Artigo - Associação Brasileira de Psiquiatria

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debates
Publicação destinada exclusivamente à classe médica
PSIQUIATRIA HOJE
Ano 2 . Nº5 . Set/Out de 2010
www.abp.org.br
O fim à vida
Seis especialistas, sete artigos.
Uma edição especial com abordagem
aprofundada sobre o suicídio
Inspirados pela vida e motivados pela
coragem, transformamos histórias.
Shire, líder mundial na área de Transtorno de
Déficit de Atenção e Hiperatividade, já chegou
ao Brasil e em breve trará inovações para o
tratamento do TDAH.
Out/2010
Você faz parte dessa transformação.
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Inspirados pela vida, motivados pela coragem.
Editorial
Opinião
Debates
N
esta edição, a revista Psiquiatria Hoje Debates reúne artigos de seis psiquiatras para apresentação de diferentes abordagens sobre o tema suicídio,
problema de saúde pública que está relacionado, em 90% dos casos, a
doenças mentais.
Iniciamos com o artigo de Fabio Souza, professor associado de Psiquiatria da Universidade Federal do Ceará, que faz uma análise epidemiológica do suicídio, alertando, entre outros números, para o crescimento mundial no número de jovens
que escolhem colocar fim à vida. Fábio sugere medidas de prevenção primária,
secundária e terciária e deixa evidente a necessidade de todos nós, psiquiatras,
nos comprometermos com essa problemática.
Antônio Geraldo da Silva
Editor
Temos também a preciosa colaboração de Alexandrina Meleiro, doutora em Psiquiatria pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, que nos apresenta duas leituras sobre o tema: o despreparo
dos profissionais de saúde em identificar e lidar com o suicídio, o que exige maior
conscientização e treinamento dos médicos em geral e dos profissionais dos serviços de emergência, e também a importância da administração dos pacientes
após a tentativa do suicídio.
Já Fernando Neves, Humberto Corrêa e Rodrigo Nicolato, do Departamento de
Saúde Mental da Universidade Federal de Minas Gerais, contribuem nesta edição
de Debates com três artigos. Num dos quais, fazem uma leitura cultural do suicídio, o que explicaria, em partes, o tabu que envolve o tema em nosso país de
influência cristão-ocidental. Nos demais artigos, seguem com propostas de ações
para prevenção do suicídio e de pesquisas em torno do assunto.
João Romildo Bueno
Editor
Encontramos, por fim, no artigo de J. Marques-Teixeira, professor agregado da
Universidade do Porto, em Portugal, a dissecação da intimidade do ato suicida,
em um texto brilhante. A participação de Marques é simbólica do que pretendemos intensificar na Associação Brasileira de Psiquiatria: o intercâmbio cada vez
mais frequente de especialistas e instituições estrangeiras, assim como de nossos
brasileiros em outros países. Será assim nas publicações da ABP e será assim em
diversos outros benefícios que irão se reverter a todos os associados.
Boa leitura!
debate
hoje | 3
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Conselho Editorial
Alexandrina M A S Meleiro
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Jornalista responsável: Carolina Fagnani, Redação: Gustavo
Novo, Projeto gráfico: Angel Fragallo, Editoração e Capa: Bruno
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Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da revista
índice
Ano 2 . Nº5 . Set/Out de 2010
Artigo
Fabio Souza
Twin City Photos
Suicídio – dimensão do problema e o que fazer.
pág.06
Artigo
Alexandrina M A S Meleiro
Avaliação médico-psiquiátrica do risco de suicídio.
pág.10
Artigo
J. Marques -Teixeira
Uma abordagem fenomenológica do suicídio.
pág.16
Artigo
Fernando Neves
Humberto Corrêa
Rodrigo Nicolato
Uma proposta para o fortalecimento
da rede de cuidados em saúde mental.
pág.24
Artigo
Alexandrina M A S Meleiro
Os sobreviventes. Após a tentativa, o que fazer?
pág.30
Capa [especial]
Suicídio O fim à vida.
Artigo
Fernando Neves
Humberto Corrêa
Rodrigo Nicolato
Propostas de serviços e ações
a serem executadas.
Esta edição de Debates dedica-se exclusivamente à abordagem
do suicídio, uma realidade para 24 brasileiros a cada dia
(dados do Ministério da Saúde, 2009). Em sete artigos, seis
especialistas brasileiros e um português abordam o tema
em diferentes perspectivas, todas oportunidades ricas de
aprofundamento sobre o problema.
Errata: Lamentamos o equívoco no artigo publicado na edição 4 da
revista Debates, no artigo de Elias Abdalla-Filho, sob o título “Pedofilia não é crime”, onde houve a supressão de um parágrafo do texto.
pág.36
Artigo
Fernando Neves
Humberto Corrêa
Rodrigo Nicolato
Pesquisa em suicídio, perspectivas
de aplicação na clínica.
pág.43
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Artigo
Suicídio – Dimensão do Problema e o que Fazer
Suicídio
Dimensão do Problema e o que Fazer
O
suicídio constitui uma importante questão de saúde
pública no mundo inteiro. A Organização Mundial da
Saúde (OMS) estima que, até 2020, mais de 1,5 milhões
de pessoas irão cometer suicídio por ano. O número de
suicídios no mundo cresceu em 60% nos últimos anos
- cerca de três mil pessoas se suicidam por dia e 60 mil tentam,
mas não conseguem. Este número representa quase 50% do total
de mortes violentas. No ano 2000, 14,5 mortes por 100 mil habitantes (uma morte a cada 40 segundos) ocorreram no mundo.
Atualmente, nos Estados Unidos, para cada homicídio há dois suicídios (cerca de 18 mil e 34 mil por ano, respectivamente). Em
2001, o suicídio foi a 11ª causa de morte entre todas as idades
nos Estados Unidos, com uma taxa de 10,8 suicídios por 100 mil
habitantes. E a terceira causa de morte entre 15-24 anos e a segunda entre 25-34 anos.
O Brasil ocupa a 67ª posição em uma classificação mundial em
taxa de suicídio. No entanto, em números absolutos, o Brasil está
entre os 10 países com mais suicídios. No Brasil, cerca de 25
pessoas se matam por dia, fazendo do país o 11º colocado no
ranking mundial de suicídios. No Brasil, a taxa de homicídios (25
por cem mil habitantes) supera a de suicídios (6 por cem mil
habitantes), mas a distância entre as duas taxas tem se reduzido
progressivamente. A taxa de suicídio no Brasil tem se elevado nos
últimos anos, mais ainda entre os jovens com idades entre 15 e 24
anos, passando de 4,0 por 100 mil habitantes em 2000 para 4,7
em 2005. Ha subnotificação e o difícil reconhecimento do suicídio
em nosso país em relação, por exemplo, aos acidentes (ocorrência deveria ser a correta denominação) de trânsitos e quedas.
Preconceitos de natureza religiosa, cultural e social infelizmente
impedem o correto dimensionamento do problema.
Entre 1980 e 2006, um total de 158.952 casos de suicídio foi observado no Brasil. O índice total de suicídio cresceu de 4,4 para 5,7
mortes por 100 mil habitantes (29,5%). Os índices mais altos de
suicídio foram registrados nas regiões Sul (9,3) e Centro-Oeste (6,1).
Os homens são os que têm a maior probabilidade de cometer suicídio.
Os índices mais altos de suicídio foram registrados na faixa etária de
70 anos ou mais, enquanto que os maiores aumentos aconteceram
na faixa etária dos 20 aos 59 anos. As taxas de suicídio cresceram
mais entre os indivíduos com idades entre 20 e 59 anos (30%) do que
entre aqueles com idade maior que 60 anos (19%). Para os que têm
75 anos ou mais, o índice passa dos 15/100 mil . A taxa de suicídio
mais baixa foi observada no grupo com idades entre 10-14 e 15-19,
com um crescimento de 20% e 30%, respectivamente.
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No período de 2000 a 2008, houve 73.261 óbitos por suicídios
no Brasil: 57.937 homens e 15.324 mulheres, o que significa 22
mortes por dia. No mesmo período, houve 435.069 óbitos por
homicídios, 132 por dia, resultando em 5,9 pessoas mortas por
homicídios para cada uma que tenta suicídio (6,9 entre os homens e 2,3 entre as mulheres).
No Brasil, 43 crianças de 0-9 anos entre 2000 e 2008 (média
anual de cinco) morreram por suicídio, o que corresponde a 0,1%
do total de mortes por essa causa. O enforcamento foi a forma
utilizada por 80% dos meninos. As meninas utilizaram preferencialmente intoxicação medicamentosa, objetos cortantes e afogamento. No mesmo período, morreram 6.574 adolescentes de
10-19 anos por suicídio. Em média, anualmente, 730 adolescentes
morrem por suicídio. A taxa nos anos 2000 a 2008 foi, em média,
de 2/100 mil, 9% do total de todos os suicídios que ocorreram
no país. Entre 2000-2008 morreram 17.557 adultos jovens (2029 anos) e 38.449 pessoas entre 30-59 anos em decorrência de
suicídio. A taxa média encontrada entre os adolescentes (2/100
mil) salta para 6/100 mil entre adultos jovens e 6,8/100 mil entre adultos com mais idade. O impacto da mortalidade se eleva
com o aumento da idade: 24% do total de mortes por suicídio
ocorreram na faixa mais jovem e 52,6% entre pessoas de 30-59
anos. O número de idosos que se suicidaram foi de 10.434 neste
período. As taxas oscilam em torno de 7/100 mil habitantes (pico
de 8,2/100 mil em 2005). Os idosos possuem as mais elevadas
taxas de mortalidade por suicídio comparando-se a outras faixas
etárias, e são responsáveis por 14,3% do total de óbitos. Em todo
o mundo, a taxa de suicídio é mais alta entre os indivíduos mais
velhos do que entre os mais jovens; contudo, esta tendência vem
se alterando em escala mundial desde os anos 90.
O suicídio é um fenômeno que não depende de uma única causa. Há uma combinação de fatores – biológicos, psicológicos e
sociais. Entre as principais causas psiquiátricas preveníeis está
a depressão, transtorno bipolar, a esquizofrenia e o alcoolismo.
Indivíduos com dois transtornos mentais têm um risco de tentar o
suicídio 3,5 vezes mais alto do que aqueles que não têm nenhum
transtorno. Embora os transtornos mentais estejam associados a
mais de 90% de todos os casos de suicídio, o suicídio pode ser
resultado de muitos fatores culturais e sociais muito complexos.
O suicídio é mais provável durante os períodos de crises socioeconômicas, familiares e crises individuais, por exemplo, a perda de
relacionamento afetivo.
O suicídio afeta todo mundo, sem distinção. Acredita-se que o
meio cultural influencie as taxas de suicídio. Altos níveis de coe-
Fabio Souza
Professor Associado de Psiquiatria da Universidade Federal do Ceará; PhD
Universidade de Edinburgh; Coordenador do PRAVIDA (Projeto de Apoio à Vida)
são social e nacional reduzem as taxas de suicídio. Essas são mais
elevadas junto às pessoas aposentadas, desempregadas, divorciadas, sem filhos, urbanas, vivendo sozinhas. As seguintes características foram predominantes nos casos analisados (1980-2006):
homens (77,3%), idade entre 20 e 29 (34,2%), sem companheiro/
companheira (44,8%) e ter tido pouca educação formal (38,2%).
Em relação às características epidemiológicas, a própria casa foi o
lugar de suicídio mais predominante (51%), seguido pelo suicídio
em hospital (26,1%).
Os seguintes métodos foram mais usados para o suicídio no período 1980-2006: enforcamento (47,2%), armas de fogo (18,7%),
outros métodos (14,4%) e envenenamento (14,3%). Quando o
envenenamento foi o método de suicídio utilizado, 41,5% cometeram suicídio usando pesticidas e 18% usando medicamentos.
Em relação ao número total de mortes ocorridas em casa, 64,5%
foram causadas por enforcamento e 17,8% por armas de fogo.
Por outro lado, de todas as mortes por envenenamento, 37,1%
aconteceram no hospital e apenas 5,8% em casa. Nas ruas ou
áreas públicas, a maioria das mortes envolveu o uso de armas de
fogo (24,7%).
As regiões que apresentaram as taxas de suicídio mais baixas foram a região Nordeste, com uma média de 2,7, e a região Norte,
com uma média de 3,4. No entanto, os maiores aumentos foram
vistos na região Nordeste, que experimentou um incremento de
130%, e na região Centro-Oeste, com um aumento de 68% entre
1980 a 2006.
As taxas médias mais altas entre as capitais foram Boa Vista (7,6),
Porto Alegre (7,3) e Florianópolis (6,5). As capitais com as taxas
médias mais baixas foram Salvador (1,2) e Rio de Janeiro (2,4).
A Bahia tem a menor taxa de suicídio do Brasil – 1,8 para cada
100 mil habitantes. Entretanto, registra-se em torno de 100 a
120 novos casos de tentativa de suicídio por mês naquele Estado.
Embora Rio de Janeiro e Salvador tenham as mais baixas taxas de
suicídio, relatam taxas de homicídio que estão entre as mais altas
do Brasil (38,1 e 42,3 por 100 mil habitantes, respectivamente).
Os pesquisadores têm discutido a possibilidade da existência de
conexões inversamente proporcionais entre homicídio e suicídio.
A tentativa de suicídio é mais frequente entre as mulheres, no
entanto, os homens conseguem um índice maior de morte por
utilizarem métodos mais agressivos, como armas de fogo ou enforcamento, enquanto as mulheres utilizam de meios como remédios ou veneno.
Os homens apresentaram taxas de mortalidade por suicídio mais
altas em todas as regiões, particularmente na região Sul, com
uma média de 11,7, e na região Centro- Oeste, com uma média de
7,1. A menor taxa de mortalidade por suicídio entre os homens foi
encontrada na região Nordeste, com uma média de 3,3. Contudo,
homens do Nordeste experimentaram o maior aumento (190%)
durante o período do estudo. As mulheres apresentaram as maiores taxas médias na região Sul, a saber, 3,2.
Na maioria das regiões, os métodos de suicídio mais comumente
utilizados foram o enforcamento, armas de fogo e envenenamento, enquanto que na região Nordeste enforcamento (48,8%), envenenamento (18,2%) e armas de fogo (16,9%) foram os métodos
de suicídio predominantes. No Sudeste, enforcamento (39,6%),
outros métodos (24,2%) e armas de fogo (16,5%) predominaram. Nos casos de suicídio por envenenamento, destacou-se o
uso de pesticidas, particularmente nas regiões Sudeste (29,7%),
Sul (28,6%) e Nordeste (19,8%). As maiores taxas de suicídio
com uso de medicamentos foram encontradas nas regiões Sudeste
(7%), Sul (4,1%) e Nordeste (3,7%). Os homens predominaram
em todos os métodos utilizados, com a exceção do uso de medicação, no qual as mulheres registraram porcentagens mais altas
(48,6% x 51,4%).
Medidas a serem
tomadas
Em 1999, a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou o Programa de Prevenção do Suicídio (Supre, em inglês), com o objetivo
de alertar o mundo sobre o problema do suicídio. Aqui no Brasil
ainda falta muito para um programa de prevenção de suicídio
integrado.
O treinamento de equipes especializadas em suicídio, bem como a
integração de todos os serviços – linhas de telefone, emergências,
ambulatórios especializados, Caps e outros serviços comunitários
–, deve ter a máxima urgência. Estão listadas abaixo algumas
medidas a serem tomadas.
Prevenção primária
1) Acesso à informação. A mídia, os serviços de saúde, a escola ,
bem como serviços comunitários, têm um papel fundamental em
qualquer programa de prevenção de suicídio. A escola pode ser
um instrumento na identificação precoce de indivíduos em risco
de suicídio.
2) Acesso a armas. Em 2005, suicídio por arma de fogo foi a
segunda causa de morte entre americanos abaixo de 40 anos.
Entre americanos de todas as idades, mais da metade de todos os
suicídios é provocada por armas de fogo. Em 2005, 46 americanos
por dia cometeram suicídio com armas de fogo. Existe uma enorme quantidade de evidências demonstrando que a posse de armas
de fogo aumenta substancialmente a probabilidade de suicídio.
Deste modo, métodos rígidos de controle na autorização de posse
de armas são necessários.
3) Álcool. O álcool esta intimamente correlacionado com violência hetero e auto dirigida. Devemos aumentar progressivamente o
controle sobre venda, incrementar impostos (e não como recentemente o Ceará fez ao reduzir o imposto cobrado para bebidas
quentes que serão exportadas para outros estados da Federação).
4) Chumbinho e pesticidas. O carbamato é uma das principais
formas de tentativa de suicídio no Brasil. Sua venda deve ser disciplinada para evitar que qualquer ponto comercial possa vendêlo sem qualquer controle. A Associação Brasileira de Psiquiatria
deve fazer uma campanha nacional para sensibilizar o congresso
sobre a urgência e necessidade de criar legislação a este respeito.
debate
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Fabio Souza
Professor Associado de Psiquiatria da Universidade Federal do Ceará; PhD
Universidade de Edinburgh; Coordenador do PRAVIDA (Projeto de Apoio à Vida)
Artigo
Suicídio – Dimensão do Problema e o que Fazer
Prevenção secundária
1) Diagnóstico precoce de transtornos psiquiátricos. Depressão,
transtorno bipolar, esquizofrenia e dependência alcoólica estão
extremamente associados ao suicídio, assim o diagnóstico e tratamento precoce deverão diminuir de maneira importante a consumação do suicídio.
2) Antidepressivos e suicídio. Na Finlândia, em 15.390 pacientes
acompanhados por 3,4 anos, houve uma redução do risco relativo
de mortalidade em pacientes que estavam tomando antidepressivos (31% a 41%). Nos Estados Unidos, o aumento da taxa de
suicídio em jovens coincide com a redução da prescrição de antidepressivos nesta população. Deste modo, não devemos deixar de
tratar a depressão com todas as medidas adequadas.
3) Integração das linhas de socorro imediato com os serviços de
atendimento médico-psiquiátrico.
Prevenção terciária
1) Tentativa anterior. Pessoas que tentaram suicídio constituem
um grupo de altíssimo risco em relação a cometerem suicídio em
uma tentativa posterior. Assim, em cada emergência médica, deveria haver uma equipe especializada em suicídio que faria o primeiro atendimento, e em uma etapa posterior seria encaminhado
para um seguimento em um Caps ou ambulatório especializado.
Referências:
■■Lovisi GM, Santos SA, Legay L, Abelha Lucia A, Valencia E Análise epidemiológica do suicídio no Brasil entre 1980
e 2006 Rev Bras Psiquiatr. 2009;31(Supl II):S86-93
■■Mann JJ, Apter A, Bertolote J, et al. Suicide prevention strategies: a systematic review. JAMA 2005;294:2064-2074
■■Mello-Santos C, Bertolote JM, Wang Y. Epidemiology of suicide in Brazil (1980-2000): characterization of age and gender rates of suicide. Rev Bras Psiquiatr. 2005;27(2):131-4.
■■Miller M, Hemenway D. The relationship between firearms and suicide: a review of the literature. Aggress Violent Behav 1999;4:59-75.
■■Tiihonen J, Lönnqvist J, Wahlbeck K, Klaukka T, Tanskanen A, Haukka J Antidepressants and the Risk of Suicide, Attempted Suicide, and Overall Mortality
in a Nationwide Cohort Arch Gen Psychiatry. 2006 Dec;63(12):1358-67
■■Wunderlich U, Bronisch T, Wittchen HU. Comorbidity patterns in adolescents and young adults with suicide attempts.
Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci. 1998;95:248-87.
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hoje
“Acesso a Tratamento e Justiça Social”
Aprendizado e reciclagem serão as palavras-chave da próxima edição do Congresso Brasileiro de Psiquiatria - CBP. Entre os dias 2 e 5 de
novembro de 2011, psiquiatras nacionais e internacionais estarão presentes no maior evento da especialidade do país para compartilhar
conhecimentos e experiências na cidade do Rio de Janeiro. Com o tema “Acesso a Tratamento e Justiça Social”, o XXIX CBP promete buscar
melhores condições profissionais para os médicos e, consequentemente, contribuir com a construção de uma assistência de qualidade para
toda a sociedade.
Esmerar-se no conteúdo científico e na aplicação prático-clínico é a grande responsabilidade da ABP ao promover um evento de tamanha
importância. Para alcançar este objetivo e buscar a superação das expectativas do público, a programação do congresso conta com uma
grade de atividades voltada 80% à clínica e 20% ao campo da pesquisa. Capacitação técnica e aplicação imediata: o CBP será a chance do
especialista aprimorar seu aprendizado e se reciclar, dia a dia, em seu consultório.
Aprender, aprender e aprender. Essa será a única preocupação dos congressistas durante o XXIX CBP. Pensando nisso, a Associação Brasileira
de Psiquiatria - ABP já deu início ao planejamento do evento. Acomodação para quatro mil pessoas nas proximidades do congresso e horários
da programação pré-planejados contra os picos do trânsito de uma das maiores metrópoles do país são apenas algumas das precauções que
a comissão organizadora já tem tomado.
Temos a certeza que, juntos, vamos promover mais um grande CBP. Reserve sua agenda e não deixe de acompanhar as novidades na página
do Congresso.
Este Congresso lhe reserva grandes surpresas. Aguarde!
Itiro Shirakawa
Fátima Vasconcellos
Antônio Geraldo da Silva
Coordenador da Cocien
Presidente da APERJ
Presidente da ABP e do XXIX CBP
Informações Gerais
Data, Local e Horários
2 a 5 de novembro de 2011, no Riocentro, Rio de Janeiro - RJ.
Horário das Atividades Científicas:
2, 3 e 4 de novembro - 10h às 19h
5 de novembro - 9h às 13h30min
Horário da Secretaria de Inscrições:
1º de novembro - 15 às 20h
2 de novembro - 8h às 18h30min
3 e 4 de novembro - 9h às 18h30min
5 de novembro - 8h às 12h
Programa Científico
Mais de 140 atividades científicas: Simpósio do Presidente
Conferências Cursos Mesas Redondas Simpósios dos
Departamentos da ABP Encontro com o Especialista
Oficinas de Ensino Casos Clínicos Laudos Psiquiátricos
Vídeos Pôsteres.
Exposição Paralela
de 2 a 5 de novembro de 2011 no Riocentro - Rio de Janeiro - RJ.
o acesso de congressistas não médicos à área de exposição
das empresas farmacêuticas estará sujeito à regulamentação
da ANVISA.
Reserva de Hotel, Passagem Aérea e Tours
A BLUMAR é a agência oficial de turismo do XXIX CBP.
Blumar Brazil Nuts Rio Turismo Ltda.
Av. Borges de Medeiros, 633 - Sala 405 a 408 - Leblon
22430-041 - Rio de Janeiro - RJ
Tel.: + 55 (21) 2142-9300 - Fax: + 55 (21) 2511-3739
E-mail: [email protected]
Site: www.blumar.com.br/psiquiatria2011
Inscrições
A ficha de inscrição está disponível no site www.cbpabp.org.br.
A taxa de inscrição inclui a participação nas atividades científicas do
XXIX CBP, a pasta com o material do Congresso e a participação na
Solenidade de Abertura do XXIX CBP. As Sessões de Casos Clínicos e
Laudos Psiquiátricos são restritas aos Associados da ABP.
Secretaria Executiva do XXIX CBP
ABP - Associação Brasileira de Psiquiatria
Av. Presidente Wilson, 164 - 9º andar - Centro
20030-020 - Rio de Janeiro - RJ
Tel.: (21) 2199-7500 - Fax: (21) 2199-7501
E-mail: [email protected]; [email protected];
[email protected]
Site: www.cbpabp.org.br
Datas Importantes
Dezembro de 2010
Início das inscrições com desconto. Faça sua inscrição “on line”.
Programa Científico - Publicação no site do XXIX CBP www.cbpabp.org.br - dos Formulários para o envio da
composição dos Simpósios dos Departamentos da ABP,
sugestões de Cursos, sugestões de temas para Mesas
Redondas, inscrição de Casos Clínicos, Pôsteres e Vídeos.
22 de abril de 2011
Prazo final para recebimento de inscrições de trabalhos para as
Sessões de Casos Clínicos, Pôsteres e Vídeos.
29 de abril de 2011
Prazo final para recebimento de sugestões de temas para Mesas
Redondas
Publicação dos Cursos “on line”.
2 de abril de 2011
Prazo final para recebimento da composição dos Simpósios dos
Departamentos da ABP.
Prazo final para recebimento de sugestões de Cursos dos
Associados da ABP.
www.cbpabp.org.br
Artigo
Avaliação médico-psiquiátrica do risco de suicídio
Risco do Suicídio
Avaliação médico-psiquiátrica
do risco de suicídio
O
estigma e preconceito em torno deste tema são muito
grandes. Há dificuldade de perguntar sobre a ideação
suicida e de avaliar adequadamente circunstâncias
que sugerem maior intenção suicida. Os fatores de
risco podem alertar durante períodos de recorrência
de um transtorno mental, de abuso de substâncias psicoativas
ou após um evento estressante. O despreparo dos profissionais
de saúde revela que é necessário mais informações e treinamento dos médicos. Pretende-se auxiliar o médico na identificação e
avaliação de pacientes com ideação suicida ou com tentativa de
suicídio anterior, bem como a sua adequada conduta médico e
encaminhamento ao tratamento psiquiátrico especializado.
Dezenas de pacientes entram nos Serviços de Emergências e
são diagnosticados como tentativas de suicídio, sob forma de
intoxicação exógena, traumatismos, queimaduras, ferimentos
por arma de fogo ou arma branca e acidentes automobilísticos
(Kutcher; Chehil, 2007). Estes demandam atenção de clínicos e
cirurgiões do Pronto-Socorro e das Unidades Intensivas de Tratamento, e consomem grandes recursos de saúde. O suicídio e a
tentativa são um problema grave de saúde pública.
Frente a este sério problema, como avaliar adequadamente o
potencial suicida? Como reconhecer os indivíduos suscetíveis
antecipadamente? Quando liberar o paciente após uma tentativa
frustra de auto-eliminação? Infelizmente, não há testes preditivos ou critérios clínicos que antevêem quem irá ou não cometer
suicídio (Meleiro et al., 2004). Pretende-se auxiliar o médico,
que trabalha em centros de atenção primária, consultório, ambulátorio e hospitais na identificação e avaliação de pacientes
com ideação suicida ou com tentativas de suicídio anteriores,
bem como a sua adequada conduta médica e encaminhamento
ao tratamento psiquiátrico especializado.
Entendendo o que é ato
voluntário no suicídio
10 | debate
hoje
Podem-se identificar, segundo Sims (2001), quatro fases na vontade:
1. Fase de intenção: esboça a tendência básica do indivíduo,
as inclinações e interesses. Há influência decisiva dos impulsos,
desejos e temores inconscientes, nem sempre perceptível para a
própria pessoa.
2. Fase de deliberação: há uma ponderação consciente baseando-se em razões intelectuais e influências afetivas. A pessoa faz
uma apreciação e consideração dos vários aspectos e as implicações de determinada decisão: positiva ou negativa, favorável ou
desfavorável, benéfica ou maléfica.
3. Fase de decisão: demarca o começo da ação, o momento culminante do processo volitivo.
4. Fase de execução: o conjunto de atos psicomotores simples e
complexos são postos em funcionamento.
Na ação voluntária, há ponderação, análise, reflexão e execução
motora, pois a vontade é uma dimensão complexa da vida mental, ligada intimamente à esfera instintiva, afetiva, intelectiva e
ao conjunto de valores, princípios, hábitos e normas socioculturais do indivíduo. O instinto e o desejo influenciam a vontade. O
instinto como a resposta comportamental de uma dada espécie,
de modo relativamente organizado, fixo e complexo, que permite
sobreviver em seu ambiente natural. O conjunto de respostas e
comportamentos herdados pode sofrer modificações superficiais e
serve sempre para a adaptação do organismo.
O desejo é um querer, um anseio, um apetite de natureza consciente ou inconsciente, que visa algo buscando sempre a sua
satisfação. O desejo é moldado, modificado e transformado sócio-historicamente. A pulsão instintiva de prosseguir vivendo é
resultado da imperiosa necessidade de sobreviver dos seres vivos.
Quando há o desejo de interromper a vida como uma oposição
a esse impulso vital natural, surgem impulsos patológicos que
englobam o comportamento suicida, as automutilações e as autoagressões (Sá, 1988). Este autor chama atenção para a necessidade de estimar cuidadosamente o potencial suicida do paciente,
o que chamou de síndrome pré-suicídio, alertando que não devem
ser subestimadas as manifestações dos impulsos autodestrutivos,
mesmo que velados. O paciente com risco de suicídio tem distorção perceptiva e a ponderação, análise, reflexão e execução
motora da vontade estão prejudicadas.
Alexandrina M A S Meleiro
Doutora em Psiquiatria pelo Departamento de Psiquiatria
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Avaliando a
intencionalidade suicida
Algumas circunstâncias sugerem maior intenção suicida e denunciam o desejo do paciente. Entre elas destacam-se: a comunicação prévia de que iria ou vai se matar, mensagem ou carta de
adeus, planejamento detalhado, precauções para que o ato não
fosse descoberto, ausência de pessoas por perto que pudessem
socorrer, não procurou ajuda logo após a tentativa de suicídio,
método violento ou uso de drogas mais perigosas, crenças de
que o ato seria irreversível e letal, providência finais (conta bancária, providenciar a escritura de imóveis, seguro de vida) antes
do ato, afirmação clara de que queria morrer, arrependimento
por ter sobrevivido (Kutcher; Chehil, 2007). Outros fatores, por
sua vez, seriam indicativos de repetição de tentativa de suicídio:
história prévia de hospitalização por auto-agressões, tratamento
psiquiátrico anterior, internação psiquiátrica anterior, transtorno
de personalidade, alcoolismo/drogadição, estar vivendo sozinho
(Osvath et al., 2003).
Avaliação do risco
iminente de suicídio
A maioria das pessoas com intenção suicida comunica seus pensamentos e intenções suicidas através das palavras nas quais apresentam temas como sentimento de culpa, menosvalia, ruína moral
e desesperança. Quaisquer que sejam os problemas, os sentimentos e pensamentos da pessoa suicida tendem a serem os mesmos
em todo o mundo.
Não existe um modelo que satisfatoriamente possa ser abrangente. Portanto, o melhor é a descrição subjetiva do paciente e a
observação que se possa fazer dele. O levantamento do risco iminente de suicídio deve ser considerado, conforme quadro 2.
Quadro 2: Levantamento do risco iminente de
suicídio, segundo WHO(2000).
Perguntando sobre a presença da
ideação suicida:
01. Tem obtido prazer nas coisas que tem realizado?
02. Sente-se útil na vida que está levando?
03. Sente que a vida perdeu o sentido?
04. Tem esperança de que as coisas vão melhorar?
05. Pensou que seria melhor morrer?
06. Pensamentos de por fim à própria vida?
07. São ideias passageiras ou persistentes?
08. Pensou em como se mataria?
09. Já tentou, ou chegou a fazer algum preparativo?
10. Tem conseguido resistir a esses pensamentos?
11. É capaz de se proteger e retornar para a próxima consulta?
12. Tem esperança de ser ajudado?
Avaliar se a pessoa apresenta um plano definido para
cometer suicídio
■ Você fez algum plano para acabar com a sua vida?
■ Você tem uma ideia de como você vai fazê-lo?
Investigar se a pessoa possui os meios (método) para
suicídio
■ Você tem pílulas, uma arma, inseticida ou outros meios?
■ Os meios são facilmente disponíveis para você?
Descobrir se a pessoa fixou alguma data para cometer
suicídio
■ Você decidiu quando você planeja acabar com a sua vida?
■ Quando você está planejando fazê-lo?
Psicopatologia
do suicídio
Apreende-se o fenômeno suicida através das cognições e comportamentos do paciente, cuja psicopatologia pode atingir graus
crescentes de intensidade e gravidade (Meleiro et al., 2004).
1. Ideias de morte: a pessoa pode pensar que a morte seria um
alívio, sem, no entanto, cogitar em realizá-la por si mesmo. Ela,
muitas vezes, diz que gostaria de dormir e não acordar mais, ou
pensa que poderia ter uma doença fatal.
2. Ideias suicidas: as ideias suicidas são o grau inicial sem apresentar outras manifestações ou propósitos de auto-agressividade.
Essas podem ser combatidas pela própria pessoa que as reconhece como absurdas e intrusivas. Inicialmente, são ideias esparsas
que invadem o pensamento do indivíduo, podendo tornar-se mais
frequente e adquirir proporções significativas de modo que o indivíduo não consegue evitar ou parar de tê-las em mente.
3. Desejo de suicídio: acompanha as ideias de suicídio, contudo,
sem pô-lo em planejamento ou ação. O sentimento de desesperança e a falta de perspectiva de futuro podem ocorrer, favorecendo o desejo de suicídio como solução ou fim de algo insolúvel.
4. Intenção de suicídio: a ameaça de pôr fim à vida é claramente
expressa, embora ainda não se realize ação concreta. Em geral,
antecede o plano suicida, mas pode ocorrer concomitantemente.
5. Plano de suicídio: decidido a pôr fim à própria vida, o paciente
fica tomado pela ideação de morrer. Passa a tramar a sua própria
morte e planejar detalhes como o método, o local e o horário, às
vezes deixando um bilhete de despedida ou mensagem de adeus.
6. Tentativas de suicídio: as tentativas são atos auto-agressivos
não-fatais. Não há necessariamente intenção de morrer, mas outras motivações podem mover o paciente ao ato, como desejo de
vingar-se de alguém, provocar culpa nos outros, chamar atenção
dos familiares etc.
7. Atos impulsivos: são atos auto-agressivos repentinos e sem
planejamento suicida. São acompanhados de métodos repetitivos e estereotipados, como o uso de medicamentos, jogar-se na
debate
hoje | 11
Alexandrina M A S Meleiro
Doutora em Psiquiatria pelo Departamento de Psiquiatria
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Artigo
Avaliação médico-psiquiátrica do risco de suicídio
frente de outros, etc. São relativamente comuns na epilepsia, nos
deficientes mentais e nas personalidades borderlines, devido à
baixa tolerância à frustração. Na tentativa de suicídio, bem como
no ato impulsivo, a ameaça à vida apresenta graus variáveis, englobando desde os gestos ou simulações, em que não há o desejo
consciente de morrer, até as tentativas propriamente ditas. Estas
são sérias e de gravidade maior, mas a intervenção de terceiros
impedindo a concretização do ato ou a utilização de métodos não
eficaz afastam o êxito letal.
8. Suicídio: o desfecho é a morte. O êxito suicida com frequência é caracterizado pelo planejamento cuidadoso e utilização de
métodos altamente letais, ou por forte componente impulsivo.
Características comuns
na mente dos suicidas
Segundo a OMS (WHO, 2000), há três características psicopatológicas comuns na mente dos suicidas:
1. Ambivalência: A maioria das pessoas já teve, em algum momento da vida, sentimentos confusos de cometer suicídio. O desejo de viver e o desejo de morrer batalham numa gangorra nos
indivíduos suicidas. Há uma urgência de sair da dor de viver e um
desejo de viver. Muitas pessoas suicidas não querem realmente
morrer, é somente porque elas estão infelizes com a vida naquele
momento. Se for dado o apoio emocional necessário, o desejo de
viver aumentará e o risco de suicídio diminuirá.
2. Impulsividade: Suicídio também é um ato impulsivo. Como
qualquer outro, o impulso para cometer suicídio é transitório, e
felizmente tem duração de alguns minutos ou horas. É usualmente desencadeado por eventos negativos do dia a dia. Acalmando
tal crise e ganhando tempo, o médico pode ajudar a diminuir o
desejo suicida, com uma abordagem empática.
3. Rigidez: Quando pessoas são suicidas, seus pensamentos, sentimentos e ações estão constritos: constantemente pensam sobre
suicídio e não são capazes de perceber outras maneiras de sair do
problema. Elas pensam rígida e drasticamente.
Interferência na
avaliação médica
Avaliar um paciente suicida desperta, com frequência, fortes sentimentos no médico examinador. A sua relutância em falar sobre a
morte com o seu paciente se traduz, por vezes, na ansiedade por
um erro de conduta ou expectativa de uma consequência catastrófica. Dificuldade de perguntar sobre a ideação suicida do seu
paciente decorre do desconforto do próprio médico sobre o tema,
ou seu medo de ofender o paciente.
O tempo e a energia emocional gastos no trabalho com um paciente suicida e sua família são consideráveis. O profissional que
dá assistência a um paciente suicida deve discutir o caso com os
colegas, amigos, supervisores e o seu terapeuta, a fim de evitar
que os seus sentimentos negativos interfiram no tratamento do
paciente.
12 | debate
hoje
O médico deve estar tranquilo, pois os suicídios aumentam em
igual proporção das reações negativas do entrevistador em relação ao paciente. Deve evitar atitudes moralistas e críticas. Se as
perguntas forem feitas gradualmente e de maneira empática, dificilmente o paciente ficará irritado com o examinador. Muito pelo
contrário, na maioria das vezes, este tipo de abordagem provoca
alívio e aprovação do paciente, pelo fato do clínico ter reconhecido a seriedade de suas queixas.
O médico deve obter informações sobre se o paciente está deprimido, psicótico, intoxicado, ou se teve perda recente na área
sócio-econômica, afetiva, pessoal ou de saúde (Kutcher; Chehil,
2007). Lembrar daqueles com tentativas prévias, ou em uso de
psicofármacos em início de medicação ou interrupção. É importante verificar a disponibilidade dos meios ou métodos escolhidos
pelo paciente, e a possibilidade deste ser socorrido.
Local de atendimento
nos serviços de
emergências
Algumas características dos serviços de emergência são vistas
como prejudiciais para o atendimento adequado destes casos.
Motivada pelo excesso de demanda e pressões do serviço, muitas
vezes, a equipe médica acredita que a auto-agressão é um ato
voluntário, portanto é evitável. Uma vez que a causa desse comportamento seria de origem psicológica, a ajuda deveria em outro
lugar que não o pronto socorro (Holdsworth, 2001).
A entrevista tem como objetivo obter o máximo de informação
possível do paciente. Para isso é necessário reservar um tempo
razoável, pois suicidas usualmente necessitam de mais tempo
para deixarem de se achar um fardo e estarem preparados para
responder. O primeiro passo é favorecer um ambiente tranquilo e
não opressor com uma privacidade razoável. Em seguida, executar a tarefa mais importante, a de escutar; ouvi-los efetivamente
com empatia com reforços positivos e o não-julgamento, tentando preencher uma lacuna criada pela desconfiança.
O comportamento suicida inclui uma série de condições similares,
cuja psicopatologia pode atingir graus crescentes de intensidade
e gravidade, portanto há a necessidade do conhecimento de alguns aspectos que envolvem o assunto para melhor abordagem
do paciente.
Avaliação dos riscos
Os fatores de risco proximais são ligados temporalmente ao ato
suicida e agem como desencadeantes. Eles não são necessários
nem suficientes para o suicídio. Os fatores distais representam
a base sobre a qual se estrutura o comportamento suicida, e vão
aumentar a vulnerabilidade dos fatores de risco proximais. Os fatores distais podem ser considerados como necessários, mas são
insuficientes para que o suicídio ocorra.
Artigo
Avaliação médico-psiquiátrica do risco de suicídio
Determinação do Risco
Como e Por quê?
Exame Clínico
+
Exame psiquiátrico
Proximais
Identificação
Perguntas sobre suicídio
Especificamente
Fatores de risco
Fatores protetores
Distais
Nível do risco
Baixo, médio e alto
A combinação de potentes fatores de risco distais com eventos
proximais pode levar às condições necessárias e suficientes para
que o suicídio ocorra. Um dos fatores de risco proximal mais poderosos é a presença de uma arma de fogo em casa, o que aumenta
o risco de suicídio, mesmo após controlar para gênero, idade e
presença de transtornos mentais (Moscicki, 1997). O impacto de
alguns fatores de risco pode ser reduzido por meio de intervenções, como o tratamento adequado e eficaz para o transtorno
psiquiátrico (Costa, 2008).
A intoxicação por álcool é um potente fator precipitante do comportamento suicida; no momento da morte, tem sido identificada
em aproximadamente 50% dos suicídios em diversos países, inclusive no Brasil. A maioria dos etilistas que cometeram suicídio
também sofria de depressão, o que aumenta o risco de suicídio
(Lima et al., 2010).
Suicídio e homicídio geralmente são mais praticados por alcoólatras do que por pessoas que não têm contato com álcool. Este aumenta a expressão da agressividade, diminui o medo e o controle
dos próprios impulsos. A regra de ouro é: se está bebendo, pare.
O início precoce do abuso de álcool está ligado a distúrbios de
personalidades, agressividade e a baixa atividade serotonérgica
(Diehl, Laranjeira, 2009).
Em serviço de emergência, as vítimas de suicídio revelaram presença de álcool etílico no sangue (Lima et al., 2010). Muitos
deles haviam consumido álcool às vésperas do atentado, apresentando características mais impulsivas, danos físicos severos e com
mais tentativas prévias, além de procurarem o serviço psiquiátrico
com menor freqüência. Três características marcam o ato suicida
praticado por alcoólatras deprimidos: a impulsividade da tentativa, aumento do consumo de álcool na véspera e intoxicação
alcoólica precedendo à tentativa (Meleiro et al., 2004).
Na assistência ao adolescente pelo clínico, pediatra ou psiquiatra,
deve-se estar alerta para o abuso ou dependência de substâncias
psicoativas associado à depressão (Miller et al., 2007). Alguns
fatores de risco nesta população são: história familiar de depressão e/ou suicídio, desempenho escolar pobre, episódio depressivo
prévio, conflito familiar e incerteza quanto à orientação sexual.
Os indicativos de intenção suicida entre os jovens com depressão
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hoje
incluem: tentativa suicida prévia, idéias suicidas, sentimentos de
desesperança e problemas comórbidos de abuso de substâncias,
luto, acesso fácil ao método do suicídio e falta de apoio social
(Shaffer; Pfeffer, 2000).
Entre as adolescentes, a notícia de uma gravidez não planejada
é um fator de risco considerável. Outras situações estressantes
habituais na adolescência são as mudanças físicas e psíquicas,
busca da identidade e autonomia, e relacionamentos com grupos que favoreçam comportamentos destrutivos: atividade sexual precoce e sem proteção, porte de armas, delinquências, lutas
corporais, tabagismo excessivo e intoxicação por álcool e pobre
gerenciamento da rotina dos filhos por parte dos pais (Miller et
al., 2007).
Pacientes com Transtorno Afetivo Bipolar que cometeram suicídio
estavam, ao tempo da morte, em fase depressiva ou no estado
depressivo misto. Durante a fase de mania, é relativamente raro.
A comorbidade entre os pacientes com transtorno afetivo que cometeram suicídio tem sido alta para dependência de álcool e/ou
outras substâncias, doenças físicas e transtorno de personalidade
(Costa, 2008).
Os pacientes no hospital geral têm um risco três a cinco vezes
maior quando comparado com a população geral. Há uma relação
entre maiores coeficientes de suicídio, idade avançada e presença
de doenças físicas. Doenças orgânicas incapacitantes, perda da
mobilidade, dor crônica intratável e lesões desfigurantes (queimados, traumatismo e neoplasias) e a Síndrome Cerebral Orgânica,
particularmente o delirium, relacionam-se a uma maior taxa de
suicídio (Moura JR, et al., 2008).
Esses pacientes apresentam uma disforia persistente, sentimento
de inutilidade, falta de esperança, perda da auto-estima e desejo de morrer. Têm uma exacerbação dos sintomas somáticos,
incapacidade funcional aditiva e hospitalizações prolongadas.
Frequentemente mostram uma diminuição de motivação em relação aos cuidados adequados à sua doença clínica levando a uma
má aderência ao tratamento da doença física crônica e piora do
prognóstico (Meleiro, 2004).
Trinta e dois por cento dos suicidas receberam cuidados médicos
seis meses antes da morte e 70% das vítimas apresentavam doenças crônicas em atividade por ocasião da morte, tendo sido influenciadas pela doença ou pelos efeitos diretos da doença, como
ruptura de relacionamento, perda do estado ocupacional. O uso
de fármacos que causam depressão, como reserpina, corticóide,
anti-hipertensivos e anticancerígenos, são exemplos dos efeitos
indiretos da doença (Ferreira et al., 2007).
Não há evidências de que as doenças físicas são fatores de risco
independente para suicídio, fora do contexto de uma depressão
ou abuso de substâncias. Apesar de serem necessários estudos
controlados, a condição psicopatológica comórbida provavelmente é o fator subjacente para o suicídio nestes pacientes (Moscicki,
1997).
Alexandrina M A S Meleiro
Doutora em Psiquiatria pelo Departamento de Psiquiatria
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Considerando a tentativa
de suicídio prévia
Há fatores de risco que podem não ser mudados, como uma tentativa de suicídio prévia, mas podem alertar durante períodos de
recorrência de um transtorno mental, de abuso de substâncias
psicoativas ou após um evento estressante.
No meio médico, foram difundidos diversos mitos, principalmente
que os indivíduos que cometem suicídio e aqueles que tentam
constituem dois grupos mutuamente exclusivos, com perfis sociodemográficos diferentes e desfechos diversos.
A história prévia de tentativa de suicídio é considerada um forte
preditor de suicídio posterior. Os indivíduos que tentaram suicídios tornaram-se o foco na maioria dos estudos epidemiológicos.
Um estudo multicêntrico com nove países descobriu que 10-18%
da população relatava ideação suicida e que 3-5% já tinham tentado suicídio (Weissman et al., 1999).
O grupo de pacientes com tentativa de suicídio é uma população
grande e heterogênea. Tenta-se dividir esse grupo entre aqueles
que possuíam intenção genuína de morrer e aqueles que não possuíam intenção de morrer (Kapur et al., 2003). A auto-agressão
pode ser um meio disfuncional de adquirir mudanças de vida,
como fuga, atenção e manipulação (Isacsson e Rich, 2001).
A diferenciação é uma tarefa difícil, e muitas vezes impossível,
principalmente num contexto de emergência. A intenção suicida
genuína é frequentemente ambivalente em relação à morte e à
firmeza do propósito, variável. Muitas vezes, suicidas potenciais
podem se arrepender e procurar ajuda após o ato (Holdsworth
2001). O alívio, após a tentativa, faz a pessoa refletir sobre seu
ato, agora sem o sentimento de dos três “is”: intolerável (suportar), inescapável (sem saída) e interminável (sem fim).
Considerações finais
As correlações estatísticas não são as causas, mas elas nos permitem formular hipóteses de certeza variada. Somente estudo
prospectivo de avaliação de métodos de prevenção que procurem
resposta para essas hipóteses pode permitir o engajamento de
uma adequada política de prevenção relacionada ao suicídio.
A avaliação sistemática do risco de suicídio em quadros que chegam na emergência médica deve fazer parte da prática clínica
rotineira, em todas as especialidades médicas, para que os casos
potencialmente fatais possam ser devidamente diagnósticados,
tratados e encaminhados. Revendo as diversas estratégias preventivas de suicídio, conclui-se que melhorar os serviços de saúde e
desenvolver intervenções efetivas para o grupo de pacientes com
risco de suicídio é fundamental.
Embora haja carência do desenvolvimento de estratégias de intervenções específicas, é necessário mais informação e treinamento
dos médicos na abordagem dessas pessoas, oferecendo uma nova
esperança para os indivíduos com alto risco de suicídio.
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reflective workshops. J Psychiatric Mental Health Nursing. 2001; 8: 449-458.
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debate
hoje | 15
Artigo
Razões para viver! Razões para morrer! Uma abordagem fenomenológica do suicídio
Razões para viver!
Razões para morrer!
Uma abordagem fenomenológica do suicídio
S
endo certo que o suicídio não é considerado uma doença mental em si próprio, também é certo que muitos o
consideram como um sintoma de um estado depressivo.
Mesmo que esta perspectiva não seja universal, a consideração do suicídio como o resultado lógico final de uma
cadeia de acontecimentos negativos, de auto-atribuições negativas e de desesperança, é a maneira mais comum de perspectivar
este acto tipicamente humano.
No entanto, como Kral (1994) sugeriu, o suicídio não é mais do
que uma ideia, muito embora uma ideia bastante má, que tem a
ver não só com a vida psicológica dos indivíduos, mas também
com as crenças e as normas sociais. Uma ideia que, ao realizar-se,
se transforma num acto que, em certa medida, tem uma função:
prover o indivíduo com uma solução para uma dor intensa, psíquica e pessoal. A vida ao terminar leva com ela essa dor insuportável. Solução trágica que nos interpela pela irrupção do inesperado
matizado com essa tinta do horrível. O gesto suicidário é interprelativo precisamente pelo seu conteúdo não conceptualizável
e sujeito a falsas interpretações. A sua hiperbólica expressão em
excesso impulsiona-nos na busca do seu significado, as mais das
vezes como resultado da projecção subjectiva da nossa incompetência face ao acenar do Outro na vertigem da sua dor.
A abordagem que aqui pretendo fazer sobre o suicídio não é,
propriamente, a de definir uma etiquetagem para as diferentes
formas de as pessoas se suicidarem, mas antes encontrar o que
há de comum no acto suicidário entre diferentes indivíduos que
permita uma melhor compreensão. Isto é, a abordagem que vou
aqui fazer vai dirigir-se ao mundo subjectivo, íntimo do indivíduo, à sua fenomenologia. No essencial, o que pretendo fazer é
aproximar-me da intimidade do acto suicidário, na expectativa de
poder traçar a sua genealogia, ancorada na dramática categoria
da decisão. Porque é que uma determinada pessoa deseja por
fim à sua vida e quais as razões que a levam a desejar morrer e a
proceder em conformidade com tal desejo? Dito de outra forma: a
questão central a partir da qual este trabalho se organiza pode ser
formulada do seguinte modo: “porque é que num dado momento
uma determinada pessoa decide escolher o modelo da tragédia e
por termo à sua vida?”
Sendo certo que este percurso nos encaminha para os meandros
da intimidade do agir humano, também é certo que essa intimida-
16 | debate
hoje
de se revela, em pequenos detalhes, mesmo que incompletos, na
expressão do adoecer. Por isso mesmo, o ponto de partida deverá
ser a leitura da produção clínica que tem sido feita ao longo de
muitos anos sobre esta questão.
Sendo assim, irei começar este roteiro por um olhar sobre esse
autêntico rio de tinta que é a produção escrita sobre o suicídio.
Só depois, de olhar e criticar, poderei empreender o desafio a que
me obriguei: a dissecação da intimidade do acto suicidário.
1. A escrita do suicídio
Das páginas e páginas de livros e de revistas sobre o suicídio
podemos retirar 4 grandes temas aglutinadores dos olhares sobre
este acto humano. Esses 4 temas definem o suicídio em termos de
motivação ou significado:
a. O suicídio como luta, no sentido de agressão, raiva, angústia,
rejeição.
b. O suicídio como fuga, no sentido de escape, salvação, adormecimento, renascimento, reunião, desejo de morrer.
c. O suicídio como medo, no sentido da solidão dolorosa, isolamento, abandono, desesperança, ansiedade, confusão, pânico,
dor psíquica.
d. O suicídio como peso, entendido como marca na história de
uma família, como ódio familiar, memória genética ou familiar.
Em qualquer das situações o suicídio, enquanto drama intrapsíquico
resultante de uma dor psicológica insuportável, é um acto cuja
finalidade visa a abolição da tensão dolorosa do indivíduo, como
Murray (1967) referiu. É certo que, de uma certa maneira, essa
resolução não pode ser entendida no mesmo sentido que uma outra
qualquer decisão, não apenas pelas suas desastrosas consequências, mas também pelo facto de o indivíduo suicidário se encontrar,
na grande maioria dos casos, num estado que muitos classificaram
como de “constrição cognitiva”. Isto é, o indivíduo suicidário está
quase sempre com rigidez do pensamento e estreitamento do campo cognitivo. Dito de uma forma figurada, o suicidário está como
que intoxicado pela constrição, pelo que as suas emoções, a sua
lógica e a sua percepção estão profundamente afectadas.
J. Marques -Teixeira
Professor Agregado da Universidade do Porto
Neste enquadramento psíquico percebe-se que, com alguma facilidade, uma possível solução torna-se, então, a solução. Não que
seja uma solução fácil, dado que o sujeito se encontra também,
na maior parte das vezes, num estado de ambivalência, quer no
que respeita à sobrevivência, quer no respeita à insuportabilidade
da dor. Ou, dito de outra forma, o sujeito suicidário, dado este
estado de alma, não consegue lidar adequadamente com a sua situação existencial. Cabe, pois, interrogar: mas o que é afinal esse
acto tão complexo e paradoxal que faz que um indivíduo, por sua
decisão, termine a sua existência?
2. O suicídio como uma ideia
O que é uma ideia? Podemos defini-la simultaneamente como
um plano intencional e como uma perspectiva arquetipal de algo
muito específico. Enquanto plano intencional poderá ser referida
ao plano consciente, enquanto perspectiva arquetipal poderá ser
referida ao plano não consciente.
Dito de outro modo: uma ideia pode ser algo em que se está a
pensar neste preciso momento ou pode ser algo em que se pensou
e que foi armazenado para uso futuro. O suicídio é algo semelhante a isto: torna-se um plano de fuga e transforma-se na fuga
ela própria. E isto pode ocorrer antes, durante ou após um estado
de perturbação. Mas como uma perturbação pode desaparecer, a
ideia de suicídio não estará sempre presente. Os pensamentos
acerca dele vão e vêm, por vezes fortes, outras vezes assustadoras
e outras vezes ausentes. Retomando o conceito de ideia, o pensamento suicidário ou plano pode tornar-se um arquétipo fora do
plano consciente, no entanto, pronto sempre para despertar assim
que uma perturbação ocorrer.
Já me referi por duas vezes a “perturbação”. O que é que quero
significar com essa designação? O que se entende por perturbação
que constitua um factor central para o plano suicidário? Entendoa no mesmo sentido que Schneidman falava de “dor psíquica”
(Schneidman, 1993). Isto é, um estado profundamente pessoal
que se tornou insustentável.
Contudo, apesar da insustentabilidade que caracteriza a perturbação o seu papel não é, propriamente, a motivação para o suicídio,
mas sim a motivação para a acção.
E, dado que, como Schneidman (1985) frisou, “ninguém morreu
apenas por apresentar uma elevada perturbação”, sendo a letalidade elevada o que é perigoso para a vida”, teremos que levantar
a questão: qual é então a relação entre perturbação e suicídio?
Entenda-se aqui as palavra relação como o conjunto de interacções que determinam o suicídio a partir da perturbação. Ou seja,
estou a falar de um tipo particular de relação: a relação causal.
Para poder responder a tal questão torna-se necessário avaliar o
que se entende por “causa”.
Esta análise é extremamente complexa dada a natureza multifactorial da causalidade deste fenómeno. Não é aqui o lugar e o tempo para proceder a esta análise. Não quero, no entanto, deixar de
referir a asserção segundo a qual as causas devem ser entendidas,
não de forma determinística de antecedente-consequente, mas de
forma probabilística, em mudança permanente ao longo do tempo
e baseadas em sistemas de retroacção recíproca que asseguram
um determinado equilíbrio.
Segundo este ponto de vista teremos de enunciar os factores ligados à perturbação que, estando presentes, aumentam a probabilidade de o suicídio ocorrer. Esses factores estão bem documentados na literatura, mas não me vou ocupar aqui da sua análise
detalhada. Vou antes abordá-los em conjunto, dividindo-os em
dois grandes tipos: (1) os factores proximais e (2) os factores distais, sendo que os primeiros se referem a factores que influenciam
directa e proximamente a probabilidade da ocorrência de um acto
suicidário, enquanto que os segundos se referem precisamente
ao contrário. Apesar desta tipificação factorial, o que é certo
é que a maioria dos trabalhos se ocupou dos factores proximais
– tais como perdas, stress interpessoal, estados psicológicos e
biológicos variados – estando, actualmente, bem documentada, a
influência de um conjunto de factores proximais de risco ligados
ao fenómeno da “perturbação” e ligados aos pensamentos sobre
o suicídio.
Este tipo de conhecimento, sendo importante, não nos esclarece
quanto à questão da tomada de decisão de passar da ideia de
suicídio à acção de se suicidar. Na verdade, não sabemos porque
é que pessoas que congregam uma pletora de factores de risco
listados por aqueles estudos, não cometem suicídio ao longo das
suas vidas.
Schneidman (1993) considerava que essa ignorância se deve ao
facto de os factores de risco estudados não considerarem a variável que, no seu entender, teria um papel central no desencadeamento do acto suicidário: a dor psíquica. Esse conceito, ele
próprio bizarro à luz da neurofisiologia, mas que Schneidman clarifica, aproximando-o da noção de “perturbação”. Não uma perturbação qualquer, mas de uma que está profundamente enraizada
nas camadas mais intimas da pessoa e que se tornou intolerável.
Seguindo os conselhos daquele autor, o que importa, pois, é
saber quais são as características comuns aos factores que têm
inundado a literatura, mas que afinal não explicam – pelo menos
cabalmente – a decisão de alguém se suicidar? Uma análise dessa
natureza sobre os factores que apresentam uma relação de proximidade temporal com o acto suicidário permitiu verificar que
o que os liga a todos é um estado especial do sujeito que foi
analisado por diferentes autores (Buie, Maltsberger, 1989; Clark,
Fawcett, 1992; Rudd et al., 1993) e designado por Geertz (1984)
como “a experiência subjectiva de perturbação”.
Alguns desses factores, tais como, a depressão com todas as experiências correlativas de dor e sofrimento, os ataques de pânico,
a labilidade afectiva, a preocupação resultante de estados de ansiedade aquando da presença de sintomas obsessivocompulsivos,
salientam-se pela sua importância. No conjunto de experiências
associadas a estes estados, emerge a perturbação enquanto estado psíquico de base, configurada, naturalmente, pela patoplastia
própria de cada um daqueles estados mentais alterados. Essa per-
debate
hoje | 17
J. Marques -Teixeira
Professor Agregado da Universidade do Porto
Artigo
Razões para viver! Razões para morrer! Uma abordagem fenomenológica do suicídio
turbação basal foi definida por Buie e Maltsberger (1989) como
“um estado subjectivo de vazio e de isolamento sem esperança
de conforto que envolve, em certo grau, o sentimento de morte”.
Embora menos frequentemente, também alguns factores de risco
distais têm sido identificados, a maior parte deles relacionados
com categorias sociais tais como pertencer ao sexo masculino,
ser caucaseano, idoso, adolescente, homossexual, alcoólico, etc.
Olhando para estes grupos podemo-nos interrogar em que medida
existe alguma relação entre a pertença a um ou mais deles e a
experiência de alienação social, mesmo que alguns desses factores se possam relacionar com diferentes aspectos do passado da
pessoa. O que parece ser mais relevante em relação a este tipo
de factores é o facto de eles parecerem estar primariamente relacionados com o risco de perturbação, e não, propriamente, com
o risco de suicídio.
Retomando o fio do pensamento atrás desenvolvido, relativamente ao papel deste conjunto de dados da literatura, resultantes da
aplicação de um conjunto de instrumentos para análises estatísticas, teremos de concluir que a questão do suicídio continua, apesar de tudo, a ser olhada “por fora”, deixando de lado esse factor
essencial para a compreensão do acto suicidário que é o “diálogo
interior” que conduz a uma fatídica escolha: a do suicídio. Na
verdade, as pessoas não se suicidam porque a estatística o sugere.
Por isso, e dada a singularidade da experiência humana, um acto
suicidário só pode verdadeiramente ocorrer quando um indivíduo
tem alguma intenção consciente para pôr fim à sua vida, como
Schneidman (1985) nos informou. Deste modo, a focagem terá de
passar do “exterior” para os pensamentos, intenções, opções e
escolhas, no contexto de uma experiência pessoal do intolerável.
É certo que as razões da escolha da solução suicidária em detrimento de outras decorre, provavelmente, de um conjunto de
factores que a literatura tem documentado, tais como défices nos
processos de resolução de problemas (Schotte et al., 1990), rigidez cognitiva (Bartfai et al., 1990), ou nas atitudes que o sujeito
tem face ao suicídio, nomeadamente a aceitação do suicídio como
um método de lidar/escapar a certas circunstâncias stressantes
(Domino et al., 1982; Rogers, DeShon, 1992). Mesmo assim, estes
e outros dados, embora apontem para a possibilidade de a perturbação aumentar a vulnerabilidade para o suicídio, nenhum deles
resultou de uma abordagem que pretendesse responder à questão
central desta escolha: porquê o suicídio?
Provavelmente isso não aconteceu porque a abordagem à resposta
a esta questão não é fácil e, em consequência, como a própria
resposta está longe de estar esclarecida. Quando isto acontece, a
estratégia a seguir deverá ser a de se abordar o problema de outro
ângulo. Foi precisamente o que aconteceu com um conjunto de
estudos que analisaram algumas características psicológicas de
sujeitos de grupos específicos que tiveram tentativas de suicídio.
Nesse sentido, Duberstein (1996) avaliou dados da personalidade
de um extenso estudo sobre autópsias psicológicas, tendo concluído que os suicidários idosos apresentavam valores mais baixos
na dimensão “abertura à experiência” do teste de personalidade
BIG- 5, comparando-os com sujeitos suicidários mais jovens. Desse estudo, no que respeita aos sujeitos idosos, o autor concluiu
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hoje
que a escolha do acto suicidário estava condicionada às características de personalidade do sujeito, nomeadamente ao facto
de esses suicidários apresentarem um auto-conceito rígido com
mecanismos de coping limitados e ao facto de serem incapazes
de apreciar ou tolerar a incerteza ou a ambiguidade e de conterem
aspectos conflituais. Todas estas características não só configuram uma capacidade de adaptação diminuída, como indicam que
a característica de personalidade atrás referida – baixa abertura
à experiência – pode explicar, em parte, a observação segundo a
qual os idosos normalmente não comunicam as suas intenções.
Ora, como se sabe que as suas intenções relativamente ao cometimento de um acto suicidário são relativamente elevadas e a sua
inserção social é, normalmente, limitada, isso significa que a primeira tentativa de suicídio nos idosos pode ser a última, por ser
fatal. Para um outro grupo específico – o dos jovens – existe também evidência empírica suficientemente consistente que permite
sustentar a asserção segundo a qual alguns factores de risco estão
relacionados com uma perspectiva do suicídio mais positiva.
Parece que um dos factores que mais influencia essa visão relativamente positiva do suicídio é a informação veiculada pelos mass
media. De facto, Bibla et al. (1991) verificaram que os jovens com
alguns factores de risco associados à “perturbação”, tais como
terem más relações com os pais, apreciavam o suicídio de uma
forma mais positiva após terem sido expostos a filmes sobre o
suicídio. Também Breckler (1993) encontrou algumas evidências
no facto de as pessoas tristes serem mais fortemente influenciadas por “mensagens fortes dos media” do que as pessoas alegres.
Parece, por estes estudos, que a existência de um estado de perturbação aumenta, de facto, a vulnerabilidade para a ideia de
suicídio. Mas, continuamos sem saber como é que essa ideia se
torna uma ideia letal. Isto é, se decide passar da ideia ao gesto.
Um caminho possível para a aproximação a esta questão centrase
na análise da génese dos nossos actos.
3. A construção social da ideia de suicídio
Recolocando o problema: a questão formulada encaminha-nos
para a análise dos mecanismos que regem a determinação dos
nossos actos. Façamos, então, uma incursão sobre alguns aspectos desses mecanismos, na tentativa de elucidação da difícil
questão em jogo.
A forma como nos comportamos tem – ninguém questiona – raízes profundas nos programas genéticos actualizados pela aprendizagem, nos programas sociais actualizados pelas necessidades
adaptativas do ser humano e na criatividade psicológica, autêntico aglutinador das determinações biológicas e sociais. Neste jogo
tripartido todos nós somos agentes de repetição de semelhanças
que percebemos nos nossos mundos sociais até que essas repetições se tornam parte da literatura, da arte, dos costumes, da
moda, de cultos, de rumores e mesmo em tipos de comportamento
criminal (veja-se, a este propósito, ver Les lois de l’imitation,
1890, de Gabriel Tarbe). Nessa obra, o autor defende que a imitação de crenças normativas é elemento fundador da identidade
individual que, por sua vez, reforça a norma. Continuadores desta
ideia de Tarbe têm reforçado a noção segundo a qual as relações
Artigo
Razões para viver! Razões para morrer! Uma abordagem fenomenológica do suicídio
entre a cultura e o eu se aproximam de um equilíbrio social contínuo (p. ex. Gergen, 1991; Fitzgerald, 1993; Spitulnik, 1993; Tomasello et al., 1993, entre outros). Dito de outro modo e de forma
sintética: a estrutura do conjunto das nossas ideias e atitudes, a
sua sensibilidade e aceitação obedecem à lógica social; isto é,
são socialmente construídas. Se isto acontece para o conjunto
das ideias, então também para a ideia de suicídio isto se pode
aplicar. Neste jogo de leitura do gesto suicidário, a hipótese a
colocar é a seguinte: a letalidade do acto suicidário decorre da
ideia e da lógica social do suicídio. Como corolário desta hipótese
decorre que a perturbação constituirá o elemento fermentador do
acto suicidário, enquanto que a lógica social constituirá o seu
elemento activador.
A evidência para esta hipótese chega-nos da análise do fenômeno
do suicídio em grupos pequenos. O chamado suicídio por contágio. Este tipo de suicídio ocorre quando um número raramente
elevado de suicídios acontece num curto espaço de tempo, num
enquadramento determinado (escola, grupo social, etc). das várias referências a este tipo de suicídio (p. ex., Davidson, 1989;
Taiminn et al., 1992; Takahashi, 1993) pode-se concluir que a
ocorrência de suicídios na comunidade ou em pequenos meios
sociais pode produzir uma certa familiaridade e aceitação da ideia
de suicídio, como Gould et al. (1989) referiram.
Um fenómeno semelhante – o fenómeno da aceitabilidade da
ideia – pode ser observado relativamente ao método suicidário,
como os antropologistas já há muito noticiaram no que se refere
às diferenças nos métodos de suicídio entre várias sociedades,
sendo por vezes muito “estereotipados e distantes” (La Fontaine,
1975).
Com um cenário desta natureza pode-se fazer um movimento de
aproximação à questão central desta reflexão: como é que alguém
faz esta escolha? Olhá-la por este ângulo é dar conta do papel
da aprendizagem na decisão-escolha de uma determinada acção.
Tratando-se de uma escolha específica, não pode ser originada a
partir da interferência única do nosso mundo intrapsíquico, normal ou patologicamente perturbado. Esse mundo com certeza que
contribui para a emergência da “perturbação” da qual muito se
falou neste texto. O outro mundo, aquele que nos molda a existência, interfere-nos ao ponto de, por vezes, ser letal.
Já estão a ver onde quero chegar! Não é muito longe, garantovos. Apenas um pouco mais além do que um simples silêncio. O
suficiente para murmurar que o gesto suicidário não é um átomo
isolado do turbilhão de uma mente perturbada pela “perturbação”. Para sugerir que é um gesto letal que assinala esse processo
complexo que consiste na transmutação de esquemas sociais em
planos pessoais. Um gesto ruidoso que revela a existência não
pela confissão, não pela declaração, nem mesmo pela vivência,
mas pela acção. Essa acção que nos obriga sempre a recuar reflexivamente face ao sulco marcado no espaço do quotidiano.
A resposta lógica à equação enunciada no início deste trabalho
relativamente aos dois componentes essenciais da ideia de suicídio – a perturbação e a letalidade – seria a de considerar o
acto suicidário como o resultado de um processo interactivo entre
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hoje
estados originários da mente – perturbações – com estados originários da esfera social – letalidade.
Mas, meus caros leitores, não passa de uma resposta lógica. É uma
resposta que serve para apaziguar as mentes dos que têm desenvolvido o grande esforço de investigar as condições que aumentam a probabilidade de uma determinada pessoa poder tornar-se
mais vulnerável para o desenvolvimento de uma “perturbação” na
sua vida psicológica. Esse esforço, apesar de importante, pouco
acrescenta à compreensão das determinações probabilísticas que
regem a escolha e decisão de alguém se suicidar.
O meu esforço foi para alertar que todo o trabalho que tem sido
desenvolvido sobre os componentes da génese da ideia de suicídio
e sobre os elementos que determinam a sua actualização num
gesto fatal não chega para a compreensão nem do seu significado, nem da sua decisão. Basta mudarmos o ponto de vista para
vermos que somos mais determinados pelo meio do que aquilo que
porventura pensamos.
Por isso, pretendi aqui dizer que, no que respeita ao gesto suicidário, assim como no que respeita a todo o comportamento humano, a lógica linear não é aplicável e que devemos tomar a sério o
princípio da incerteza aplicado às ciências psicológicas e sociaise
afastar de vez as predições determinísticas do comportamento
humano em geral e do comportamento suicidário em particular. O
que sabemos é que, pelo menos à luz dos conhecimentos actuais,
não sabemos quando e como um acto suicidário vai
acontecer. Com esta verdade em mente, talvez nos libertemos desse tipo de atavismo e possamos começar a compreender melhor o
significado deste acto complexo.
Não consigo deixar de pensar numa obra recente de Daniel Sampaio, onde, com a sua arte literária e com a sua experiência clínica
nos levanta o véu sobre a intimidade do desespero humano. A
esse propósito, em tempos, escrevi: “Batem as portas em tons de
suicídio”... onde colocamos nós o centro da tensão desta frase? No
som? No gesto suicidário?
No que nos evoca em torrentes de sentimentos? Esta incerteza
deixada ao leitor, corre a par com a certeza da sua afirmação:
a sensação de ansiedade mantém-se mesmo quando a narrativa
continua. Este pulsar inicial do tema e a sua recorrência ao longo da obra, contribuem para a emergência de um sentimento de
suspensão do movimento dramático. A sua simples repetição pelo
narrador introduz um elemento transitivo entre o cliente e o seu
terapeuta: a dor contida nesta frase a ambos afecta.
“Sentia-me num caminho abandonado junto ao mar”... ouvimos
do diálogo que o cliente mantinha consigo próprio, anunciando
o medo, o desespero, a perplexidade, expressão síntese de um
sofrimento brutal; captado por este terapeuta atento e ecoado
nas profundezas da sua pessoa: “O alarme da sua dor moral permanecia dentro de mim”. O impacto desta “frase-feita-desom”, tematicamente angustiante, é imediato, disponível ali sem reflexão,
porque essa já tinha sido feita pelo autor: “mesmo hoje não tenho
certezas sobre o que levou estes jovens ao suicídio”, deixando no
ar a dúvida da experiência de quem sabe que nunca se sabe ver-
J. Marques -Teixeira
Professor Agregado da Universidade do Porto
dadeiramente os motivos que acabam por conduzir a este gesto.
É a este gesto que pretendemos captar o significado, mas que nos
escapa em permanência. Na verdade, perante um gesto, podemos
ter-lhe acesso pela linguagem e pela explicação, mas estas nunca
deixam de ser aproximações, traduções, e nunca o substituem. Um
gesto é completo: aguenta-se por si; tem um princípio, um meio
e um fim; e produz um sulco no espaço e através do tempo. Foi
criado para significar um átomo de significado, um movimento. Os
actos suicidários deixam sulcos sob a forma de uma angústia dolorosa: o que é que não foi feito que levou à vertigem da morte?
A proposta que aqui vos deixo não é para desvelar o que não
pode ser desvelado. É antes para lembrar que “o que não pode ser
explicado deve passar em silêncio”.
Referências:
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■■Breckler, S, 1993, Emotion and attitude change., in Lewis & Haviland, Handbook of emotions., New York, Guilford Press, 481-473.
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and aging: international perspectives., New York, Springer, 49-64.
■■Fitzgerald, T (1993). Metaphors of identity: a culture-communication dialogue. Albany,
■■NY: State University of New York Press. Geertz, C, 1984, From the
native’s point of view: on the nature of anthropological understanding., in Shweder & Levine, Culture theory: essays on mind,
self, and emotion, New York, Cambridge University Press.
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debate
hoje | 21
Artigo
Suicídio e cultura: uma proposta para o fortalecimento da rede de cuidados em saúde mental
Suicídio e Cultura
Uma proposta para o fortalecimento
da rede de cuidados em saúde mental
O
vocábulo “suicídio”, ao que tudo indic,a seria derivado
do Latim a partir das palavras sui (si mesmo) e caedes
(ação de matar) do verbo (caedo, is, cedici, caesum,
caedere). Alguns pesquisadores situam a origem desse
termo na Inglaterra e o atribuem a Sir Thomas Browne,
que o publicou em seu livro “Religio Medici”, em 1643. Mesmo
tendo pouco uso no início, essa palavra foi-se estabelecendo
como substantivo e como verbo, sendo então admitida e incorporada ao Dicionário Jonhson. Considera-se que esse vocábulo
foi usado pela primeira vez na França pelo abade Prevost, em
1734, mas alguns, incluindo Esquirol, mencionam o abade Desfontaine, que em 1737, primeiramente, teria usado essa palavra, e
equivocadamente acreditando ser um vocábulo surgido na língua
francesa:
Dans aucune langue il n`y a de terme pour exprimer l`action par
laquelle l`homme met fin à sa propre existente. Lê terme qui nous
manquait pour exprimer une action devenue malheureusement trop
fréquent, fut créé dans le dernier siecle par le fameux Desfontaines.
Suicidum, melancolia anglica de Sauvages, Suicide de Pinel. (Esquirol, Dês maldies mentales, página 527, 1838).
O fato de a palavra suicídio ter surgido tardiamente (apenas no
século XVI) implica que o suicídio antes não existia ou era pouco frequente? Evidentemente que não. O comportamento suicida,
esse, independentemente de polêmicas sobre a origem do termo,
sempre existiu e vamos encontrar relatos mais ou menos numerosos em todos os povos, remontando aos tempos mais antigos da
humanidade. Mesmo nas culturas pré-históricas temos evidências
de sua existência. O que vai mudar ao longo dos tempos é basicamente como esse ato é encarado. Em alguns países e culturas ele
vai ser tolerado, em outros condenado pela lei, como um crime,
em outros aceito em determinadas circunstâncias.
No poema egípcio de 2255-2035 a.C, “Diálogo de um cansado
da vida com sua alma”, descreve-se o debate de um suicida com
seus impulsos autodestrutivos. Ainda nesse país, se o dono dos
escravos ou o faraó morriam, eram enterrados com seus bens e
seus servos, os quais deixavam-se morrer junto ao cadáver do seu
amo. Também no Egito, desde o tempo de Cleópatra, o suicídio
gozava de tal favor, que se fundou a Academia de Sinapotumenos
que, em grego, significa “matar juntos”.
Os habitantes da ilha de Ceos, no arquipélago grego, se envene-
24 | debate
hoje
navam quando ultrapassavam a idade de 60 anos, para que, segundo Strabon, citado por De Lise em 1856, restasse comida para
que os mais jovens vivessem. Mais tarde, possivelmente quando a
subsistência deixou de ser um problema, uma lei teve que regulamentar esse costume, que só poderia ocorrer após os motivos
serem explicados, com autorização de magistrados.
No México antigo, a deusa Maya Ixtab era a protetora dos que
cometiam suicídio, um modo de morrer frequente na população
indígena desse país. Ela é representada com uma corda ao redor
do pescoço e manifestações de putrefação no rosto.
Para os Vikings, o Valhalda, que era uma festa perpétua entre os
deuses e os heróis, era reservado para os guerreiros mortos em
batalha. Os suicidas eram os segundos e podiam se assentar logo
abaixo dos deuses e heróis. Para aqueles que morressem na cama,
era reservada a pior sorte e eles podiam comer com os ajudantes
da cozinha e dormir nos estábulos.
No oriente, o suicídio era visto como um ato legítimo, ou pelo
menos, neutro. No Japão antigo, descreve-se o harakiri e o seppuku como formas de suicídio tradicionais e que deveriam ser
executadas por quem perdeu a honra, pois continuar vivendo seria
uma desonra para ele e sua família. De Lise, em 1856, citando
Flavius-Josephe na “Histoire de la guerre dês juifs contre lês romains”, no livro VII, capítulo XXXIV, descreve o suicídio na Índia
como sendo comum e aceitável na época dos Romanos.
“Alors ces hommes, pour purifier leurs ames et lês séparer de leurs
corps, se jettent dans lê feu quìls ont eux- mêmes fait préparer,
et leur mort est suivie dês louages de toux ceux qui em sont lês
spectateurs”
Ainda, na Índia, durante séculos, as viúvas eram obrigadas a se
suicidar, e elas deveriam se imolar na pira funerária do esposo,
costume denominado suttee e que só foi declarado ilegal apenas
no primeiro terço do século XIX (Stone G, 1999).
Entre os gregos, as opiniões sobre o suicídio eram bastante variadas. Algumas cidades, como Atenas, Esparta e Tebas, estipularam
punições para os corpos do suicidas, enquanto outras não. Entre
os atenienses, a mão dos suicidas que havia servido de instrumento à realização do crime era cortada pelo carrasco e queimada
ou enterrada separadamente do restante do corpo. Em Tebas era
Fernando Neves, Humberto Corrêa e Rodrigo Nicolato
Departamento de Sáude Mental da UFMG
proibido lhes render as últimas homenagens e sua memória estava
manchada. As leis espartanas também eram severas, se consideramos o ocorrido com Aristodemo, que foi privado das honras da
sepultura.
Também, cada uma das várias escolas filosóficas tinha sua própria
posição sobre a questão e que variavam de uma completa oposição, como entre os Pitagóricos, até uma completa aceitação,
como entre os epicurianos. Platão e Aristóteles, possivelmente
os dois pensadores que mais influência exerceram sobre a cultura ocidental, também tinham suas próprias posições sobre o
suicídio. Aristóteles era radicalmente contrário, enquanto que a
posição de Platão, embora também fosse contrária, era algo mais
flexível. Platão levanta, por exemplo, a questão do suicídio em
Phedo, onde Sócrates debate com seus amigos antes de beber a
cicuta. “Os deuses são nossos mestres, nós pertencemos a eles,
e nós não temos o direito de quitar sua companhia” mas “Talvez
desse ponto de vista seria razoável dizer que um homem não deve
matar a si próprio a menos que deus envie alguma necessidade
sobre ele, como agora acontece comigo”. Assim, a proibição do
suicídio para Platão tem três exceções:
1- Condenação (caso de Sócrates).
2- Dor insuportável ou doença incurável.
3- As misérias do destino, que incluiriam uma série de situações,
como extrema pobreza ou vergonha.
Entre os romanos, temos uma noção de que, de forma geral, o
suicídio era visto de forma neutra, às vezes até positiva, e Roma
é reputada por ter sido a cidade onde o suicídio era mais glorificado. Uma expressão foi-nos passada da antiguidade, “Morte
Romana”, para designar uma forma honrosa de suicídio, que seria
muito comum em Roma. Um pesquisador, Yolande Grisé, citado
por Minois, contabilizou 314 casos de suicídio entre proeminentes
romanos no período que vai do quinto século antes de Cristo até
o segundo século depois de Cristo. Esse tipo de visão teve provavelmente entre os estóicos os maiores defensores e difusores
e Sêneca, o estóico romano, que cortou as artérias em uma banheira, dizia que: “Viver não é um bem, se não se vive bem. Para
isso o homem vive o melhor que puder e não o mais que puder”.
Vários exemplos são conhecidos na antiguidade greco-romana sobre suicídios que, após uma derrota, ou para manter a honra, eram
cometidos, e que ilustram o conceito de “Morte Romana”:
1- Após a guerra de Troia, Ajax era visto escolhido como segundo
herói, atrás apenas de Aquiles. Com a morte desse surgiu, entretanto, uma controvérsia para se escolher com quem ficaria a sua
armadura. Ulisses ganhou essa discussão. Essa ferida no seu orgulho foi insuportável para Ajax que se transfixou com sua espada
(Maris RW e cols., 2000).
2- Lucrécia foi estuprada pelo tio de Tarquínio o Soberbo, sétimo rei
romano. Com a espada em punho, ele lhe diz que a mataria, bem
como a um escravo, e diria ao seu marido e aos seus parentes que
havia pego a ambos no intercurso de um ato sexual. “Tarquínio, por
esse terror, submete o pudor obstinado de Lucrécia. ...Para salvar
sua reputação, Lucrécia reuniu o seu pai e o seu marido, contoulhes o que havia ocorrido e, para dar mais força às sua palavras,
suicidou-se”. Após esse evento, houve uma série de revoltas em
Roma, que culminaram com o fim da monarquia, a expulsão do
dinastia dos tarquínios e o início da república. Lucrécia, com seu
gesto, tornou-se símbolo das virtudes da mulher (Tite Livio, 1944).
3- Quando César derrotou seu adversário Cato no norte da África
em 46 a.C., ele entrou na cidade de Útica e se matou e, assim,
“Cato Uticenses” tornou-se um símbolo de morte honrada. Contase que Cato teria lido por duas vezes ao Phedo de Platão antes de
se matar (Maris RW e cols., 2000).
Apesar desses e de inúmeros outros exemplos de “mortes heróicas’’, é bastante questionável a real importância desse comportamento enquanto atitude popular, de massa, e pode ser considerada
mais um mito, baseado em algumas fontes específicas vindas na
maior parte da aristocracia e difundida por autores como Tácito.
Também entre os romanos, assim como entre os gregos, as opiniões sobre o suicídio variaram de um período a outro e variavam
também de acordo com a classe social. Nós veremos adiante que
certa ambivalência, ou até mesmo rechaço desse tipo de conduta,
sempre esteve presente em paralelo à chamada “Morte Romana”,
principalmente após o segundo século após Cristo, com a perda
de influência dos estóicos.
Nos primórdios do cristianismo, houve uma certa atração pelo
suicídio; também para eles a morte não era importante, mas por
razões muito diferentes daquelas que nos foram passadas pelo
mito da “Morte Romana”. Para os cristãos, o suicídio era muitas
vezes indistinguível do martírio e uma forma de se alcançar o paraíso. Em muitos casos, os cristãos se jogavam sobre as piras onde
seus companheiros estavam sendo queimados. Muitas mulheres
cristãs se mataram para escapar de seus perseguidores e estupradores. Elas eram vistas como exemplos de moralidade, espécies de
Lucrécias cristãs. Mesmo a morte de Cristo foi vista por Tertuliano,
um dos pais da doutrina cristã, como um tipo de suicídio, pois,
para ele, Jesus conhecia o que o esperava em Jerusalém, ele deliberadamente dirigiu-se à morte, sem fazer nada que a evitasse.
A lista de passagens em que Mateus, Paulo, Pedro ou Lucas se
expressam de forma a mostrar que a vida terrestre fosse desvalorizada e até estimulem o suicídio é grande: “Quem queira salvar
sua vida, a perde, mas quem perde a sua vida pela minha glória,
a ganha (Mateus 16.25)”; “Se alguém vem a mim sem dar as
costas ao seu pai e mãe, sua esposa e filhos, seus irmãos e irmãs,
além de se próprio, não pode ser meu seguidor (Lucas 14.26)”;
“O homem que ama a sua vida a perde, enquanto que o homem
que odeia sua vida nesse mundo a preserva na vida eterna (João
12.25)”. Essas e outras assertivas sem dúvida colaboraram para os
vários suicídios conhecidos entre os primeiros cristãos, principalmente nos momentos em que estavam sendo perseguidos e davam
suas vidas para a glória de Deus e para alcançarem a vida eterna.
Após o quarto século, quando a igreja cristã tornou-se dominante,
vamos assistir a uma mudança radical da percepção do suicídio.
Note-se que, no Antigo Testamento, temos nove suicídios descritos, o de Abimalec sendo o primeiro deles, mas nenhum deles é
condenado ou criticado. No Novo Testamento, temos um suicídio
descrito, o de Judas Iscariotes (Barrero Perez S, 2002). Uma atenção especial às origens dessa mudança, que são tão influentes na
cultura ocidental e que transformaram o suicídio em tabu, merecem ser discutidas em mais detalhes.
Na antiguidade, apesar de alguma permissividade em relação ao
debate
hoje | 25
Fernando Neves, Humberto Corrêa e Rodrigo Nicolato
Departamento de Sáude Mental da UFMG
Artigo
Suicídio e Cultura: Uma proposta para o fortalecimento da rede de cuidados em saúde mental
suicídio, e até uma valorização dos chamados suicídios heróicos,
uma certa ambiguidade, ou mesmo recusa, existiam em paralelo.
Como exemplo, podemos citar que havia um tratamento diferente aos herdeiros de suicidas, em particular suicídio por enforcamento, em Roma. Nessa cidade, mesmo antes do triunfo do
cristianismo (mas por razões independentes da doutrina cristã),
a condenação ao suicídio gradualmente vai se tornando a regra
no Império Romano. Muitos filósofos, gregos e romanos, como
vimos, vão também expressar dúvidas sobre a aceitabilidade do
suicídio. Não é um ato associal, que prejudica a comunidade? Não
é um escape covarde? (Aristóteles). A origem dessa mudança se
encontra provavelmente nos filósofos que, a começar por Pitágoras, construíram uma visão dualística do homem, constituído de
corpo e alma. O platonismo vai refinar essa visão dizendo que o
homem não teria o direito de forçar o elemento divino para fora
do corpo. Apenas Deus tem o poder sobre vida e morte. Matar a
si mesmo era como um escravo fugitivo que roubou a si mesmo
de seu mestre. Platão dizia que o suicídio é um ato desonroso e
um cidadão não poderia privar a sociedade de sua vida cívica. O
platonismo, de forma renovada, altamente espiritualizada, foi a
escola de pensamento de todas as pessoas educadas na antiguidade tardia, e certamente os pais da igreja cristã, que deram uma
formulação definitiva a essa doutrina, sofreram influência do Neoplatonismo (Maris RW e col., 2000).
Um aspecto muito importante na postura cristã diante do suicídio
é o mandamento “Não matarás”, dos dez mandamentos. No século
IV, Santo Agostinho vai rechaçar completamente o suicídio. Ele,
ao ser nomeado bispo de Hippo, foi confrontado com a igreja Donástica, um movimento depois considerado herético, que venerava como santas as pessoas que se jogavam de alturas para atingir
o céu. Para enfrentá-los, Santo Agostinho vai no “Cidade de Deus”
dar uma nova explicação ao sexto mandamento, o “não matarás”
como significando “nem a outro nem a si próprio”. Para justificar
seu argumento, ele utiliza a história do Novo Testamento, em
que Cristo é tentado por Satanás, que o colocou nos pináculos
do templo de Jerusálem e disse: se você é o filho de deus, joguese. A recusa de Cristo é vista por Santo Agostinho e pela maior
parte dos teólogos que o sucederam como uma evidência de que
o suicídio seria a pior sina imaginável. Agostinho reforça sua condenação ao suicídio com outros argumentos: “Aqueles que matam
a si próprios são covardes incapazes de enfrentarem seus testes;
é sua vaidade que o induz a dar importância ao que os outros
pensam deles. Nenhuma circunstância desculpa o suicídio, nem
mesmo o estupro. Se a alma de Lucrécia permaneceu inocente ,ela
não tinha razão para se matar...”, diz Agostinho. Vejamos esse
extrato, bastante ilustrativo, do Cidade de Deus, livro I, capítulo
XXIV, extraído de Lisle E, 1859, página 390.
“Saint Augustin n’admet même pas ces exceptions. Ce nest pas sans
raisons, dit-il, que, dans les livres saints, on ne saurait trouver aucun passage oú Dieu nous commande ou nous permette, soit pour
éviter quelque mal, soit même pour gagner la vie éternelle, de nous
donner volontairement la mort. Au contraire, cela nous est interdit
par le precept, tu ne tueras point. Ces termes sont absolus; la loi
divine n’y ajoute rien qui les limites: d’oú il suit que la défense est
générale et que celui-lá même à qui il est commandé de ne pas tuer
ne s’en trouve pas excepté…”
As autoridades eclesiásticas, após Santo Agostinho, vão unani-
26 | debate
hoje
memente condenar o suicídio. Em 452, o concílio de Arles proclamou que o suicídio era um crime, que só poderia ter como causa
uma “fúria demoníaca”. Em 563, o concílio de Praga estabeleceu
que os suicidas não seriam honrados com nenhuma comemoração
do Santo Sacrifício da missa e que o cântico dos Salmos não
acompanharia o seu corpo na descida do túmulo, enquanto que
no concílio de Orleans se promulgaram penas eclesiáticas para
prevenir esse tipo de ato, que foi também matéria de reflexão
nos concílios de Braga y Toledo, em 693, quando se determinou o
tipo de castigo que receberiam aqueles que tentassem se matar,
e se determinou que todos os sobreviventes de tentativas de suicídio deveriam ser excomungados. Estas posturas acompanharam
os tempos e chegaram ao século XXI, como se pode ler ainda no
atual Catecismo. Apesar disso, parece existir alguma tolerância e
flexibilidade da Igreja Católica, principalmente após o Papa Bento
XV, em 1918, ter admitido a insanidade mental dos suicidas. Este
fato associado também à possibilidade de um arrependimento à
hora da morte poderia assim permitir a missa e outros ritos tradicionais no funeral católico.
As autoridades seculares seguiram a doutrina da igreja. No século
X, o rei Edgar da Inglaterra, em um de seus decretos, assemelha
os suicidas aos assassinos e ladrões. No século XIV, na Inglaterra,
declarou-se o suicida como sendo um felo de se e passível de confiscação de suas propriedades. Note-se que nesse país, até 1961,
as pessoas que tentavam suicídio podiam ser punidas pela lei. Na
França, Luis XIV determinou que o corpo do suicida fosse arrastado pelas ruas, com o rosto voltado para o chão, e, em seguida,
ou era pendurado pelo pescoço ou lançado na estrumeira. Dante,
na Divina Comédia, colocou os suicidas no centro do inferno por
considerar a desesperança o pior dos pecados. Vejamos alguns
suicídios de pessoas comuns, conforme descritos por George Minois, 1995, e a atitude da sociedade medieval em relação a eles:
1- Em 1257, um parisiense jogou-se no Sena. Quando ele foi resgatado, ele tomou a extrema-unção, logo antes de morrer. A família reclamou o seu corpo baseado no fato dele ter morrido “em
estado de graça”. A corte, entretanto, sentenciou seu corpo à
tortura.
2- Em 1278, um homem cometeu suicídio em Reims. Os monges
de Saint-Remy enforcaram o seu corpo, mas o parlamento de Paris
ordenou-os enviar o cadáver ao arcebispo, pois somente ele tinha
o direito de enforcar criminosos.
Na Renascença, temos um período de retomada dos valores grecoromanos e uma compreensão mais profunda da individualidade
humana. Em alguns, isso se expressava por uma glorificação dos
antigos heróis, como Cato, Brutus e Sêneca, em outros em um
maior respeito pela dignidade humana. De qualquer forma, a incondicional condenação do suicídio, pregada pela igreja católica,
começou a ser questionada. Na Holanda, Erasmus de Roterdã, no
seu Elogio da Loucura, defendeu o suicídio que fosse cometido
para se escapar de uma vida insuportável. Michel de Montaigne,
na França, explicitou a autonomia humana. “A morte mais voluntária é a melhor. ...O homem sábio não é aquele que vive tanto
quanto ele pode, mas aquele que vive tanto quanto deveria. A
natureza nos deu apenas uma forma de entrar na vida, mas centenas para sair. Quando Deus nos reduz a um estado em que é pior
continuar vivendo do que morrer, ele está nos dando permissão
Fernando Neves, Humberto Corrêa e Rodrigo Nicolato
Departamento de Sáude Mental da UFMG
Artigo
Suicídio e Cultura: Uma proposta para o fortalecimento da rede de cuidados em saúde mental
para morrer.” John Donne, poeta inglês, escreveu por volta de
1610 seu poema “Biathanatos” em defesa do direito ao suicídio,
que foi publicado postumamente em 1647. Curiosamente, Donne
era Anglicano, capelão do rei. Em seu livro, Donne tenta mostrar que a condenação do suicídio deriva de princípios falsamente
considerados como sendo auto-evidentes, e que “self-homicide”
está longe de ser uma sina absoluta, mas que a teologia medieval
o havia assim transformado. David Hume, filósofo do século XVIII,
no seu ensaio “On suicide” expressava: “A prudência e a coragem
nos animam a acabar com nossa existência quando essa resultar
em uma carga muito pesada para ser carregada”.(Minois G, 1995).
Shakespeare retratou em sua peças 14 diferentes suicídios, em
suas 8 tragédias, sem nunca condená-los, mas ao contrário perguntando:
“Then is it sin, to rush into the secret house of death, Ere death
dare come to us?”
Esse tipo de visão se tornou mais e mais comum, embora sempre
em oposição ao pensamento da igreja e de muitas outras vozes.
Após o século XVII, com o advento do iluminismo, as crenças
tradicionais começaram a ser revistas com um olhar mais crítico,
mais céptico. Com isso, o tratamento brutal ao qual eram submetidos os suicidas e as pessoas que tentavam suicídio foram
aliviados em várias partes da Europa. Por exemplo, as leis contra
o suicídio na França foram relaxadas na época da Revolução Francesa; na Prússia, o código penal de 1794 não mais punia pessoas
que tentavam suicídio.
Os românticos do final do século XVIII e início do século XIX,
(Byron, Keats, Chateubriand, Lamartine, Goeth) foram ainda além
e glorificaram o suicídio como um ato heróico de um homem livre.
O livro de Goeth, “As amarguras do jovem Werther”, é particularmente interessante. Esse livro foi escrito em 1774 e descreve
as desventuras amorosas do personagem principal, Werther, que
termina por se suicidar. O livro foi achado ao lado de vários jovens
que se suicidaram e Goeth chegou a ser acusado de assassinato.
Seu livro foi proibido em Leipzig e toda a edição italiana foi
destruída pela Igreja Católica de Milão. Esse evento ilustra, como
discutiremos mais adiante, a possibilidade de “contágio” do suicídio“, principalmente em jovens.
De qualquer forma, o que podemos observar é uma gradual mudança na percepção da sociedade em relação ao suicídio, que, ao
invés de simplesmente o condená-lo, tentar compreendê-lo. O
suicida passa pouco a pouco a ser desculpado como sendo non
compos mentis (não tendo a cabeça no lugar). Isso vai acontecer,
interessantemente, em um momento em que se começa a discutir
o tratamento dos doentes mentais e a se abrirem instituições para
o tratamento desses pacientes. Digno de nota é o fato de que a
primeira teoria psiquiátrica para explicar o suicídio foi feita por
Esquirol, considerado o “fundador” da teoria psiquiátrica do suicídio, e que foi discípulo de Philipe Pinel, considerado o “fundador”
da moderna psiquiatria.
Durante o século XX, foram construídas teorias para “explicar” e
“compreender” o comportamento suicida. São elas as chamadas
teorias psiquiátrica, herdeira direta de Esquirol; a teoria psicoló-
gica, que tem em Freud um de seus fundadores (apesar de Freud,
ele mesmo, ter pouco trabalhado a questão do suicídio, é inegável
o papel que teve a psicanálise no século XX e as contribuições de
inúmeros psicanalistas para a compreensão do comportamento
suicida); e a teoria sociológica, que tem em Durkheim seu fundador. Apesar dessas abordagens científicas, são ainda inegáveis
os tabus e conflitos de nossa sociedade em relação ao comportamento suicida. Apesar de ser um assunto de saúde pública, no
Brasil e em grande parte do mundo, ainda é tema pouco discutido, pouco abordado abertamente, fora do meios “especializados”.
Essa atitude de nossa sociedade, certamente pode ser explicada,
ao menos em parte, pelo nosso passado cristão-ocidental, como
tentamos mostrar.
Conclusões
Ate o século XVII, o suicídio foi tratado principalmente por um
viés filosófico-moral-religioso. Apenas no século XIX tentou-se
uma abordagem mais científica com Esquirol na psiquiatria e
Durkheim na sociologia com seu “Le suicide”.
Os filosófos gregos e romanos se indagavam sobre se o suicídio
seria aceitável ou se era honroso ou se era prejudicial à sociedade. Após o advento do cristianismo, a questão principal passou
a ser se ele deveria ser proibido e, depois de resolvida essa questão, como ele deveria ser proibido e punido. A partir do século
XIX, o foco passou a ser tentar endendê-lo, e em vários aspectos
diferentes: psiquiátrico, sociológico, psicológico e, mais recentemente, biológico. Ou seja, as perguntas mudaram e passaram
a ser quem se mata, quantos fazem isso, porque fazem isso, em
que condições, quais as características de quem se mata, quais as
substâncias ou genes estão alterados em quem se mata. Inegável
ainda, entretanto, é o fato de ser ainda visto por nossa sociedade
como um assunto tabu, pouco abordado fora dos meios “especializados”, certamente em função de nossa cultura cristã-ocidental,
como tentamos mostrar em nosso texto.
Referências
■■Baume P, Cantor CH, Rolfe A. Cybersuicide: the role of interactive suicide notes on the Internet. Crisis. 1997;18:73-79.
■■Houaiss, A., Villar, M.S.,Franco, F.M.M. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001.
■■Lisle E. Du suicide. Statistique, médecine, histoire et legislation. Balliere JB, Paris, 1856.
■■Minois G. Histoire du suicide: la societé occidentale face a
la morte voluntaire. Libraire Arthéme, Fayard, 1995.
■■Maris RW, Berman A, Silverman M. Comprehensive textbook of suicidology. The Guilford Press, New York, 2000.
■■Pérez Barrero SA; Pelaez S. La conducta suicida en las Sagradas Escrituras. Revista Internacional de Tanatología y Suicidio 2002: 2: 7-9.
■■Stone G. Suicide and attempt suicide. Carrol and Graff publishers, New York, 1999.
■■Tite-Live. Histoire Romaine. Librairie Garnier, Paris, 1944.
debate
hoje | 29
Alexandrina M A S Meleiro
Doutora em Psiquiatria pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo
Artigo
Os sobreviventes. Após a tentativa, o que fazer?
Os sobreviventes
Após a tentativa, o que fazer?
D
evido à diversidade de fatores e de problemas associados à tentativa de suicídio, nenhuma medida singular é
suficiente para todas as pessoas de risco. O determinismo multifatorial do suicídio impõe-nos, de início, analisar cada fator de risco com prudência (Passos, 2009).
Muitos pacientes são liberados dos serviços de emergência após
uma tentativa de suicídio sem ter uma avaliação psiquiátrica para
o risco de suicídio ou conduta médica adequada. Esse conceito
está sendo revisto nas últimas décadas, quando se observou um
excesso de mortalidade por suicídio e causas naturais entre os
indivíduos com história prévia de tentativa de suicídio (Kutcher;
Chehil, 2007). A ocorrência de uma condição particular relacionada ao comportamento suicida exige avaliação criteriosa.
A primeira abordagem das tentativas de suicídio consiste nos cuidados iniciais à vida, se há emergência clínica e/ou cirúrgica.
Devem-se assegurar o estado físico, as complicações médicas decorrentes do ato, se irá necessitar ser levado para a unidade de
terapia intensiva (UTI), para o Centro cirúrgico ou ortopédico,
setor de endoscopia ou clínicas de queimados (Meleiro et al.,
2004). Destacamos as condutas nos casos de envenenamento, já
que configuram a maior parte das tentativas de suicídio em nosso
meio (Diehl; Laranjeira, 2009). Acredita-se que cerca de 80% das
tentativas de suicídio ocorram por este método. Por serem pouco
letais na sua maioria, também contribuem para que caracterize a
maior parte das tentativas de suicídio em emergências médicas
(Kutcher; Chehil, 2007).
A abordagem inicial dos envenenamentos, como em outras condições médicas, consiste em história e exame físico, dando-se
especial atenção a exame dos sinais vitais, exame ocular (pupila),
exame do estado mental e tônus muscular. Exames laboratoriais
de equilíbrio ácido-básico, gasometria e exames toxicológicos
costumam serem úteis (Mohklesi et al., 2003).
Os primeiros cuidados seguem as medidas de suporte básico da
vida (ABC), com proteção de vias aéreas, cuidados com a ventilação e com a circulação. Em pacientes onde há necessidade
de ressuscitação cardio-respiratória, esta é realizada juntamente
com a abordagem inicial. Outras condutas úteis, em casos de envenenamento, podem ser aplicadas conforme quadro 1.
30 | debate
hoje
Quadro 1: Condutas úteis na abordagem inicial
após tentativa de suicídio
1. Administração de tiamina e glicose.
2. Administração de naloxone ou flumazenil na suspeita de
intoxicação por opiáceos ou benzodiazepínicos, respectivamente.
3. Prevenção de absorção da toxina pelo trato gastro-intestinal através de esvaziamento gástrico e administração de carvão ativado.
4. Estimulação da eliminação da toxina através da manipulação de Ph urinário.
5. Remoção extracorpórea de toxinas através da hemodiálise.
6. Administração de antídotos (sob orientação do Centro de
Atendimento Toxicológico – CEATOX).
7. Cuidados de terapia intensiva.
Ao atender um paciente intoxicado após tentativa, deve-se lembrar que ele pode ter ingerido mais de um tipo de medicamento,
e, portanto, a interação medicamentosa, nestas situações, pode
agravar o estado do paciente pela somação ou por potencialização dos mesmos (Gunnell, 2004).
Conduta médica após
tentativa
Algumas decisões são necessárias para prosseguir os cuidados
após tentativa: se vai permanecer internado (médico/cirúrgico/
UTI), se será encaminhado ao ambulatório de saúde mental ou se
deve ser transferido para uma unidade psiquiátrica pela presença
de risco ou de transtorno psiquiátrico que necessite de tratamento especializado (Lima et al., 2010).
Todo cuidado é pouco na enfermaria, pois é um local onde há disponibilidade de meios como anestésicos, cloretos de potássio, psicofármacos, bisturi, tesouras, escadas, janelas, lençóis, etc. É importante observar e anotar os comportamentos não-verbais suspeitos
ou significativos de comportamento suicida (Meleiro et al., 2004).
Há relato de pacientes de unidade de terapia intensiva (UTI) que
desligaram os seus próprios aparelhos como gesto suicida ou de
pacientes que se enforcaram dentro de hospitais psiquiátricos. A
inclusão de amigos e membros solidários da família pode ser útil
Artigo
Os sobreviventes. Após a tentativa, o que fazer?
nas enfermarias onde o recurso humano para vigilância é escasso.
Qualquer paciente com doença psiquiátrica deve ser avaliado
quanto à tendência suicida periodicamente durante o curso da
doença, independentemente de sua situação clínica (Kutcher;
Chehil, 2007).
As opções após a avaliação dependerão do sistema de saúde em
que o paciente está sendo atendido. Na prática diária, sabe-se da
dificuldade de obter-se uma vaga em unidade psiquiátrica.
Para uma avaliação clínica do risco, a tentativa de suicídio pode
ser classificada quanto ao método como: a. Violento: enforcamento, queda de alturas, mutilações, disparos, arma branca; b.
Não violentos: intoxicação voluntária de drogas, inalação de
gases tóxicos. Quanto à gravidade ou letalidade da tentativa de
suicídio pode ser avaliada em: 1. Grau de impulsividade; 2. Planejamento; 3. Danos médicos e 4. Possibilidades de escape
da tentativa.
Considera-se grave aquele ato que necessitou de uma hospitalização ou de suporte clínico-cirúrgico para evitar sequelas (Lima
et al., 2010). Estima-se que 10% das tentativas precisaram de
hospitalização. A gravidade da tentativa é um forte fator de risco para repetição. Entretanto, a avaliação da gravidade da lesão
deve ser cuidadosa, pois uma lesão pouco grave pode simplesmente traduzir o desconhecimento da letalidade do método utilizado pelo paciente com intenção suicida real. Nesses casos, negligenciar a intenção pode subestimar o risco futuro (Holdsworth
et al., 2001).
Avaliação médicopsiquiátrica do risco de
suicídio
Após o exame clínico psiquiátrico, devem ser investigados os recursos do paciente: avaliar a capacidade de elaboração, de resolução de problemas, os recursos materiais como moradia e alimentação, o suporte familiar, social, profissional e de instituições, e
se houve eventos precipitantes (Miller, et al., 2007). Fazer um
levantamento junto ao paciente de todas as circunstâncias e motivações que deflagraram a auto-agressão. É frequente a presença
de vários fatores estressantes, ou então, muitos destes pacientes já viviam num contexto repleto de problemas psicossociais
crônicos, além de seu transtorno mental (Meleiro et al., 2004).
Estima-se que os conflitos interpessoais, como brigas, desentendimentos, separações, possam precipitar metade das tentativas.
Outros fatores estressantes capazes de desencadear novas autoagressões são: problemas policiais ou pendência judicial, perda de
ente querido, luto, doença física crônica, desemprego, eventos de
vida adversos na presença de depressão (Issacson; Rich, 2001).
Deve-se determinar se o fator estressante é reflexo de uma situação de insatisfação transitória ou crônica e indissolúvel.
32 | debate
hoje
Abordagem inicial da
sintomatologia
Vários trabalhos tentaram traçar um protocolo de conduta para a
abordagem de pacientes com ideação suicida, mas nenhum ainda
foi eleito como ideal. De forma geral, quando se identifica um
paciente que apresenta risco iminente ou passou por uma tentativa de suicídio, deve-se perguntar sobre a presença da ideação
suicida, avaliar se tem um plano definido, investigar se possui
os meios ou método e verificar se há uma data para cometer o
suicídio (WHO,2000).
A estimativa criteriosa do risco de suicídio do paciente é um importante fator para a escolha do tipo de tratamento e os cuidados
a ser tomados em seguida. A hospitalização é indicada de acordo
com o grau de risco potencial de suicídio, principalmente se o
paciente não colabora, apresenta um transtorno mental grave que
prejudica a sua crítica frente à situação e não possui uma rede de
suporte familiar. Algumas vezes, uma hospitalização precipitada
pode ser prejudicial ao paciente frente a uma avaliação errônea
do risco de suicídio. A interrupção das atividades profissionais ou
acadêmicas, prejuízo financeiro, estresse psicossocial e estigma
social subseqüente são malefícios evitáveis de uma internação.
As repercussões posteriores podem ser desastrosas, exacerbando
ainda mais o risco de suicídio após a alta hospitalar.
Outros aspectos importantes para definir a conduta adequada são:
a capacidade de assegurar um autocuidado, de entender as diferentes modalidades de tratamento propostas e de procurar ajuda
frente a uma situação de crise. Por exemplo: procurar apoio em
familiares e amigos, contatar um médico de confiança, buscar um
serviço de emergência etc. Consequentemente, a escolha do tipo
específico de tratamento que será estabelecido para cada paciente não depende somente da estimativa do risco de suicídio, mas
também, da conjunção de vários elementos, principalmente se a
família está ou não envolvida nas decisões do tratamento.
Quadro 2: Indicação geral de hospitalização,
após tentativa de suicídio ou tentativa frustrada
■ Paciente psicótico.
■ Tentativa violenta, quase letal, ou premeditada.
■ Precauções foram feitas para dificultar o resgate ou descobrimento
■ Persistência do plano ou a clara presença de intenção.
■ Paciente com remorso de estar vivo ou sem remorso de ter tentado
suicídio.
■ Paciente do sexo masculino, mais de 45 anos, com doença psiquiátrica de início recente, com pensamentos suicidas.
■ Paciente com limitação do convívio familiar, suporte social precário,
incluindo perda da condição socioeconômica.
■ Comportamento impulsivo persistente, agitação grave, pouca critica, ou recusa evidente de ajuda.
■ Paciente com mudança do estado mental devido a alteração metabólica, tóxica, infecciosa ou outra etiologia que necessita a pesquisa
da causa clínica.
Na presença de ideação suicida com
■ Plano específico de alta letalidade.
■ Alta intencionalidade suicida.
Fonte: Practice guideline for the assessment and treatment of patients with suicidal behavior, 2003.
Alexandrina M A S Meleiro
Doutora em Psiquiatria pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo
Após a escolha do ambiente terapêutico (hospital, ambulatório,
domicílio), deve-se introduzir o tratamento psicofarmacológico
adequado e encaminhamento para psicoterapia. Sempre que possível, a família e o paciente devem ser exaustivamente orientados e esclarecidos pelo médico quanto à proposta terapêutica. A
segurança do mesmo tem que ser garantida, junto com uma boa
avaliação do estado mental e crítica do paciente perante a situação, condição clínica para assim realizar-se uma conduta médica
adequada.
suicidas. No entanto, o contrato tem algumas desvantagens:
pode diminuir o relato de estresse ou disforia, diminuir o potencial de uma aliança terapêutica, prejudicar a avaliação e
abordagem do risco. Deve ser visto como um adjunto em pacientes com baixa intenção. A família deve ser alertada para
não reduzir vigilância, ou seja, não confiar totalmente no contrato (Miller et al., 2007). Sentimentos e comportamentos
como choque, confusão, negação, inquietação, regressão, desesperança e estado de alerta são comuns nos familiares. Dar
assistência médica a estes familiares pode ser necessário.
Avaliando a necessidade Conduta terapêutica
de hospitalização
A internação hospitalar, por si só, não é um tratamento, é um
local no qual já se inicia a medicação, com melhor observação
do paciente suicida e um sistema de vigilância até reduzir ou
cessar o risco. Durante a hospitalização, o paciente deve receber atendimentos constantes que facilitarão o tratamento,
assegurando-lhe a vida e proporcionando a sua melhora. O
objetivo da internação é impedir o ato impulsivo do suicídio
e iniciar rapidamente um tratamento adequado (Meleiro et al.,
2004).
Não há evidências empíricas de que a hospitalização reduza
a incidência de suicídio em longo prazo, mas sugere-se estabelecer um acompanhamento ambulatorial prolongado após
alta hospitalar (Bostwick et al., 2000; Paris, 2002). Durante
o tratamento tanto hospitalar quanto ambulatorial, é importante auxiliar o paciente a desenvolver habilidades e recursos
para que ele consiga se reintegrar à sociedade com segurança
e independência.
Algumas vezes, uma internação domiciliar pode ser uma alternativa razoável. Isso é possível quando há baixo risco de
suicídio, supervisão disponível e suporte adequado em casa
(Meleiro et al., 2004). A vigilância deve ser providenciada com
o intuito de garantir a segurança do paciente: 1. Retirar da
casa medicamentos potencialmente letais, armas brancas e armas de fogo; 2. Manter abstinência de álcool e drogas que
possuem efeitos desinibitórios; 3. Evitar locais elevados e sem
proteção, pelo risco de se jogar; 4. Evitar que o paciente fique
sozinho, ou trancado em um recinto.
Com os familiares e amigos, que devem se revezar na tarefa de
vigilância, recomenda-se discutir que tipos de situações podem promover futuras tentativas se o estresse não for evitável
e indicar quais comportamentos podem ser usados para evitar
novas tentativas. Evitar que um paciente com risco suicida
receba alta hospitalar desacompanhado. Todas as orientações
devem ser claras para o paciente e para a família. Deve-se
estabelecer um bom relacionamento e enfatizar a importância
do tratamento com ambos. É recomendável manter um canal
de comunicação periódica com a equipe médica e retornar ao
hospital no caso de exacerbar a ideação (Meleiro et al., 2004).
Pode ser realizado um contrato de “não-suicídio” (verbal ou
escrito), que consiste em o paciente concordar em não realizar
ato de auto-agressão e relatar a um familiar se tiver desejos
O princípio clínico no tratamento de pacientes suicidas é adequar
as intervenções englobando os problemas médicos, psiquiátricos,
psicológicos e socioeconômicos do paciente. Um seguimento psiquiátrico em longo prazo alcança melhores resultados. Entretanto, oferecer ajuda em curto prazo e solucionar questões práticas
do paciente auxiliam na sua vinculação ao tratamento oferecido,
bem como reforçam a sua aderência (Isacsson; Rich, 2001).
A medicação psicotrópica a ser utilizada dependerá do diagnóstico psiquiátrico e das condições clínicas do paciente. Algumas
vezes, o uso de um benzodiazepínico pode ser benéfico na fase
aguda, na qual a ansiedade desprazeirosa poderá ceder, entretanto ficar alerta para um possível efeito paradoxal. A medicação
adequada deve ser indicada e manuseada por profissionais habilitados com a dosagem, efeitos colaterais e interações medicamentosas, levando-se em conta as condições físicas do paciente,
além da idade e peso.
Grande vigilância faz-se necessária no início do tratamento com
antidepressivos, pois eles demoram dias a semanas para alcançarem efeito terapêutico, e podem melhorar a atividade psicomotora
antes de suprimir os pensamentos suicidas, permitindo que os
pacientes fadigados e inertes tenham condições reais de cometerem suicídio.
A terapêutica da depressão deve ser aplicada de forma cuidadosa e com vigor, levando-se em conta o risco iminente de suicídio (Gunnell, Murray, 2004). Por vezes, o uso de dose máxima
tolerável de antidepressivo é necessário para atingir a remissão
completa. O uso de dose subterapêutica apenas limita a eficácia
da medicação, retarda a resolução do episódio depressivo, por
induzir somente à resposta parcial ou precipitar uma interrupção
por eficácia insuficiente no tratamento.
O tratamento com eletroconvulsoterapia (ECT) deve ser realizado naqueles casos graves de depressão, com forte determinação
para o suicídio. Esse tipo de terapêutica não deve ser visto com
preconceito, pois é um tratamento eficaz e seguro para diversos
quadros psiquiátricos com risco de suicídio. O benefício ao paciente com risco de suicídio está relacionado diretamente à sua
indicação oportuna e adequada, como na cardioversão frente a
uma parada cardíaca, que não reverteu quimicamente. Entretanto,
jamais se deve prescrever indiscriminadamente este tratamento a
todos os suicidas, tampouco ser relutante em indicá-lo em casos
de urgência (Meleiro et al., 2004).
debate
hoje | 33
Alexandrina M A S Meleiro
Doutora em Psiquiatria pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo
Artigo
Os sobreviventes. Após a tentativa, o que fazer?
Com prevenção, o carbonato de lítio deve ser introduzido e mantido, principalmente em pacientes com transtornos do humor.
Outros estabilizadores de humor podem ser utilizados com benefício ao paciente no controle da doença de base que levou ao
comportamento suicida (Rosa et al., 2006). O uso de clozapina
é indicado para pacientes com esquizofrenia e risco de suicídio
(Meltzer, 2003).
A psicoterapia tem a função de auxiliar o paciente a lidar com
as dificuldades que enfrenta de forma funcionalmente adequada,
principalmente após uma tentativa de suicídio. Há poucas evidências sobre a real eficácia das várias técnicas, entretanto, acreditase que bons resultados são obtidos quando indicada junto com o
tratamento medicamentoso (Sneed et al., 2003).
Comentários finais
Nem todos os casos de suicídio poderão ser prevenidos, entretanto, a habilidade em lidar com suicídio faz a diferença, pois milhares de vidas poderão ser salvas todos os anos se todas as pessoas
que tentaram suicídio forem adequadamente abordadas e tratadas. Esta perspectiva é de particular importância para a suicidologia, uma vez que a diminuição de morbidade (ideação suicida e
tentativa de suicídio) deve levar à diminuição da mortalidade. Os
esforços de prevenção ao suicídio, muitas vezes, dirigem-se à melhora da assistência clínica ao indivíduo que já luta contra idéias
suicidas ou ao indivíduo que precise de atendimento médico por
tentativa de suicídio. A prevenção ao suicídio também exigirá
abordagens que possam reduzir a probabilidade do suicídio antes
que indivíduos vulneráveis alcancem o ponto de perigo. Prevenir
é melhor que remediar.
Referências
■■American Psichiatric Association. Pratice-Guideline. For the Assessment and treatment of pacients with suicidal behavious. The
American Journal of Psyquiatry. 2003; suppl:160(11).
■■Bostwick JM, Pankratz VS. Affective disorders and suicide risk:
a reexamination. Am J Psychiatry. 2000; 157:1925-32.
■■Diehl A, Laranjeira R. Suicide attempts and substance use in an emergency room sample. J Bras Psiquiatr. 2009; 58 (2): 86-91.
■■Gunnell D, Ho D, Murray V. Medical management of deliberate drug overdose: A neglected area for suicide prevention? Emerg Med J. 2004; 21:35-8.
■■Holdsworth N, Belshaw D, Murray S. Developing A&E nursing responses to people
who deliberaty self-harm: the provision and evaluation of a series of reflective
workshops. Journal of Psychiatric and Mental Health Nursing. 2001; 8: 449-58.
■■Isacsson G, Rich CL. Management of patients who deliberately harm themselves. BMJ. 2001; 322(27): 213-5.
■■Kutcher S, Chehil S. Manejo do Risco de suicídio. Um manual para profissionais de saúde. Trad. Allevato M. Med Line Editora. 2007; 135p.
■■Lima DD, Azevedo RCS, Gaspar KC, Silva VF, Mauro MLF, Botega NJ. Tentativa de suicídio entre pacientes com uso nocivo de bebidas alcoólicas
internados em hospital geral. JB Psiquiatr. 2010; 59(3): 167-72.
■■Meleiro AMAS; Teng CT; Wang YP. Suicídio: estudos fundamentais. São Paulo. Segmentofarma, 2004; 220p.
■■Meltzer HY, Alphs L, Green AI. Clozapine treatment for suicidality in schizophrenia. International suicide prevention trial (InterSePT). Arch Gen Psychiatry. 2003; 60: 82-91.
■■Miller AL, Rathus JH, Linehan MM. Dialectical Behavior Therapy with suicidal adolescents. New York, NY. Ed Guilford Publications. Inc.; 2007; 350p.
■■Mokhlesi B, Leiken JB, Murray P, Corbridge, T.C. Adult toxicology in critical care –
part I: General Approach to the intoxicated patient. Chest. 2003;.123: 577-592.
■■Passos AF; Rocha FL; Hara C; Paulino N. Erro médico em Psiquiatria: caso clínico. J Bras Psiquiatr. 2009; 58(1): 49-51.
■■Rosa AR; Kapczinski F; Oliva R; Stein A; Barros HMT. Monitoramento da
adesão ao tratamento com lítio. R Psiquiatr Clín. 2006; 33(5): 249-261.
■■Sneed JR, Balestri M, Belfi B. The use of dialectical behavior theraph strategies in the psychiatric emergency room. Psychoterapy: Theory, Research, Practice, Training 2003; 40(4): 265-77.
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debate
hoje | 35
Artigo
Suicídio: propostas de serviços e ações a serem executadas
Suicídio
Propostas de serviços
e ações a serem executadas
D
e acordo com estimativas da OMS do ano 2000, naquele
ano, aproximadamente 1 milhão de pessoas estiveram
em risco de cometer o suicídio. O suicídio é uma das
10 maiores causas de morte em todos os países, e uma
das três maiores causas de morte na faixa etária de 15 a
35 anos. No Brasil, a taxa de suicídio aumenta progressivamente,
sobretudo em relação à idade (tendência de aumento de suicídio
na faixa de pacientes acima de 75 anos de idade) .
As recomendações da Associação Americana de Psiquiatria quanto à orientação para o tratamento, em termos de internação, podem ser resumidas a seguir.
A internação será fundamental quando houve tentativas de suicídio associadas a: psicose, tentativa violenta e quase letal; ações
para evitar a descoberta da intenção de se suicidar; paciente sem
suporte social e familiar, perda do status econômico; impulsividade, violência, quadro secundário à condição médica geral; ideação
suicida (sem tentativa) com alta intencionalidade suicida e/ou
letalidade potencialmente alta.
A internação poderá ser necessária quando houver tentativa de
suicídio associada a: transtorno psiquiátrico grave ou psicose;
tentativas anteriores de suicídio, com graves repercussões; doenças clínicas como co-mórbidas; impossibilidade de tratamento ambulatorial; quando o paciente precisar de auxílio para se
medicar; quando houver necessidade de ECT; quando o paciente
necessitar de observação constante; suporte familiar e social
insuficientes. Se não houver tentativa, avaliar: fatores de risco
recentes para suicídio ou intenção e organização de metas visando à concretização de suicídio.
O paciente pode obter alta do serviço de emergência para ambulatório, quando, após ideação suicida ou tentativa de suicídio,
houver evento estressante que justifique a ideação ou tentativa;
quando o plano, o método e a intenção de suicídio forem reduzidos; quando houver suportes sociais e familiares adequados e
quando o paciente demonstra possibilidade de adesão ao tratamento com sua equipe médica.
E quando o paciente não apresentar consequências decorrentes
da tentativa de auto-extermínio e exibir ideação suicida cronicamente, suporte social adequado e estiver sob tratamento médico
ambulatorial.
36 | debate
hoje
Ainda quanto às diretrizes da Associação Americana de Psiquiatria, de 2003, os seguintes aspectos epidemiológicos podem ser
enumerado, conforme classificação para fatores de risco e protetores quanto ao suicídio:
Fatores associados com risco aumentado de suicídio:
■■ Pensamentos suicidas: Ideias suicidas(atuais ou pregressos),
planos suicidas tentativas de suicídio; letalidade dos planos ou
das tentativas de suicídio, intenção suicida.
■■ Diagnósticos psiquiátricos: Transtorno depressivo maior,
transtorno bipolar (sobretudo episódios mistos ou depressivos),
esquizofrenia, anorexia nervosa, transtornos por uso de álcool e
drogas; transtornos de personalidade do Grupo B (sobretudo t.
borderline).
■■ Doenças físicas: Doenças do sistema nervoso central, doença
de Huntington, transtornos convulsivos; HIV/AIDS; neoplasia;
Neoplasias, doenças reumáticas, síndromes dolorosas; DPOC; insuficiência renal crônica.
■■ Aspetos psicossociais: falta recente de apoio social; desemprego; queda na situação econômica.
■■ Traumas da infância: Abuso sexual, abuso físico.
■■ Aspectos Psicológicos: Desesperança, snsiedade grave, impulsividade, agressividade.
■■ Aspectos demográficos: Sexo masculino (mulheres tentam mais
suicídio que os homens); viúvo; solteiro; divorciado; idosos; jovens.
Correa e Barrero, em 2006, mencionaram que uma abordagem mais
geral do suicído deveria incluir uma série de medidas, tais como:
1- Promover a tomada de consciência da sociedade sobre a importância do suicídio como causa de morte e saúde pública.
2- Prover suporte social e médico para as pessoas em situação de
crise, assim como tratamento e acompanhamento médico-psiquiátrico eficazes para os portadores de um transtorno psiquiátrico.
3- Educar as criança e os jovens no manejo de situações conflitivas ao longo de suas vidas.
4- Combater o alcoolismo e a drogadicção.
5- Promover suporte social e médico aos grupos mais vulneráveis
(idosos, desempregados, minorias étnicas, migrantes não adaptados
à nova região), ou seja, pessoas com pouca inserção.
6- Oferecer atualizações constantes nos aspectos preventivos da
conduta suicida aos médicos de atenção primária, pediatras, pro-
Fernando Neves, Humberto Corrêa e Rodrigo Nicolato
Departamento de Saúde Mental-UFMG
fessores, policias, clérigos, entre outros.
7- Reduzir a disponibilidade dos métodos suicidas, principalmente
as armas de gogo, os venenos agrícolas e outras substâncias tóxicas, incluindo-se os medicamentos psicotrópicos.
8- Eliminar a informação sensacionalista sobre o suicídio nos
meios de comunicação.
9- Promover a realização de eventos multidisciplinares sobre a
conduta suicida em seus diversos aspectos.
Esses mesmos autores, Correa e Barrero, em 2006, propuseram 6
variantes de manejo às pessoas suicidas. Enfocaremos, sucintamente, as duas primeiras, a seguir:
Primeira variante: Avaliar se o paciente pode se responsabilizar por sua vida ou não, avaliar a parte sadia do paciente, a parte
enferma, a saúde física, podendo-se dividir as pessoas potencialmente suicidas em três categorias:
1-Primeira categoria: Pessoas impossibilitadas de se serem responsáveis por suas vidas, como os portadores de patologias psiquiátricas graves, como esquizofrênicos, alcoolistas, transtornos
afetivos, que estejam apresentando patologias clínicas graves,
crianças, idosos, pessoas isoladas socialmente.
Intervenção: Entender o comportamento suicida como um sintoma
do estado do indivíduo. Tratar a enfermidade e, uma vez melhor,
comprometer o indivíduo a realizar tratamento que evite recaídas.
2-Segunda categoria: Pessoas com responsabilidade parcial sobre
suas vidas, com sintomas que não são graves e com suporte social,
como pacientes com retardos leves e etilistas não complicados.
Intervenção: Entender o comportamento suicida como possível,
mas principalmente em situações concretas, como abandono do
tratamento, falta de apoio, e situações estressantes atuais. Comprometer a família e demais redes sociais. Tratar a enfermidade de
base, analisar a participação do sujeito na gênese dos fatores que
podem precipitar um ato suicida e comprometê-lo na sua solução.
3- Terceira categoria: pessoas com plena responsabilidade sobre
sua vida, como as com transt. de personalidade, pessoas com enfermidade psiquiátrica menos invasiva, enfermidades físicas com
repercussão psicológica, mas com crítica.
Intervenção: Entender o comportamento suicida como mecanismo
anormal de adaptação na personalidade do indivíduo. Aliviar os
sintomas e responsabilizá-lo com sua própria vida. Analisar e discutir com o indivíduo a inadequação do comportamento suicida como
estratégia e as conseqüências disso para si mesmo e familiares. Modificar as atitudes familiares de modo a impedir o comportamento
suicida como forma de manipulação do indivíduo.
Segunda variante: Essa variante, segundo Correa e Barrero,
tem a função de enfrentar situações em que a pessoa tenha
tentado suicídio.
As perguntas que consideramos mais importantes, resumidamente, nessa situação, seriam:
1- Quem era essa pessoa antes de tentar suicídio?
Das respostas a essa pergunta, poderemos conhecer os fatores
que aumentam o risco de nova tentativa: portador de doença psiquiátrica prévia; antecedentes de tentativa de suicídio; inadaptação familiar, social ou laborativa; pessoas de família com hsitória
de suicídio ou tentativa de suicídio.
2- A letalidade é alta?
A letalidade de um método é o grau de prejuízo que a tentativa de
suicídio ocasiona ao indivíduo. As respostas devem orientar aos
profissionais sobre o método empregado, pois, apesar de qualquer
método poder causar a morte, métodos mais violentos, como arma
de fogo, enforcamento e precipitação de locais elevados costumar
ser mais letais. Deve haver atenção para detalhes importantes,
como se o indivíduo escolheu lugares de difícil acesso para evitar
resgate, tomou medidas para não ser encontrada, se deixou cartas
explicando o ato; características que denunciam maior intenção
suicida. Investigar o grau de acurácia com que a pessoa percebia
a letalidade de seu ato. Uma pessoa com pouca possibilidade de
acesso às informações pode acreditar que a ingesta de poucos
comprimidos de benzodiazepinas seria fatal, apesar de, neste
caso, a letalidade ser baixa. Ou seja, haveria uma baixa letalidade
por desconhecimento da impossível letalidade com este método,
mas a intenção seria relativamente alta.
A tabela 1 um mostra a orientação da OMS para o manejo ao paciente que tentou o suicídio, enfatizando que, conforme o risco
de suicídio, as condutas pode ir da escuta empática, ambulatorial, à internação.
Tabela 1 : Escala sugerida pela Organização
Mundial de Saúde (WHO) para avaliação de
risco de suicídio e conduta
Risco de suicídio
Sintoma
Avaliação
Ação
0
Nenhum
-
-
1
Com problemas emocionais
Perguntar sobre
pensamentos suicidas
Escutar com empatia
2
Idéias vagas de morte
Perguntar sobre
pensamentos suicidas
Escutar com empatia
3
Ideação suicida vaga
Avaliar a intencionalidade
(plano e método)
Explorar as possibilidades e
Identificar apoio
4
Idéias suicidas SEM
transtornos psiquiátricos
Avaliar a intencionalidade
(plano e método)
Explorar as possibilidades
Identificar suporte
5
Idéias suicidas E transtornos
psiquiátricos ou fatores
estressantes graves
Avaliar a intencionalidade
(plano e método)
Estabelecer um contrato
Encaminhar para um psiquiatra
6
Idéias suicidas E transtornos
psiquiátricos OU fatores
estressores graves OU agitação
E tentativas prévias
Ficar com o paciente
(para prevenir o acesso aos
meios letais)
Hospitalizar
debate
hoje | 37
Fernando Neves, Humberto Corrêa e Rodrigo Nicolato
Departamento de Saúde Mental-UFMG
Artigo
Suicídio: propostas de serviços e ações a serem executadas
Programas de Prevenção
A OMS, após considerar inúmeras pesquisas internacionais, no ano
de 2000,apoiou um importante estudo multicêntrico internacional, intitulado SUPRE-MISS, em oito países (Ceilão, China, Brasil,
Vietnã, Estônia, Índia, Irã e África do Sul), em que se comparam
intervenção breve (com a presença de entrevista motivacional,
telefonemas ou visitas domiciliares) ao tratamento usual, com
encaminhamento para a rede de saúde. No Brasil, o grupo de
Botega, unido à liderança de Bertolote, à época na OMS, através
de estudos de 18 meses, concluiu que o grupo que não recebeu
intervenções mais frequentes, como telefones regulares, de forma
comparativa, foi dez vezes mais associado à ocorrência de suicídios, mostrando a importância deste modelo de intervenção mais
abrangente e mais regular, sobretudo na redução da ocorrência
de suicídios.
Em outro estudo (A Program for Reducing Depressive Symptoms
and Suicidal Ideation in Medical Students Thompson D, Goebert
D,, and Takeshita J .Academic Medicine, Vol. 85, No. 10 / October 2010 ; 85:1635–1639), para se reduzir os alarmantes índices
reportados de depressão e ideação suicida entre os estudantes de
Medicina da Universidade de Havaí Escola John A. Burns da Medicina foram implementadas as seguintes intervenções: aumento do
aconselhamento individual para alunos, a educação, professores
e um currículo especializado, incluindo palestras e um manual do
aluno. Embora o aconselhamento esteve sempre disponível, uma
nova ênfase foi colocada sobre a facilitação, como um processo anônimo de apoio ao acadêmico e fornecendo várias opções,
inclusive de voluntários, como os psiquiatras que não estavam
envolvidos com o estudante em seu programa formal de ensino e
educação. Em 2002 e 2003, os autores mediram os sintomas depressivos e ideação suicida no terceiro ano de de medicina usando, respectivamente, a escala de depressão do Centro de Estudos
Epidemiológicos (Center for Epidemiological Studies Depression
Scale). Como resultado do estudo, antes da intervenção, 26 estudantes de medicina (59,1%) relataram sintomas depressivos e
13 (30,2%) relataram ideação suicida. Após a intervenção, 14
estudantes de medicina relataram sintomas depressivos e apenas
1 (3%) relatou ideação suicida, evidenciando houve êxito em
se reduzir sintomas e depressivos e, por consequência ou não,
da redução da depressão, redução importante da ideação suicida.
Conclusões
Programas que oferecem apoio específico à prevenção de suicídio
e tratamento das enfermidades psiquiátricas podem reduzir as taxas de suicídio, ideação suicida, direta ou indiretamente por meio
da redução dos sintomas psiquiátricos, podendo se valer da necessidade de ambulatórios e até mesmo hospitalização, conforme
o risco do suicídio, tentativas anteriores e da gravidade do quadro
e da tentativa de suicídio. Todos os níveis de atenção: primária,
secundária e terciária são importantes na prevenção do suicídio.
Os centros de saúde, os Caps e as unidades de urgência secundárias são de fundamental importância no atendimento ao paciente
com ideação suicida. Mas não se pode menosprezar a importância
de leitos psiquiátricos, sejam em hospital geral, sejam em hospital psiquiátrico, que tenham a condição clínico-administrativa de
atender pacientes que cometeram a tentativa de suicídio.
Referências
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medical studentes Thompson D, Goebert D,, and Takeshita J .Academic Medicine, Vol. 85, No. 10 / October 2010 ;85:1635–1639
40 | debate
hoje
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portuguesa.
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Fernando Neves, Humberto Corrêa e Rodrigo Nicolato
Departamento de Saúde Mental-UFMG
Artigo
Pesquisa em suicídio, perspectivas de aplicação na clínica
Pesquisa em suicídio
Perspectivas de aplicação na clínica
O
suicídio é um dos principais problemas de saúde na
atualidade causando graves problemas na esfera pública, familiar e individual (WHO, 2002). Ele é a décima
causa principal de mortalidade, sendo responsável por
1-5% das mortes em todo o mundo (Levi e cols, 2003).
Desde a década de 1950, observa-se um aumento progressivo na
incidência do suicídio, principalmente entre adolescentes e adultos jovens (Wasserman e cols, 2005). No Brasil, entre os anos de
1980 e 2005, foi observada uma tendência de ascensão entre os
homens (+1,41% ao ano, IC95%: 1,00;1,23) e de declínio entre
as mulheres (-0,53%, IC95%: -0,04;-1,02) (Brzozowski e cols,
2010). O suicídio resulta em significativos prejuízos para a sociedade (Disease burden), entretanto, nos países subdesenvolvidos
e em desenvolvimento, ele não é considerado prioridade entre
pesquisadores e gestores de saúde pública (Sharan e cols, 2009).
Várias doenças com índices menores de prejuízo (Disease burden)
recebem maior atenção dos pesquisadores e dos responsáveis por
políticas públicas de saúde (Sharan e cols, 2009). O quadro atual
precisa ser modificado através da maior alocação de investimentos em pesquisa, tratamento e prevenção do comportamento suicida. Pois, mantida a tendência atual, no ano de 2020, ocorrerão
cerca de 1,5 milhões de mortes por suicídio em todo mundo, sendo que um percentual importante ocorrerá justamente nos países
subdesenvolvidos e em desenvolvimento. O objetivo do presente
capítulo é artigo o panorama atual das pesquisas em suicídio e a
aplicação desses conhecimentos na prática clínica.
Uma das maiores dificuldades na pesquisa em suicídio foi estabelecer definições uniformes acerca do comportamento suicida para
que os achados de pesquisa pudessem ser comparados e generalizados em diferentes contextos. A maioria dos estudos contemporâneos caracteriza o suicídio (ou a tentativa de suicídio) como
ato consciente, auto-infligido no qual são usados métodos potencialmente letais. O chamado comportamento suicida compreende
vários fenótipos em diferentes níveis de gravidade variando desde
a ideação suicida, a ideação suicida com plano definido, a tentativa de suicídio de baixa letalidade, a tentativa de suicídio de alta
letalidade e a morte por suicídio. O comportamento suicida é um
fenômeno complexo, resultado de uma complexa equação composta por inúmeras variáveis genéticas, psicológicas, sociais e
culturais tendo como pano de fundo os transtornos psiquiátricos.
Existem interessantes ensaios acerca dos aspectos sociológicos e
psicológicos do suicídio, entretanto, nesse artigo vamos limitar a
discussão nos estudos epidemiológicos e os estudos que utilizam
metodologia biológica.
Os dois principais métodos de pesquisa epidemiológica em suicídio são a investigação retrospectiva dos indivíduos que morreram
por suicídio e os estudos de coorte prospectivo.
Os estudos de coorte prospectivo são úteis para a identificação
de fatores de risco e avaliação de intervenções terapêuticas. Entretanto, para serem efetivos, devem ser projetados de modo a
permitir o acompanhamento de um número muito grande de indivíduos durante um intervalo longo de tempo. Considerando-se que
a incidência atual de suicídio na população geral é de 14 casos
para cada 100 mil indivíduos/ano (WHO, 2002) seria necessário
uma amostra gigantesca para se obter um número mínimo de casos. Uma saída seria estudar populações com alto risco de suicídio
como a dos pacientes portadores de transtorno bipolar (390 casos
por 100 mil/pacientes/ano), entretanto, os achados podem não
ser generalizáveis para a população geral. Por esse motivo, os
estudos prospectivos sobre suicídio são raros.
Por outro lado, estudar indivíduos que já cometeram suicídio representa uma dificuldade metodológica óbvia. Para contornar o
problema foram criados os chamados estudos de autópsia psicológica que visam recolher informações sobre as circunstâncias relacionadas à morte do indivíduo. Várias fontes são usadas para esse
objetivo: evidências provenientes do inquérito judicial, prontuários médicos e entrevistas com familiares e amigos. Através
desses estudos é possível obter detalhes a respeito da morte (circunstâncias, método utilizado, premeditação), histórico familiar
(transtornos psiquiátricos e suicídio), histórico de eventos traumáticos e existência de diagnóstico psiquiátrico. Entretanto, tais
estudos têm importantes limitações concernentes a confiabilidade e validade dos instrumentos usados para se obter as informações relevantes. O estigma associado ao suicídio é um obstáculo
na realização desses estudos. A experiência do luto nesses casos é
diferente do luto por outras causas, pois os “sobreviventes” experimentariam mais intensamente sentimentos de culpa, impotência
e ressentimento (Cvinar, 2005). Assim, muitos casos de suicídio
não são notificados adequadamente dificultando enormemente a
realização de estudos com essa metodologia (WHO, 2002).
Como alternativa aos estudos realizados citados anteriormente,
tem sido investigada a tentativa de suicídio em vez do suicídio
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Artigo
Pesquisa em suicídio, perspectivas de aplicação na clínica
completo. Pode-se argumentar que as diferenças epidemiológicas
entre os indivíduos que tentam e os que efetivamente morrem por
suicídio não permitem generalizações entre um grupo e outro.
Todavia, os indivíduos que tentaram suicídio de alta intencionalidade nos quais foram usados métodos violentos (salto de altura,
enforcamento, arma de fogo e cortes profundos no corpo) apresentam muitas similaridades com as vitimas de suicídio completo.
Vários estudos confirmam essa tese. A tentativa de suicídio violenta é o mais consistente preditor de suicídio completo (Hawton,
2005), aumentando a chance de morte em 25 vezes ao longo da
vida (Cavanagh e cols, 2003). Entre os pacientes que suicidam,
cerca de 40% fizeram pelo menos uma tentativa prévia e cerca de
2% dos indivíduos que tentam suicídio morrem já no primeiro ano
após a primeira tentativa (Isometsä e cols, 1998). Assim, podese dizer que o estudo da tentativa de suicídio violento constitui
num modelo confiável para gerar conclusões a respeito do suicídio
completo.
plexos como o suicídio. Esta estratégia tem se mostrado frutífera,
alguns endofenótipos do suicídio já foram descritos (ver tabela).
Os estudos de epidemiológicos indicam que o suicídio apresenta
50% de herdabilidade, ou seja, metade da variação fenotípica se
deve aos fatores genéticos. A taxa de concordância de suicídio é
muito maior entre pares de gêmeos monozigóticos que nos gêmeos dizigóticos (24,1% vs 2,8%, respectivamente); a prevalência de suicídio é significativamente maior entre os familiares
dos probandos suicidas do que nos não suicidas; finalmente, nos
estudos em adotivos que morreram por suicídio mostram que a
prevalência de suicídio é maior entre os familiares biológicos que
nos adotivos. A transmissão genética do comportamento suicídio entre gerações ocorre de forma independente em relação aos
transtornos psiquiátricos.
A prevenção do suicídio pode ser classificada em primária, secundária ou terciária (Sher e cols, 2001). A prevenção primária
visa reduzir o número de novos casos de suicídio na população
geral. Existem poucos estudos prospectivos controlados consubstanciando medidas de prevenção do suicídio tendo como base
a população geral. Entretanto, em vários países são realizadas,
empiricamente, campanhas visando à redução da incidência de
suicídio. Basicamente, existem duas abordagens junto à população geral: uma trata do tema do suicídio diretamente e a outra
trata dos fatores de risco associados ao suicídio. Em geral, as
campanhas que abordam o tema diretamente informam a população sobre a gravidade do problema e a orientam sobre onde e
como procurar auxílio face à ideação de auto-extermínio. Estudos realizados na Nova Zelândia, Reino Unido e Austrália indicaram que houve um benefício modesto, mas significativo, nessa
de abordagem (Mann e cols, 2005). A prevenção secundária tem
como objetivo diminuir as chances de suicídio em indivíduos de
alto risco tais como os pacientes psiquiátricos, os pacientes com
ideação de auto-extermínio e aqueles que fizeram tentativas recentemente. A chamada prevenção terciária ocorre em resposta
aos suicídios completos e visam reduzir, por exemplo, o chamado
contágio suicida (aumento repentino da incidência de suicídios
numa determinada área geográfica ocorrendo após a comunicação
desastrosa de um primeiro) (Johansson e cols, 2006). Elas consistem em campanhas destinadas especificamente aos veículos
de comunicação, visando instruir a mídia sobre como lidar com
a ocorrência de um suicídio, sobretudo quando envolve pessoas
famosas (Hawton e cols, 2000). Dessa forma, procura-se noticiar
um suicídio sem estardalhaço ou glamour, mas enfatizando seus
aspectos mórbidos associados aos transtornos psiquiátricos. No
ano seguinte à adoção destas medidas, por exemplo, conseguiuse reduzir em 80% os casos de suicídio ocorridos nas estações de
metrô da Áustria (Sonneck e cols, 1994). Nesse artigo vamos enfatizar as estratégias de prevenção secundária do suicídio tendo
em vista os recentes conhecimentos adquiridos pelas pesquisas
científicas.
Tendo em vista que o suicídio apresenta determinantes genéticos,
o passo seguinte seria identificar quais seriam os genes envolvidos. Embora existam muitas tecnologias que podem ser usadas
para a detecção de fatores genéticos que influenciam condições
complexas, tais estratégias apresentam limitações inerentes
(Schork, 1998). Tais condições, que seguem o chamado padrão de
herança poligênico e multifatorial, são difíceis de ser estudadas,
pois tanto a detecção quanto a caracterização precisa de um determinado fator (genético ou ambiental) podem ser obscurecidos
por outros fatores não controlados.
No caso do suicídio, especificamente, parece haver complexas
interfaces com fatores sociais e culturais. De fato, os estudos
de ligação, os estudos de associação com genes candidatos e,
mais recentemente, os estudos de escaneamento genômico global (GWAS) realizados até o momento não encontraram nenhuma
associação que tenha sido consistentemente replicada a ponto de
ser inequivocamente associada ao suicídio. Uma estratégia promissora, iniciada recentemente, são os estudos para a identificação dos chamados endofenótipos. Os endofenótipos são fenótipos
identificados através de procedimentos (escalas padronizadas,
avaliação neuropsicológica, métodos de imagem, etc...) que são
transmitidos de forma co-segregada em relação ao fenótipo estudado. Por isso eles são encontrados em maior proporção entre os
familiares dos probandos do que os grupos de comparação provenientes da população geral. Em outras palavras, um endofenótipo
pode ser considerado como sendo um fenótipo intermediário, ou
seja, representam uma fração do fenótipo completo estando mais
diretamente ligados aos processos biológicos subjacentes. Assim
sendo, seriam mais fáceis de estudar que outros fenótipos com-
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Sendo o suicídio um fenômeno exclusivo da espécie humana seria impossível sua reprodução completa em modelos animais. No
entanto, alguns dos endofenótipos do suicídio em seres humanos, tais como a agressividade, a impulsividade, a irritabilidade
e a desesperança podem ser reproduzidos satisfatoriamente em
modelos animais. Tais respostas fisiológicas e comportamentais
fundamentais em animais guardam significativa semelhança com
o que ocorre na espécie humana, sendo, portanto, passíveis de
serem usados na pesquisa em neurobiologia do suicídio (Malkelsman e cols, 2009).
Perspectivas de aplicação dos conhecimentos
científicos sobre o suicídio na prática psiquiátrica:
Na prevenção secundária do suicídio é necessário ter em mente
que estamos lidando com um problema complexo, assim, tirar
conclusões precipitadas quando se avalia um paciente em risco de
suicídio pode ser desastroso. A tendência em buscar explicações
simples para problemas complexos (mas que, quase sempre, são
Fernando Neves, Humberto Corrêa e Rodrigo Nicolato
Departamento de Saúde Mental-UFMG
erradas!!!) é comum a todos nós e são aplicadas em várias situações cotidianas. Como já foi dito anteriormente, os comportamentos humanos e os transtornos psiquiátricos apresentam etiologia
complexa, portanto não há o menor sentido em dizer que “um
determinado indivíduo cometeu suicídio porque [...]”. Não é possível estabelecer um nexo causal simples, único e unidirecional
entre um determinado elemento (seja um gene, um traço comportamental, uma idéia disfuncional, ou um determinado fator
ambiental adverso) e fenômenos complexos. Um exemplo dessa
abordagem equivocada ocorreu em 1897 quando Durkheim fez a
seguinte afirmação: “As taxas de suicídio podem ser explicadas
apenas pela sociologia”. Infelizmente, vários pesquisadores e clínicos, sobretudo da área das ciências humanas, ainda acreditam
nessa tese a despeito dos recentes avanços ocorridos na área da
neurobiologia do suicídio.
Na abordagem secundária do suicídio é de fundamental importância avaliar a existência de transtornos psiquiátricos. Dois estudos
recentes mostraram que os transtornos psiquiátricos estão presentes em praticamente 100% das ocorrências de suicídio (Bertolote e cols, 2004; Arsemault-Lapierre e cols, 2004). Pode-se dizer
que o transtorno psiquiátrico representa uma espécie de “pano de
fundo” do suicídio, cujo palco é composto pelos fatores genéticos, psicológicos e sociais (Mann e cols, 2003). Obviamente isso
não significa que os transtornos psiquiátricos seriam “a causa”
do suicídio, ou que a questão fundamental a ser respondida é
simplesmente se o suicídio (ou tentativa de suicídio) consiste
numa complicação do transtorno psiquiátrico “de base” ou se o
transtorno psiquiátrico é apenas um dos fatores de risco associados ao suicídio. Como determinar se o suicídio é primário ou
secundário em relação ao transtorno psiquiátrico se muitas vezes
cada um contribui de forma equivalente para a manutenção do
outro? Ou se compartilham parte da matriz etiológica? Diante
disso, a melhor opção seria abordar o suicídio sem perder de vista
o transtorno psiquiátrico e vice-versa. Dito de outra forma: procurar um diagnóstico psiquiátrico em todo o suicida e avaliar o risco
de suicídio em todo o paciente com diagnóstico psiquiátrico. Os
diagnósticos psiquiátricos mais comumente encontrados em pacientes vítimas de suicídio são os transtornos de humor, a dependência química e a esquizofrenia (Oquendo, 2009). Em virtude das
diferenças de incidência de suicídio entre os diversos transtornos
psiquiátricos (Ver tabela), é fundamental que se estabeleça esta
distinção como primeiro passo para a identificação dos pacientes
com maior potencial suicida. Assim, estabelecer os diagnósticos
psiquiátricos corretos é importante para a estratificação de risco.
Digo diagnósticos psiquiátricos corretos porque é possível que um
paciente preencha critérios para mais de um diagnóstico psiquiátrico. No caso de pacientes suicidas, ter mais que um diagnóstico
psiquiátrico é regra, e não a exceção. Um estudo conduzido em
pacientes bipolares por nosso grupo de pesquisa (Neves e cols,
2009) verificou que a ocorrência de tentativa violenta de suicídio
foi fortemente associada à presença de transtorno de personalidade borderline e alcoolismo. Interessante ressaltar que não houve
tentativas de suicídio violentas nos pacientes sem comorbidade
psiquiátrica.
A inclusão de um sexto eixo diagnóstico para caracterização do
comportamento suicida, no futuro DSM-V, poderia ser benéfica,
pois estimularia a pesquisa por tais sintomas independentemente
do diagnóstico psiquiátrico do eixo I. Na edição atual do manual
de classificação dos transtornos psiquiátricos (DSM-IV) o suicídio
é efetivamente mencionado em apenas dois diagnósticos: depressão maior e transtorno de personalidade borderline (Oquendo,
2009).
Superadas as questões conceituais, o maior desafio na abordagem
do suicídio consiste na identificação dos pacientes em risco. Até
mesmo pesquisadores e psiquiatras experientes sentem dificuldades para a determinação do risco de suicídio tanto de longo prazo
quanto no risco iminente. Isso decorre do fato de que suicídio é
um fenômeno relativamente incomum, mesmo entre aqueles que
declaram categoricamente a intenção de suicidar ou que apresentam vários fatores de risco associados ao suicídio (Pfeffer, 1986).
O oposto também ocorre com frequência, muitos suicídios são
resultado de atos impulsivos, nos quais o indivíduo age sem qualquer reflexão prévia.
Em conseqüência disso, as entrevistas estruturadas construídas a
partir de dados clínicos e epidemiológicos para avaliação do risco
de suicídio têm se mostrado ineficientes. Em geral, elas apresentam baixa especificidade não sendo capazes de predizer quando
efetivamente o suicídio será consumado (Pokorny, 1983). Desse
modo corre-se o risco de se exagerar nas medidas de proteção, retirando desnecessariamente a autonomia do indivíduo. Por outro
lado, quando se estuda o histórico dos pacientes que cometeram
suicídio, descobre-se que cerca de dois terços deles visitaram um
médico um mês antes da ocorrência e 10-40% na semana que
precedeu o evento (Blumenthal, 1988; Robins et al., 1959).
Nesse contexto, para auxiliar na identificação dos pacientes de
risco, muitos pesquisadores têm procurado elaborar testes neuropsicológicos baseados na pesquisa de traços de temperamento,
hostilidade e presença de respostas estereotipadas que, dificilmente, seriam reconhecidos durante entrevista psiquiátrica usual.
Nosso grupo de pesquisa, conduzindo estudos em pacientes com
diagnóstico de transtorno bipolar, identificou várias alterações no
funcionamento executivo em pacientes com histórico de tentativa de suicídio violento (Malloy-Diniz e cols, 2009). Futuramente
os achados desses estudos podem contribuir para a elaboração
de ferramentas capazes de realizar predições confiáveis acerca
do risco de suicídio. Contudo ainda estamos muito longe disso,
pois as alterações na função executiva representam apenas uma
pequena parte da cascata de eventos que culminam no suicídio.
Ademais, são necessários estudos prospectivos para avaliar sua
eficiência na prática clinica.
Sabendo-se que o suicídio apresenta determinantes genéticos é
de fundamental importância a realização de pesquisas para identificação de marcadores biológicos do suicídio. A partir desse conhecimento poderiam ser criados testes laboratoriais para auxiliar
na identificação dos pacientes em risco de suicídio (Neves e cols,
2010). Caso isso se confirme, poderia ser ultrapassada a principal
limitação da entrevista clínica e dos testes neuropsicológicos que
a necessidade de cooperação por parte do paciente.
O atendimento ideal de uma paciente que tentou suicídio (Ver
tabela e figura) deve incluir a identificação do transtorno psiquiátrico associado, um tratamento inicial (psicoterápico e/ou
medicamentoso), estratificação de risco para definição do setting
de tratamento mais adequado e, finalmente, a realização de intervenções que visam incrementar a aderência posterior à terapêutica escolhida. A maioria dos casos de tentativa de suicídio
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Fernando Neves, Humberto Corrêa e Rodrigo Nicolato
Departamento de Saúde Mental-UFMG
Artigo
Pesquisa em suicídio, perspectivas de aplicação na clínica
atendidos em emergências clínicas ocorre através da ingestão de
pesticidas ou medicamentos usados para tratar os próprios transtornos psiquiátricos, tais como os antidepressivos e os ansiolíticos, sendo caracterizados, portanto, como tentativas de suicídio
de baixa letalidade. Logo, estes pacientes raramente ficam mais
de 72 horas internados para realização dos procedimentos de
desintoxicação e observação. É nesse tempo diminuto que, na
maioria das vezes, o profissional de saúde mental dispõe para o
atendimento desses pacientes.
Conclusões
O suicídio é considerado um dos mais graves problemas de saúde
publica em todo o mundo, cuja incidência tem aumentado de forma expressiva, principalmente entre os jovens de sexo masculino.
Sua prevenção é possível desde que compartilhada por toda a
sociedade através de medidas primárias, secundárias e terciárias.
O maior desafio é identificar corretamente os pacientes com risco
iminente de suicídio. Atualmente, várias pesquisas têm sido realizadas no intuito de se elaborar testes laboratoriais e neuropsicológicos para auxiliar nessa tarefa. A pesquisa em psiquiatria
avança em passos curtos, mas determinados, não se deixando
abater pela magnitude do desafio que tem pela frente, do qual vai
aos poucos desvelando os fatores elementares, para daí dar conta
da complexidade inerente ao ser humano.
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