2120 – FUNCIONÁRIO PÚBLICO – CONCUSSÃO – CONCEITO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO – MÉDICO CONVENIADO AO SUS – MÚNUS PÚBLICO POR EQUIPARAÇÃO – ARTIGO 327, DO CÓDIGO PENAL – CONFIGURAÇÃO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL – ORDEM DENEGADA. “O médico particular, participante do Sistema Único de Saúde (SUS), exerce atividade típica da Administração Pública, mediante contrato de direito público ou convênio, nos termos do §1º do art. 199 da Constituição da República, inserindo-se, pois, no conceito de funcionário público para fins penais. DECISÃO Trata-se de habeas corpus, substitutivo de recurso ordinário, impetrado em favor de DERLI CARLOS BECKER, contra acórdão da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, prolatado nos autos do HC nº 70005966585 (fls. 29/35). O paciente, que é médico, foi denunciado como incurso nas penas do artigo 316, caput, c/c art. 61, inciso II, alínea "g" (com violação de dever inerente à profissão), ambos do Código Penal porque (fls. 36/37): "No dia 09 de maio de 1995, por volta das 16 horas, no Hospital Santa Cruz, situado na Rua Fernando Abbot, nº 174, nesta Cidade, o denunciado exigiu, para si, indiretamente, em razão da função pública que exerce como médico credenciado pelo Sistema Único de Saúde, vantagem indevida. Na oportunidade, o denunciado, médico credenciado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e palntonista por ocasião dos fatos, através de sua secretária Iris Weigel, indevidamente cobrou honorários no valor de R $ 8,00 (oito reais) por dia de tratamento, de NOrival Solano Pereira, filho de seu paciente Cassiano Pereira Goulart, no qual foi internado pelo SUS... O denunciado agiu com violação de dever inerente a profissão, eis que o artigo 95 do Código de Égica da Medicina (CEM), veda expressamente a cobrança de honorários de pacientes assistidos em instituição que se destine a prestação de serviços públicos." Alega o Impetrante por intermédio de bem desenvolvida petição, que o Paciente está a sofrer constrangimento ilegal, porquanto inexiste justa causa para a ação penal. Sustenta que a denúncia é inepta, eis que falta ao Acusado condição elementar ínsita ao tipo, de vez que não é servidor público. Proclama pela aplicação do princípio da insignificância ou bagatela. Requer, no mérito, a concessão da ordem, para trancar a ação penal nº 58.977, que tramita na 1ª Vara Criminal da Comarca de Santa Cruz do Sul-RS. Em contraposição às alegações de impossibilidade de equiparação do paciente à condição de funcionário público, saliento que, o profissional da área médica que presta serviços ao INAMPS/INSS/SUS enquadra-se no artigo 327 do Código Penal, pois a Administração Pública delega os serviços de saúde aos particulares que, por sua vez, passam a exercer função pública delegada. O Estado, devedor do serviço gratuito e universal de saúde pública a seus cidadãos (identificados como beneficiários do SUS), por nem sempre dispor do instrumental próprio para a realização do seu mister, vale-se da delegação de uma função precipuamente sua, à organização ou a agentes que, em seu lugar, a realizam, arcando, entretanto, com as despesas daí decorrentes. Inafastável, portanto, a idéia de que estes agentes exercem uma função pública delegada, face ao enquadramento permitido pelo art. 327, caput, do Código Penal. Nesse sentido, trago à colação os seguintes precedentes desta Corte: “PROCESSO PENAL E PENAL. RHC. MÉDICO E ADMINISTRADOR HOSPITALAR. CONVÊNIO COM O SUS. MÚNUS PÚBLICO POR EQUIPARAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. DISCUSSÃO ACERCA DO TIPO PENAL DO CRIME DE QUADRILHA. MÉRITO DA AÇÃO PENAL. CONDICIONANTES PROBATÓRIAS. INVIABILIDADE. RECURSO PROVIDO EM PARTE. Na trilha do pensamento desta Casa, o profissional médico que participa do Sistema Único de Saúde, por meio de convênio ou contrato, se enquadra na previsão do art. 327 do Código Penal, ou seja, considera-se funcionário público por equiparação. Uma vez tendo a peça acusatória pautada pela feição do crime de quadrilha, certo ou não, depende da avaliação cognitiva plena, o que repele a via estreita de habeas corpus. Por fim, é do entendimento da Terceira Seção deste Tribunal manter a competência da justiça comum estadual, tratando-se de serviço sujeito ao convênio do Sistema Único de Saúde prestado por médico ou administrador hospitalar. Recurso provido em parte para reconhecer a competência da Justiça Estadual, para onde a denúncia deve ser encaminhada.” (RHC 12405/SC, DJ de 28/10/2003, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO) “PROCESSUAL PENAL – TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL – CONCUSSÃO – ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA – CONCEITO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO – HOSPITAL CONVENIADO AO SUS – PRESENÇA DE JUSTA CAUSA – RECURSO DESPROVIDO. – Enquadra-se no conceito de funcionário público, para fins penais, todo aquele que exercer função pública, temporária ou permanente, a título oneroso ou gratuito, ainda que a mesma seja delegada. Inteligência do art. 327 do Código Penal, preconizada mesmo antes do advento da Lei N.º 9.983/2000. Administradores de hospital conveniado ao SUS e médicos que atendem pacientes segurados por esta Autarquia estão inseridos nesta concepção, função pública delegada. por exercerem – No âmbito deste Colegiado, tem-se consagrado que o trancamento de ação penal, pela via estreita do writ, somente se viabiliza quando, pela mera exposição dos fatos narrados na denúncia, constata-se que há imputação de fato penalmente atípico ou que inexiste qualquer elemento indiciário demonstrativo da autoria do delito pelo paciente. Tais hipóteses inocorrem. – No caso sub judice, a peça vestibular descreve, com clareza, conduta típica em tese, propiciando o exercício da ampla defesa. – Precedentes. – Recurso desprovido." (RHC nº 15081/RS, Relator Ministro Jorge Scartezzini, D.J. em 23/3/2004) É importante, nesta oportunidade, trazer o conceito de funcionário público. Não aquele constante no estatuto pertinente, mas, sim, aquele existente no Diploma Repressivo Penal. Recita o art. 327 do Código Penal: “Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”. Portanto, pela simples leitura do conceito de funcionário público adotado pelo Estatuto Punitivo, observa-se que não só aqueles que ingressaram nos quadros da Administração Pública por meio de regular concurso estão sujeitos a praticar os delitos que ora examinamos, mas também aqueles que, embora transitoriamente e sem remuneração, venham a exercer cargo, emprego ou função pública. Posto isso, CONHEÇO EM PARTE do writ, e nessa extensão, DENEGO a ordem. Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 11 de março de 2005”. (STJ – HC nº 28.373-RS – Rel. Min. Paulo Medina – decisão de 11.03.05 – DJU 07.04.05, págs. 416/417).