violação e garantia dos direitos dos infanto

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VIOLAÇÃO E GARANTIA DOS DIREITOS DOS INFANTO-JUVENIS
NO MUNICÍPIO DE RONDON
Juliana Calabresi Voss Duarte1
Elias Canuto Brandão 2
Grupo de Trabalho: Educação e Direitos Humanos
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
O enfoque desse trabalho está voltado para o estudo e reconhecimento das violações dos
direitos humanos ocorridos no município de Rondon contra as crianças e os adolescentes e
como as redes de proteção se articulam para garantir a efetivação dos direitos deste público.
Visamos identificar em quais documentos constam os direitos reservados aos infanto-juvenis
no Brasil e quais são os equipamentos e programas disponíveis no município de Rondon que
dão suporte às vítimas. As reflexões apontam que a articulação entre as diferentes instituições
são necessárias para que os direitos das crianças e adolescentes sejam garantidos. O
desenvolvimento do estudo decorreu de um estudo bibliográfico. Para atender tal proposto,
primeiramente realizamos um estudo sobre os documentos que tratam dos direitos da criança
e do adolescente, em especial o que consta na Constituição federal e no Estatuto da Criança e
do Adolescente. Posteriormente analisamos a construção das Políticas Sociais no Brasil. As
informações referentes aos serviços de proteção à criança e adolescente do município de
Rondon ocorreram mediante pesquisa exploratória com a assistente social do Centro de
Referência Especializada de Assistência Social e com representantes do Conselho Tutelar. O
resultado do estudo nos revelou que a situação da criança e do adolescente no Brasil ainda
precisa ser foco das atenções das políticas públicas existentes para que os problemas que ora
se apresentam sejam enfrentados por todas as instituições da sociedade. O município de
Rondon apesar de contar com os centros e serviços especializados ainda precisa zelar pela
integridade dos infanto-juvenis desta localidade, pois muitos se revelam em situação de risco
social.
Palavras-chave: Criança. Adolescente. Direitos Humanos. Redes de Proteção Social.
1
Especialista em Ciências Sociais e Humanidades pela UNESPAR. Professora da Rede Estadual de Educação
(SEED). E-mail: [email protected]; [email protected].
2 Doutor em Sociologia. Docente da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR-Campus Paranavaí) no
Colegiado de Pedagogia e no Mestrado em Ensino: Formação Docente Interdisciplinar. E-mail:
[email protected].
ISSN 2176-1396
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Introdução
O estudo analisa os tipos de violações ocorridos no município de Rondon-PR contra
crianças e adolescentes, discutindo as políticas sociais (principalmente as de assistência
social) com vistas ao enfrentamento deste fenômeno. Com o avanço da democracia e do
reconhecimento na lei dos direitos do cidadão nas últimas décadas, o marco institucional foi a
Constituição Federal do Brasil de 1988, chamada de Constituição Cidadã pela ampliação dos
direitos de cidadania. No entanto o dia a dia das pessoas é marcado por lutas com o intuito de
fazer valer esses direitos garantidos. Dallari (2004, p. 1), enfatiza que:
embora todas as pessoas sejam detentoras de direitos que devem ser garantidos e
preservados, nem sempre foi clara a consciência da amplitude desses conceitos,
sobretudo nas sociedades que mantêm privilégios e excluem grande parte dos
trabalhadores e mulheres dos benefícios da cidadania. A consciência e a proteção
desses direitos é condição para uma sociedade mais justa, constituída de indivíduos
mais felizes.
O certo é que, quanto mais conhecimento e consciência da existência dos direitos que
são reservados às pessoas, maiores são as chances de vê-los concretizados. Para isso, os
acordos, leis, documentos, além de órgãos ou instâncias do Estado que devem proteger a
Criança e o Adolescente merecem atenção. Atualmente contamos com vários sistemas,
conselhos, comissões, compromissos, convenções e decretos que expressam a necessidade de
garantir a promoção desses direitos às crianças e adolescentes.
De acordo com os documentos oficiais, crianças são os indivíduos de até onze anos de
idade e adolescentes são aqueles que têm entre doze e dezoito anos e, por estarem em
desenvolvimento, precisam ser protegidos pela família, comunidade, sociedade em geral
poder público (BRASIL, 1990).
Na Constituição Federal, os direitos da criança e do adolescente são abordados no
Artigo 227 (BRASIL, 1988), estabelecendo que tais direitos são deveres da família, da
sociedade e do Estado, livrando-os da negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão. Porém, as garantias dos direitos da criança e do adolescente no Brasil
demonstram fragilidades em sua concretização, pois não é raro presenciarmos situações de
omissão e negligência por parte das organizações (família, Estado e comunidade) em defesa e
proteção das crianças e adolescentes. Os casos de negligências não são maiores devidos os
enfrentamentos dos movimentos sociais a partir da década de 1990, resultando no Estatuto da
17417
Criança e do Adolescente (ECA). O art. 4º, por exemplo, prescreve claramente a quem cabe
as atribuições e responsabilidades:
é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público
assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária
(BRASIL, 1990, s/p).
O art. 5º, do mesmo documento, evidencia que:
nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei
qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais (BRASIL,
1990, s/p).
Apesar de a lei prever garantias e responsabilidades da família, comunidade e Estado,
as omissões por parte destas organizações sociais são visíveis. São crianças e adolescentes
abandonadas ou exploradas pela própria família; pais que levam seus filhos para o
atendimento à saúde e permanecem por horas na fila de espera sem ter a presença de um
profissional habilitado para atendimento; óbitos por falta de atendimento ou negligência
familiar ou do setor público; crianças sem atendimento educacional, mesmo sendo
constitucional, assim como a comunidade se omitindo, não denunciando casos de violência
contra estas pessoas.
Políticas Sociais
Para lidar com os problemas que acometem as crianças e adolescentes no Brasil, foram
criados serviços de caráter social com o intuito de agir em favor das pessoas em condições de
vulnerabilidade e risco social. E, neste sentido, destacamos a política de assistência social,
como conquista cuja construção é histórica. Enfatizamos que a política de assistência social é
entendida como “o Estado implantando um projeto de governo, através de programas, de
ações voltadas para setores específicos da sociedade” (HOFLING, 2001, p. 31). E, por
políticas sociais, estas se referem:
[...] a ações que determinam o padrão de proteção social implementado pelo Estado,
voltadas, em princípio, para a redistribuição dos benefícios sociais visando a
diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento
socioeconômico. As políticas sociais têm suas raízes nos movimentos populares do
século XIX, voltadas aos conflitos surgidos entre capital e trabalho, no
desenvolvimento das primeiras revoluções industriais (IBIDEM).
17418
A criação e fortalecimento das políticas públicas de assistência social no Brasil
ocorreram desde a colonização, demonstrando a necessidade da criação de sistemas de
proteção aos indivíduos desprovidos de condições sociais. Desde este período ocorreu,
também, o massacre da memória das culturas indígenas e africana por meio da exploração das
crianças retiradas de suas famílias, pois, na concepção dos colonizadores, estas eram
consideradas selvagens e viviam em estado de barbárie (CRUZ; GUARESCHI, 2012).
No século XVIII, em algumas regiões do Brasil, as autoridades se viram obrigadas a
tomar iniciativas no sentido de “amparar” crianças que eram abandonadas pelas cidades
brasileiras, criando as Rodas dos Expostos3, que foram aceitas com resistência pelos órgãos
acolhedores que exigiam subsídios do rei. Esta ação inaugura uma fase filantrópica,
associando-se o poder público e privado como filantrópicos (CRUZ; GUARESCHI, 2012).
No período imperial, as relações continuaram marcadas pela centralização de poder do
governo e dos proprietários de terras dificultando a circulação de informações e organizações
de movimentos coletivos no Brasil, reforçando as condições inadequadas de trabalho. A
primeira Constituição brasileira, promulgada em 1824, por exemplo, não deu nenhuma
garantia significativa no que se refere aos direitos sociais. Durante o período de 1889 até a
Revolução de 1930, o Estado não intervinha na área social, pois considerava que esta não era
função pública e a assistência era desenvolvida pela Igreja Católica (CRUZ; GUARESCHI,
2012).
Com o fim do regime de trabalho escravo e com a imigração de trabalhadores
europeus, houve uma explosão de mão de obra de assalariados acarretando mudanças nas
relações de trabalho e na economia agrícola, resultando no crescimento desordenado das
cidades, sem políticas públicas4 (educação e saúde) a este segmento da população (CRUZ;
GUARESCHI, 2012).
Em direção ao fim do século XX, o período entre 1975 e 1985 foi marcante na história
do país. Nesta década, vários movimentos (estudantil, docente, feminista, profissionais da
saúde, setores públicos) de caráter nacional entraram em cena com suas respectivas
manifestações e ações coletivas (CRUZ; GUARESCHI, 2012).
3
O primeiro objetivo das Rodas era absorver os frutos de relações e amores considerados ilícitos. Assim, a
institucionalização da infância visava regular os desvios da organização familiar. Apenas em um segundo
momento as Rodas passaram a ser utilizadas também por outros motivos, como pelas pessoas das camadas
populares que abandonavam seus filhos por não possuírem meios materiais de mantê-los e educá-los (CRUZ;
GUARESCHI, 2012).
4
O Estado terá o papel de regulamentação, organização, coordenação, intermediação e até de educação,
enquanto promotor de uma nova cultura (CRUZ; GUARESCHI, 2012, p. 22).
17419
Em direção ao fim do século XX, o período entre 1975 e 1985 foi marcante na história
do país. Nesta década, vários movimentos (estudantil, docente, feminista, profissionais da
saúde, setores públicos) de caráter nacional entraram em cena com suas respectivas
manifestações e ações coletivas (CRUZ; GUARESCHI, 2012).
Com a Constituição Federal de 1988, a Assistência Social no Brasil teve seu marco
histórico, passando a se constituir juntamente com a saúde e a previdência social, marcando o
início da transformação da caridade para a noção de direito e cidadania da Assistência Social,
apontando para seu caráter de política pública de proteção social articulada a outras políticas
voltadas à garantia de direitos e de condições dignas de vida (CRUZ; GUARESCHI, 2012).
Berhring e Boschetti (2011, p. 144), por exemplo, salientam que:
[...] a participação dos sujeitos públicos, profissionais e de usuários, [...] foram
decisivos para a formatação legal dos direitos sociais no Brasil [...] e a difícil
travessia do deserto da assistência social para se elevar à condição de política
pública de seguridade.
Nesta direção, destacamos a organização do Sistema Único de Assistência Social5
organizado em dois tipos de proteção social: a) Proteção Social Básica e b) Proteção Social
Especial. A primeira destina-se à prevenção de riscos sociais e pessoais e concretiza-se pela
oferta de programas, projetos, serviços e benefícios a indivíduos e famílias em situação de
vulnerabilidade social. A segunda é a modalidade de atendimento a famílias e indivíduos que
se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de maus-tratos físicos e/ou
psíquicos, abuso sexual, cumprimento de medidas socioeducativas, situação de trabalho
infantil, dentre outras (BRASIL, 2014).
A assistência social no Brasil constitui-se, portanto, como dever do Estado e direito de
todo cidadão que dela necessitar, devendo promover o bem-estar e proteção social a famílias,
crianças, adolescentes e jovens, pessoas com deficiência, idosos, ou seja, todos que dela
necessitarem.
Situação de crianças e adolescentes na atualidade
As discussões dos problemas relacionados à criança e ao adolescente no Brasil e no
mundo não são recentes e, são discutidas por entidades, organizações sociais, políticas e
5
Este sistema objetiva prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades, aquisições e
o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Destina-se à população que vive em situação de
vulnerabilidade social decorrente da pobreza, com precário acesso aos serviços públicos e/ou fragilização de
vínculos afetivos (CRUZ; GUARESCHI, 2012, p. 30).
17420
academia científica. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF),
“são dezenas de milhões de pessoas que possuem direitos e deveres, mas necessitam de
condições para desenvolverem com plenitude todo o seu potencial” (UNICEF, 2014ª, s/p). No
entanto, não basta a garantia das leis. É necessário seu cumprimento.
Dados6 do UNICEF apontam um cenário desolador em relação à violência cometida
contra crianças. De acordo com o UNICEF,
são situações desconfortáveis – nenhum governo ou pai ou mãe quer vê-las. Mas, a
não ser que enfrentemos a realidade que cada estatística exasperante representa – a
vida de uma criança que teve violado seu direito a uma infância protegida e segura –
jamais mudaremos a mentalidade que considera normal e permissível a violência
contra a criança. Não é nem uma coisa nem outra (UNICEF, 2014b, s/p).
As principais constatações levantadas pelo relatório do UNICEF incluem:
- violência sexual: Em todo o mundo, cerca de 120 milhões de meninas com menos
de 20 anos de idade (aproximadamente uma em cada dez) foram forçadas a ter
relações sexuais ou a praticar outros atos sexuais. A forma mais comum de violência
sexual para os dois sexos foi a vitimização por meio da internet.
- homicídio: Crianças e adolescentes com menos de 20 anos de idade representam
um quinto das vítimas de homicídio em todo o mundo, o que resultou em cerca de
95 mil mortes em 2012.
- bullying: No mundo todo, pouco mais de um em cada três estudantes entre 13 e 15
anos de idade são vítimas frequentes de bullying na escola.
- disciplina violenta: Em 58 países, cerca de 17% das crianças estão sujeitas a
formas rígidas de punição física (bater na cabeça, nas orelhas ou no rosto, com força
e repetidamente).
- atitudes em relação à violência: Aproximadamente 50% das meninas adolescentes
entre 15 e 19 anos de idade (cerca de 126 milhões) consideram justificável o marido
agredir sua esposa, como o pai agredir a mãe, em certas circunstâncias.
Diante deste cenário, alerta o UNICEF que:
[...] a violência contra a criança ocorre todos os dias, em todos os lugares. E embora
a maior prejudicada seja a criança, também dilacera o tecido da sociedade, minando
a estabilidade e o progresso. Mas a violência contra a criança não é inevitável. Pode
ser prevenida (UNICEF, 2014b, s/p).
Neste sentido, compreendemos que família, Estado e comunidade devem assumir
responsabilidades para combater os dados que se apresentam em nível mundial.
6
Dados analisados a partir de situações em 190 países documentam violência em locais onde as crianças
deveriam estar seguras. A maior compilação de dados atuais sobre violência contra a criança e o adolescente,
mostra abusos físicos, sexuais e emocionais e revela as atitudes que perpetuam e justificam a violência
(UNICEF, 2014b).
17421
Redes de Proteção Social no Município de Rondon
O estudo identificou que a criança e o adolescente são sujeitos de uma realidade e
sociedade, de algum tipo de violência e precisam de segurança, o que não é diferente no
município de Rondon, no Paraná.
Sobre a questão, uma assistente social do município de Rondon considera como
desencadeador da violência envolvendo crianças e adolescentes vários determinantes como a
atuação familiar, o Estado e a não concretização das políticas públicas, levando-nos à
constatação de que não se devem depositar todos os problemas acometidos contra as crianças
e adolescentes à responsabilidade apenas da família. A criança e o adolescente fazem parte de
um contexto social, incluindo a escola, a religião, a mídia, os jogos eletrônicos, a internet, ou
seja, vai além da instituição familiar.
O Conselho Tutelar do município, quando acionado, os conselheiros realizam os
atendimentos pontuais e posteriormente encaminham ao Sistema Único de Assistência Social
(SUAS). Entretanto, não trabalham com ações preventivas de problemas que envolvem os
infanto-juvenis, ficando a mercê da sociedade.
Dados levantados no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) do município
possibilitou-nos constatar que no primeiro semestre de 2014 houve atendimentos diversos, em
um município de uma população aproximada em 9.500 mil habitantes 7:
- Crianças ou adolescentes vítimas de abuso sexual: (2 casos, sendo 1 entre a idade
de 0 a 12 anos e outro de 13 a 17 anos);
- Crianças ou adolescentes vítimas de violência intrafamiliar-física e/ou psicológica:
(3 casos, sendo 2 entre a idade de 0 a 12 anos e 1 de 13 a 17 anos);
- Criança ou adolescente vítima de exploração sexual: (nenhum caso registrado);
- Criança ou adolescente vítima de negligência ou abandono: (9 casos, sendo 1 entre
0 a 12 anos e 8 entre 13 a 17 anos).
Destacamos que para o atendimento aos casos em situação de risco, o município conta
com a Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS), composta pelos conselhos de
Assistência Social (CMAS); dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA); Tutelar
(CT) e do Idoso (CI). Além dos conselhos, o município dispõe de um Centro de Referência de
Assistência Social (CRAS) – proteção social básica; de um Centro de Referência
7
De acordo com o IBGE (2010), em 2014 a população estimada no município de Rondon-PR, era de 9.441
habitantes.
17422
Especializada de Assistência Social (CREAS) – proteção social especializada, que objetiva
desenvolver um trabalho de prevenção e ações com famílias e indivíduos que apresentam
risco pessoal e social8 e; de um Centro de Integração da Criança e do Adolescente (CICAR),
que conta com o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI)9.
O conjunto desses programas e equipamentos tem se organizado a fim de ofertar
serviços de assistência social às famílias e aos indivíduos em situação de vulnerabilidade
social visando a orientação e o apoio especializado e continuado a indivíduos e famílias com
direitos violados, seja com base na Constituição Federal, Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), Declaração Universal dos Direitos Humanos e Convenção Internacional
dos Direitos da Criança (BRASIL, 1990).
A negligência familiar destaca-se em termos das ocorrências observadas no município
de Rondon, dados que se confirmam a partir das afirmações da UNICEF de que “a
negligência aparece como a violência mais frequentemente notificada, o que demonstra a tese
de que há uma cultura camuflada do abandono infantil no país” (UNICEF, 2014c, p. 18).
O estudo nos remete ao pediatra Lauro Monteiro Filho, da Associação Brasileira
Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (ABRAPIA), que adverte que a
negligência familiar é considerada como tal:
[...] quando o responsável se omite em promover as necessidades básicas para o
desenvolvimento da criança ou do adolescente. “Se uma criança é deixada só, em
casa, ela fica em situação de risco, podendo ingerir medicamentos, água sanitária,
tomar choques elétricos, queimar-se no fogão, cortar-se ou até cair de uma janela”.
São também omissos os pais que não alimentam adequadamente seus filhos, não
cuidam da higiene ou do calendário das vacinações, ou não os matriculam na escola
(MONTEIRO FILHO, s/a, s/p).
Apesar dos equipamentos e programas disponíveis no município para suporte às
vítimas, nem todos os casos de violência contra as crianças e os adolescentes são procurados
pela comunidade ou informados por testemunhas para que a rede de proteção social aja
garantindo a efetivação dos direitos a quem os tem violado, significando que os defloramentos
podem ser maiores que os dados apresentam. De acordo com o médico pediatra Lauro
Monteiro:
8
Os Centros se referem à violência, vulnerabilidade, fragilização, rompimento de vínculos e violação de direitos.
O PETI possui caráter preventivo e proativo, pautado na defesa e afirmação dos direitos e no desenvolvimento
de capacidades e potencialidades, com vistas ao alcance de alternativas para o enfrentamento da vulnerabilidade
social e objetiva ampliar trocas culturais e de vivências, desenvolver o sentimento de pertença e de identidade,
fortalecer vínculos familiares e incentivar a socialização e a convivência comunitária.
9
17423
raramente alguém denuncia os maus-tratos psicológicos, talvez os mais frequentes e
que tantos danos causam à criança. O abuso sexual ocorre entre quatro paredes e o
conhecido muro do silêncio impede que haja a denúncia e que as crianças sejam
protegidas (MONTEIRO FILHO, s/a, s/p).
Ainda de acordo com o pediatra “os números relativos às denúncias de maus-tratos
contra crianças no Brasil mostram que a negligência da família com suas crianças está em
primeiro lugar. Seguem-se os maus-tratos físicos, a seguir, o abuso sexual e, por fim, os
maus-tratos psicológicos” (MONTEIRO FILHO, s/a, s/p).
Não basta disposição dos envolvidos nos programas e equipamentos nos municípios,
independente de sua capacidade política econômica e região, para terem êxito nos
atendimentos aos infanto-juvenis e seus familiares. Os programas precisam de disponibilidade
de recursos financeiros e humanos, além do aparato em infra-estrutura e apoio político para
que haja o funcionamento adequado da rede de proteção e atendimento.
Diante do exposto, faz-se necessário que a família zele pelo desenvolvimento de seus
entes, que a comunidade não se omita frente aos casos de maus tratos contra crianças e
adolescentes e que o Estado cumpra com suas responsabilidades expressas nas políticas
públicas e garantidas na Constituição Federal. Do contrário, não basta formular as leis,
quando os gestores as descumprem sem que sejam punidos.
Acrescentamos aqui o papel das instituições educacionais como aliadas nas ações de
combate à violência contra os infanto-juvenis. Estas podem ir além de meras reprodutoras de
conteúdos pré-elaborados nos gabinetes das editoras e, nas diferentes disciplinas os
professores podem discutir situações regionais, perpassando nos conteúdos as situações de
cada município. Na matemática (levantamento de casos); na geografia (as regiões com maior
incidência); na sociologia (a situação social e econômica), etc.
Medidas preventivas de combate à violência têm sido tomadas pelos grupos de
profissionais que atuam na área, mas os modelos das gestões públicas nas três esferas
políticas: municipal, estadual e federal, nem sempre são concatenadas para que os direitos e as
leis sejam concretizados.
Papel da escola no enfrentamento aos casos de violência contra os infanto-juvenis
No decorrer dos estudos constatamos que vários seguimentos devem zelar pela
integridade da criança e do adolescente, inclusive a instituição escolar, inclusive discutindo os
abusos nas disciplinas. A escola, ao propiciar informações atualizadas do ponto de vista
17424
científico e ao explicitar e debater os diversos assuntos associados à violência possibilita ao
educando desenvolver atitudes que lhes permita defesa de possíveis casos de violência.
Miranda, Lima e Maio (2013, p. 275) afirmam que as ações formativas realizadas nas
escolas, em salas de aulas ou por meio de projetos, fazem com que as crianças e os
adolescentes adquiram conhecimentos necessários para se protegerem e enfrentarem casos de
violência, inclusive denunciando.
Do ponto de vista legal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Constituição
Federal de 1988 e o Código Penal dispõem sobre a proteção da criança e do adolescente e
determinam penalidades para os que praticam o ato e àqueles que se omitem. Neste sentido, a
escola tem fundamental importância além da transmissão de conhecimento/saberes podendo
contribuir na identificação, enfrentamento e discussão dos casos de violência cometidos
contra os escolares, podendo resultar em projetos entre escola e sociedade; escola e
universidade; escola e poderes.
Habigzang, Ramos e Koller (2011, p. 472) acreditam que a rede de proteção só será
efetiva quando os órgãos envolvidos (família, escola, conselho tutelar, promotoria, juizado da
infância e juventude, abrigos, serviços de acompanhamento social e de saúde) garantirem
apoio emocional às vítimas e, para tanto, a capacitação contínua e a avaliação dos programas
se fazem necessários.
Considerações Finais
O artigo teve a intenção de investigar a situação de violações concretas dos direitos
dos infanto-juvenis, levando em consideração a história das políticas públicas (assistência
social) em favor do cidadão. Esta passou por um longo período de construção no município de
Rondon-PR e hoje se concretizam em forma de programas, equipamentos e redes, garantindo
aos cidadãos gozarem dos serviços ofertados, mesmo diante de dificuldades financeiras e
políticas. Quando as dificuldades de gestão política interferem, constatam-se ações
individuais ou das equipes agindo, salvaguardando, garantindo e defendendo os direitos dos
infanto-juvenis garantidos e expressos em lei.
A violência cometida contra a criança e o adolescente seja ela de que natureza for
viola/fere o que está disposto nos documentos oficiais. Mesmo existindo leis, crianças e
adolescentes continuam sendo vítimas de violência intrafamiliar e extrafamiliar (BRASIL,
2001), havendo a necessidade da efetivação dos direitos legais.
17425
Um dos entraves, como aventado durante o artigo, são os escassos recursos
financeiros, acompanhados das estruturas físicas e recursos humanos, impossibilitando a
efetivação e garantia de direitos. E nesta perspectiva, o UNICEF indica seis estratégias que
possibilita condições para que as famílias e governos possam prevenir e reduzir a violência
contra a criança e o adolescente:
[...] prestar apoio aos pais e desenvolver na criança habilidades de vida; mudar
atitudes; fortalecer sistemas e serviços judiciais, criminais e sociais; e gerar
evidências e conscientização sobre violência e seus custos humanos e
socioeconômicos, visando à mudança de atitudes e normas (UNICEF, 2014b, s/p).
Enfim, o estudo buscou investigar um município em específico, semelhante a milhares
de outros no Brasil adentro, constatando haver indivíduos que sofrem diferentes casos de
violência: vítimas de abuso sexual, vítimas de violência intrafamiliar e vítimas de negligência
ou abandono e, as barreiras existem e as superações se fazem necessárias.
Salientamos por último, que nenhum programa, órgão ou setor social consegue bons
resultados se não estiverem em parceria entre eles e centralizando o foco na efetivação e
garantia de seus direitos. E, neste viés que a escola pode ser uma grande aliada no sentido de
diagnosticar, encaminhar e dar suporte às crianças e adolescentes em situação de risco ou
vulnerabilidade social, entendendo que situações que envolvem estes sujeitos, refletem nos
espaços educacionais, no processo de ensino-aprendizagem e na formação biopsicológica dos
envolvidos.
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