Pereira, José Matias. “Tropeços de um modelo econômico”. São Paulo: Gazeta Mercantil, 06 de Agosto de 2001. Jel: E, F. Tropeços de um modelo econômico. José Matias Pereira. O ponto central da agenda dos líderes dos sete países mais ricos (G-7) tem sido a preocupação com a desaceleração da economia mundial. A coordenação da política norte-sul vem ocupando um lugar de destaque nesses debates, considerando que estão conscientes de que o mundo está diante de uma crise com perspectivas de longa duração. Nesse contexto, algumas economias, pela forma de gestão de seu modelo econômico, estão mais vulneráveis que outras. A conseqüência imediata, para os países em desenvolvimento, num cenário instável, é o aumento do nível de desconfiança por parte dos investidores internacionais. Isso vem sendo agravado pela crise econômica em dois países emergentes: Turquia e Argentina. No caso argentino, a preocupação é ainda maior, pois existe uma possibilidade de o país não honrar seus compromissos externos. Dessa forma, os países emergentes com economias vulneráveis, especialmente aqueles que apresentam fragilidade nas contas externas, estão sendo contagiados pela crise das economias turca e argentina. É importante observar que a situação do Brasil, nesse caso, é bastante desconfortável, na medida em que é avaliado pelo mercado sob um prisma peculiar, pois como membros decisivos do Mercosul, os dois países estão ligados por fortes vínculos como parceiros comerciais. Os efeitos decorrentes dessas turbulências externas, agravado pela crise interna de energia, estão contribuindo para reduzir as expectativas de crescimento da economia brasileira no triênio 2001-2003. Com base na análise dos dados do Banco Central do Brasil (2001), é possível estimar que o déficit externo do País, que foi de cerca de US$ 25 bilhões/ano no período 1999-2000, poderá chegar próximo de US$ 27 bilhões em dezembro de 2001. Por sua vez, o ritmo de crescimento do passivo externo líquido do País indica que seu total se situará no patamar de US$ 380 bilhões, no final do ano. A principal conseqüência desse quadro é o aumento dos desembolsos do País destinados ao pagamento de juros, lucros e dividendos. Essa vulnerabilidade da economia, responsável por provocar constantes oscilações nas expectativas dos mercados, se apresenta como uma fonte de inquietação para a sociedade e de desgaste político para os dirigentes do País. É importante observar que a situação desfavorável em que se encontra a economia brasileira, com uma enorme vulnerabilidade no setor externo, em função da crescente dependência de recursos para remunerar o passivo externo e financiar o déficit em conta corrente do balanço de pagamentos, é resultado da adoção de um modelo temerário de gestão da economia, em que os dirigentes econômicos, entre outras falhas, apostaram que o cenário internacional não iria se modificar. Os dados produzidos pelo IBGE indicam uma provável contração da economia do País no segundo semestre de 2001 (comparado com igual período de 2000), com possibilidade de que esse quadro de retração se mantenha em 2002, caso não haja uma alteração no cenário econômico mundial, com uma recuperação nas economias norte-americana e da União Européia. Nesse contexto de incertezas, em que a economia brasileira está perdendo o ritmo de crescimento e o custo social do ajuste em curso se eleva, existem apenas duas alternativas para o Brasil: aplicar um choque de juros na economia ou recorrer a um novo empréstimo junto ao Fundo Monetário Internacional. No primeiro caso — choque de juros —, os efeitos serão imediatos sobre o crescimento econômico e na elevação da taxa de desemprego, além de agravar a situação da dívida pública. Assim, o novo acordo negociado com o FMI pelo governo brasileiro, que representa, na prática, uma quase prorrogação do atual acordo (1999-2001), obedece à lógica do modelo econômico. Para cumprir os termos do novo empréstimo, o governo federal terá de adotar com maior intensidade as políticas de austeridade recomendadas pelo Fundo e deverá promover, no biênio 2001-2002, novos cortes orçamentários, com vistas a reduzir suas despesas. Essas medidas, que atingem com mais intensidade os programas sociais e os investimentos em infra-estrutura, têm como objetivo sinalizar que o País pode honrar seus compromissos externos. Com isso, o governo brasileiro procura demonstrar, a qualquer custo, para os investidores internacionais, que a economia está sob controle. Os custos sociais, como evidenciado em pesquisas empíricas sobre os impactos das políticas de austeridade do FMI recomendadas aos países endividados, são relegados a um plano secundário. Daí podem resultar ameaças à governabilidade e dificuldades para a consolidação da democracia. Isso torna mais evidente que os futuros dirigentes do País, com o apoio e a participação da sociedade brasileira, devem buscar um novo modelo de gestão da economia, preservando os avanços já alcançados, mas procurando dar prioridade ao desenvolvimento, com justiça social.