicídio Apreende-se o fenômeno suicida através das cognições e comportamentos do paciente, cuja psicopatologia pode atingir graus crescentes de intensidade e gravidade (Meleiro et al., 2004). 1. Ideias de morte: a pessoa pode pensar que a morte seria um alívio, sem, no entanto, cogitar em realizá-la por si mesmo. Ela, muitas vezes, diz que gostaria de dormir e não acordar mais, ou pensa que poderia ter uma doença fatal. 2. Ideias suicidas: as ideias suicidas são o grau inicial sem apresentar outras manifestações ou propósitos de auto-agressividade. Essas podem ser combatidas pela própria pessoa que as reconhece como absurdas e intrusivas. Inicialmente, são ideias esparsas que invadem o pensamento do indivíduo, podendo tornar-se mais frequente e adquirir proporções significativas de modo que o indivíduo não consegue evitar ou parar de tê-las em mente. 3. Desejo de suicídio: acompanha as ideias de suicídio, contudo, sem pô-lo em planejamento ou ação. O sentimento de desesperança e a falta de perspectiva de futuro podem ocorrer, favorecendo o desejo de suicídio como solução ou fim de algo insolúvel. 4. Intenção de suicídio: a ameaça de pôr fim à vida é claramente expressa, embora ainda não se realize ação concreta. Em geral, antecede o plano suicida, mas pode ocorrer concomitantemente. 5. Plano de suicídio: decidido a pôr fim à própria vida, o paciente fica tomado pela ideação de morrer. Passa a tramar a sua própria morte e planejar detalhes como o método, o local e o horário, às vezes deixando um bilhete de despedida ou mensagem de adeus. 6. Tentativas de suicídio: as tentativas são atos auto-agressivos não-fatais. Não há necessariamente intenção de morrer, mas outras motivações podem mover o paciente ao ato, como desejo de vingar-se de alguém, provocar culpa nos outros, chamar atenção dos familiares etc. 7. Atos impulsivos: são atos auto-agressivos repentinos e sem planejamento suicida. São acompanhados de métodos repetitivos e estereotipados, como o uso de medicamentos, jogar-se na debate hoje | 11 Alexandrina M A S Meleiro Doutora em Psiquiatria pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Artigo Avaliação médico-psiquiátrica do risco de suicídio frente de outros, etc. São relativamente comuns na epilepsia, nos deficientes mentais e nas personalidades borderlines, devido à baixa tolerância à frustração. Na tentativa de suicídio, bem como no ato impulsivo, a ameaça à vida apresenta graus variáveis, englobando desde os gestos ou simulações, em que não há o desejo consciente de morrer, até as tentativas propriamente ditas. Estas são sérias e de gravidade maior, mas a intervenção de terceiros impedindo a concretização do ato ou a utilização de métodos não eficaz afastam o êxito letal. 8. Suicídio: o desfecho é a morte. O êxito suicida com frequência é caracterizado pelo planejamento cuidadoso e utilização de métodos altamente letais, ou por forte componente impulsivo. Características comuns na mente dos suicidas Segundo a OMS (WHO, 2000), há três características psicopatológicas comuns na mente dos suicidas: 1. Ambivalência: A maioria das pessoas já teve, em algum momento da vida, sentimentos confusos de cometer suicídio. O desejo de viver e o desejo de morrer batalham numa gangorra nos indivíduos suicidas. Há uma urgência de sair da dor de viver e um desejo de viver. Muitas pessoas suicidas não querem realmente morrer, é somente porque elas estão infelizes com a vida naquele momento. Se for dado o apoio emocional necessário, o desejo de viver aumentará e o risco de suicídio diminuirá. 2. Impulsividade: Suicídio também é um ato impulsivo. Como qualquer outro, o impulso para cometer suicídio é transitório, e felizmente tem duração de alguns minutos ou horas. É usualmente desencadeado por eventos negativos do dia a dia. Acalmando tal crise e ganhando tempo, o médico pode ajudar a diminuir o desejo suicida, com uma abordagem empática. 3. Rigidez: Quando pessoas são suicidas, seus pensamentos, sentimentos e ações estão constritos: constantemente pensam sobre suicídio e não são capazes de perceber outras maneiras de sair do problema. Elas pensam rígida e drasticamente. Interferência na avaliação médica Avaliar um paciente suicida desperta, com frequência, fortes sentimentos no médico examinador. A sua relutância em falar sobre a morte com o seu paciente se traduz, por vezes, na ansiedade por um erro de conduta ou expectativa de uma consequência catastrófica. Dificuldade de perguntar sobre a ideação suicida do seu paciente decorre do desconforto do próprio médico sobre o tema, ou seu medo de ofender o paciente. O tempo e a energia emocional gastos no trabalho com um paciente suicida e sua família são consideráveis. O profissional que dá assistência a um paciente suicida deve discutir o caso com os colegas, amigos, supervisores e o seu terapeuta, a fim de evitar que os seus sentimentos negativos interfiram no tratamento do paciente. 12 | debate hoje O médico deve estar tranquilo, pois os suicídios aumentam em igual proporção das reações negativas do entrevistador em relação ao paciente. Deve evitar atitudes moralistas e críticas. Se as perguntas forem feitas gradualmente e de maneira empática, dificilmente o paciente ficará irritado com o examinador. Muito pelo contrário, na maioria das vezes, este tipo de abordagem provoca alívio e aprovação do paciente, pelo fato do clínico ter reconhecido a seriedade de suas queixas. O médico deve obter informações sobre se o paciente está deprimido, psicótico, intoxicado, ou se teve perda recente na área sócio-econômica, afetiva, pessoal ou de saúde (Kutcher; Chehil, 2007). Lembrar daqueles com tentativas prévias, ou em uso de psicofármacos em início de medicação ou interrupção. É importante verificar a disponibilidade dos meios ou métodos escolhidos pelo paciente, e a possibilidade deste ser socorrido. Local de atendimento nos serviços de emergências Algumas características dos serviços de emergência são vistas como prejudiciais para o atendimento adequado destes casos. Motivada pelo excesso de demanda e pressões do serviço, muitas vezes, a equipe médica acredita que a auto-agressão é um ato voluntário, portanto é evitável. Uma vez que a causa desse comportamento seria de origem psicológica, a ajuda deveria em outro lugar que não o pronto socorro (Holdsworth, 2001). A entrevista tem como objetivo obter o máximo de informação possível do paciente. Para isso é necessário reservar um tempo razoável, pois suicidas usualmente necessitam de mais tempo para deixarem de se achar um fardo e estarem preparados para responder. O primeiro passo é favorecer um ambiente tranquilo e não opressor com uma privacidade razoável. Em seguida, executar a tarefa mais importante, a de escutar; ouvi-los efetivamente com empatia com reforços positivos e o não-julgamento, tentando preencher uma lacuna criada pela desconfiança. O comportamento suicida inclui uma série de condições similares, cuja psicopatologia pode atingir graus crescentes de intensidade e gravidade, portanto há a necessidade do conhecimento de alguns aspectos que envolvem o assunto para melhor abordagem do paciente. Avaliação dos riscos Os fatores de risco proximais são ligados temporalmente ao ato suicida e agem como desencadeantes. Eles não são necessários nem suficientes para o suicídio. Os fatores distais representam a base sobre a qual se estrutura o comportamento suicida, e vão aumentar a vulnerabilidade dos fatores de risco proximais. Os fatores distais podem ser considerados como necessários, mas são insuficientes para que o suicídio ocorra. Artigo Avaliação médico-psiquiátrica do risco de suicídio Determinação do Risco Como e Por quê? Exame Clínico + Exame psiquiátrico Proximais Identificação Perguntas sobre suicídio Especificamente Fatores de risco Fatores protetores Distais Nível do risco Baixo, médio e alto A combinação de potentes fatores de risco distais com eventos proximais pode levar às condições necessárias e suficientes para que o suicídio ocorra. Um dos fatores de risco proximal mais poderosos é a presença de uma arma de fogo em casa, o que aumenta o risco de suicídio, mesmo após controlar para gênero, idade e presença de transtornos mentais (Moscicki, 1997). O impacto de alguns fatores de risco pode ser reduzido por meio de intervenções, como o tratamento adequado e eficaz para o transtorno psiquiátrico (Costa, 2008). A intoxicação por álcool é um potente fator precipitante do comportamento suicida; no momento da morte, tem sido identificada em aproximadamente 50% dos suicídios em diversos países, inclusive no Brasil. A maioria dos etilistas que cometeram suicídio também sofria de depressão, o que aumenta o risco de suicídio (Lima et al., 2010). Suicídio e homicídio geralmente são mais praticados por alcoólatras do que por pessoas que não têm contato com álcool. Este aumenta a expressão da agressividade, diminui o medo e o controle dos próprios impulsos. A regra de ouro é: se está bebendo, pare. O início precoce do abuso de álcool está ligado a distúrbios de personalidades, agressividade e a baixa atividade serotonérgica (Diehl, Laranjeira, 2009). Em serviço de emergência, as vítimas de suicídio revelaram presença de álcool etílico no sangue (Lima et al., 2010). Muitos deles haviam consumido álcool às vésperas do atentado, apresentando características mais impulsivas, danos físicos severos e com mais tentativas prévias, além de procurarem o serviço psiquiátrico com menor freqüência. Três características marcam o ato suicida praticado por alcoólatras deprimidos: a impulsividade da tentativa, aumento do consumo de álcool na véspera e intoxicação alcoólica precedendo à tentativa (Meleiro et al., 2004). Na assistência ao adolescente pelo clínico, pediatra ou psiquiatra, deve-se estar alerta para o abuso ou dependência de substâncias psicoativas associado à depressão (Miller et al., 2007). Alguns fatores de risco nesta população são: história familiar de depressão e/ou suicídio, desempenho escolar pobre, episódio depressivo prévio, conflito familiar e incerteza quanto à orientação sexual. Os indicativos de intenção suicida entre os jovens com depressão 14 | debate hoje incluem: tentativa suicida prévia, idéias suicidas, sentimentos de desesperança e problemas comórbidos de abuso de substâncias, luto, acesso fácil ao método do suicídio e falta de apoio social (Shaffer; Pfeffer, 2000). Entre as adolescentes, a notícia de uma gravidez não planejada é um fator de risco considerável. Outras situações estressantes habituais na adolescência são as mudanças físicas e psíquicas, busca da identidade e autonomia, e relacionamentos com grupos que favoreçam comportamentos destrutivos: atividade sexual precoce e sem proteção, porte de armas, delinquências, lutas corporais, tabagismo excessivo e intoxicação por álcool e pobre gerenciamento da rotina dos filhos por parte dos pais (Miller et al., 2007). Pacientes com Transtorno Afetivo Bipolar que cometeram suicídio estavam, ao tempo da morte, em fase depressiva ou no estado depressivo misto. Durante a fase de mania, é relativamente raro. A comorbidade entre os pacientes com transtorno afetivo que cometeram suicídio tem sido alta para dependência de álcool e/ou outras substâncias, doenças físicas e transtorno de personalidade (Costa, 2008). Os pacientes no hospital geral têm um risco três a cinco vezes maior quando comparado com a população geral. Há uma relação entre maiores coeficientes de suicídio, idade avançada e presença de doenças físicas. Doenças orgânicas incapacitantes, perda da mobilidade, dor crônica intratável e lesões desfigurantes (queimados, traumatismo e neoplasias) e a Síndrome Cerebral Orgânica, particularmente o delirium, relacionam-se a uma maior taxa de suicídio (Moura JR, et al., 2008). Esses pacientes apresentam uma disforia persistente, sentimento de inutilidade, falta de esperança, perda da auto-estima e desejo de morrer. Têm uma exacerbação dos sintomas somáticos, incapacidade funcional aditiva e hospitalizações prolongadas. Frequentemente mostram uma diminuição de motivação em relação aos cuidados adequados à sua doença clínica levando a uma má aderência ao tratamento da doença física crônica e piora do prognóstico (Meleiro, 2004). Trinta e dois por cento dos suicidas receberam cuidados médicos seis meses antes da morte e 70% das vítimas apresentavam doenças crônicas em atividade por ocasião da morte, tendo sido influenciadas pela doença ou pelos efeitos diretos da doença, como ruptura de relacionamento, perda do estado ocupacional. O uso de fármacos que causam depressão, como reserpina, corticóide, anti-hipertensivos e anticancerígenos, são exemplos dos efeitos indiretos da doença (Ferreira et al., 2007). Não há evidências de que as doenças físicas são fatores de risco independente para suicídio, fora do contexto de uma depressão ou abuso de substâncias. Apesar de serem necessários estudos controlados, a condição psicopatológica comórbida provavelmente é o fator subjacente para o suicídio nestes pacientes (Moscicki, 1997). Alexandrina M A S Meleiro Doutora em Psiquiatria pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Considerando a tentativa de suicídio prévia Há fatores de risco que podem não ser mudados, como uma tentativa de suicídio prévia, mas podem alertar durante períodos de recorrência de um transtorno mental, de abuso de substâncias psicoativas ou após um evento estressante. No meio médico, foram difundidos diversos mitos, principalmente que os indivíduos que cometem suicídio e aqueles que tentam constituem dois grupos mutuamente exclusivos, com perfis sociodemográficos diferentes e desfechos diversos. A história prévia de tentativa de suicídio é considerada um forte preditor de suicídio posterior. Os indivíduos que tentaram suicídios tornaram-se o foco na maioria dos estudos epidemiológicos. Um estudo multicêntrico com nove países descobriu que 10-18% da população relatava ideação suicida e que 3-5% já tinham tentado suicídio (Weissman et al., 1999). O grupo de pacientes com tentativa de suicídio é uma população grande e heterogênea. Tenta-se dividir esse grupo entre aqueles que possuíam intenção genuína de morrer e aqueles que não possuíam intenção de morrer (Kapur et al., 2003). A auto-agressão pode ser um meio disfuncional de adquirir mudanças de vida, como fuga, atenção e manipulação (Isacsson e Rich, 2001). A diferenciação é uma tarefa difícil, e muitas vezes impossível, principalmente num contexto de emergência. A intenção suicida genuína é frequentemente ambivalente em relação à morte e à firmeza do propósito, variável. Muitas vezes, suicidas potenciais podem se arrepender e procurar ajuda após o ato (Holdsworth 2001). O alívio, após a tentativa, faz a pessoa refletir sobre seu ato, agora sem o sentimento de dos três “is”: intolerável (suportar), inescapável (sem saída) e interminável (sem fim). Considerações finais As correlações estatísticas não são as causas, mas elas nos permitem formular hipóteses de certeza variada. Somente estudo prospectivo de avaliação de métodos de prevenção que procurem resposta para essas hipóteses pode permitir o engajamento de uma adequada política de prevenção relacionada ao suicídio. A avaliação sistemática do risco de suicídio em quadros que chegam na emergência médica deve fazer parte da prática clínica rotineira, em todas as especialidades médicas, para que os casos potencialmente fatais possam ser devidamente diagnósticados, tratados e encaminhados. Revendo as diversas estratégias preventivas de suicídio, conclui-se que melhorar os serviços de saúde e desenvolver intervenções efetivas para o grupo de pacientes com risco de suicídio é fundamental. Embora haja carência do desenvolvimento de estratégias de intervenções específicas, é necessário mais informação e treinamento dos médicos na abordagem dessas pessoas, oferecendo uma nova esperança para os indivíduos com alto risco de suicídio. Referências: ■■Costa AMN. Transtorno afetivo bipolar: carga da doença e custos relacionados. R Psiquiatr Clín. 2008; 35(3): 104-110. ■■Diehl A, Laranjeira R. Suicide attempts and substance use in an emergency room sample. J Bras Psiquiatr. 2009; 58 (2): 86-91. ■■Ferreira MHF; Colombo ES; Guimarães PS; Soeiro RE; Dalgalarrondo P; Botega NJ. Risco de suicídio em pacientes internados em um hospital geral universitário. R Bras Psiquiatr 2007; 29(1): 51-54. ■■Holdsworth N, Belshaw D, Murray S. Developing A&E nursing responses to people who deliberaty self-harm: the provision and evaluation of a series of reflective workshops. J Psychiatric Mental Health Nursing. 2001; 8: 449-458. ■■ Isacsson G, Rich CL. Management of patients who deliberately harm themselves. BMJ. 2001; 322(27): 213-215. ■■Kapur N, House A, May C, Creed F . Service provision and outcome for deliberate self-poisoning in adults – Results from a six centre descriptive study. Soc Psychiatry Psychiatri Epidemiol. 2003; 38: 390-395. ■■Kutcher S, Chehil S. Manejo do Risco de suicídio. Um manual para profissionais de saúde. Trad. Allevato M. Med Line Editora. 2007; 135p. ■■Lima DD, Azevedo RCS, Gaspar KC, Silva VF, Mauro MLF, Botega NJ. Tentativa de suicídio entre pacientes com uso nocivo de bebidas alcoólicas internados em hospital geral. JB Psiquiatr. 2010; 59(3): 167-72. ■■Meleiro AMAS; Teng CT; Wang YP. Suicídio: estudos fundamentais. São Paulo. Segmentofarma, 2004; 220p. ■■Miller AL, Rathus JH, Linehan MM. Dialectical Behavior Therapy with suicidal adolescents. New York, NY. Ed Guilford Publications. Inc.; 2007; 350p. ■■Moura Jr JA; Souza CAM; Oliveira IR; Miranda RO; Teles C; Moura Neto JA. Risco de suicídio em pacientes em hemodiálise: evolução e mortalidade em três anos. J Bras Psiquiatr. 2008; 57(1): 44-51. ■■Moscicki EK. Identification of suicide risk factors using epidemiologic studies. Psychiatric Clinics of North America. 1997; 20(3): 499-517. ■■Osváth P, Kelemen G, Erdos MB, Voros V, Fekete S. The main factors of repetition. Review of some results of the pecs center in the WHO/EURO Multicentre study on suicidal behaviour. Crisis. 2003; 24(4): 151-154. ■■Sá LSM Jr. Fundamentos de psicopatologia. Rio de Janeiro: Livraria Atheneu. 1988. ■■Shaffer D, Pfeffer C. Practice parameter for the assessment and treatment of children and adolescents with suicidal behavior. A Acad Child Adol Psychiatry. 2000; 1-21. ■■Weissman MM, Bland RC, Canino GJ, Greenwald S, Hwu HG, Joyce PR, Karam EG, Lee CK, Lellouch J, Lepine JP, Newman SC, Rubio-Stipec M, Wells JE, Wickramaratne PJ, Wittchen HU, Yeh EK. (1999) Prevalence of suicide ideation and suicide attempts in nine countries. Psychol Med 29(1):9-17. ■■World Health Organization (2000). Preventing suicide: a resource series. Geneva. Disponível em: http://www.who.int/mental_health/media/en/60.pdf, acessado em 23/11/2010. debate hoje | 15 Artigo Razões para viver! Razões para morrer! Uma abordagem fenomenológica do suicídio Razões para viver! Razões para morrer! Uma abordagem fenomenológica do suicídio S endo certo que o suicídio não é considerado uma doença mental em si próprio, também é certo que muitos o consideram como um sintoma de um estado depressivo. Mesmo que esta perspectiva não seja universal, a consideração do suicídio como o resultado lógico final de uma cadeia de acontecimentos negativos, de auto-atribuições negativas e de desesperança, é a maneira mais comum de perspectivar este acto tipicamente humano. No entanto, como Kral (1994) sugeriu, o suicídio não é mais do que uma ideia, muito embora uma ideia bastante má, que tem a ver não só com a vida psicológica dos indivíduos, mas também com as crenças e as normas sociais. Uma ideia que, ao realizar-se, se transforma num acto que, em certa medida, tem uma função: prover o indivíduo com uma solução para uma dor intensa, psíquica e pessoal. A vida ao terminar leva com ela essa dor insuportável. Solução trágica que nos interpela pela irrupção do inesperado matizado com essa tinta do horrível. O gesto suicidário é interprelativo precisamente pelo seu conteúdo não conceptualizável e sujeito a falsas interpretações. A sua hiperbólica expressão em excesso impulsiona-nos na busca do seu significado, as mais das vezes como resultado da projecção subjectiva da nossa incompetência face ao acenar do Outro na vertigem da sua dor. A abordagem que aqui pretendo fazer sobre o suicídio não é, propriamente, a de definir uma etiquetagem para as diferentes formas de as pessoas se suicidarem, mas antes encontrar o que há de comum no acto suicidário entre diferentes indivíduos que permita uma melhor compreensão. Isto é, a abordagem que vou aqui fazer vai dirigir-se ao mundo subjectivo, íntimo do indivíduo, à sua fenomenologia. No essencial, o que pretendo fazer é aproximar-me da intimidade do acto suicidário, na expectativa de poder traçar a sua genealogia, ancorada na dramática categoria da decisão. Porque é que uma determinada pessoa deseja por fim à sua vida e quais as razões que a levam a desejar morrer e a proceder em conformidade com tal desejo? Dito de outra forma: a questão central a partir da qual este trabalho se organiza pode ser formulada do seguinte modo: “porque é que num dado momento uma determinada pessoa decide escolher o modelo da tragédia e por termo à sua vida?” Sendo certo que este percurso nos encaminha para os meandros da intimidade do agir humano, também é certo que essa intimida- 16 | debate hoje de se revela, em pequenos detalhes, mesmo que incompletos, na expressão do adoecer. Por isso mesmo, o ponto de partida deverá ser a leitura da produção clínica que tem sido feita ao longo de muitos anos sobre esta questão. Sendo assim, irei começar este roteiro por um olhar sobre esse autêntico rio de tinta que é a produção escrita sobre o suicídio. Só depois, de olhar e criticar, poderei empreender o desafio a que me obriguei: a dissecação da intimidade do acto suicidário. 1. A escrita do suicídio Das páginas e páginas de livros e de revistas sobre o suicídio podemos retirar 4 grandes temas aglutinadores dos olhares sobre este acto humano. Esses 4 temas definem o suicídio em termos de motivação ou significado: a. O suicídio como luta, no sentido de agressão, raiva, angústia, rejeição. b. O suicídio como fuga, no sentido de escape, salvação, adormecimento, renascimento, reunião, desejo de morrer. c. O suicídio como medo, no sentido da solidão dolorosa, isolamento, abandono, desesperança, ansiedade, confusão, pânico, dor psíquica. d. O suicídio como peso, entendido como marca na história de uma família, como ódio familiar, memória genética ou familiar. Em qualquer das situações o suicídio, enquanto drama intrapsíquico resultante de uma dor psicológica insuportável, é um acto cuja finalidade visa a abolição da tensão dolorosa do indivíduo, como Murray (1967) referiu. É certo que, de uma certa maneira, essa resolução não pode ser entendida no mesmo sentido que uma outra qualquer decisão, não apenas pelas suas desastrosas consequências, mas também pelo facto de o indivíduo suicidário se encontrar, na grande maioria dos casos, num estado que muitos classificaram como de “constrição cognitiva”. Isto é, o indivíduo suicidário está quase sempre com rigidez do pensamento e estreitamento do campo cognitivo. Dito de uma forma figurada, o suicidário está como que intoxicado pela constrição, pelo que as suas emoções, a sua lógica e a sua percepção estão profundamente afectadas. J. Marques -Teixeira Professor Agregado da Universidade do Porto Neste enquadramento psíquico percebe-se que, com alguma facilidade, uma possível solução torna-se, então, a solução. Não que seja uma solução fácil, dado que o sujeito se encontra também, na maior parte das vezes, num estado de ambivalência, quer no que respeita à sobrevivência, quer no respeita à insuportabilidade da dor. Ou, dito de outra forma, o sujeito suicidário, dado este estado de alma, não consegue lidar adequadamente com a sua situação existencial. Cabe, pois, interrogar: mas o que é afinal esse acto tão complexo e paradoxal que faz que um indivíduo, por sua decisão, termine a sua existência? 2. O suicídio como uma ideia O que é uma ideia? Podemos defini-la simultaneamente como um plano intencional e como uma perspectiva arquetipal de algo muito específico. Enquanto plano intencional poderá ser referida ao plano consciente, enquanto perspectiva arquetipal poderá ser referida ao plano não consciente. Dito de outro modo: uma ideia pode ser algo em que se está a pensar neste preciso momento ou pode ser algo em que se pensou e que foi armazenado para uso futuro. O suicídio é algo semelhante a isto: torna-se um plano de fuga e transforma-se na fuga ela própria. E isto pode ocorrer antes, durante ou após um estado de perturbação. Mas como uma perturbação pode desaparecer, a ideia de suicídio não estará sempre presente. Os pensamentos acerca dele vão e vêm, por vezes fortes, outras vezes assustadoras e outras vezes ausentes. Retomando o conceito de ideia, o pensamento suicidário ou plano pode tornar-se um arquétipo fora do plano consciente, no entanto, pronto sempre para despertar assim que uma perturbação ocorrer. Já me referi por duas vezes a “perturbação”. O que é que quero significar com essa designação? O que se entende por perturbação que constitua um factor central para o plano suicidário? Entendoa no mesmo sentido que Schneidman falava de “dor psíquica” (Schneidman, 1993). Isto é, um estado profundamente pessoal que se tornou insustentável. Contudo, apesar da insustentabilidade que caracteriza a perturbação o seu papel não é, propriamente, a motivação para o suicídio, mas sim a motivação para a acção. E, dado que, como Schneidman (1985) frisou, “ninguém morreu apenas por apresentar uma elevada perturbação”, sendo a letalidade elevada o que é perigoso para a vida”, teremos que levantar a questão: qual é então a relação entre perturbação e suicídio? Entenda-se aqui as palavra relação como o conjunto de interacções que determinam o suicídio a partir da perturbação. Ou seja, estou a falar de um tipo particular de relação: a relação causal. Para poder responder a tal questão torna-se necessário avaliar o que se entende por “causa”. Esta análise é extremamente complexa dada a natureza multifactorial da causalidade deste fenómeno. Não é aqui o lugar e o tempo para proceder a esta análise. Não quero, no entanto, deixar de referir a asserção segundo a qual as causas devem ser entendidas, não de forma determinística de antecedente-consequente, mas de forma probabilística, em mudança permanente ao longo do tempo e baseadas em sistemas de retroacção recíproca que asseguram um determinado equilíbrio. Segundo este ponto de vista teremos de enunciar os factores ligados à perturbação que, estando presentes, aumentam a probabilidade de o suicídio ocorrer. Esses factores estão bem documentados na literatura, mas não me vou ocupar aqui da sua análise detalhada. Vou antes abordá-los em conjunto, dividindo-os em dois grandes tipos: (1) os factores proximais e (2) os factores distais, sendo que os primeiros se referem a factores que influenciam directa e proximamente a probabilidade da ocorrência de um acto suicidário, enquanto que os segundos se referem precisamente ao contrário. Apesar desta tipificação factorial, o que é certo é que a maioria dos trabalhos se ocupou dos factores proximais – tais como perdas, stress interpessoal, estados psicológicos e biológicos variados – estando, actualmente, bem documentada, a influência de um conjunto de factores proximais de risco ligados ao fenómeno da “perturbação” e ligados aos pensamentos sobre o suicídio. Este tipo de conhecimento, sendo importante, não nos esclarece quanto à questão da tomada de decisão de passar da ideia de suicídio à acção de se suicidar. Na verdade, não sabemos porque é que pessoas que congregam uma pletora de factores de risco listados por aqueles estudos, não cometem suicídio ao longo das suas vidas. Schneidman (1993) considerava que essa ignorância se deve ao facto de os factores de risco estudados não considerarem a variável que, no seu entender, teria um papel central no desencadeamento do acto suicidário: a dor psíquica. Esse conceito, ele próprio bizarro à luz da neurofisiologia, mas que Schneidman clarifica, aproximando-o da noção de “perturbação”. Não uma perturbação qualquer, mas de uma que está profundamente enraizada nas camadas mais intimas da pessoa e que se tornou intolerável. Seguindo os conselhos daquele autor, o que importa, pois, é saber quais são as características comuns aos factores que têm inundado a literatura, mas que afinal não explicam – pelo menos cabalmente – a decisão de alguém se suicidar? Uma análise dessa natureza sobre os factores que apresentam uma relação de proximidade temporal com o acto suicidário permitiu verificar que o que os liga a todos é um estado especial do sujeito que foi analisado por diferentes autores (Buie, Maltsberger, 1989; Clark, Fawcett, 1992; Rudd et al., 1993) e designado por Geertz (1984) como “a experiência subjectiva de perturbação”. Alguns desses factores, tais como, a depressão com todas as experiências correlativas de dor e sofrimento, os ataques de pânico, a labilidade afectiva, a preocupação resultante de estados de ansiedade aquando da presença de sintomas obsessivocompulsivos, salientam-se pela sua importância. No conjunto de experiências associadas a estes estados, emerge a perturbação enquanto estado psíquico de base, configurada, naturalmente, pela patoplastia própria de cada um daqueles estados mentais alterados. Essa per- debate hoje | 17 J. Marques -Teixeira Professor Agregado da Universidade do Porto Artigo Razões para viver! Razões para morrer! Uma abordagem fenomenológica do suicídio turbação basal foi definida por Buie e Maltsberger (1989) como “um estado subjectivo de vazio e de isolamento sem esperança de conforto que envolve, em certo grau, o sentimento de morte”. Embora menos frequentemente, também alguns factores de risco distais têm sido identificados, a maior parte deles relacionados com categorias sociais tais como pertencer ao sexo masculino, ser caucaseano, idoso, adolescente, homossexual, alcoólico, etc. Olhando para estes grupos podemo-nos interrogar em que medida existe alguma relação entre a pertença a um ou mais deles e a experiência de alienação social, mesmo que alguns desses factores se possam relacionar com diferentes aspectos do passado da pessoa. O que parece ser mais relevante em relação a este tipo de factores é o facto de eles parecerem estar primariamente relacionados com o risco de perturbação, e não, propriamente, com o risco de suicídio. Retomando o fio do pensamento atrás desenvolvido, relativamente ao papel deste conjunto de dados da literatura, resultantes da aplicação de um conjunto de instrumentos para análises estatísticas, teremos de concluir que a questão do suicídio continua, apesar de tudo, a ser olhada “por fora”, deixando de lado esse factor essencial para a compreensão do acto suicidário que é o “diálogo interior” que conduz a uma fatídica escolha: a do suicídio. Na verdade, as pessoas não se suicidam porque a estatística o sugere. Por isso, e dada a singularidade da experiência humana, um acto suicidário só pode verdadeiramente ocorrer quando um indivíduo tem alguma intenção consciente para pôr fim à sua vida, como Schneidman (1985) nos informou. Deste modo, a focagem terá de passar do “exterior” para os pensamentos, intenções, opções e escolhas, no contexto de uma experiência pessoal do intolerável. É certo que as razões da escolha da solução suicidária em detrimento de outras decorre, provavelmente, de um conjunto de factores que a literatura tem documentado, tais como défices nos processos de resolução de problemas (Schotte et al., 1990), rigidez cognitiva (Bartfai et al., 1990), ou nas atitudes que o sujeito tem face ao suicídio, nomeadamente a aceitação do suicídio como um método de lidar/escapar a certas circunstâncias stressantes (Domino et al., 1982; Rogers, DeShon, 1992). Mesmo assim, estes e outros dados, embora apontem para a possibilidade de a perturbação aumentar a vulnerabilidade para o suicídio, nenhum deles resultou de uma abordagem que pretendesse responder à questão central desta escolha: porquê o suicídio? Provavelmente isso não aconteceu porque a abordagem à resposta a esta questão não é fácil e, em consequência, como a própria resposta está longe de estar esclarecida. Quando isto acontece, a estratégia a seguir deverá ser a de se abordar o problema de outro ângulo. Foi precisamente o que aconteceu com um conjunto de estudos que analisaram algumas características psicológicas de sujeitos de grupos específicos que tiveram tentativas de suicídio. Nesse sentido, Duberstein (1996) avaliou dados da personalidade de um extenso estudo sobre autópsias psicológicas, tendo concluído que os suicidários idosos apresentavam valores mais baixos na dimensão “abertura à experiência” do teste de personalidade BIG- 5, comparando-os com sujeitos suicidários mais jovens. Desse estudo, no que respeita aos sujeitos idosos, o autor concluiu 18 | debate hoje que a escolha do acto suicidário estava condicionada às características de personalidade do sujeito, nomeadamente ao facto de esses suicidários apresentarem um auto-conceito rígido com mecanismos de coping limitados e ao facto de serem incapazes de apreciar ou tolerar a incerteza ou a ambiguidade e de conterem aspectos conflituais. Todas estas características não só configuram uma capacidade de adaptação diminuída, como indicam que a característica de personalidade atrás referida – baixa abertura à experiência – pode explicar, em parte, a observação segundo a qual os idosos normalmente não comunicam as suas intenções. Ora, como se sabe que as suas intenções relativamente ao cometimento de um acto suicidário são relativamente elevadas e a sua inserção social é, normalmente, limitada, isso significa que a primeira tentativa de suicídio nos idosos pode ser a última, por ser fatal. Para um outro grupo específico – o dos jovens – existe também evidência empírica suficientemente consistente que permite sustentar a asserção segundo a qual alguns factores de risco estão relacionados com uma perspectiva do suicídio mais positiva. Parece que um dos factores que mais influencia essa visão relativamente positiva do suicídio é a informação veiculada pelos mass media. De facto, Bibla et al. (1991) verificaram que os jovens com alguns factores de risco associados à “perturbação”, tais como terem más relações com os pais, apreciavam o suicídio de uma forma mais positiva após terem sido expostos a filmes sobre o suicídio. Também Breckler (1993) encontrou algumas evidências no facto de as pessoas tristes serem mais fortemente influenciadas por “mensagens fortes dos media” do que as pessoas alegres. Parece, por estes estudos, que a existência de um estado de perturbação aumenta, de facto, a vulnerabilidade para a ideia de suicídio. Mas, continuamos sem saber como é que essa ideia se torna uma ideia letal. Isto é, se decide passar da ideia ao gesto. Um caminho possível para a aproximação a esta questão centrase na análise da génese dos nossos actos. 3. A construção social da ideia de suicídio Recolocando o problema: a questão formulada encaminha-nos para a análise dos mecanismos que regem a determinação dos nossos actos. Façamos, então, uma incursão sobre alguns aspectos desses mecanismos, na tentativa de elucidação da difícil questão em jogo. A forma como nos comportamos tem – ninguém questiona – raízes profundas nos programas genéticos actualizados pela aprendizagem, nos programas sociais actualizados pelas necessidades adaptativas do ser humano e na criatividade psicológica, autêntico aglutinador das determinações biológicas e sociais. Neste jogo tripartido todos nós somos agentes de repetição de semelhanças que percebemos nos nossos mundos sociais até que essas repetições se tornam parte da literatura, da arte, dos costumes, da moda, de cultos, de rumores e mesmo em tipos de comportamento criminal (veja-se, a este propósito, ver Les lois de l’imitation, 1890, de Gabriel Tarbe). Nessa obra, o autor defende que a imitação de crenças normativas é elemento fundador da identidade individual que, por sua vez, reforça a norma. Continuadores desta ideia de Tarbe têm reforçado a noção segundo a qual as relações Artigo Razões para viver! Razões para morrer! Uma abordagem fenomenológica do suicídio entre a cultura e o eu se aproximam de um equilíbrio social contínuo (p. ex. Gergen, 1991; Fitzgerald, 1993; Spitulnik, 1993; Tomasello et al., 1993, entre outros). Dito de outro modo e de forma sintética: a estrutura do conjunto das nossas ideias e atitudes, a sua sensibilidade e aceitação obedecem à lógica social; isto é, são socialmente construídas. Se isto acontece para o conjunto das ideias, então também para a ideia de suicídio isto se pode aplicar. Neste jogo de leitura do gesto suicidário, a hipótese a colocar é a seguinte: a letalidade do acto suicidário decorre da ideia e da lógica social do suicídio. Como corolário desta hipótese decorre que a perturbação constituirá o elemento fermentador do acto suicidário, enquanto que a lógica social constituirá o seu elemento activador. A evidência para esta hipótese chega-nos da análise do fenômeno do suicídio em grupos pequenos. O chamado suicídio por contágio. Este tipo de suicídio ocorre quando um número raramente elevado de suicídios acontece num curto espaço de tempo, num enquadramento determinado (escola, grupo social, etc). das várias referências a este tipo de suicídio (p. ex., Davidson, 1989; Taiminn et al., 1992; Takahashi, 1993) pode-se concluir que a ocorrência de suicídios na comunidade ou em pequenos meios sociais pode produzir uma certa familiaridade e aceitação da ideia de suicídio, como Gould et al. (1989) referiram. Um fenómeno semelhante – o fenómeno da aceitabilidade da ideia – pode ser observado relativamente ao método suicidário, como os antropologistas já há muito noticiaram no que se refere às diferenças nos métodos de suicídio entre várias sociedades, sendo por vezes muito “estereotipados e distantes” (La Fontaine, 1975). Com um cenário desta natureza pode-se fazer um movimento de aproximação à questão central desta reflexão: como é que alguém faz esta escolha? Olhá-la por este ângulo é dar conta do papel da aprendizagem na decisão-escolha de uma determinada acção. Tratando-se de uma escolha específica, não pode ser originada a partir da interferência única do nosso mundo intrapsíquico, normal ou patologicamente perturbado. Esse mundo com certeza que contribui para a emergência da “perturbação” da qual muito se falou neste texto. O outro mundo, aquele que nos molda a existência, interfere-nos ao ponto de, por vezes, ser letal. Já estão a ver onde quero chegar! Não é muito longe, garantovos. Apenas um pouco mais além do que um simples silêncio. O suficiente para murmurar que o gesto suicidário não é um átomo isolado do turbilhão de uma mente perturbada pela “perturbação”. Para sugerir que é um gesto letal que assinala esse processo complexo que consiste na transmutação de esquemas sociais em planos pessoais. Um gesto ruidoso que revela a existência não pela confissão, não pela declaração, nem mesmo pela vivência, mas pela acção. Essa acção que nos obriga sempre a recuar reflexivamente face ao sulco marcado no espaço do quotidiano. A resposta lógica à equação enunciada no início deste trabalho relativamente aos dois componentes essenciais da ideia de suicídio – a perturbação e a letalidade – seria a de considerar o acto suicidário como o resultado de um processo interactivo entre 20 | debate hoje estados originários da mente – perturbações – com estados originários da esfera social – letalidade. Mas, meus caros leitores, não passa de uma resposta lógica. É uma resposta que serve para apaziguar as mentes dos que têm desenvolvido o grande esforço de investigar as condições que aumentam a probabilidade de uma determinada pessoa poder tornar-se mais vulnerável para o desenvolvimento de uma “perturbação” na sua vida psicológica. Esse esforço, apesar de importante, pouco acrescenta à compreensão das determinações probabilísticas que regem a escolha e decisão de alguém se suicidar. O meu esforço foi para alertar que todo o trabalho que tem sido desenvolvido sobre os componentes da génese da ideia de suicídio e sobre os elementos que determinam a sua actualização num gesto fatal não chega para a compreensão nem do seu significado, nem da sua decisão. Basta mudarmos o ponto de vista para vermos que somos mais determinados pelo meio do que aquilo que porventura pensamos. Por isso, pretendi aqui dizer que, no que respeita ao gesto suicidário, assim como no que respeita a todo o comportamento humano, a lógica linear não é aplicável e que devemos tomar a sério o princípio da incerteza aplicado às ciências psicológicas e sociaise afastar de vez as predições determinísticas do comportamento humano em geral e do comportamento suicidário em particular. O que sabemos é que, pelo menos à luz dos conhecimentos actuais, não sabemos quando e como um acto suicidário vai acontecer. Com esta verdade em mente, talvez nos libertemos desse tipo de atavismo e possamos começar a compreender melhor o significado deste acto complexo. Não consigo deixar de pensar numa obra recente de Daniel Sampaio, onde, com a sua arte literária e com a sua experiência clínica nos levanta o véu sobre a intimidade do desespero humano. A esse propósito, em tempos, escrevi: “Batem as portas em tons de suicídio”... onde colocamos nós o centro da tensão desta frase? No som? No gesto suicidário? No que nos evoca em torrentes de sentimentos? Esta incerteza deixada ao leitor, corre a par com a certeza da sua afirmação: a sensação de ansiedade mantém-se mesmo quando a narrativa continua. Este pulsar inicial do tema e a sua recorrência ao longo da obra, contribuem para a emergência de um sentimento de suspensão do movimento dramático. A sua simples repetição pelo narrador introduz um elemento transitivo entre o cliente e o seu terapeuta: a dor contida nesta frase a ambos afecta. “Sentia-me num caminho abandonado junto ao mar”... ouvimos do diálogo que o cliente mantinha consigo próprio, anunciando o medo, o desespero, a perplexidade, expressão síntese de um sofrimento brutal; captado por este terapeuta atento e ecoado nas profundezas da sua pessoa: “O alarme da sua dor moral permanecia dentro de mim”. O impacto desta “frase-feita-desom”, tematicamente angustiante, é imediato, disponível ali sem reflexão, porque essa já tinha sido feita pelo autor: “mesmo hoje não tenho certezas sobre o que levou estes jovens ao suicídio”, deixando no ar a dúvida da experiência de quem sabe que nunca se sabe ver- J. Marques -Teixeira Professor Agregado da Universidade do Porto dadeiramente os motivos que acabam por conduzir a este gesto. É a este gesto que pretendemos captar o significado, mas que nos escapa em permanência. Na verdade, perante um gesto, podemos ter-lhe acesso pela linguagem e pela explicação, mas estas nunca deixam de ser aproximações, traduções, e nunca o substituem. Um gesto é completo: aguenta-se por si; tem um princípio, um meio e um fim; e produz um sulco no espaço e através do tempo. Foi criado para significar um átomo de significado, um movimento. Os actos suicidários deixam sulcos sob a forma de uma angústia dolorosa: o que é que não foi feito que levou à vertigem da morte? A proposta que aqui vos deixo não é para desvelar o que não pode ser desvelado. É antes para lembrar que “o que não pode ser explicado deve passar em silêncio”. Referências: ■■Bartfai, A Winborg, I, Nordstrom, M & Asberp, M (1990). Suicidal behavior and cognitive flexibility: design and verbal fuency after attempted suicide. Suicide & Life-Threatening Behavior. 21: 254-266. ■■Bibla, A, Brown, R, Noonan-Biblarz, D, Pilgrim, M & Baldree, B (1991). Media influence on attitudes toward suicide. 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Behavioral and Brain ■■Sciences. 16: 496-552. debate hoje | 21 Artigo Suicídio e cultura: uma proposta para o fortalecimento da rede de cuidados em saúde mental Suicídio e Cultura Uma proposta para o fortalecimento da rede de cuidados em saúde mental O vocábulo “suicídio”, ao que tudo indic,a seria derivado do Latim a partir das palavras sui (si mesmo) e caedes (ação de matar) do verbo (caedo, is, cedici, caesum, caedere). Alguns pesquisadores situam a origem desse termo na Inglaterra e o atribuem a Sir Thomas Browne, que o publicou em seu livro “Religio Medici”, em 1643. Mesmo tendo pouco uso no início, essa palavra foi-se estabelecendo como substantivo e como verbo, sendo então admitida e incorporada ao Dicionário Jonhson. Considera-se que esse vocábulo foi usado pela primeira vez na França pelo abade Prevost, em 1734, mas alguns, incluindo Esquirol, mencionam o abade Desfontaine, que em 1737, primeiramente, teria usado essa palavra, e equivocadamente acreditando ser um vocábulo surgido na língua francesa: Dans aucune langue il n`y a de terme pour exprimer l`action par laquelle l`homme met fin à sa propre existente. Lê terme qui nous manquait pour exprimer une action devenue malheureusement trop fréquent, fut créé dans le dernier siecle par le fameux Desfontaines. Suicidum, melancolia anglica de Sauvages, Suicide de Pinel. (Esquirol, Dês maldies mentales, página 527, 1838). O fato de a palavra suicídio ter surgido tardiamente (apenas no século XVI) implica que o suicídio antes não existia ou era pouco frequente? Evidentemente que não. O comportamento suicida, esse, independentemente de polêmicas sobre a origem do termo, sempre existiu e vamos encontrar relatos mais ou menos numerosos em todos os povos, remontando aos tempos mais antigos da humanidade. Mesmo nas culturas pré-históricas temos evidências de sua existência. O que vai mudar ao longo dos tempos é basicamente como esse ato é encarado. Em alguns países e culturas ele vai ser tolerado, em outros condenado pela lei, como um crime, em outros aceito em determinadas circunstâncias. No poema egípcio de 2255-2035 a.C, “Diálogo de um cansado da vida com sua alma”, descreve-se o debate de um suicida com seus impulsos autodestrutivos. Ainda nesse país, se o dono dos escravos ou o faraó morriam, eram enterrados com seus bens e seus servos, os quais deixavam-se morrer junto ao cadáver do seu amo. Também no Egito, desde o tempo de Cleópatra, o suicídio gozava de tal favor, que se fundou a Academia de Sinapotumenos que, em grego, significa “matar juntos”. Os habitantes da ilha de Ceos, no arquipélago grego, se envene- 24 | debate hoje navam quando ultrapassavam a idade de 60 anos, para que, segundo Strabon, citado por De Lise em 1856, restasse comida para que os mais jovens vivessem. Mais tarde, possivelmente quando a subsistência deixou de ser um problema, uma lei teve que regulamentar esse costume, que só poderia ocorrer após os motivos serem explicados, com autorização de magistrados. No México antigo, a deusa Maya Ixtab era a protetora dos que cometiam suicídio, um modo de morrer frequente na população indígena desse país. Ela é representada com uma corda ao redor do pescoço e manifestações de putrefação no rosto. Para os Vikings, o Valhalda, que era uma festa perpétua entre os deuses e os heróis, era reservado para os guerreiros mortos em batalha. Os suicidas eram os segundos e podiam se assentar logo abaixo dos deuses e heróis. Para aqueles que morressem na cama, era reservada a pior sorte e eles podiam comer com os ajudantes da cozinha e dormir nos estábulos. No oriente, o suicídio era visto como um ato legítimo, ou pelo menos, neutro. No Japão antigo, descreve-se o harakiri e o seppuku como formas de suicídio tradicionais e que deveriam ser executadas por quem perdeu a honra, pois continuar vivendo seria uma desonra para ele e sua família. De Lise, em 1856, citando Flavius-Josephe na “Histoire de la guerre dês juifs contre lês romains”, no livro VII, capítulo XXXIV, descreve o suicídio na Índia como sendo comum e aceitável na época dos Romanos. “Alors ces hommes, pour purifier leurs ames et lês séparer de leurs corps, se jettent dans lê feu quìls ont eux- mêmes fait préparer, et leur mort est suivie dês louages de toux ceux qui em sont lês spectateurs” Ainda, na Índia, durante séculos, as viúvas eram obrigadas a se suicidar, e elas deveriam se imolar na pira funerária do esposo, costume denominado suttee e que só foi declarado ilegal apenas no primeiro terço do século XIX (Stone G, 1999). Entre os gregos, as opiniões sobre o suicídio eram bastante variadas. Algumas cidades, como Atenas, Esparta e Tebas, estipularam punições para os corpos do suicidas, enquanto outras não. Entre os atenienses, a mão dos suicidas que havia servido de instrumento à realização do crime era cortada pelo carrasco e queimada ou enterrada separadamente do restante do corpo. Em Tebas era Fernando Neves, Humberto Corrêa e Rodrigo Nicolato Departamento de Sáude Mental da UFMG proibido lhes render as últimas homenagens e sua memória estava manchada. As leis espartanas também eram severas, se consideramos o ocorrido com Aristodemo, que foi privado das honras da sepultura. Também, cada uma das várias escolas filosóficas tinha sua própria posição sobre a questão e que variavam de uma completa oposição, como entre os Pitagóricos, até uma completa aceitação, como entre os epicurianos. Platão e Aristóteles, possivelmente os dois pensadores que mais influência exerceram sobre a cultura ocidental, também tinham suas próprias posições sobre o suicídio. Aristóteles era radicalmente contrário, enquanto que a posição de Platão, embora também fosse contrária, era algo mais flexível. Platão levanta, por exemplo, a questão do suicídio em Phedo, onde Sócrates debate com seus amigos antes de beber a cicuta. “Os deuses são nossos mestres, nós pertencemos a eles, e nós não temos o direito de quitar sua companhia” mas “Talvez desse ponto de vista seria razoável dizer que um homem não deve matar a si próprio a menos que deus envie alguma necessidade sobre ele, como agora acontece comigo”. Assim, a proibição do suicídio para Platão tem três exceções: 1- Condenação (caso de Sócrates). 2- Dor insuportável ou doença incurável. 3- As misérias do destino, que incluiriam uma série de situações, como extrema pobreza ou vergonha. Entre os romanos, temos uma noção de que, de forma geral, o suicídio era visto de forma neutra, às vezes até positiva, e Roma é reputada por ter sido a cidade onde o suicídio era mais glorificado. Uma expressão foi-nos passada da antiguidade, “Morte Romana”, para designar uma forma honrosa de suicídio, que seria muito comum em Roma. Um pesquisador, Yolande Grisé, citado por Minois, contabilizou 314 casos de suicídio entre proeminentes romanos no período que vai do quinto século antes de Cristo até o segundo século depois de Cristo. Esse tipo de visão teve provavelmente entre os estóicos os maiores defensores e difusores e Sêneca, o estóico romano, que cortou as artérias em uma banheira, dizia que: “Viver não é um bem, se não se vive bem. Para isso o homem vive o melhor que puder e não o mais que puder”. Vários exemplos são conhecidos na antiguidade greco-romana sobre suicídios que, após uma derrota, ou para manter a honra, eram cometidos, e que ilustram o conceito de “Morte Romana”: 1- Após a guerra de Troia, Ajax era visto escolhido como segundo herói, atrás apenas de Aquiles. Com a morte desse surgiu, entretanto, uma controvérsia para se escolher com quem ficaria a sua armadura. Ulisses ganhou essa discussão. Essa ferida no seu orgulho foi insuportável para Ajax que se transfixou com sua espada (Maris RW e cols., 2000). 2- Lucrécia foi estuprada pelo tio de Tarquínio o Soberbo, sétimo rei romano. Com a espada em punho, ele lhe diz que a mataria, bem como a um escravo, e diria ao seu marido e aos seus parentes que havia pego a ambos no intercurso de um ato sexual. “Tarquínio, por esse terror, submete o pudor obstinado de Lucrécia. ...Para salvar sua reputação, Lucrécia reuniu o seu pai e o seu marido, contoulhes o que havia ocorrido e, para dar mais força às sua palavras, suicidou-se”. Após esse evento, houve uma série de revoltas em Roma, que culminaram com o fim da monarquia, a expulsão do dinastia dos tarquínios e o início da república. Lucrécia, com seu gesto, tornou-se símbolo das virtudes da mulher (Tite Livio, 1944). 3- Quando César derrotou seu adversário Cato no norte da África em 46 a.C., ele entrou na cidade de Útica e se matou e, assim, “Cato Uticenses” tornou-se um símbolo de morte honrada. Contase que Cato teria lido por duas vezes ao Phedo de Platão antes de se matar (Maris RW e cols., 2000). Apesar desses e de inúmeros outros exemplos de “mortes heróicas’’, é bastante questionável a real importância desse comportamento enquanto atitude popular, de massa, e pode ser considerada mais um mito, baseado em algumas fontes específicas vindas na maior parte da aristocracia e difundida por autores como Tácito. Também entre os romanos, assim como entre os gregos, as opiniões sobre o suicídio variaram de um período a outro e variavam também de acordo com a classe social. Nós veremos adiante que certa ambivalência, ou até mesmo rechaço desse tipo de conduta, sempre esteve presente em paralelo à chamada “Morte Romana”, principalmente após o segundo século após Cristo, com a perda de influência dos estóicos. Nos primórdios do cristianismo, houve uma certa atração pelo suicídio; também para eles a morte não era importante, mas por razões muito diferentes daquelas que nos foram passadas pelo mito da “Morte Romana”. Para os cristãos, o suicídio era muitas vezes indistinguível do martírio e uma forma de se alcançar o paraíso. Em muitos casos, os cristãos se jogavam sobre as piras onde seus companheiros estavam sendo queimados. Muitas mulheres cristãs se mataram para escapar de seus perseguidores e estupradores. Elas eram vistas como exemplos de moralidade, espécies de Lucrécias cristãs. Mesmo a morte de Cristo foi vista por Tertuliano, um dos pais da doutrina cristã, como um tipo de suicídio, pois, para ele, Jesus conhecia o que o esperava em Jerusalém, ele deliberadamente dirigiu-se à morte, sem fazer nada que a evitasse. A lista de passagens em que Mateus, Paulo, Pedro ou Lucas se expressam de forma a mostrar que a vida terrestre fosse desvalorizada e até estimulem o suicídio é grande: “Quem queira salvar sua vida, a perde, mas quem perde a sua vida pela minha glória, a ganha (Mateus 16.25)”; “Se alguém vem a mim sem dar as costas ao seu pai e mãe, sua esposa e filhos, seus irmãos e irmãs, além de se próprio, não pode ser meu seguidor (Lucas 14.26)”; “O homem que ama a sua vida a perde, enquanto que o homem que odeia sua vida nesse mundo a preserva na vida eterna (João 12.25)”. Essas e outras assertivas sem dúvida colaboraram para os vários suicídios conhecidos entre os primeiros cristãos, principalmente nos momentos em que estavam sendo perseguidos e davam suas vidas para a glória de Deus e para alcançarem a vida eterna. Após o quarto século, quando a igreja cristã tornou-se dominante, vamos assistir a uma mudança radical da percepção do suicídio. Note-se que, no Antigo Testamento, temos nove suicídios descritos, o de Abimalec sendo o primeiro deles, mas nenhum deles é condenado ou criticado. No Novo Testamento, temos um suicídio descrito, o de Judas Iscariotes (Barrero Perez S, 2002). Uma atenção especial às origens dessa mudança, que são tão influentes na cultura ocidental e que transformaram o suicídio em tabu, merecem ser discutidas em mais detalhes. Na antiguidade, apesar de alguma permissividade em relação ao debate hoje | 25 Fernando Neves, Humberto Corrêa e Rodrigo Nicolato Departamento de Sáude Mental da UFMG Artigo Suicídio e Cultura: Uma proposta para o fortalecimento da rede de cuidados em saúde mental suicídio, e até uma valorização dos chamados suicídios heróicos, uma certa ambiguidade, ou mesmo recusa, existiam em paralelo. Como exemplo, podemos citar que havia um tratamento diferente aos herdeiros de suicidas, em particular suicídio por enforcamento, em Roma. Nessa cidade, mesmo antes do triunfo do cristianismo (mas por razões independentes da doutrina cristã), a condenação ao suicídio gradualmente vai se tornando a regra no Império Romano. Muitos filósofos, gregos e romanos, como vimos, vão também expressar dúvidas sobre a aceitabilidade do suicídio. Não é um ato associal, que prejudica a comunidade? Não é um escape covarde? (Aristóteles). A origem dessa mudança se encontra provavelmente nos filósofos que, a começar por Pitágoras, construíram uma visão dualística do homem, constituído de corpo e alma. O platonismo vai refinar essa visão dizendo que o homem não teria o direito de forçar o elemento divino para fora do corpo. Apenas Deus tem o poder sobre vida e morte. Matar a si mesmo era como um escravo fugitivo que roubou a si mesmo de seu mestre. Platão dizia que o suicídio é um ato desonroso e um cidadão não poderia privar a sociedade de sua vida cívica. O platonismo, de forma renovada, altamente espiritualizada, foi a escola de pensamento de todas as pessoas educadas na antiguidade tardia, e certamente os pais da igreja cristã, que deram uma formulação definitiva a essa doutrina, sofreram influência do Neoplatonismo (Maris RW e col., 2000). Um aspecto muito importante na postura cristã diante do suicídio é o mandamento “Não matarás”, dos dez mandamentos. No século IV, Santo Agostinho vai rechaçar completamente o suicídio. Ele, ao ser nomeado bispo de Hippo, foi confrontado com a igreja Donástica, um movimento depois considerado herético, que venerava como santas as pessoas que se jogavam de alturas para atingir o céu. Para enfrentá-los, Santo Agostinho vai no “Cidade de Deus” dar uma nova explicação ao sexto mandamento, o “não matarás” como significando “nem a outro nem a si próprio”. Para justificar seu argumento, ele utiliza a história do Novo Testamento, em que Cristo é tentado por Satanás, que o colocou nos pináculos do templo de Jerusálem e disse: se você é o filho de deus, joguese. A recusa de Cristo é vista por Santo Agostinho e pela maior parte dos teólogos que o sucederam como uma evidência de que o suicídio seria a pior sina imaginável. Agostinho reforça sua condenação ao suicídio com outros argumentos: “Aqueles que matam a si próprios são covardes incapazes de enfrentarem seus testes; é sua vaidade que o induz a dar importância ao que os outros pensam deles. Nenhuma circunstância desculpa o suicídio, nem mesmo o estupro. Se a alma de Lucrécia permaneceu inocente ,ela não tinha razão para se matar...”, diz Agostinho. Vejamos esse extrato, bastante ilustrativo, do Cidade de Deus, livro I, capítulo XXIV, extraído de Lisle E, 1859, página 390. “Saint Augustin n’admet même pas ces exceptions. Ce nest pas sans raisons, dit-il, que, dans les livres saints, on ne saurait trouver aucun passage oú Dieu nous commande ou nous permette, soit pour éviter quelque mal, soit même pour gagner la vie éternelle, de nous donner volontairement la mort. Au contraire, cela nous est interdit par le precept, tu ne tueras point. Ces termes sont absolus; la loi divine n’y ajoute rien qui les limites: d’oú il suit que la défense est générale et que celui-lá même à qui il est commandé de ne pas tuer ne s’en trouve pas excepté…” As autoridades eclesiásticas, após Santo Agostinho, vão unani- 26 | debate hoje memente condenar o suicídio. Em 452, o concílio de Arles proclamou que o suicídio era um crime, que só poderia ter como causa uma “fúria demoníaca”. Em 563, o concílio de Praga estabeleceu que os suicidas não seriam honrados com nenhuma comemoração do Santo Sacrifício da missa e que o cântico dos Salmos não acompanharia o seu corpo na descida do túmulo, enquanto que no concílio de Orleans se promulgaram penas eclesiáticas para prevenir esse tipo de ato, que foi também matéria de reflexão nos concílios de Braga y Toledo, em 693, quando se determinou o tipo de castigo que receberiam aqueles que tentassem se matar, e se determinou que todos os sobreviventes de tentativas de suicídio deveriam ser excomungados. Estas posturas acompanharam os tempos e chegaram ao século XXI, como se pode ler ainda no atual Catecismo. Apesar disso, parece existir alguma tolerância e flexibilidade da Igreja Católica, principalmente após o Papa Bento XV, em 1918, ter admitido a insanidade mental dos suicidas. Este fato associado também à possibilidade de um arrependimento à hora da morte poderia assim permitir a missa e outros ritos tradicionais no funeral católico. As autoridades seculares seguiram a doutrina da igreja. No século X, o rei Edgar da Inglaterra, em um de seus decretos, assemelha os suicidas aos assassinos e ladrões. No século XIV, na Inglaterra, declarou-se o suicida como sendo um felo de se e passível de confiscação de suas propriedades. Note-se que nesse país, até 1961, as pessoas que tentavam suicídio podiam ser punidas pela lei. Na França, Luis XIV determinou que o corpo do suicida fosse arrastado pelas ruas, com o rosto voltado para o chão, e, em seguida, ou era pendurado pelo pescoço ou lançado na estrumeira. Dante, na Divina Comédia, colocou os suicidas no centro do inferno por considerar a desesperança o pior dos pecados. Vejamos alguns suicídios de pessoas comuns, conforme descritos por George Minois, 1995, e a atitude da sociedade medieval em relação a eles: 1- Em 1257, um parisiense jogou-se no Sena. Quando ele foi resgatado, ele tomou a extrema-unção, logo antes de morrer. A família reclamou o seu corpo baseado no fato dele ter morrido “em estado de graça”. A corte, entretanto, sentenciou seu corpo à tortura. 2- Em 1278, um homem cometeu suicídio em Reims. Os monges de Saint-Remy enforcaram o seu corpo, mas o parlamento de Paris ordenou-os enviar o cadáver ao arcebispo, pois somente ele tinha o direito de enforcar criminosos. Na Renascença, temos um período de retomada dos valores grecoromanos e uma compreensão mais profunda da individualidade humana. Em alguns, isso se expressava por uma glorificação dos antigos heróis, como Cato, Brutus e Sêneca, em outros em um maior respeito pela dignidade humana. De qualquer forma, a incondicional condenação do suicídio, pregada pela igreja católica, começou a ser questionada. Na Holanda, Erasmus de Roterdã, no seu Elogio da Loucura, defendeu o suicídio que fosse cometido para se escapar de uma vida insuportável. Michel de Montaigne, na França, explicitou a autonomia humana. “A morte mais voluntária é a melhor. ...O homem sábio não é aquele que vive tanto quanto ele pode, mas aquele que vive tanto quanto deveria. A natureza nos deu apenas uma forma de entrar na vida, mas centenas para sair. Quando Deus nos reduz a um estado em que é pior continuar vivendo do que morrer, ele está nos dando permissão Fernando Neves, Humberto Corrêa e Rodrigo Nicolato Departamento de Sáude Mental da UFMG Artigo Suicídio e Cultura: Uma proposta para o fortalecimento da rede de cuidados em saúde mental para morrer.” John Donne, poeta inglês, escreveu por volta de 1610 seu poema “Biathanatos” em defesa do direito ao suicídio, que foi publicado postumamente em 1647. Curiosamente, Donne era Anglicano, capelão do rei. Em seu livro, Donne tenta mostrar que a condenação do suicídio deriva de princípios falsamente considerados como sendo auto-evidentes, e que “self-homicide” está longe de ser uma sina absoluta, mas que a teologia medieval o havia assim transformado. David Hume, filósofo do século XVIII, no seu ensaio “On suicide” expressava: “A prudência e a coragem nos animam a acabar com nossa existência quando essa resultar em uma carga muito pesada para ser carregada”.(Minois G, 1995). Shakespeare retratou em sua peças 14 diferentes suicídios, em suas 8 tragédias, sem nunca condená-los, mas ao contrário perguntando: “Then is it sin, to rush into the secret house of death, Ere death dare come to us?” Esse tipo de visão se tornou mais e mais comum, embora sempre em oposição ao pensamento da igreja e de muitas outras vozes. Após o século XVII, com o advento do iluminismo, as crenças tradicionais começaram a ser revistas com um olhar mais crítico, mais céptico. Com isso, o tratamento brutal ao qual eram submetidos os suicidas e as pessoas que tentavam suicídio foram aliviados em várias partes da Europa. Por exemplo, as leis contra o suicídio na França foram relaxadas na época da Revolução Francesa; na Prússia, o código penal de 1794 não mais punia pessoas que tentavam suicídio. Os românticos do final do século XVIII e início do século XIX, (Byron, Keats, Chateubriand, Lamartine, Goeth) foram ainda além e glorificaram o suicídio como um ato heróico de um homem livre. O livro de Goeth, “As amarguras do jovem Werther”, é particularmente interessante. Esse livro foi escrito em 1774 e descreve as desventuras amorosas do personagem principal, Werther, que termina por se suicidar. O livro foi achado ao lado de vários jovens que se suicidaram e Goeth chegou a ser acusado de assassinato. Seu livro foi proibido em Leipzig e toda a edição italiana foi destruída pela Igreja Católica de Milão. Esse evento ilustra, como discutiremos mais adiante, a possibilidade de “contágio” do suicídio“, principalmente em jovens. De qualquer forma, o que podemos observar é uma gradual mudança na percepção da sociedade em relação ao suicídio, que, ao invés de simplesmente o condená-lo, tentar compreendê-lo. O suicida passa pouco a pouco a ser desculpado como sendo non compos mentis (não tendo a cabeça no lugar). Isso vai acontecer, interessantemente, em um momento em que se começa a discutir o tratamento dos doentes mentais e a se abrirem instituições para o tratamento desses pacientes. Digno de nota é o fato de que a primeira teoria psiquiátrica para explicar o suicídio foi feita por Esquirol, considerado o “fundador” da teoria psiquiátrica do suicídio, e que foi discípulo de Philipe Pinel, considerado o “fundador” da moderna psiquiatria. Durante o século XX, foram construídas teorias para “explicar” e “compreender” o comportamento suicida. São elas as chamadas teorias psiquiátrica, herdeira direta de Esquirol; a teoria psicoló- gica, que tem em Freud um de seus fundadores (apesar de Freud, ele mesmo, ter pouco trabalhado a questão do suicídio, é inegável o papel que teve a psicanálise no século XX e as contribuições de inúmeros psicanalistas para a compreensão do comportamento suicida); e a teoria sociológica, que tem em Durkheim seu fundador. Apesar dessas abordagens científicas, são ainda inegáveis os tabus e conflitos de nossa sociedade em relação ao comportamento suicida. Apesar de ser um assunto de saúde pública, no Brasil e em grande parte do mundo, ainda é tema pouco discutido, pouco abordado abertamente, fora do meios “especializados”. Essa atitude de nossa sociedade, certamente pode ser explicada, ao menos em parte, pelo nosso passado cristão-ocidental, como tentamos mostrar. Conclusões Ate o século XVII, o suicídio foi tratado principalmente por um viés filosófico-moral-religioso. Apenas no século XIX tentou-se uma abordagem mais científica com Esquirol na psiquiatria e Durkheim na sociologia com seu “Le suicide”. Os filosófos gregos e romanos se indagavam sobre se o suicídio seria aceitável ou se era honroso ou se era prejudicial à sociedade. Após o advento do cristianismo, a questão principal passou a ser se ele deveria ser proibido e, depois de resolvida essa questão, como ele deveria ser proibido e punido. A partir do século XIX, o foco passou a ser tentar endendê-lo, e em vários aspectos diferentes: psiquiátrico, sociológico, psicológico e, mais recentemente, biológico. Ou seja, as perguntas mudaram e passaram a ser quem se mata, quantos fazem isso, porque fazem isso, em que condições, quais as características de quem se mata, quais as substâncias ou genes estão alterados em quem se mata. Inegável ainda, entretanto, é o fato de ser ainda visto por nossa sociedade como um assunto tabu, pouco abordado fora dos meios “especializados”, certamente em função de nossa cultura cristã-ocidental, como tentamos mostrar em nosso texto. Referências ■■Baume P, Cantor CH, Rolfe A. Cybersuicide: the role of interactive suicide notes on the Internet. Crisis. 1997;18:73-79. ■■Houaiss, A., Villar, M.S.,Franco, F.M.M. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001. ■■Lisle E. Du suicide. Statistique, médecine, histoire et legislation. Balliere JB, Paris, 1856. ■■Minois G. 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O determinismo multifatorial do suicídio impõe-nos, de início, analisar cada fator de risco com prudência (Passos, 2009). Muitos pacientes são liberados dos serviços de emergência após uma tentativa de suicídio sem ter uma avaliação psiquiátrica para o risco de suicídio ou conduta médica adequada. Esse conceito está sendo revisto nas últimas décadas, quando se observou um excesso de mortalidade por suicídio e causas naturais entre os indivíduos com história prévia de tentativa de suicídio (Kutcher; Chehil, 2007). A ocorrência de uma condição particular relacionada ao comportamento suicida exige avaliação criteriosa. A primeira abordagem das tentativas de suicídio consiste nos cuidados iniciais à vida, se há emergência clínica e/ou cirúrgica. Devem-se assegurar o estado físico, as complicações médicas decorrentes do ato, se irá necessitar ser levado para a unidade de terapia intensiva (UTI), para o Centro cirúrgico ou ortopédico, setor de endoscopia ou clínicas de queimados (Meleiro et al., 2004). Destacamos as condutas nos casos de envenenamento, já que configuram a maior parte das tentativas de suicídio em nosso meio (Diehl; Laranjeira, 2009). Acredita-se que cerca de 80% das tentativas de suicídio ocorram por este método. Por serem pouco letais na sua maioria, também contribuem para que caracterize a maior parte das tentativas de suicídio em emergências médicas (Kutcher; Chehil, 2007). A abordagem inicial dos envenenamentos, como em outras condições médicas, consiste em história e exame físico, dando-se especial atenção a exame dos sinais vitais, exame ocular (pupila), exame do estado mental e tônus muscular. Exames laboratoriais de equilíbrio ácido-básico, gasometria e exames toxicológicos costumam serem úteis (Mohklesi et al., 2003). Os primeiros cuidados seguem as medidas de suporte básico da vida (ABC), com proteção de vias aéreas, cuidados com a ventilação e com a circulação. Em pacientes onde há necessidade de ressuscitação cardio-respiratória, esta é realizada juntamente com a abordagem inicial. Outras condutas úteis, em casos de envenenamento, podem ser aplicadas conforme quadro 1. 30 | debate hoje Quadro 1: Condutas úteis na abordagem inicial após tentativa de suicídio 1. Administração de tiamina e glicose. 2. Administração de naloxone ou flumazenil na suspeita de intoxicação por opiáceos ou benzodiazepínicos, respectivamente. 3. Prevenção de absorção da toxina pelo trato gastro-intestinal através de esvaziamento gástrico e administração de carvão ativado. 4. Estimulação da eliminação da toxina através da manipulação de Ph urinário. 5. Remoção extracorpórea de toxinas através da hemodiálise. 6. Administração de antídotos (sob orientação do Centro de Atendimento Toxicológico – CEATOX). 7. Cuidados de terapia intensiva. Ao atender um paciente intoxicado após tentativa, deve-se lembrar que ele pode ter ingerido mais de um tipo de medicamento, e, portanto, a interação medicamentosa, nestas situações, pode agravar o estado do paciente pela somação ou por potencialização dos mesmos (Gunnell, 2004). Conduta médica após tentativa Algumas decisões são necessárias para prosseguir os cuidados após tentativa: se vai permanecer internado (médico/cirúrgico/ UTI), se será encaminhado ao ambulatório de saúde mental ou se deve ser transferido para uma unidade psiquiátrica pela presença de risco ou de transtorno psiquiátrico que necessite de tratamento especializado (Lima et al., 2010). Todo cuidado é pouco na enfermaria, pois é um local onde há disponibilidade de meios como anestésicos, cloretos de potássio, psicofármacos, bisturi, tesouras, escadas, janelas, lençóis, etc. É importante observar e anotar os comportamentos não-verbais suspeitos ou significativos de comportamento suicida (Meleiro et al., 2004). Há relato de pacientes de unidade de terapia intensiva (UTI) que desligaram os seus próprios aparelhos como gesto suicida ou de pacientes que se enforcaram dentro de hospitais psiquiátricos. A inclusão de amigos e membros solidários da família pode ser útil Artigo Os sobreviventes. Após a tentativa, o que fazer? nas enfermarias onde o recurso humano para vigilância é escasso. Qualquer paciente com doença psiquiátrica deve ser avaliado quanto à tendência suicida periodicamente durante o curso da doença, independentemente de sua situação clínica (Kutcher; Chehil, 2007). As opções após a avaliação dependerão do sistema de saúde em que o paciente está sendo atendido. Na prática diária, sabe-se da dificuldade de obter-se uma vaga em unidade psiquiátrica. Para uma avaliação clínica do risco, a tentativa de suicídio pode ser classificada quanto ao método como: a. Violento: enforcamento, queda de alturas, mutilações, disparos, arma branca; b. Não violentos: intoxicação voluntária de drogas, inalação de gases tóxicos. Quanto à gravidade ou letalidade da tentativa de suicídio pode ser avaliada em: 1. Grau de impulsividade; 2. Planejamento; 3. Danos médicos e 4. Possibilidades de escape da tentativa. Considera-se grave aquele ato que necessitou de uma hospitalização ou de suporte clínico-cirúrgico para evitar sequelas (Lima et al., 2010). Estima-se que 10% das tentativas precisaram de hospitalização. A gravidade da tentativa é um forte fator de risco para repetição. Entretanto, a avaliação da gravidade da lesão deve ser cuidadosa, pois uma lesão pouco grave pode simplesmente traduzir o desconhecimento da letalidade do método utilizado pelo paciente com intenção suicida real. Nesses casos, negligenciar a intenção pode subestimar o risco futuro (Holdsworth et al., 2001). Avaliação médicopsiquiátrica do risco de suicídio Após o exame clínico psiquiátrico, devem ser investigados os recursos do paciente: avaliar a capacidade de elaboração, de resolução de problemas, os recursos materiais como moradia e alimentação, o suporte familiar, social, profissional e de instituições, e se houve eventos precipitantes (Miller, et al., 2007). Fazer um levantamento junto ao paciente de todas as circunstâncias e motivações que deflagraram a auto-agressão. É frequente a presença de vários fatores estressantes, ou então, muitos destes pacientes já viviam num contexto repleto de problemas psicossociais crônicos, além de seu transtorno mental (Meleiro et al., 2004). Estima-se que os conflitos interpessoais, como brigas, desentendimentos, separações, possam precipitar metade das tentativas. Outros fatores estressantes capazes de desencadear novas autoagressões são: problemas policiais ou pendência judicial, perda de ente querido, luto, doença física crônica, desemprego, eventos de vida adversos na presença de depressão (Issacson; Rich, 2001). Deve-se determinar se o fator estressante é reflexo de uma situação de insatisfação transitória ou crônica e indissolúvel. 32 | debate hoje Abordagem inicial da sintomatologia Vários trabalhos tentaram traçar um protocolo de conduta para a abordagem de pacientes com ideação suicida, mas nenhum ainda foi eleito como ideal. De forma geral, quando se identifica um paciente que apresenta risco iminente ou passou por uma tentativa de suicídio, deve-se perguntar sobre a presença da ideação suicida, avaliar se tem um plano definido, investigar se possui os meios ou método e verificar se há uma data para cometer o suicídio (WHO,2000). A estimativa criteriosa do risco de suicídio do paciente é um importante fator para a escolha do tipo de tratamento e os cuidados a ser tomados em seguida. A hospitalização é indicada de acordo com o grau de risco potencial de suicídio, principalmente se o paciente não colabora, apresenta um transtorno mental grave que prejudica a sua crítica frente à situação e não possui uma rede de suporte familiar. Algumas vezes, uma hospitalização precipitada pode ser prejudicial ao paciente frente a uma avaliação errônea do risco de suicídio. A interrupção das atividades profissionais ou acadêmicas, prejuízo financeiro, estresse psicossocial e estigma social subseqüente são malefícios evitáveis de uma internação. As repercussões posteriores podem ser desastrosas, exacerbando ainda mais o risco de suicídio após a alta hospitalar. Outros aspectos importantes para definir a conduta adequada são: a capacidade de assegurar um autocuidado, de entender as diferentes modalidades de tratamento propostas e de procurar ajuda frente a uma situação de crise. Por exemplo: procurar apoio em familiares e amigos, contatar um médico de confiança, buscar um serviço de emergência etc. Consequentemente, a escolha do tipo específico de tratamento que será estabelecido para cada paciente não depende somente da estimativa do risco de suicídio, mas também, da conjunção de vários elementos, principalmente se a família está ou não envolvida nas decisões do tratamento. Quadro 2: Indicação geral de hospitalização, após tentativa de suicídio ou tentativa frustrada ■ Paciente psicótico. ■ Tentativa violenta, quase letal, ou premeditada. ■ Precauções foram feitas para dificultar o resgate ou descobrimento ■ Persistência do plano ou a clara presença de intenção. ■ Paciente com remorso de estar vivo ou sem remorso de ter tentado suicídio. ■ Paciente do sexo masculino, mais de 45 anos, com doença psiquiátrica de início recente, com pensamentos suicidas. ■ Paciente com limitação do convívio familiar, suporte social precário, incluindo perda da condição socioeconômica. ■ Comportamento impulsivo persistente, agitação grave, pouca critica, ou recusa evidente de ajuda. ■ Paciente com mudança do estado mental devido a alteração metabólica, tóxica, infecciosa ou outra etiologia que necessita a pesquisa da causa clínica. Na presença de ideação suicida com ■ Plano específico de alta letalidade. ■ Alta intencionalidade suicida. Fonte: Practice guideline for the assessment and treatment of patients with suicidal behavior, 2003. Alexandrina M A S Meleiro Doutora em Psiquiatria pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Após a escolha do ambiente terapêutico (hospital, ambulatório, domicílio), deve-se introduzir o tratamento psicofarmacológico adequado e encaminhamento para psicoterapia. Sempre que possível, a família e o paciente devem ser exaustivamente orientados e esclarecidos pelo médico quanto à proposta terapêutica. A segurança do mesmo tem que ser garantida, junto com uma boa avaliação do estado mental e crítica do paciente perante a situação, condição clínica para assim realizar-se uma conduta médica adequada. suicidas. No entanto, o contrato tem algumas desvantagens: pode diminuir o relato de estresse ou disforia, diminuir o potencial de uma aliança terapêutica, prejudicar a avaliação e abordagem do risco. Deve ser visto como um adjunto em pacientes com baixa intenção. A família deve ser alertada para não reduzir vigilância, ou seja, não confiar totalmente no contrato (Miller et al., 2007). Sentimentos e comportamentos como choque, confusão, negação, inquietação, regressão, desesperança e estado de alerta são comuns nos familiares. Dar assistência médica a estes familiares pode ser necessário. Avaliando a necessidade Conduta terapêutica de hospitalização A internação hospitalar, por si só, não é um tratamento, é um local no qual já se inicia a medicação, com melhor observação do paciente suicida e um sistema de vigilância até reduzir ou cessar o risco. Durante a hospitalização, o paciente deve receber atendimentos constantes que facilitarão o tratamento, assegurando-lhe a vida e proporcionando a sua melhora. O objetivo da internação é impedir o ato impulsivo do suicídio e iniciar rapidamente um tratamento adequado (Meleiro et al., 2004). Não há evidências empíricas de que a hospitalização reduza a incidência de suicídio em longo prazo, mas sugere-se estabelecer um acompanhamento ambulatorial prolongado após alta hospitalar (Bostwick et al., 2000; Paris, 2002). Durante o tratamento tanto hospitalar quanto ambulatorial, é importante auxiliar o paciente a desenvolver habilidades e recursos para que ele consiga se reintegrar à sociedade com segurança e independência. Algumas vezes, uma internação domiciliar pode ser uma alternativa razoável. Isso é possível quando há baixo risco de suicídio, supervisão disponível e suporte adequado em casa (Meleiro et al., 2004). A vigilância deve ser providenciada com o intuito de garantir a segurança do paciente: 1. Retirar da casa medicamentos potencialmente letais, armas brancas e armas de fogo; 2. Manter abstinência de álcool e drogas que possuem efeitos desinibitórios; 3. Evitar locais elevados e sem proteção, pelo risco de se jogar; 4. Evitar que o paciente fique sozinho, ou trancado em um recinto. Com os familiares e amigos, que devem se revezar na tarefa de vigilância, recomenda-se discutir que tipos de situações podem promover futuras tentativas se o estresse não for evitável e indicar quais comportamentos podem ser usados para evitar novas tentativas. Evitar que um paciente com risco suicida receba alta hospitalar desacompanhado. Todas as orientações devem ser claras para o paciente e para a família. Deve-se estabelecer um bom relacionamento e enfatizar a importância do tratamento com ambos. É recomendável manter um canal de comunicação periódica com a equipe médica e retornar ao hospital no caso de exacerbar a ideação (Meleiro et al., 2004). Pode ser realizado um contrato de “não-suicídio” (verbal ou escrito), que consiste em o paciente concordar em não realizar ato de auto-agressão e relatar a um familiar se tiver desejos O princípio clínico no tratamento de pacientes suicidas é adequar as intervenções englobando os problemas médicos, psiquiátricos, psicológicos e socioeconômicos do paciente. Um seguimento psiquiátrico em longo prazo alcança melhores resultados. Entretanto, oferecer ajuda em curto prazo e solucionar questões práticas do paciente auxiliam na sua vinculação ao tratamento oferecido, bem como reforçam a sua aderência (Isacsson; Rich, 2001). A medicação psicotrópica a ser utilizada dependerá do diagnóstico psiquiátrico e das condições clínicas do paciente. Algumas vezes, o uso de um benzodiazepínico pode ser benéfico na fase aguda, na qual a ansiedade desprazeirosa poderá ceder, entretanto ficar alerta para um possível efeito paradoxal. A medicação adequada deve ser indicada e manuseada por profissionais habilitados com a dosagem, efeitos colaterais e interações medicamentosas, levando-se em conta as condições físicas do paciente, além da idade e peso. Grande vigilância faz-se necessária no início do tratamento com antidepressivos, pois eles demoram dias a semanas para alcançarem efeito terapêutico, e podem melhorar a atividade psicomotora antes de suprimir os pensamentos suicidas, permitindo que os pacientes fadigados e inertes tenham condições reais de cometerem suicídio. A terapêutica da depressão deve ser aplicada de forma cuidadosa e com vigor, levando-se em conta o risco iminente de suicídio (Gunnell, Murray, 2004). Por vezes, o uso de dose máxima tolerável de antidepressivo é necessário para atingir a remissão completa. O uso de dose subterapêutica apenas limita a eficácia da medicação, retarda a resolução do episódio depressivo, por induzir somente à resposta parcial ou precipitar uma interrupção por eficácia insuficiente no tratamento. O tratamento com eletroconvulsoterapia (ECT) deve ser realizado naqueles casos graves de depressão, com forte determinação para o suicídio. Esse tipo de terapêutica não deve ser visto com preconceito, pois é um tratamento eficaz e seguro para diversos quadros psiquiátricos com risco de suicídio. O benefício ao paciente com risco de suicídio está relacionado diretamente à sua indicação oportuna e adequada, como na cardioversão frente a uma parada cardíaca, que não reverteu quimicamente. Entretanto, jamais se deve prescrever indiscriminadamente este tratamento a todos os suicidas, tampouco ser relutante em indicá-lo em casos de urgência (Meleiro et al., 2004). debate hoje | 33 Alexandrina M A S Meleiro Doutora em Psiquiatria pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Artigo Os sobreviventes. Após a tentativa, o que fazer? Com prevenção, o carbonato de lítio deve ser introduzido e mantido, principalmente em pacientes com transtornos do humor. Outros estabilizadores de humor podem ser utilizados com benefício ao paciente no controle da doença de base que levou ao comportamento suicida (Rosa et al., 2006). O uso de clozapina é indicado para pacientes com esquizofrenia e risco de suicídio (Meltzer, 2003). A psicoterapia tem a função de auxiliar o paciente a lidar com as dificuldades que enfrenta de forma funcionalmente adequada, principalmente após uma tentativa de suicídio. Há poucas evidências sobre a real eficácia das várias técnicas, entretanto, acreditase que bons resultados são obtidos quando indicada junto com o tratamento medicamentoso (Sneed et al., 2003). Comentários finais Nem todos os casos de suicídio poderão ser prevenidos, entretanto, a habilidade em lidar com suicídio faz a diferença, pois milhares de vidas poderão ser salvas todos os anos se todas as pessoas que tentaram suicídio forem adequadamente abordadas e tratadas. Esta perspectiva é de particular importância para a suicidologia, uma vez que a diminuição de morbidade (ideação suicida e tentativa de suicídio) deve levar à diminuição da mortalidade. Os esforços de prevenção ao suicídio, muitas vezes, dirigem-se à melhora da assistência clínica ao indivíduo que já luta contra idéias suicidas ou ao indivíduo que precise de atendimento médico por tentativa de suicídio. A prevenção ao suicídio também exigirá abordagens que possam reduzir a probabilidade do suicídio antes que indivíduos vulneráveis alcancem o ponto de perigo. Prevenir é melhor que remediar. Referências ■■American Psichiatric Association. Pratice-Guideline. For the Assessment and treatment of pacients with suicidal behavious. The American Journal of Psyquiatry. 2003; suppl:160(11). ■■Bostwick JM, Pankratz VS. Affective disorders and suicide risk: a reexamination. Am J Psychiatry. 2000; 157:1925-32. ■■Diehl A, Laranjeira R. Suicide attempts and substance use in an emergency room sample. J Bras Psiquiatr. 2009; 58 (2): 86-91. ■■Gunnell D, Ho D, Murray V. Medical management of deliberate drug overdose: A neglected area for suicide prevention? Emerg Med J. 2004; 21:35-8. ■■Holdsworth N, Belshaw D, Murray S. Developing A&E nursing responses to people who deliberaty self-harm: the provision and evaluation of a series of reflective workshops. 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Disponível em: http://www.who.int/mental_health/media/en/60.pdf, acessado em 23/11/2010. debate hoje | 35 Artigo Suicídio: propostas de serviços e ações a serem executadas Suicídio Propostas de serviços e ações a serem executadas D e acordo com estimativas da OMS do ano 2000, naquele ano, aproximadamente 1 milhão de pessoas estiveram em risco de cometer o suicídio. O suicídio é uma das 10 maiores causas de morte em todos os países, e uma das três maiores causas de morte na faixa etária de 15 a 35 anos. No Brasil, a taxa de suicídio aumenta progressivamente, sobretudo em relação à idade (tendência de aumento de suicídio na faixa de pacientes acima de 75 anos de idade) . As recomendações da Associação Americana de Psiquiatria quanto à orientação para o tratamento, em termos de internação, podem ser resumidas a seguir. A internação será fundamental quando houve tentativas de suicídio associadas a: psicose, tentativa violenta e quase letal; ações para evitar a descoberta da intenção de se suicidar; paciente sem suporte social e familiar, perda do status econômico; impulsividade, violência, quadro secundário à condição médica geral; ideação suicida (sem tentativa) com alta intencionalidade suicida e/ou letalidade potencialmente alta. A internação poderá ser necessária quando houver tentativa de suicídio associada a: transtorno psiquiátrico grave ou psicose; tentativas anteriores de suicídio, com graves repercussões; doenças clínicas como co-mórbidas; impossibilidade de tratamento ambulatorial; quando o paciente precisar de auxílio para se medicar; quando houver necessidade de ECT; quando o paciente necessitar de observação constante; suporte familiar e social insuficientes. Se não houver tentativa, avaliar: fatores de risco recentes para suicídio ou intenção e organização de metas visando à concretização de suicídio. O paciente pode obter alta do serviço de emergência para ambulatório, quando, após ideação suicida ou tentativa de suicídio, houver evento estressante que justifique a ideação ou tentativa; quando o plano, o método e a intenção de suicídio forem reduzidos; quando houver suportes sociais e familiares adequados e quando o paciente demonstra possibilidade de adesão ao tratamento com sua equipe médica. E quando o paciente não apresentar consequências decorrentes da tentativa de auto-extermínio e exibir ideação suicida cronicamente, suporte social adequado e estiver sob tratamento médico ambulatorial. 36 | debate hoje Ainda quanto às diretrizes da Associação Americana de Psiquiatria, de 2003, os seguintes aspectos epidemiológicos podem ser enumerado, conforme classificação para fatores de risco e protetores quanto ao suicídio: Fatores associados com risco aumentado de suicídio: ■■ Pensamentos suicidas: Ideias suicidas(atuais ou pregressos), planos suicidas tentativas de suicídio; letalidade dos planos ou das tentativas de suicídio, intenção suicida. ■■ Diagnósticos psiquiátricos: Transtorno depressivo maior, transtorno bipolar (sobretudo episódios mistos ou depressivos), esquizofrenia, anorexia nervosa, transtornos por uso de álcool e drogas; transtornos de personalidade do Grupo B (sobretudo t. borderline). ■■ Doenças físicas: Doenças do sistema nervoso central, doença de Huntington, transtornos convulsivos; HIV/AIDS; neoplasia; Neoplasias, doenças reumáticas, síndromes dolorosas; DPOC; insuficiência renal crônica. ■■ Aspetos psicossociais: falta recente de apoio social; desemprego; queda na situação econômica. ■■ Traumas da infância: Abuso sexual, abuso físico. ■■ Aspectos Psicológicos: Desesperança, snsiedade grave, impulsividade, agressividade. ■■ Aspectos demográficos: Sexo masculino (mulheres tentam mais suicídio que os homens); viúvo; solteiro; divorciado; idosos; jovens. Correa e Barrero, em 2006, mencionaram que uma abordagem mais geral do suicído deveria incluir uma série de medidas, tais como: 1- Promover a tomada de consciência da sociedade sobre a importância do suicídio como causa de morte e saúde pública. 2- Prover suporte social e médico para as pessoas em situação de crise, assim como tratamento e acompanhamento médico-psiquiátrico eficazes para os portadores de um transtorno psiquiátrico. 3- Educar as criança e os jovens no manejo de situações conflitivas ao longo de suas vidas. 4- Combater o alcoolismo e a drogadicção. 5- Promover suporte social e médico aos grupos mais vulneráveis (idosos, desempregados, minorias étnicas, migrantes não adaptados à nova região), ou seja, pessoas com pouca inserção. 6- Oferecer atualizações constantes nos aspectos preventivos da conduta suicida aos médicos de atenção primária, pediatras, pro- Fernando Neves, Humberto Corrêa e Rodrigo Nicolato Departamento de Saúde Mental-UFMG fessores, policias, clérigos, entre outros. 7- Reduzir a disponibilidade dos métodos suicidas, principalmente as armas de gogo, os venenos agrícolas e outras substâncias tóxicas, incluindo-se os medicamentos psicotrópicos. 8- Eliminar a informação sensacionalista sobre o suicídio nos meios de comunicação. 9- Promover a realização de eventos multidisciplinares sobre a conduta suicida em seus diversos aspectos. Esses mesmos autores, Correa e Barrero, em 2006, propuseram 6 variantes de manejo às pessoas suicidas. Enfocaremos, sucintamente, as duas primeiras, a seguir: Primeira variante: Avaliar se o paciente pode se responsabilizar por sua vida ou não, avaliar a parte sadia do paciente, a parte enferma, a saúde física, podendo-se dividir as pessoas potencialmente suicidas em três categorias: 1-Primeira categoria: Pessoas impossibilitadas de se serem responsáveis por suas vidas, como os portadores de patologias psiquiátricas graves, como esquizofrênicos, alcoolistas, transtornos afetivos, que estejam apresentando patologias clínicas graves, crianças, idosos, pessoas isoladas socialmente. Intervenção: Entender o comportamento suicida como um sintoma do estado do indivíduo. Tratar a enfermidade e, uma vez melhor, comprometer o indivíduo a realizar tratamento que evite recaídas. 2-Segunda categoria: Pessoas com responsabilidade parcial sobre suas vidas, com sintomas que não são graves e com suporte social, como pacientes com retardos leves e etilistas não complicados. Intervenção: Entender o comportamento suicida como possível, mas principalmente em situações concretas, como abandono do tratamento, falta de apoio, e situações estressantes atuais. Comprometer a família e demais redes sociais. Tratar a enfermidade de base, analisar a participação do sujeito na gênese dos fatores que podem precipitar um ato suicida e comprometê-lo na sua solução. 3- Terceira categoria: pessoas com plena responsabilidade sobre sua vida, como as com transt. de personalidade, pessoas com enfermidade psiquiátrica menos invasiva, enfermidades físicas com repercussão psicológica, mas com crítica. Intervenção: Entender o comportamento suicida como mecanismo anormal de adaptação na personalidade do indivíduo. Aliviar os sintomas e responsabilizá-lo com sua própria vida. Analisar e discutir com o indivíduo a inadequação do comportamento suicida como estratégia e as conseqüências disso para si mesmo e familiares. Modificar as atitudes familiares de modo a impedir o comportamento suicida como forma de manipulação do indivíduo. Segunda variante: Essa variante, segundo Correa e Barrero, tem a função de enfrentar situações em que a pessoa tenha tentado suicídio. As perguntas que consideramos mais importantes, resumidamente, nessa situação, seriam: 1- Quem era essa pessoa antes de tentar suicídio? Das respostas a essa pergunta, poderemos conhecer os fatores que aumentam o risco de nova tentativa: portador de doença psiquiátrica prévia; antecedentes de tentativa de suicídio; inadaptação familiar, social ou laborativa; pessoas de família com hsitória de suicídio ou tentativa de suicídio. 2- A letalidade é alta? A letalidade de um método é o grau de prejuízo que a tentativa de suicídio ocasiona ao indivíduo. As respostas devem orientar aos profissionais sobre o método empregado, pois, apesar de qualquer método poder causar a morte, métodos mais violentos, como arma de fogo, enforcamento e precipitação de locais elevados costumar ser mais letais. Deve haver atenção para detalhes importantes, como se o indivíduo escolheu lugares de difícil acesso para evitar resgate, tomou medidas para não ser encontrada, se deixou cartas explicando o ato; características que denunciam maior intenção suicida. Investigar o grau de acurácia com que a pessoa percebia a letalidade de seu ato. Uma pessoa com pouca possibilidade de acesso às informações pode acreditar que a ingesta de poucos comprimidos de benzodiazepinas seria fatal, apesar de, neste caso, a letalidade ser baixa. Ou seja, haveria uma baixa letalidade por desconhecimento da impossível letalidade com este método, mas a intenção seria relativamente alta. A tabela 1 um mostra a orientação da OMS para o manejo ao paciente que tentou o suicídio, enfatizando que, conforme o risco de suicídio, as condutas pode ir da escuta empática, ambulatorial, à internação. Tabela 1 : Escala sugerida pela Organização Mundial de Saúde (WHO) para avaliação de risco de suicídio e conduta Risco de suicídio Sintoma Avaliação Ação 0 Nenhum - - 1 Com problemas emocionais Perguntar sobre pensamentos suicidas Escutar com empatia 2 Idéias vagas de morte Perguntar sobre pensamentos suicidas Escutar com empatia 3 Ideação suicida vaga Avaliar a intencionalidade (plano e método) Explorar as possibilidades e Identificar apoio 4 Idéias suicidas SEM transtornos psiquiátricos Avaliar a intencionalidade (plano e método) Explorar as possibilidades Identificar suporte 5 Idéias suicidas E transtornos psiquiátricos ou fatores estressantes graves Avaliar a intencionalidade (plano e método) Estabelecer um contrato Encaminhar para um psiquiatra 6 Idéias suicidas E transtornos psiquiátricos OU fatores estressores graves OU agitação E tentativas prévias Ficar com o paciente (para prevenir o acesso aos meios letais) Hospitalizar debate hoje | 37 Fernando Neves, Humberto Corrêa e Rodrigo Nicolato Departamento de Saúde Mental-UFMG Artigo Suicídio: propostas de serviços e ações a serem executadas Programas de Prevenção A OMS, após considerar inúmeras pesquisas internacionais, no ano de 2000,apoiou um importante estudo multicêntrico internacional, intitulado SUPRE-MISS, em oito países (Ceilão, China, Brasil, Vietnã, Estônia, Índia, Irã e África do Sul), em que se comparam intervenção breve (com a presença de entrevista motivacional, telefonemas ou visitas domiciliares) ao tratamento usual, com encaminhamento para a rede de saúde. No Brasil, o grupo de Botega, unido à liderança de Bertolote, à época na OMS, através de estudos de 18 meses, concluiu que o grupo que não recebeu intervenções mais frequentes, como telefones regulares, de forma comparativa, foi dez vezes mais associado à ocorrência de suicídios, mostrando a importância deste modelo de intervenção mais abrangente e mais regular, sobretudo na redução da ocorrência de suicídios. Em outro estudo (A Program for Reducing Depressive Symptoms and Suicidal Ideation in Medical Students Thompson D, Goebert D,, and Takeshita J .Academic Medicine, Vol. 85, No. 10 / October 2010 ; 85:1635–1639), para se reduzir os alarmantes índices reportados de depressão e ideação suicida entre os estudantes de Medicina da Universidade de Havaí Escola John A. Burns da Medicina foram implementadas as seguintes intervenções: aumento do aconselhamento individual para alunos, a educação, professores e um currículo especializado, incluindo palestras e um manual do aluno. Embora o aconselhamento esteve sempre disponível, uma nova ênfase foi colocada sobre a facilitação, como um processo anônimo de apoio ao acadêmico e fornecendo várias opções, inclusive de voluntários, como os psiquiatras que não estavam envolvidos com o estudante em seu programa formal de ensino e educação. Em 2002 e 2003, os autores mediram os sintomas depressivos e ideação suicida no terceiro ano de de medicina usando, respectivamente, a escala de depressão do Centro de Estudos Epidemiológicos (Center for Epidemiological Studies Depression Scale). Como resultado do estudo, antes da intervenção, 26 estudantes de medicina (59,1%) relataram sintomas depressivos e 13 (30,2%) relataram ideação suicida. Após a intervenção, 14 estudantes de medicina relataram sintomas depressivos e apenas 1 (3%) relatou ideação suicida, evidenciando houve êxito em se reduzir sintomas e depressivos e, por consequência ou não, da redução da depressão, redução importante da ideação suicida. Conclusões Programas que oferecem apoio específico à prevenção de suicídio e tratamento das enfermidades psiquiátricas podem reduzir as taxas de suicídio, ideação suicida, direta ou indiretamente por meio da redução dos sintomas psiquiátricos, podendo se valer da necessidade de ambulatórios e até mesmo hospitalização, conforme o risco do suicídio, tentativas anteriores e da gravidade do quadro e da tentativa de suicídio. Todos os níveis de atenção: primária, secundária e terciária são importantes na prevenção do suicídio. Os centros de saúde, os Caps e as unidades de urgência secundárias são de fundamental importância no atendimento ao paciente com ideação suicida. Mas não se pode menosprezar a importância de leitos psiquiátricos, sejam em hospital geral, sejam em hospital psiquiátrico, que tenham a condição clínico-administrativa de atender pacientes que cometeram a tentativa de suicídio. Referências ■■WHO/ OMS- World Health Organization.Preventing Suicide : a resouch for general physicians.Geneva: World Health Organization;2000. ■■APA- American Psychiatric Association.Practice guidelines for the assessment and treatment of patients with suicidal behaviors. AM. J Psychiatry.2003;160(11): 1-60. ■■Correa, H e Barrero SP.Abordagens Psicossociais/ parte III A prevenção do suicídio e manejo do suicida..In : Correa H e Barrero SP, editores. Suicídio- Uma morte evitável .Editora Atheneu, São Paulo, 2006. ■■Fleischmann A, Bertolote J M, Wasserman D, De Leo D, Bolhari J, Botega N J et al . Effectiveness of brief intervention and contact for suicide attempters: a randomized controlled trial in five countries. Bull World Health Organ ; 86(9): 703-709.; da Silva Cais e col, em 2009. ■■C.F.S. Cais, S. Stefanello, M.L. Fabrício Mauro, G. Vaz Scavacini de Freitas and N.J. Botega, Factors associated with repeated suicide attempts. Preliminary results of the WHO Multisite Intervention Study on Suicidal Behavior (SUPRE-MISS) from Campinas, Brazil, Crisis 30 (2009), pp. 73–78). ■■A program for reducing depressive symptoms and suicidal ideation im medical studentes Thompson D, Goebert D,, and Takeshita J .Academic Medicine, Vol. 85, No. 10 / October 2010 ;85:1635–1639 40 | debate hoje Junte-se à ABP como parceiro das atividades desenvolvidas pela Associação que revertem em benefícios tanto aos associados como a toda a sociedade: PEC – Programa de Educação Continuada Aulas e cursos de atualização que proporcionam aprimoramento profissional ao psiquiatra, com reconhecimento internacional como um dos melhores programas do mundo na especialidade. Programa Psiquiatra em Formação O projeto, voltado para estimular a atualização dos especialistas mais jovens, patrocina inscrição, passagem aérea e hospedagem para o Congresso Brasileiro de Psiquiatria, viabilizando o acesso a um evento de alta qualidade científica. Editora ABP Os livros e cartilhas da editora colaboram para a formação do psiquiatra, a difusão do conhecimento da especialidade e sua promoção no contexto geral da medicina, inclusive para o público leigo. ABP Comunidade A ABP leva informação e conscientização sobre saúde mental à população, colaborando para o enfrentamento do estigma e para o estímulo ao tratamento, por uma melhor qualidade de vida para todos. Empresas e entidades interessadas em colaborar com a manutenção destes programas podem contatar a ABP pelo telefone: (21) 2199-7500. A ABP ESTÁ INTEGRADA COM ENTIDADES INTERNACIONAIS DA PSIQUIATRIA COM ALTA REPRESENTATIVIDADE. Os acordos de colaboração com o Royal College of Psychiatry, Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental e Sociedade Espanhola de Psiquiatria contribuem fortemente para o intercâmbio de informações e experiências, além de permitir a realização de atividades conjuntas para a formação e atualização dos psiquiatras. É a ABP integrando seus associad os com todo o mundo. ANUNCIE NAS PUBLICAÇÕES DA ABP A ABP oferece a oportunidade de publicidade no jornal Psiquiatria Hoje (mensal), a revista Psiquiatria Hoje Debates (bimestral) e a Revista Brasileira de Psiquiatria (trimestral). Aproxime-se de um público formador de opinião por meio das publicações de maior credibilidade do país na área da psiquiatria. Psiquiatria Hoje "OP999*** tEdição 6t 0VUVCSP/P WFNCSPF%F Agende-se [FNCSPEF 1VCMJDBÎÍPE KONDA PRODU ÇÕES Confira a prog da psiquiatria. ramação dos próximos eventos | P. 16 Nova diretori Brasileira de a da Associação Psiquiatria é eleita Na Mídia FTUJOBEBFYD MVTJWBNFOUF ËDMBTTFNÏ EJDB ABP defende prensa. Con os interesses da especiali fira. | P. 03 dade na im- O que espera r saúde no novo da governo Pesquisa com pr desassistência ova na saúde debates Publicação destinada exclusiva mente à classe médica PSIQUIATRIA HOJE Ano 2 . Nº5 . Set/Out de 2010 www.abp.org.br Emmanuel Fortes, vice-pre do CFM e sidente Dad mem os Fiscal da ABP bro do Conselho duç do IBGE confirmam a reão , em que aval concede entrevista qua de leitos em todo o país . Enia as perspec nto isso, o Min tivas para o governo de istério da defende trat Dilma Rouseff ar-se de resu Saúde fende a revi e deltad uma estratég o de são do plan ia em benefíc ejam que até ago io da ra tem adotado ento, pulação. Asso ciação Brasilei potégias equivoc estr ra adas e distante a- Psiquiatria reba te os argumen de psiquiatras. s dos e apo | P. 10 tos nta o retroce sso. | P. 08 e 09 A nova dire tori com 2/3 dos a da ABP se elege mis sos assumid votos e se com os na campan mete com pro- além uma ha: gente da psiq defesa intransi- psiq da defesa intransigente dos uiatras e da uiat Já no dia seguinte, owww.ria. abp.o rg.br mai presidente or participaç psiquiatria, a Antônio Geraldo da ão dos asso dos Silva deu iníc cia- Even na to organizado trabalhos e io aos men gestão da instituição. à tomada de pelo CFM, Em e FENAM os de dois mes AMB dências, pau provi- são disc es, avanços tado pelos percebidos já dos médicos, utiu temas de interesse Em 2011, a Associação comproConfira. | P. em diversas áreas. cação do títu entre os quais a recertifi- prática a proposta de colocará em lo de especiali se aproximar 04 e 05 dos associad me da orde sta, o os com Fórum Nacio Entidades M nal de édicas ABP integra discussão sobr e crack ABP mais pe associado rto do exainic m de atendimentoe os modelos de gestão o PEC Presencial e o iativas como ABP chegando a em saúde. | todo o Brasil. Itinerante, P. 06 talhes sobre essas iniciativ Confira deas. | P. 14 Representan tes da Associaç ão Aspectos Mé dicos e Sociais participam do I Seminár io Nac pelo CFM, Relacionados e reforçam ao Uso do Cra ional sobre a importância políticas de ck, organiza ABP estabele combate e trat da ce parceria com amento da dro inserção da especialidad do (Sociedade Port a e nas e ga. | P. 07 uguesa de PsiqSPPSM Saú Programe-se pa novembro de ra o próximo CBP: em 2011, no Ri o de Janeiro Convidamos você para gara ntir sua presença na XXI gresso Brasileir X edição do Cono de Psiquiat ria. A Cidade Maravilh osa do para sediar já está se preparanum grande con “Vamos fazer gresso. uma program ação para unir a pesquisa bási ca diária. Form ca à prática clíniamos uma Com Científica (Co issão cien as expectativas ) capaz de atender de 6 mil part tes”, adianta icipanAntônio Ger aldo da Silva, presidente da ABP.| P. 16 Internaciona lização participar dos congressos de Mental), uiatria fícios diversos que irá gerar bene- com o mesmo valor de da SPPSM insc aos associad os associados os, como da entidade rição que Saiba mais. portuguesa. | P. 14 O fim à vida Seis especialistas, sete artigo s. Uma edição especial com abordagem aprofundada sobre o suicíd io Empresas de setores diversos interessadas em aliar sua imagem às publicações da ABP podem entrar em contato pelo e-mail [email protected] Fernando Neves, Humberto Corrêa e Rodrigo Nicolato Departamento de Saúde Mental-UFMG Artigo Pesquisa em suicídio, perspectivas de aplicação na clínica Pesquisa em suicídio Perspectivas de aplicação na clínica O suicídio é um dos principais problemas de saúde na atualidade causando graves problemas na esfera pública, familiar e individual (WHO, 2002). Ele é a décima causa principal de mortalidade, sendo responsável por 1-5% das mortes em todo o mundo (Levi e cols, 2003). Desde a década de 1950, observa-se um aumento progressivo na incidência do suicídio, principalmente entre adolescentes e adultos jovens (Wasserman e cols, 2005). No Brasil, entre os anos de 1980 e 2005, foi observada uma tendência de ascensão entre os homens (+1,41% ao ano, IC95%: 1,00;1,23) e de declínio entre as mulheres (-0,53%, IC95%: -0,04;-1,02) (Brzozowski e cols, 2010). O suicídio resulta em significativos prejuízos para a sociedade (Disease burden), entretanto, nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, ele não é considerado prioridade entre pesquisadores e gestores de saúde pública (Sharan e cols, 2009). Várias doenças com índices menores de prejuízo (Disease burden) recebem maior atenção dos pesquisadores e dos responsáveis por políticas públicas de saúde (Sharan e cols, 2009). O quadro atual precisa ser modificado através da maior alocação de investimentos em pesquisa, tratamento e prevenção do comportamento suicida. Pois, mantida a tendência atual, no ano de 2020, ocorrerão cerca de 1,5 milhões de mortes por suicídio em todo mundo, sendo que um percentual importante ocorrerá justamente nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. O objetivo do presente capítulo é artigo o panorama atual das pesquisas em suicídio e a aplicação desses conhecimentos na prática clínica. Uma das maiores dificuldades na pesquisa em suicídio foi estabelecer definições uniformes acerca do comportamento suicida para que os achados de pesquisa pudessem ser comparados e generalizados em diferentes contextos. A maioria dos estudos contemporâneos caracteriza o suicídio (ou a tentativa de suicídio) como ato consciente, auto-infligido no qual são usados métodos potencialmente letais. O chamado comportamento suicida compreende vários fenótipos em diferentes níveis de gravidade variando desde a ideação suicida, a ideação suicida com plano definido, a tentativa de suicídio de baixa letalidade, a tentativa de suicídio de alta letalidade e a morte por suicídio. O comportamento suicida é um fenômeno complexo, resultado de uma complexa equação composta por inúmeras variáveis genéticas, psicológicas, sociais e culturais tendo como pano de fundo os transtornos psiquiátricos. Existem interessantes ensaios acerca dos aspectos sociológicos e psicológicos do suicídio, entretanto, nesse artigo vamos limitar a discussão nos estudos epidemiológicos e os estudos que utilizam metodologia biológica. Os dois principais métodos de pesquisa epidemiológica em suicídio são a investigação retrospectiva dos indivíduos que morreram por suicídio e os estudos de coorte prospectivo. Os estudos de coorte prospectivo são úteis para a identificação de fatores de risco e avaliação de intervenções terapêuticas. Entretanto, para serem efetivos, devem ser projetados de modo a permitir o acompanhamento de um número muito grande de indivíduos durante um intervalo longo de tempo. Considerando-se que a incidência atual de suicídio na população geral é de 14 casos para cada 100 mil indivíduos/ano (WHO, 2002) seria necessário uma amostra gigantesca para se obter um número mínimo de casos. Uma saída seria estudar populações com alto risco de suicídio como a dos pacientes portadores de transtorno bipolar (390 casos por 100 mil/pacientes/ano), entretanto, os achados podem não ser generalizáveis para a população geral. Por esse motivo, os estudos prospectivos sobre suicídio são raros. Por outro lado, estudar indivíduos que já cometeram suicídio representa uma dificuldade metodológica óbvia. Para contornar o problema foram criados os chamados estudos de autópsia psicológica que visam recolher informações sobre as circunstâncias relacionadas à morte do indivíduo. Várias fontes são usadas para esse objetivo: evidências provenientes do inquérito judicial, prontuários médicos e entrevistas com familiares e amigos. Através desses estudos é possível obter detalhes a respeito da morte (circunstâncias, método utilizado, premeditação), histórico familiar (transtornos psiquiátricos e suicídio), histórico de eventos traumáticos e existência de diagnóstico psiquiátrico. Entretanto, tais estudos têm importantes limitações concernentes a confiabilidade e validade dos instrumentos usados para se obter as informações relevantes. O estigma associado ao suicídio é um obstáculo na realização desses estudos. A experiência do luto nesses casos é diferente do luto por outras causas, pois os “sobreviventes” experimentariam mais intensamente sentimentos de culpa, impotência e ressentimento (Cvinar, 2005). Assim, muitos casos de suicídio não são notificados adequadamente dificultando enormemente a realização de estudos com essa metodologia (WHO, 2002). Como alternativa aos estudos realizados citados anteriormente, tem sido investigada a tentativa de suicídio em vez do suicídio debate hoje | 43 Artigo Pesquisa em suicídio, perspectivas de aplicação na clínica completo. Pode-se argumentar que as diferenças epidemiológicas entre os indivíduos que tentam e os que efetivamente morrem por suicídio não permitem generalizações entre um grupo e outro. Todavia, os indivíduos que tentaram suicídio de alta intencionalidade nos quais foram usados métodos violentos (salto de altura, enforcamento, arma de fogo e cortes profundos no corpo) apresentam muitas similaridades com as vitimas de suicídio completo. Vários estudos confirmam essa tese. A tentativa de suicídio violenta é o mais consistente preditor de suicídio completo (Hawton, 2005), aumentando a chance de morte em 25 vezes ao longo da vida (Cavanagh e cols, 2003). Entre os pacientes que suicidam, cerca de 40% fizeram pelo menos uma tentativa prévia e cerca de 2% dos indivíduos que tentam suicídio morrem já no primeiro ano após a primeira tentativa (Isometsä e cols, 1998). Assim, podese dizer que o estudo da tentativa de suicídio violento constitui num modelo confiável para gerar conclusões a respeito do suicídio completo. plexos como o suicídio. Esta estratégia tem se mostrado frutífera, alguns endofenótipos do suicídio já foram descritos (ver tabela). Os estudos de epidemiológicos indicam que o suicídio apresenta 50% de herdabilidade, ou seja, metade da variação fenotípica se deve aos fatores genéticos. A taxa de concordância de suicídio é muito maior entre pares de gêmeos monozigóticos que nos gêmeos dizigóticos (24,1% vs 2,8%, respectivamente); a prevalência de suicídio é significativamente maior entre os familiares dos probandos suicidas do que nos não suicidas; finalmente, nos estudos em adotivos que morreram por suicídio mostram que a prevalência de suicídio é maior entre os familiares biológicos que nos adotivos. A transmissão genética do comportamento suicídio entre gerações ocorre de forma independente em relação aos transtornos psiquiátricos. A prevenção do suicídio pode ser classificada em primária, secundária ou terciária (Sher e cols, 2001). A prevenção primária visa reduzir o número de novos casos de suicídio na população geral. Existem poucos estudos prospectivos controlados consubstanciando medidas de prevenção do suicídio tendo como base a população geral. Entretanto, em vários países são realizadas, empiricamente, campanhas visando à redução da incidência de suicídio. Basicamente, existem duas abordagens junto à população geral: uma trata do tema do suicídio diretamente e a outra trata dos fatores de risco associados ao suicídio. Em geral, as campanhas que abordam o tema diretamente informam a população sobre a gravidade do problema e a orientam sobre onde e como procurar auxílio face à ideação de auto-extermínio. Estudos realizados na Nova Zelândia, Reino Unido e Austrália indicaram que houve um benefício modesto, mas significativo, nessa de abordagem (Mann e cols, 2005). A prevenção secundária tem como objetivo diminuir as chances de suicídio em indivíduos de alto risco tais como os pacientes psiquiátricos, os pacientes com ideação de auto-extermínio e aqueles que fizeram tentativas recentemente. A chamada prevenção terciária ocorre em resposta aos suicídios completos e visam reduzir, por exemplo, o chamado contágio suicida (aumento repentino da incidência de suicídios numa determinada área geográfica ocorrendo após a comunicação desastrosa de um primeiro) (Johansson e cols, 2006). Elas consistem em campanhas destinadas especificamente aos veículos de comunicação, visando instruir a mídia sobre como lidar com a ocorrência de um suicídio, sobretudo quando envolve pessoas famosas (Hawton e cols, 2000). Dessa forma, procura-se noticiar um suicídio sem estardalhaço ou glamour, mas enfatizando seus aspectos mórbidos associados aos transtornos psiquiátricos. No ano seguinte à adoção destas medidas, por exemplo, conseguiuse reduzir em 80% os casos de suicídio ocorridos nas estações de metrô da Áustria (Sonneck e cols, 1994). Nesse artigo vamos enfatizar as estratégias de prevenção secundária do suicídio tendo em vista os recentes conhecimentos adquiridos pelas pesquisas científicas. Tendo em vista que o suicídio apresenta determinantes genéticos, o passo seguinte seria identificar quais seriam os genes envolvidos. Embora existam muitas tecnologias que podem ser usadas para a detecção de fatores genéticos que influenciam condições complexas, tais estratégias apresentam limitações inerentes (Schork, 1998). Tais condições, que seguem o chamado padrão de herança poligênico e multifatorial, são difíceis de ser estudadas, pois tanto a detecção quanto a caracterização precisa de um determinado fator (genético ou ambiental) podem ser obscurecidos por outros fatores não controlados. No caso do suicídio, especificamente, parece haver complexas interfaces com fatores sociais e culturais. De fato, os estudos de ligação, os estudos de associação com genes candidatos e, mais recentemente, os estudos de escaneamento genômico global (GWAS) realizados até o momento não encontraram nenhuma associação que tenha sido consistentemente replicada a ponto de ser inequivocamente associada ao suicídio. Uma estratégia promissora, iniciada recentemente, são os estudos para a identificação dos chamados endofenótipos. Os endofenótipos são fenótipos identificados através de procedimentos (escalas padronizadas, avaliação neuropsicológica, métodos de imagem, etc...) que são transmitidos de forma co-segregada em relação ao fenótipo estudado. Por isso eles são encontrados em maior proporção entre os familiares dos probandos do que os grupos de comparação provenientes da população geral. Em outras palavras, um endofenótipo pode ser considerado como sendo um fenótipo intermediário, ou seja, representam uma fração do fenótipo completo estando mais diretamente ligados aos processos biológicos subjacentes. Assim sendo, seriam mais fáceis de estudar que outros fenótipos com- 44 | debate hoje Sendo o suicídio um fenômeno exclusivo da espécie humana seria impossível sua reprodução completa em modelos animais. No entanto, alguns dos endofenótipos do suicídio em seres humanos, tais como a agressividade, a impulsividade, a irritabilidade e a desesperança podem ser reproduzidos satisfatoriamente em modelos animais. Tais respostas fisiológicas e comportamentais fundamentais em animais guardam significativa semelhança com o que ocorre na espécie humana, sendo, portanto, passíveis de serem usados na pesquisa em neurobiologia do suicídio (Malkelsman e cols, 2009). Perspectivas de aplicação dos conhecimentos científicos sobre o suicídio na prática psiquiátrica: Na prevenção secundária do suicídio é necessário ter em mente que estamos lidando com um problema complexo, assim, tirar conclusões precipitadas quando se avalia um paciente em risco de suicídio pode ser desastroso. A tendência em buscar explicações simples para problemas complexos (mas que, quase sempre, são Fernando Neves, Humberto Corrêa e Rodrigo Nicolato Departamento de Saúde Mental-UFMG erradas!!!) é comum a todos nós e são aplicadas em várias situações cotidianas. Como já foi dito anteriormente, os comportamentos humanos e os transtornos psiquiátricos apresentam etiologia complexa, portanto não há o menor sentido em dizer que “um determinado indivíduo cometeu suicídio porque [...]”. Não é possível estabelecer um nexo causal simples, único e unidirecional entre um determinado elemento (seja um gene, um traço comportamental, uma idéia disfuncional, ou um determinado fator ambiental adverso) e fenômenos complexos. Um exemplo dessa abordagem equivocada ocorreu em 1897 quando Durkheim fez a seguinte afirmação: “As taxas de suicídio podem ser explicadas apenas pela sociologia”. Infelizmente, vários pesquisadores e clínicos, sobretudo da área das ciências humanas, ainda acreditam nessa tese a despeito dos recentes avanços ocorridos na área da neurobiologia do suicídio. Na abordagem secundária do suicídio é de fundamental importância avaliar a existência de transtornos psiquiátricos. Dois estudos recentes mostraram que os transtornos psiquiátricos estão presentes em praticamente 100% das ocorrências de suicídio (Bertolote e cols, 2004; Arsemault-Lapierre e cols, 2004). Pode-se dizer que o transtorno psiquiátrico representa uma espécie de “pano de fundo” do suicídio, cujo palco é composto pelos fatores genéticos, psicológicos e sociais (Mann e cols, 2003). Obviamente isso não significa que os transtornos psiquiátricos seriam “a causa” do suicídio, ou que a questão fundamental a ser respondida é simplesmente se o suicídio (ou tentativa de suicídio) consiste numa complicação do transtorno psiquiátrico “de base” ou se o transtorno psiquiátrico é apenas um dos fatores de risco associados ao suicídio. Como determinar se o suicídio é primário ou secundário em relação ao transtorno psiquiátrico se muitas vezes cada um contribui de forma equivalente para a manutenção do outro? Ou se compartilham parte da matriz etiológica? Diante disso, a melhor opção seria abordar o suicídio sem perder de vista o transtorno psiquiátrico e vice-versa. Dito de outra forma: procurar um diagnóstico psiquiátrico em todo o suicida e avaliar o risco de suicídio em todo o paciente com diagnóstico psiquiátrico. Os diagnósticos psiquiátricos mais comumente encontrados em pacientes vítimas de suicídio são os transtornos de humor, a dependência química e a esquizofrenia (Oquendo, 2009). Em virtude das diferenças de incidência de suicídio entre os diversos transtornos psiquiátricos (Ver tabela), é fundamental que se estabeleça esta distinção como primeiro passo para a identificação dos pacientes com maior potencial suicida. Assim, estabelecer os diagnósticos psiquiátricos corretos é importante para a estratificação de risco. Digo diagnósticos psiquiátricos corretos porque é possível que um paciente preencha critérios para mais de um diagnóstico psiquiátrico. No caso de pacientes suicidas, ter mais que um diagnóstico psiquiátrico é regra, e não a exceção. Um estudo conduzido em pacientes bipolares por nosso grupo de pesquisa (Neves e cols, 2009) verificou que a ocorrência de tentativa violenta de suicídio foi fortemente associada à presença de transtorno de personalidade borderline e alcoolismo. Interessante ressaltar que não houve tentativas de suicídio violentas nos pacientes sem comorbidade psiquiátrica. A inclusão de um sexto eixo diagnóstico para caracterização do comportamento suicida, no futuro DSM-V, poderia ser benéfica, pois estimularia a pesquisa por tais sintomas independentemente do diagnóstico psiquiátrico do eixo I. Na edição atual do manual de classificação dos transtornos psiquiátricos (DSM-IV) o suicídio é efetivamente mencionado em apenas dois diagnósticos: depressão maior e transtorno de personalidade borderline (Oquendo, 2009). Superadas as questões conceituais, o maior desafio na abordagem do suicídio consiste na identificação dos pacientes em risco. Até mesmo pesquisadores e psiquiatras experientes sentem dificuldades para a determinação do risco de suicídio tanto de longo prazo quanto no risco iminente. Isso decorre do fato de que suicídio é um fenômeno relativamente incomum, mesmo entre aqueles que declaram categoricamente a intenção de suicidar ou que apresentam vários fatores de risco associados ao suicídio (Pfeffer, 1986). O oposto também ocorre com frequência, muitos suicídios são resultado de atos impulsivos, nos quais o indivíduo age sem qualquer reflexão prévia. Em conseqüência disso, as entrevistas estruturadas construídas a partir de dados clínicos e epidemiológicos para avaliação do risco de suicídio têm se mostrado ineficientes. Em geral, elas apresentam baixa especificidade não sendo capazes de predizer quando efetivamente o suicídio será consumado (Pokorny, 1983). Desse modo corre-se o risco de se exagerar nas medidas de proteção, retirando desnecessariamente a autonomia do indivíduo. Por outro lado, quando se estuda o histórico dos pacientes que cometeram suicídio, descobre-se que cerca de dois terços deles visitaram um médico um mês antes da ocorrência e 10-40% na semana que precedeu o evento (Blumenthal, 1988; Robins et al., 1959). Nesse contexto, para auxiliar na identificação dos pacientes de risco, muitos pesquisadores têm procurado elaborar testes neuropsicológicos baseados na pesquisa de traços de temperamento, hostilidade e presença de respostas estereotipadas que, dificilmente, seriam reconhecidos durante entrevista psiquiátrica usual. Nosso grupo de pesquisa, conduzindo estudos em pacientes com diagnóstico de transtorno bipolar, identificou várias alterações no funcionamento executivo em pacientes com histórico de tentativa de suicídio violento (Malloy-Diniz e cols, 2009). Futuramente os achados desses estudos podem contribuir para a elaboração de ferramentas capazes de realizar predições confiáveis acerca do risco de suicídio. Contudo ainda estamos muito longe disso, pois as alterações na função executiva representam apenas uma pequena parte da cascata de eventos que culminam no suicídio. Ademais, são necessários estudos prospectivos para avaliar sua eficiência na prática clinica. Sabendo-se que o suicídio apresenta determinantes genéticos é de fundamental importância a realização de pesquisas para identificação de marcadores biológicos do suicídio. A partir desse conhecimento poderiam ser criados testes laboratoriais para auxiliar na identificação dos pacientes em risco de suicídio (Neves e cols, 2010). Caso isso se confirme, poderia ser ultrapassada a principal limitação da entrevista clínica e dos testes neuropsicológicos que a necessidade de cooperação por parte do paciente. O atendimento ideal de uma paciente que tentou suicídio (Ver tabela e figura) deve incluir a identificação do transtorno psiquiátrico associado, um tratamento inicial (psicoterápico e/ou medicamentoso), estratificação de risco para definição do setting de tratamento mais adequado e, finalmente, a realização de intervenções que visam incrementar a aderência posterior à terapêutica escolhida. A maioria dos casos de tentativa de suicídio debate hoje | 45 Fernando Neves, Humberto Corrêa e Rodrigo Nicolato Departamento de Saúde Mental-UFMG Artigo Pesquisa em suicídio, perspectivas de aplicação na clínica atendidos em emergências clínicas ocorre através da ingestão de pesticidas ou medicamentos usados para tratar os próprios transtornos psiquiátricos, tais como os antidepressivos e os ansiolíticos, sendo caracterizados, portanto, como tentativas de suicídio de baixa letalidade. Logo, estes pacientes raramente ficam mais de 72 horas internados para realização dos procedimentos de desintoxicação e observação. É nesse tempo diminuto que, na maioria das vezes, o profissional de saúde mental dispõe para o atendimento desses pacientes. Conclusões O suicídio é considerado um dos mais graves problemas de saúde publica em todo o mundo, cuja incidência tem aumentado de forma expressiva, principalmente entre os jovens de sexo masculino. Sua prevenção é possível desde que compartilhada por toda a sociedade através de medidas primárias, secundárias e terciárias. O maior desafio é identificar corretamente os pacientes com risco iminente de suicídio. Atualmente, várias pesquisas têm sido realizadas no intuito de se elaborar testes laboratoriais e neuropsicológicos para auxiliar nessa tarefa. A pesquisa em psiquiatria avança em passos curtos, mas determinados, não se deixando abater pela magnitude do desafio que tem pela frente, do qual vai aos poucos desvelando os fatores elementares, para daí dar conta da complexidade inerente ao ser humano. 46 | debate hoje Referências: ■■Arsenault-Lapierre G ; Kim C; Turecki G. Psychiatric diagnoses in 3275 suicides: a meta-analysis. BMC Psychiatry. p.4-37. 2004. ■■Bertolote, JM; Fleischmann, A. Suicide and psychiatric diagnosis: a worldwide perspective. World Psychiatry. v.3. p.181-5. 2002. ■■Blumenthal, SJ. Suicide: a guide to risk factors, assessment, and treatment of suicidal patients. Med. Clin. North Am. v.72. p.937–971. 1998. ■■Brzozowski FS, Soares GB, Benedet J, Boing AF, Peres MA. Suicide time trends in Brazil from 1980 to 2005. Cad Saude Publica. 2010 Jul;26(7):1293-302. ■■Cavanagh, JTO; Carson, AJ; Sharpe, M; Lawrie, SM. Psychological autopsy studies of suicide: a systematic review. 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