Traços Culturais e Impactos na Gestão: o Caso de uma Empresa

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 Traços Culturais e Impactos na Gestão: o Caso de uma Empresa Familiar
Tatiane Silva Tavares Maia (FIPAR – Faculdades Integradas de Paranaíba/MS)
Resumo: Nesse trabalho apresenta-se um estudo sobre as relações entre cultura
organizacional e práticas de gestão em empresa familiar. Para tal, procurou-se apreender os
valores dos dirigentes-proprietários, presentes no cotidiano administrativo e em perspectivas
estratégicas de uma empresa. Na busca de valores básicos dos dirigentes, enfocaram-se
práticas de gestão manifestadas nos processos de planejamento, organização, direção e
controle, próprios ao cotidiano administrativo relativo às áreas de recursos humanos,
mercadológica, financeira, de produção ou de operações e logística. A pesquisa qualitativa
caracteriza-se como um estudo de caso, analisado pela técnica de análise de conteúdo. O caso
estudado se refere a uma empresa do setor automotivo, de 47 anos, administrada por três
irmãos sócios. A análise interpretativa conduziu à identificação de valores dos dirigentes a
partir de sua expressão sobre as práticas de gestão: dedicação, afetividade, moralidade,
camaradagem, paternalismo, tradicionalismo e, formalismo. Alguns desses valores remetem
diretamente à figura do fundador e à família proprietária, tais como paternalismo, moralidade
e afetividade. O paternalismo, enquanto traço cultural brasileiro associa-se à camaradagem e
ao tradicionalismo, na empresa estudada. Deve-se ressaltar que esses valores mesclam-se a
outros, tais como, a exigência de dedicação.
Palavras-chave: cultura, valores, práticas de gestão, empresa familiar.
Abstract: In this work a study is presented on the relations between organizational culture
and practical of management in familiar company. For such, it was looked to apprehend the
values of the controller-proprietors, gifts in daily the administrative one and strategically
perspectives of a company. In the search of basic values of the controllers, they had been
focused practical of management revealed in the processes of planning, organization,
direction and control, proper to daily administrative the relative one to the areas of human
resources, marketing, financial, of logistic production or operations and. The qualitative
research is characterized as a study of case, analyzed for the technique of content analysis.
The studied case if relates to a company of the automotive sector, of 47 years, managed for
three brother’s partners. The interpretative analysis lead to the identification of values of the
controllers from its expression on the practical ones of management: devotion, affectivity,
morality, camaraderie, paternalism, traditionalism and, formalism. Some of these values
directly send to the figure of the founder and to the family proprietor, such as paternalism,
morality and affectivity. Paternalism, while Brazilian cultural trace associates it the
camaraderie and to the traditionalism, in the studied company. It must be stranded out that
these values mescal it others, such as, the devotion requirement.
Key words: culture, values, practical of management, familiar company.
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Traços Culturais e Impactos na Gestão: o Caso de uma Empresa Familiar
Tatiane Silva Tavares Maia
Introdução
Nesse trabalho apresenta-se um estudo sobre as relações entre cultura organizacional e
práticas de gestão em empresa familiar. Para tal, procurou-se apreender os valores dos
dirigentes-proprietários, presentes no cotidiano administrativo e em perspectivas estratégicas
de uma empresa.
As empresas familiares empregam 60% da força de trabalho brasileira, assumindo um
papel relevante na descentralização de pólos regionais de desenvolvimento, com conseqüente
ampliação da distribuição de renda, fato que indica a importância social e econômica desse
tema de estudo (Carrão, 1997; Leite, 2002; Vidigal, 2000).
No campo teórico, essas empresas se destacam como um tipo de organização
diferenciada em dois aspectos: envolvimento da família proprietária nos negócios (Chua et al.,
2003) e, por conseguinte, especificidades de sua cultura organizacional (Machado, 2003). Na
busca de apreender elementos que traduzam particularidades de organizações brasileiras, às
evidências da importância social e econômica desse tipo de empresa se associam aspectos
contextuais, ensejando a ênfase da cultura de empresas.
Numa perspectiva gerencial, o entendimento de particularidades dessas organizações
torna-se importante, cientificamente, devido à contribuição que essas organizações oferecem
ao garantir o sustento da família proprietária e, ainda, gerar empregos para sociedade. Diante
disso, discussões teóricas que aprofundem o entendimento sobre as práticas de gestão de
empresas familiares podem contribuir para a sobrevivência da família empresária.
Os estudos de organizações familiares, enfocando a interpretação de símbolos e a
difusão de valores, representam uma nova tendência de pesquisas sobre o tema no Brasil
(Davel & Colbari, 2000; 2003). Este trabalho, inserindo-se nesse movimento, concentra-se no
estudo de valores de dirigentes de empresa familiar. Nesse sentido, busca-se apreender a
lógica das práticas de gestão pela apreensão e análise de valores por seus dirigentes expressos.
O objetivo do trabalho foi, portanto, compreender a relação entre os valores dos
proprietários dirigentes e as práticas de gestão em uma empresa familiar do sul de Minas
Gerais, enfocando os aspectos culturais que marcaram a existência da organização ao longo
do tempo. Para tanto, a trajetória histórica da empresa foi descrita, suas práticas de gestão
foram caracterizadas e, os valores que coadunam as práticas identificadas.
O artigo está estruturado da seguinte forma: apresentamos na primeira parte os
aspectos da natureza da empresa familiar. Na segunda parte um enfoque conceitual sobre as
práticas de gestão contemplando, em seguida, discussões sobre cultura e cultura
organizacional, cultura e valores em empresas familiares e a discussão sobre valores e práticas
de gestão nessas organizações. Na terceira parte, apresentamos os procedimentos que foram
usados na pesquisa de campo e análise dos resultados. Na quarta parte apresentamos a
trajetória histórica da empresa estudada, os aspectos de sua gestão e as evidências empíricas
em torno dos valores de seus proprietários dirigentes. Na última parte discutimos os
resultados do trabalho e tecemos algumas considerações finais.
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1 A natureza da empresa familiar
A empresa familiar origina-se de redes de parentesco e vínculos pessoais que, pela
existência de uma base de confiança mútua, são estimuladas a desenvolver um negócio.
Devido à existência dessas redes, encontra-se, nas organizações do tipo familiar, alguma
simultaneidade de papéis, ou seja, os membros da família desempenham simultaneamente
papéis de parentes, proprietários e gestores, uma história em comum e o envolvimento
emocional das pessoas (Tagiuri & Davis, 1996).
Desse modo, um primeiro aspecto sobre a natureza das empresas familiares reside no
envolvimento da família nos negócios. Outro aspecto se resume nos problemas relacionados a
questões de sucessão e gestão profissional.
A sucessão é um momento importante, que envolve também a problemática da
herança. Ao mesmo tempo em que se indica um sucessor fragmenta-se o patrimônio que,
muitas vezes, levaram-se décadas para construir. Nesse processo, durante o qual o controle da
gestão dos negócios é transferido para uma próxima geração, representa uma fase de perigo
para a sobrevivência das empresas familiares, sendo comum o surgimento de preocupações
em torno da profissionalização administrativa.
A profissionalização, por sua vez, constitui questão essencial no âmbito da história e
evolução da empresa familiar. Especialmente em períodos críticos de transição ou sucessão,
nos quais as empresas familiares, em geral, encontram-se mais vulneráveis, a
profissionalização é considerada como um estágio natural e inevitável no ciclo evolutivo
desse tipo de empresa (Rocha, 2002).
Naturalmente, o envolvimento da família, o processo sucessório e a questão da
profissionalização constituem aspectos típicos da natureza da empresa familiar. O surgimento
de algumas dificuldades, em termos de aceitação de profissionais de fora da família
proprietária, é comum, pois, nessas empresas, as modalidades gerenciais buscam fortalecer a
dimensão interativa e afetiva do processo de trabalho, incorporando aspectos emocionais.
Nos estudos desse tipo de empresa a família deve ser considerada devido a sua
importância relacionada aos aspectos afetivos. Mas, para discutir sobre a família nos estudos
sobre empresa familiar, devem-se considerar dois conceitos: o conceito de família nuclear e o
conceito de família estendida. O segundo revela-se mais importante para os estudos sobre o
tema, por permitir levar em conta as transformações sociais e a evolução do conceito de
família na contemporaneidade.
A conceituação de família vem evoluindo ao lado das transformações sociais. Devido
à configuração de um novo contexto social, passa-se a conviver, por exemplo, com divórcios,
uniões do mesmo sexo, enfim, novas concepções de família. Assim, para ser considerada
empresa familiar, não se torna mais necessário a origem do negócio a partir de uma família
nuclear, pois, outros vínculos, como os de lealdade e amizade, superam a importância de um
parentesco consangüíneo.
Diante das transformações que a instituição família vem passando, torna-se importante
estudar empresas familiares considerando a complexidade que envolve esse conceito (Eccel et
al., 2005). Davel & Colbari (2000) comentam a pertinência de se considerar outras
concepções de família, advogando que, a partir de tal procedimento, seria possível aprimorar
os estudos sobre empresa familiar.
O conceito de família a ser empregado nos estudos organizacionais na atualidade
incorporaria, então, a noção de família representada por um grupo de pessoas ligadas por
relações parentais, sejam elas estabelecidas pelos laços sociais ou pela parentabilidade
genealógica e ou biológica (Grzybovski & Lima, 2004).
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Na literatura existem inúmeros conceitos de empresa familiar, fundamentados em
diferentes fatores relacionados com a propriedade, a direção e o controle. Encontram-se
conceitos que classificam como familiares apenas empresas que tenham experimentado o
processo de sucessão (Lodi, 1998), outros mais amplos que não levam em conta a
concretização desse processo para classificá-las (Leone, 1991) e, ainda aqueles que
consideram a intenção de transferir a firma para as próximas gerações (Sharma et al., 1997).
Diante dos variados conceitos cabe considerar a empresa familiar como aquela de
propriedade da família, envolvendo um fundador e um sucessor no gerenciamento, o que
confere legitimidade para interferir no controle administrativo, independente da concretização
de um processo sucessório na trajetória da empresa.
2 Práticas de gestão e cultura em empresa familiar
O referencial teórico do estudo envolve a convergência entre a noção de cultura e a
visão da cultura organizacional, enfatizando-se a inserção de valores de dirigentes de empresa
familiar e sua imbricação nas práticas de gestão.
O conceito de prática de gestão refere-se a ações e atividades executadas para o
atendimento de necessidades e objetivos organizacionais, envolvendo o planejamento
(decisão), organização, direção (liderança) e controle (Robbins, 1986; Maximiano, 2000;
Silva, 2001; Moraes, 2004; Araújo, 2004).
Esses elementos que compõem a prática de gestão encarregam-se da definição de
objetivos, organização de pessoas, controle e andamento das atividades e da avaliação do
desempenho da empresa (Maximiano, 2000). Assumem as características específicas
sintetizadas no Quadro 1. Vale ressaltar que as características dos elementos constantes neste
quadro orientaram a análise da forma de condução da gestão na empresa familiar em estudo.
QUADRO 1: As práticas de gestão e as dimensões que as caracterizam
PRÁTICAS DE
GESTÃO
Planejamento
Organização
Direção
Controle
CARACTERÍSTICAS
Determinação de objetivos e metas, tomada de decisão,
criação de estratégias
Criação de estrutura organizacional, coordenação de
atividades, estabelecimento de políticas e processos,
alocação de recursos
Corresponde à liderança, envolve comunicação,
gerencia de mudança
Comparação de desempenho planejado, ações
necessárias para melhoria
Fonte: Adaptado de Silva (2001).
As práticas de gestão fazem parte do cotidiano das organizações, podendo ser
apreendidas em empresas, no âmbito de recursos humanos, financeiros, mercadológicos e de
produção que, no caso de empresas comerciais, envolve a área de logística e operações
(Fleury & Fischer, 1989; Slack, et al., 1999; Maximiano, 2000; Silva, 2001; Moraes, 2004;
Araújo, 2004).
Cabe considerar que a função de produção em empresas comerciais assume uma
definição ampliada, caracterizando-se como operações de serviços que incluem atividades que
possuem conexão com as operações de produção de bens e serviços, como a logística (Slack,
et al., 1999).
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Na área financeira controlam-se os pagamentos e recebimentos, operações de
faturamento, crédito e cobrança e financiamento (Gitman, 1984). Envolve investimento, além
de orientação para a administração dos recursos financeiros existentes (Ross et al., 1995). Na
gestão de recursos humanos realiza-se o monitoramento concernente aos funcionários. Gil
(1994) classificação suas atividades convencionais em: recrutamento e seleção, remuneração,
avaliação, motivação, treinamento e, remuneração.
As funções da área mercadológica residem no conhecimento dos clientes, do produto,
dos concorrentes e do mercado e, principalmente na criação da demanda, na distribuição, na
venda e no acompanhamento do cliente (Churchil & Peter, 2003; Moraes, 2004). A
propaganda, a publicidade e a promoção de vendas referem-se a técnicas para gerar a procura
pelo produto.
Assim como as práticas de gestão constituem aspectos elementares de organizações,
cabe considerá-las como parte da cultura organizacional. Nas organizações, a cultura
impregna todas as práticas e constitui um conjunto preciso de representações mentais, um
complexo muito definido de saberes (Srour, 1998).
Com efeito, cultura organizacional pode ser considerada como um conjunto de
pressupostos básicos que um grupo aprendeu na medida em que resolveu seus problemas de
adaptação externa e integração interna, que funcionou suficientemente bem para ser
considerado válido e, portanto, para ser ensinado aos novos membros como o modo de
perceber, pensar e sentir com relação a esses problemas (Schein, 1984).
A cultura organizacional é um conjunto de símbolos, cerimônias e mitos que
comunicam os valores e crenças subjacentes à empresa (Ouchi, 1982). Aparece como um
recurso vital, pois os valores conferem orientação e consistência às decisões e às ações dos
agentes (Srour, 1998). A cultura envolve, assim, padrões delineados de pressupostos básicos
sobre a forma de executar o trabalho, o que é aceitável e não aceitável e qual comportamento
e ações são encorajados no âmbito organizacional.
Dentre os elementos da cultura, os valores se destacam, sendo considerados a essência
que orienta a vida da organização (Freitas, 1991). De certa forma, identificam o que a
organização tende a adotar como procedimentos para lidar com os desafios que enfrenta.
Os valores incluem modos de comportamento, como autonomia, cooperação, cortesia,
economia, humor, integridade moral (ética) e obediência (Haugh & Mckee, 2004). Tratam-se
de regras desenvolvidas pelos indivíduos para orientá-los em suas vidas. Para Motta (1997),
as organizações desenvolvem alguns poucos valores que são basicamente destacados, sendo
constantemente reiterados.
O estudo de valores pode, entretanto, levar em conta a possibilidade de que valores
profundos de uma organização encontram-se encobertos por discursos tradicionais que
mascaram os reais valores organizacionais (Fleury & Fleury, 1995).
Nesse sentido, abre-se a perspectiva da análise da cultura por meio de práticas
organizacionais, desvendando como o grupo de pessoas que criam a organização foi aos
poucos desenvolvendo formas próprias de lidar com os problemas de adaptação externa e
integração interna.
Os elementos simbólicos visíveis (comportamentos aparentes dos indivíduos,
processos de gestão, formas de comunicação, linguagem, os rituais organizacionais)
expressam os valores básicos que orientam a vida organizacional. Assim, podem ser
enfocadas as formas de organizar, bem como o significado atribuído ao trabalho, as relações
de poder e as relações com o ambiente (Fleury & Fleury, 1995).
Na perspectiva de busca de valores básicos que orientam a vida organizacional, cabe,
igualmente, enfocar as práticas de gestão manifestadas nos processos de planejamento,
organização, direção e controle de uma dada organização, próprios ao cotidiano
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administrativo relativo às áreas de recursos humanos, mercadológica, financeira, de produção
ou de operações e logística.
Além do cotidiano administrativo, a história empresarial permite apreender valores.
Assim, no estudo da cultura organizacional, deve-se considerar que fatos do passado revelam,
igualmente, valores presentes em práticas de gestão em diferentes fases organizacionais.
O estudo da cultura organizacional envolve, necessariamente, a consideração de
aspectos contextuais, que se inscrevem no esforço de compreensão e explicação de fatos
organizacionais. Assim, o estudo de organizações empresariais familiares brasileiras envolve
aspectos tais como traços culturais brasileiros, associados com valores de famílias
proprietárias e de fundadores.
Nesse sentido, considera-se que alguns traços da cultura brasileira se associam à
cultura de empresas do tipo familiar. Os traços culturais brasileiros seriam reproduzidos ou
inseridos no interior das organizações.
Algumas características da cultura nacional presentes nos estudos de DaMatta (1983),
Freyre (1966) e Holanda (1984) foram analisadas, em estudos organizacionais. Diante desse
esforço, Borges de Freitas (1997, pg 44), identificou cinco traços culturais brasileiros:
hierarquia, personalismo, malandragem, sensualismo e aventureiro. Os traços envolvem
características específicas e alguns, dentre eles, se reproduzem, notadamente, em empresas do
tipo familiar. Nessas organizações destaca-se o personalismo e a malandragem que possuem
como características o paternalismo e o jeitinho brasileiro, respectivamente.
Na concepção de Borges de Freitas (1997), o personalismo da sociedade brasileira se
baseia em relações pessoais e na busca de afeto nas relações, sendo caracterizado pelo
paternalismo, onde o superior (pai), ao mesmo tempo em que controla o subordinado e lhe dá
ordens (relação econômica), também o agrada e o protege (relação pessoal).
Outro traço cultural brasileiro que se revela, especialmente, na cultura de empresas
familiares refere-se a malandragem, representada pelo “jeitinho brasileiro”, elemento que a
caracteriza. Esse traço pode ser analisado a partir de uma concepção negativa ou positiva.
Diante de uma perspectiva positiva se revela na maneira original do brasileiro procurar
harmonizar as regras definidas por leis e práticas do cotidiano.
O “jeitinho brasileiro” refere-se a uma prática cordial que implica personalizar
relações (Motta, 1997). Por configurar-se, assim, como uma relação amistosa, o “jeitinho
brasileiro” remete ao clima de camaradagem, comumente, estabelecido em empresas do tipo
familiar. Parece representar uma estratégia de mediação que sinaliza a possibilidade de
rompimento com a estrutura marcada pelo excesso de formalismo. Jeitinho usado para
contornar as regras e normas e para lidar com a racionalização administrativa.
A formação cultural de empresas do tipo familiar pode ainda estar associada à figura
do fundador. Sendo a complexidade da cultura dessas empresas atribuída ao papel dominante
que o fundador ocupa em sua formação (Denison et al., 2004).
Na concepção de Garcia Alvarez et al. (2002), os fundadores, freqüentemente,
apresentam um sistema de valores pautados na percepção positiva das relações humanas, na
orientação ética e moral. Desse modo, exercem um papel crucial para o estabelecimento de
uma identidade e um núcleo de valores organizacionais.
Aliado à cultura nacional e à figura do fundador os valores da família proprietária
constituem um terceiro aspecto a ser considerado. A cultura familiar desenvolvida nessas
organizações explica também as práticas de gestão (Davel & Souza, 2003). A força da cultura
dessas empresas vem, essencialmente, de valores singulares, associado ao lado emocional e
afetivo, próprio da família (Aronoff, 2004). A vida familiar modela uma cultura permeada por
referências valorativas, atributos morais e afetivos e sentimentos de solidariedade que se
estendem para as relações empresariais.
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Assim, ao estudar as práticas de gestão em empresas familiares, é possível apreender
os valores dos dirigentes nelas inseridos, revelando-se vertentes da especificidade da natureza
desse tipo de empresa a partir de três aspectos que podem contribuir para formação cultural
dessas empresas: traços culturais brasileiros, associados com valores de famílias proprietárias
e de fundadores.
3 Metodologia
O estudo dos valores de dirigentes de uma empresa familiar do setor automotivo foi
feito com recurso à pesquisa qualitativa, caracterizando-se como um estudo de caso (Godoy,
1995; Yin, 2005).
A empresa foi selecionada em uma amostra intencional, levando-se em conta a
definição de empresa familiar, sendo utilizada como critério, a conceituação que considera
como familiar à organização em que a primeira e a segunda geração atuaram juntas no
gerenciamento, mesmo que a ocorrência de interação entre fundador e sucessores tenha
ocorrido num momento passado.
O caso trata-se de uma empresa de 47 anos, situada no sul de Minas Gerais, que
atualmente é dirigida por três sócios, filhos do fundador. A primeira sucessão ocorreu há oito
anos, por meio da divisão de cotas entre os sucessores. O fundador permaneceu por alguns
anos na empresa, após o processo sucessório. Hoje se encontra totalmente afastado dos
negócios.
A técnica principal de coleta de dados foi a entrevista em profundidade, conduzida a
partir de um roteiro não estruturado, junto à três proprietários-dirigentes, tendo sido
entrevistados dois funcionários antigos: o gerente do departamento de pessoal e um operário
da retífica que trabalha na empresa desde a fundação, visando-se, sobretudo, captar descrição
de fatos úteis para reconstituição da história organizacional. As visitas à empresa permitiram a
prática de observação não participante, na perspectiva do observador atento (Godoy, 1995),
sem, no entanto, utilizar-se de roteiro prévio.
As entrevistas foram transcritas e foi realizada uma análise de conteúdo (Bardin, 1979;
Vergara, 2005). Regras de base dessa técnica foram adotadas dentro de uma proposta de
análise que atendeu ás necessidades da pesquisa: inicialmente procurou-se organizar os
relatos, identificando-se passagens, em um processo de análise temática ou categorial: o
desmembramento dos temas foi feito com base em aspectos da história da empresa (fundação,
entrada dos filhos na empresa, sucessão) e das práticas de gestão (nas áreas financeira,
mercadológica, de recursos humanos, assim como em operações e logística). Em seguida
procedeu-se a uma nova leitura desses segmentos de entrevistas, agrupando-os segundo os
valores neles expressos, em um processo de interpretação.
4 A empresa familiar do setor automotivo
4.1 Aspectos históricos
A empresa familiar pesquisada foi fundada no início da década de 1960. Surgiu a
partir da intenção de seu fundador de tornar-se dono do próprio negócio e trabalhar junto aos
filhos. Na fase inicial era uma revendedora de peças de uma marca de veículos
automobilísticos, combinada com a retífica de motores. Posteriormente, foi encerrado o
contrato e a empresa passou a revendedora de peças em franquia de uma indústria de
autopeças e retífica multimarcas.
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Desde o início, a família composta de seis herdeiros apoiou a pretensão do pai em
tornar-se proprietário de empresa. Ao longo do tempo, três filhos optaram por dedicar-se aos
estudos, tornando-se profissionais liberais, enquanto outros três decidiram trabalhar na
empresa.
Os três filhos ao lado do pai participaram ativamente na consolidação da empresa e na
construção de seu patrimônio. Nas décadas de 1970 e 1980, realizaram investimentos de
grande porte. Em 1981, inaugurou-se uma filial na região e, numa perspectiva de expansão em
atividades que a empresa poderia agregar, empenhou-se na diversificação dentro do setor.
Estabeleceram-se várias frentes de atendimento, como loja de peças, montagem e usinagem
de retífica de motor, oficina de tirar e colocar motor, bomba injetora e tornearia de
recuperação de peça e serviço de manutenção de caminhão.
Os três filhos que optaram trabalhar junto ao pai foram conduzidos, para setores
específicos designados pelo fundador: setor administrativo, setor comercial de vendas de
peças e, setor técnico de serviços de retífica de motores. Os sucessores foram instruídos, a
partir do momento que passaram a atuar na empresa, a administrar cada um sua área
específica, enquanto o fundador encarregava-se da coordenação geral da empresa.
Atualmente, os membros da segunda geração detêm a propriedade e a gestão, sendo
feita de maneira conjunta por três sócios irmãos, desde a década de 1980. Contudo, a
transmissão efetiva do poder por meio do processo sucessório ocorreu no ano de 1997, com a
distribuição de cotas entre os herdeiros e, posterior desligamento do fundador da empresa.
Nenhum dos sucessores assumiu a liderança da empresa após a saída do fundador. A
gestão continuou sendo realizada pelos três filhos que já atuavam com o pai, cada qual
limitado à sua área específica. A presidência do grupo não foi ocupada, tornando-se alvo de
disputas e conflitos familiares.
Nos últimos anos, após a saída definitiva do fundador da empresa, percebeu-se uma
desaceleração no seu crescimento. Essa alteração é atribuída em partes à saída do fundador do
comando da empresa e aos novos desafios que a segunda geração enfrenta, associado à
questão tecnológica dos motores.
4.2 Aspectos da gestão
Esses aspectos foram tratados com base nas áreas funcionais: gestão de recursos
humanos, gestão mercadológica, gestão de produção (envolvendo gestão de estoques e
operações de venda) e financeira.
No que se refere à gestão de recursos humanos, verificou-se que o recrutamento é
realizado por meio do arquivamento de currículos de candidatos e por meio do Sistema
Nacional de Empregos (SINE) da cidade, devido à triagem de alguns aspectos relevantes
sobre o perfil do candidato que o órgão realiza, facilitando o processo de seleção.
Os critérios considerados na seleção dizem respeito ao caráter pessoal e a qualificação
profissional do candidato. Além disso, considera-se importante verificar a organização de sua
vida particular, observando-se a família da qual se origina. A experiência é relevante,
dependendo da função a ser desempenhada. O nível de escolaridade passou a ser um requisito
importante, devido à evolução tecnológica dos motoresi.
No processo de treinamento inicial, os próprios dirigentes encarregam-se de explicar o
serviço ao0 funcionário. No setor em que atua essa empresa, existe carência de profissionais
preparados para retificar os novos motores, operando-se máquinas eletrônicas. Diante disso, a
empresa investe em treinamento de funcionários após o período inicial de contratação. Existe
a prática de conceder cursos fora da empresa referente aos motores lançados no mercado. Tais
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cursos revelam também um aspecto motivacional à medida que promovem a atualização do
profissional.
O sistema de remuneração da empresa foi estabelecido de acordo com o cargo
ocupado. O desempenho determina a promoção e a conseqüente elevação salarial. No
processo de avaliação, considera-se, sobretudo, o comportamento dos funcionários, avaliamse a pontualidade, a assiduidade e a atenção ao serviço.
No que se refere à gestão mercadológica, a empresa enfoca, atualmente, em anúncios
em revista, direcionada para os caminhoneiros e em out-doors na estrada. Defende-se esse
tipo de divulgação, mas, a propaganda “boca a boca” possui grande credibilidade, sendo
incentivada também, pelo atendimento e qualidade na prestação de serviços.
No relacionamento com os clientes, procura-se oferecer algumas comodidades
identificadas na prática de empréstimos de motores da empresa, enquanto realiza-se o
conserto na retífica, o estudo de parcelamentos e prazos maiores e renegociações. A respeito
dos concorrentes, a retífica enfrenta problemas com as oficinas mecânicas intermediárias de
grandes firmas situadas fora da cidade.
A relação com fornecedores baseia-se no contato estabelecido ao longo do tempo.
Sendo assim, prioriza-se a comercialização com fornecedores antigos, levando-se em
consideração as falsificações, comumente observadas no ramo de autopeças. As compras são
realizadas por meio de representantes conhecidos e são realizadas, predominantemente, pelo
diretor do setor de comercialização de peças.
No gerenciamento das vendas, adota-se a renda do cliente como critério para
aprovação de cadastro, estabelecendo-se um limite de crédito a partir de seu valor. Mas, esse
critério é flexível perante os clientes antigos mais antigos.
No que se refere à gestão financeira, é comum o uso de recursos de terceiros, por meio
de empréstimos bancários para capital de giro. Emprega-se esses recursos no pagamento de
fornecedores, resolvendo, assim, a vazão de caixa, decorrente de pagamentos em atraso.
O estoque de mercadorias é evitado, pois, a evolução logística das firmas fornecedoras
tornou possível trabalhar com o estoque mínimo, dispensando grandes quantidades de uma
mesma peça. Evidenciou-se, na loja de comercialização, uma grande variedade e volume de
produtos, controlados, de certa forma, por um programa de computador já desatualizado.
Para analisar os aspectos financeiros da empresa, utiliza-se o caderno de notas
“boletim de pagamentos diário”. Nesse sistema de avaliação de entradas e saídas e de controle
do fluxo de caixa os sucessores se baseiam, ressaltando que foi um método ensinado pelo pai
e que vem funcionando na empresa. A empresa considera seus custos nas análises financeiras,
então, busca realizar uma reserva de caixa por meio do faturamento das vendas e pela redução
de despesas. O faturamento, geralmente, chega ao caixa da empresa com algum atraso, assim,
enfatiza-se o controle das despesas como forma de garantir a cobertura dos custos.
5 Valores e práticas de gestão na empresa familiar automotiva
A análise interpretativa conduziu à identificação de valores dos dirigentes a partir de
sua expressão sobre as práticas de gestão. Os valores identificados estão relacionados com: a
dedicação, afetividade, moralidade, camaradagem e ao paternalismo e formalismo.
A análise das práticas de gestão na empresa permite afirmar que há vínculos afetivos
entre dirigentes e funcionários, traduzidos em vivências de crises, dificuldades e conquistas
compartilhadas. As relações afetivas revelam se intensas devido ao fato de ser esta uma
empresa antiga com muitos funcionários que ali trabalham desde a fundação. Os funcionários
antigos acompanharam tanto o desenvolvimento da família como da empresa:
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“... eles têm liberdade de chegar na gente e dar conselho até da vida particular. Alguns aqui
fala – oh, cê tá sendo enérgico demais com seu filho... Quando eu tinha meus meninos
pequenos, trazia pra cá e, quando precisava corrigir, eles se intrometia e falava: ‘não bate
no menino não, tadinho’...” (Relato do Sucessor 1).
Há envolvimento de famílias de funcionários antigos com aquelas de dirigentes,
alguns desses funcionários sendo considerados “patrimônio” da empresa. Os colaboradores
mais antigos assumem um papel que supera aquele estabelecido no contrato de trabalho. De
acordo com o relato de um dos dirigentes, fiscalizam aspectos administrativos da empresa,
tomando-a como patrimônio próprio que deve ser preservado:
“... muitos funcionários antigos que a gente tem aqui é parte integrante do corpo da empresa.
Igual a gente costuma brincar, têm a plaquetinha de patrimônio nas costas e realmente têm.
Eles exercem um papel de guardião da empresa, então, cê vê que eles zelam pra uma coisa
que é sua. Cê tem um sócio pra zelar pelo seu patrimônio, embora, eles não sejam sócios lá
nos dividendos ... (Relato do Sucessor 1).
Nesse sentido, parte-se de certo caráter de tradição na seleção de novos funcionários
levando em conta origem familiar, fato possível dada à inserção da empresa em um município
de pequena população. Isso se reflete na relação profissional, na medida em que se considera
a dificuldade de treinamento de certos funcionários para lidar com novas técnicas e máquinas
modernas.
“Nós, do interior, somos muito ligados à tradição. Então, a gente verifica a família dos
candidatos, para saber a origem dele antes de contratar e por aqui dentro da nossa
empresa...” (Relato do Sucessor 3).
A presença da afetividade vincula-se, de forma evidente, a um caráter paternalista, seja
na concessão de favores, seja na transgressão da hierarquia de funcionários subalternos em
relação ao gerente, calcados na relação com dirigentes proprietários. Mas isso está associado à
difusão de uma idéia geral do “vestir a camisa” da empresa, tendência observada na busca de
comprometimento no cargo e nos comportamentos pessoais.
A condução da gestão nessa empresa mantém um caráter paternalista assegurado por
aspectos que se relacionam à afetividade e à autoridade. O paternalismo se expressa, assim, na
dificuldade que os funcionários apresentam em relação ao cumprimento de ordens advindas
do gerente auxiliar, dentro da retifica de motores. Entende-se no espaço da retífica que apenas
o dirigente possui comando, o gerente não é respeitado. Nesse sentido, a autoridade de pai se
configura:
“Eu tenho problemas com os funcionários lá dentro da retifica. Eles não cumpriram as
ordens dadas. Então, eu estou aqui conversando com você e o meu gerente tá lá dentro. Se ele
chegar lá e pedir alguém pra olhar alguma coisa lá, eles acham que um empregado não pode
mandar no outro. Então, já causa esse atrito aí. O gerente já chega em mim e fala – ‘oh, só se
você for lá e mandar fazer’...” (Relato do Sucessor 3).
Entretanto, não há concessão em relação ao horário de trabalho, reforçando-se a idéia
de dedicação em várias instâncias da vida organizacional. Ao mesmo tempo em que se
confere relações paternalistas e afetivas, percebe-se o acompanhamento rigoroso do
comportamento dos funcionários. Desse modo, encontra subjacente a esses aspectos a
exigência de dedicação.
Esse tipo de exigência esta implícita à postura leal, ao cumprimento do horário de
trabalho e à atenção ao serviço. Considera-se, assim, um valor que determina até onde os
funcionários podem ir dentro da empresa, em termos de promoção de cargo:
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“...a gente exige muito aqui, assim, em termos de chegar no horário. Aqui dentro tem que ter
100% de atenção só no serviço. A gente não gosta que fique boicotando a empresa e trazendo
atestado um atrás do outro e faltando muito. A gente tem uma clientela pra zelar e os prazos
dos serviços pra cumprir...A pessoa que quer desenvolver aqui dentro deve andar de acordo
com essa conduta de comportamento que eu te falei...” (Relato do Sucessor 1 e Sucessor 2).
Os proprietários dirigentes demonstram consideração em relação ao comprometimento
dos colaboradores. Do mesmo modo, ocorre com aqueles funcionários antigos de casa que
deixaram de se atualizar em relação aos novos motores. Como forma de gratidão ao que
representaram no passado, permanecem conservados. Mesmo que seja para realizar serviços
eventuais em motores já ultrapassados.
Notou-se, assim, que a relação estabelecida com o “tempo de casa” torna-se um
atributo relevante para os dirigentes. Todavia, a relação orientada mais por sentimentos de
amizade com os funcionários impacta na formação de uma equipe mais capacitada para
enfrentar as mudanças tecnológicas que vêm ocorrendo com os motores. Um dos dirigentes
comenta sobre isso:
“O pessoal mais antigo contribuiu muito pra empresa crescer. Alguns contribuíram até
demais, mas, eu tenho funcionário aí que eu já te falei, devido à amizade eles permanecem
aqui e vão chegar a aposentar. Porque o conhecimento deles parou no tempo e hoje eu não
tenho como pegar um motor moderno e dar na mão deles. Eles têm que fazer só aquilo do
tempo deles mesmo pra trás, eles não quiseram acompanhar...” (Relato do Sucessor 2).
Constata-se também a prática de não contratação de parentes, norma que revela a outra
faceta das relações dirigentes e funcionários. E na oficina está exposta uma frase do fundador:
“certifique-se da existência de algum problema antes de tentar solucioná-lo”.
Os valores afetam as normas que regulam o comportamento social na empresa. A
tendência ao estabelecimento de regras e normas no ambiente organizacional demonstra uma
forma de garantir essa regulação. Desse modo, a proibição referente à contratação de parentes
e os procedimentos normalizados para retificar motores congregam aspectos que permitem
inferir a respeito do formalismo dos dirigentes.
O formalismo na condução da empresa se associa à formação militar do fundador. A
passagem pelo exército, onde aprendeu a retificar motores, refletiu, assim, em normas de
funcionamento da retífica. Além de aprender o ofício durante o tempo que passou no exército,
internalizou também a perspectiva de comportamento formal. Nesse sentido, percebe-se que o
formalismo é um aspecto importante, por isso mantido pelos dirigentes sucessores na
condução da empresa:
“Uma decisão do meu pai aqui, que virou regra na retifica, é não deixar mexer em nada no
motor sem antes saber qual é o problema. Então, chega um motor com defeito, não se deve
desmontar pra achar o defeito. Meu pai nunca aceitou isso. Tem que encontrar o defeito
primeiro e desmontar depois, porque, de repente, a gente não precisa desmontar o motor
todo, desmonta só a parte que tá com problema. E hoje, a gente vê que os clientes mesmo não
aceitam que desmonta...” (Relato do Sucessor 3).
A relação com os clientes é nitidamente marcada por certa cordialidade, próxima, por
vezes da afetividade, sendo associada à flexibilidade de vendas a prazo para certos clientes e
destaca-se uma forma menos impessoal de renegociação de dívidas, incluindo um fato
comum, o caso de motoristas de caminhão que sofrem acidentes rodoviários. A relação
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amigável que se estabeleceu com o tempo acaba sendo parte do discurso que justifica a
camaradagem. Diante da cordialidade comercial dos dirigentes proprietários, as relações
comerciais com os clientes foram sendo personalizadas.
“...muitos clientes nossos eu vi crescer na profissão e eles me viram desenvolver aqui dentro
da empresa. Então, eles chegam, às vezes, confidenciam com a gente até coisa particular e
pedem conselhos. A gente tenta ajudar no que for possível e eu também já pedi muito
conselho pra cliente, assim: ‘ oh, eu estou essa dificuldade’...” (Relato do Sucessor 1).
Os dirigentes reconhecem que, por vezes, sacrificam-se lucros devido a este tipo de
relacionamento com clientes. Mas, ao mesmo tempo, defendem a idéia de que o reconhecido
sucesso empresarial deve-se a estes princípios morais, pelos quais interpretam também a sua
relação com seus fornecedores, recorrendo a empréstimos bancários para não atrasar seus
pagamentos. Também argumentam que preferem trabalhar com antigos fornecedores,
dispensando-se, com freqüência, cotação de preços.
“Acredito que todas as vendas do exercício do ano passado deva ter recebido mais de 98%. O
restante tudo tem promessa de pagamento. Freguês complicou a situação e foi acidentado
com o caminhão. Isso a gente entende e tem que dar desconto... Então, eu posso te dizer que o
dinheiro não entra na data do combinado não, é bom frisar isso, é onde que dá aquele buraco
entre o receber e o a pagar e falta a gente ajustar mais isso. Porque tá tendo que sempre
pegar uma intera lá no banco e acaba que a gente divide os lucros com ele...” (Relato do
Sucessor 2).
O conjunto de valores que os proprietários-dirigentes expressam na condução
gerencial dessa empresa denota uma cultura organizacional amparada aos padrões da família
proprietária, vinculada à figura do fundador e associada aos traços culturais brasileiros.
Alguns desses valores remetem diretamente à figura do fundador e à família
proprietária, tais como paternalismo, moralidade, afetividade e formalismo. Evidenciou-se,
nesse caso que, o pai além de transmitir aos filhos seus conhecimentos técnicos e
administrativos, repassou valores pessoais que norteiam o estilo gerencial dos sucessores.
O paternalismo, enquanto traço cultural brasileiro associa-se à camaradagem e ao
tradicionalismo, na empresa estudada. Além disso, outros valores mesclam-se ao conjunto
identificado tais como a exigência de dedicação revelada nas práticas cotidianas e na história
da empresa estudada.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A empresa familiar é um tipo de organização encontrada no mundo todo. Em diversos
países, movimenta significativamente a economia. A gestão dessas empresas revela-se um
elemento importante ao se considerar que garantem o sustento dos membros da família
proprietária e ainda geram emprego e renda.
Essa pesquisa surgiu, assim, da necessidade de compreender a gestão diferenciada
desse tipo de empresa, relacionando-a a cultura organizacional, representada pelos valores de
proprietários dirigentes. Portanto, buscou-se recuperar aspectos da história da empresa,
caracterizar suas práticas de gestão e identificar os valores presentes nessas práticas.
Este trabalho contribui com o avanço do estudo em empresas familiares por inserir-se
dentro de uma nova abordagem sobre o tema, interpretativa e simbólica, requerida para se
aprofundar o estudo desse tipo de organização.
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O caso estudado se refere a uma empresa do setor automotivo, com 47 anos de atuação
e um processo de sucessão já consagrado. O fundador já se retirou da empresa, que é
administrada por seus três filhos, sócios proprietários.
As práticas de gestão adotadas pela empresa foram caracterizadas considerando-se o
planejamento, a organização, a direção e o controle, dentro de uma perspectiva integrada de
gestão financeira, mercadológica, gestão de pessoal e de produção que no caso de empresas
comerciais envolve operações e logística.
A análise interpretativa conduziu à identificação de valores dos dirigentes no caso
estudado a partir de sua expressão sobre as práticas de gestão. Tais valores estão relacionados
aos aspectos de dedicação, afetividade, paternalismo, tradicionalismo, moralidade,
camaradagem e, formalismo.
Alguns desses valores, nesse caso, remetem diretamente à figura do fundador e à
família proprietária, tais como paternalismo, moralidade e afetividade. Nesse sentido, pode-se
afirmar que o paternalismo, enquanto traço cultural brasileiro associa-se à camaradagem e ao
tradicionalismo, expresso na gestão da empresa estudada.
Deve-se, finalmente, ressaltar, que se tornou evidente que, neste caso, estes valores
que coadunam as práticas de gestão dos dirigentes, associados ao fundador, à família
empresária e aos traços culturais brasileiros mesclam-se a outros valores tais como a
exigência de dedicação e tradicionalismo, revelados nas práticas cotidianas e na história da
empresa estudada.
A cultura apreendida no caso estudado demonstra que a maneira de conduzir a gestão,
muitas vezes, faz pouco sentido do ponto de vista financeiro ou mercadológico. Contudo, são
implementadas devido aos valores concebidos, ou seja, pelo fato dos dirigentes preservarem
valores diferentes daqueles necessários à prática da racionalização administrativa.
Os procedimentos racionais que podem conduzir a empresa à eficácia e eficiência
organizacional, embora, reconhecidos pelos dirigentes da empresa familiar estudada, por
vezes, assumem uma importância menor em relação à suas concepções pessoais sobre os fatos
administrativos. A visão pessoal pauta-se na consideração dos interesses da família, nos
aspectos cruciais do momento de fundação e consolidação da empresa.
Assim, a organização estudada termina por enfrentar uma polaridade no cotidiano de
gestão, pois, surgem dificuldades para os dirigentes no momento de se decidir entre um
modelo tradicional de gestão familiar, paternalista, herdado de suas estruturas históricas, e a
tentativa de superação desse modelo, face à necessidade de modernização.
Diante dessas evidências, o aprofundamento em novos estudos sobre valores em
empresas familiares pode indicar particularidades de sua gestão em diferentes setores
empresariais, ensejando reflexões sobre as práticas de gestão, seja no sentido de construção de
novas práticas ou aprimoramento, no sentido da eficiência e da efetividade de empresas
familiares brasileiras.
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