LÍNGUA DE SINAIS COMO LINGUAGEM DO CORPO: UM ESTUDO

Propaganda
Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda
Trabalho de Conclusão de Curso
LÍNGUA DE SINAIS COMO LINGUAGEM DO CORPO: UM
ESTUDO SEMIÓTICO DA COMPLEXIDADE DOS SIGNOS EM
INTERAÇÃO
Autor: Natalia Magalhães Martins
Orientador: Prof. Dr. Luiz Carlos Assis Iasbeck
Brasília - DF
2014
NATALIA MAGALHÃES MARTINS
LÍNGUA DE SINAIS COMO LINGUAGEM DO CORPO: UM ESTUDO SEMIÓTICO
DA COMPLEXIDADE DOS SIGNOS EM INTERAÇÃO
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao
curso de graduação em Comunicação Social da
Universidade Católica de Brasília, como
requisito parcial para a obtenção do Título de
Bacharel em Publicidade e Propaganda.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Carlos Assis
Iasbeck
Brasília
2014
Trabalho de conclusão de curso de autoria de Natalia Magalhães Martins, intitulado
“LÍNGUA DE SINAIS COMO LINGUAGEM DO CORPO: UM ESTUDO SEMIÓTICO
DA COMPLEXIDADE DOS SIGNOS EM INTERAÇÃO”, apresentado como requisito
parcial para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social com habilitação em
Publicidade e Propaganda da Universidade Católica de Brasília, em 18/06/2014, defendido e
aprovado pela banca examinadora abaixo assinada:
Prof. Dr. Luiz Carlos Assis Iasbeck
Orientador
Comunicação Social – UCB
Prof.ª Dr.ª Florence Marie Dravet
Comunicação Social – UCB
Prof.ª Dr.ª Rafiza Varão
Comunicação Social – UCB
Brasília
2014
Dedico este trabalho primeiramente a Deus,
por ser essencial em minha vida, autor de meu
destino, meu guia, socorro presente na hora da
angústia. Ao meu pai Edson, minha mãe
Adriana, e ao Guilherme pelo incentivo e
apoio constante.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, que permitiu que tudo isso acontecesse, pela saúde e força para
superar as dificuldades, ao longo de minha vida, e não somente nestes anos como
universitária.
Aos meus pais, Edson Martins e Adriana Magalhães, por todo apoio e incentivo para
que mais uma fase da minha vida fosse concluída. Vocês acreditaram no meu sonho e fizeram
com que essa conquista fosse possível.
Ao Guilherme Guedes, essa conquista é tão sua quanto minha. Obrigada pelo
incentivo e por não me deixar desistir. Você foi essencial para que eu alcançasse o meu
objetivo.
Aos meus familiares que torceram por mim nessa caminhada.
Ao meu orientador Luiz Carlos Assis Iasbeck, por seus ensinamentos, paciência e
auxílio durante o projeto. Obrigada por ter acreditado em mim no começo do curso, pela
oportunidade de ter participado de uma iniciação científica e por me mostrar outros horizontes
da comunicação.
À minha amiga, Valéria Galvão, que de alguma forma estiveram ao meu lado, se
preocupando e torcendo por mim, me fazendo acreditar que eu era capaz de vencer mais essa
etapa da minha vida.
Aos mestres, não só da Universidade Católica, mas da vida. Em especial gostaria de
agradecer a pessoa que abriu as portas do mercado e me mostrou a profissional que posso ser,
Alessandro Soldi. Muito obrigada pelos ensinamentos, tenha certeza que você sempre será
uma referência de profissional para mim.
Enfim agradeço a todos que sempre torceram pelo meu sucesso e me desejaram coisas
boas. A conclusão deste curso é fruto de um sonho que, com muito esforço, consegui
concretizá-lo. Muito obrigada!
RESUMO
A presente pesquisa tem como intuito fazer uma reflexão sobre como um sentido a menos
incorporado nos demais pode se tornar instrumento de cultura. Deste modo, foi necessário
revisar conceitos semióticos, processo histórico e sinais utilizados na língua brasileira de
sinais, uma vez que a LIBRAS, sendo uma língua visual-motora é um importante artefato da
comunidade surda. A partir da fundamentação presente no corpo do trabalho, será analisada a
expressão do corpo, levando à hipótese do trabalho, o corpo como um sintoma de cultura.
Palavras-chave: língua de sinais; semiótica; cultura; sentido.
ABSTRACT
This research is aims a reflection about how one less sense embedded in others can become an
instrument of culture. Thus, it was necessary to review semiotic concepts, historical process
and signs used in Brazilian sign language, since LIBRAS, being a visual-motor language is an
important artifact of the deaf community. From this work reasons, we will analyze the body
expression, leading to the hypothesis of the study, the body as a symptom of culture.
Keywords: sign language; semiotics; culture; sense.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.....................................................................................................................9
2. COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA...................................................................................10
2.1 COMUNICAÇÃO E LINGUAGEM..................................................................................10
2.1.1 Língua e Linguagem........................................................................................................10
2.1.2 Linguagem Verbal............................................................................................................11
2.1.2.1 Fonética.........................................................................................................................11
2.1.3 Linguagem não-verbal.....................................................................................................12
2.1.3.1 Gestualidade..................................................................................................................12
2.2 LÍNGUA.............................................................................................................................13
2.3 A LÍNGUA DE SINAIS COMO LINGUAGEM DO CORPO..........................................13
2.3.1 O corpo como sinal..........................................................................................................13
2.3.2 Gramáticas e Códigos......................................................................................................13
2.3.2.1 O movimento como código: o ritmo do movimento.....................................................14
2.3.2.2 O movimento como signo: cinésica e proxêmica.........................................................15
2.4 SEMIÓTICA.......................................................................................................................16
2.4.1 Dados, Sinais, Signos e Códigos......................................................................................16
2.4.2 Semioses...........................................................................................................................18
3. HISTÓRIA DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS....................................................18
3.1 COMO SURGIU A LÍNGUA DE SINAIS?.......................................................................18
3.2 COMO VEIO PARA O BRASIL?......................................................................................19
3.3 RECONHECIMENTO DA LÍNGUA DE SINAIS NO BRASIL......................................19
4. LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS, COMO FUNCIONA?........................................21
4.1 O QUE É LIBRAS?............................................................................................................21
4.2 DACTILOLOGIA...............................................................................................................21
4.3 SOLETRAÇÃO RÍTMICA................................................................................................22
4.4 CONFIGURAÇÃO DE MÃOS..........................................................................................22
4.5 ORIENTAÇÃO ESPACIAL...............................................................................................23
4.5.1 Pontos de articulação.......................................................................................................23
4.5.2 Movimento.......................................................................................................................23
4.6 EXPRESSÕES FACIAIS E CORPORAIS.........................................................................23
4.7 CLASSIFICADORES DE LIBRAS...................................................................................23
5. ISSO NÃO É TUDO! A LÍNGUA TEM QUE ESTAR A SERVIÇO DA
CULTURA...............................................................................................................................23
5.1 O QUE É CULTURA?.......................................................................................................23
5.2 CULTURA SURDA...........................................................................................................25
5.3 IMAGINÁRIO SURDO.....................................................................................................27
6. CONCLUSÃO.....................................................................................................................28
7. REFERÊNCIAS..................................................................................................................31
*
8
1. INTRODUÇÃO
Na idade média, surdo era sinônimo de bobo da corte, pessoa sem alma, doente
mental, que não podia sequer assinar por si mesmo por não falar ou escrever. Porém, com o
tempo a educação dos surdos tornou-se necessária, ainda que feita de forma equivocada que
forçavam os surdos a falar.
Em meados do século XVIII, surgiram duas correntes fundamentais para a
comunicação dos surdos: em uma o surdo deve aprender a falar e a não se comportar como
surdo e na outra, a comunicação por gestos era melhor desenvolvida e mais eficaz em termos
comunicacionais. Essas correntes eram chamadas de oralismo e gestualismo, respectivamente.
O Congresso de Milão, ocorrido em 1880, proibiu o uso da língua de sinais. E por
muitos anos após esse marco histórico, houve dificuldade de comunicação, defasagem na
aprendizagem e desvalorização do sujeito surdo, essa realidade só foi mudar em meados do
século XIX e XX. No Brasil, a aceitação da língua de sinais foi tardia, apenas em 24 de abril
de 2002, por meio da lei nº 10.436 a Libras foi reconhecida como meio legal de comunicação
e expressão das comunidades surdas.
A língua de sinais é conhecida como forma de comunicação e expressão das
comunidades surdas, é uma combinação de parâmetros como configuração de mãos,
expressões faciais e movimentos, que juntos formam uma língua visual-motora, sendo assim,
a língua natural dos surdos. A capacidade de expressão com um sentido a menos da
comunidade surda, é transmitida pela linguagem não-verbal, sendo um grande artefato
cultural dessa comunidade. Deste modo, a breve pesquisa desenvolvida neste artigo pode ser
resumido no seguinte questionamento: como um sentido a menos incorporado nos demais se
torna expressão de cultura?
Com o intuito de traçar um percurso positivo em direção à resolução desse
questionamento, em um primeiro momento, será realizada uma etapa de pesquisa
fundamental, que consiste na exploração dos principais conceitos teóricos abordados na
semiótica. Em seguida, a partir do referencial teórico da semiótica, pretende-se apresentar o
percurso histórico e parâmetros da língua de sinais. Por fim, será abordada a língua de sinais
como um sistema de produção de sentido, pretendendo identificar a hipótese, que é o corpo e
os sinais utilizados como sintoma de cultura.
9
Mesmo havendo diversos estudos na área de língua de sinais, o objeto ainda é pouco
explorado pela comunicação, tendo as maiores contribuições feitas pelas áreas de linguística e
fonoaudiologia. O desafio presente nessa pesquisa é contribuir com um olhar semiótico,
diversificando as perspectivas sobre a língua de sinais.
2. COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
2.1 COMUNICAÇÃO E LINGUAGEM
Os seres humanos são sociais, desde o princípio a comunicação era uma atividade
essencial para a vida em sociedade. Comunicação é troca de informações, tornar comum,
compartilhar uma mensagem. Para que o processo de comunicação seja completo, o código,
que são os sinais organizados, deve ser comum ao emissor e ao receptor e tem que haver
resposta. A informação, por sua vez são conjuntos organizados de dados, com sentido e
produzindo conhecimento.
Através dos nossos sentidos que captamos e passamos os dados que são signos, e de
acordo com SANTAELLA (2004) qualquer coisa que esteja presente à mente tem a natureza
de um signo. Signo é aquilo que dá corpo ao pensamento, às emoções, reações, etc.
Os doadores imediatos dos dados são os sentidos. Locke nos ensina que “nada está
no intelecto que não estivesse estado anteriormente nos sentidos”. O intelecto sendo
ainda um elo imprescindível entre dado e cérebro eletrônico, continuam os sentidos
sendo fornecedores de dados. (FLUSSER, 2007, p. 39)
2.1.1 Língua e Linguagem
Como forma de comunicação e expressão desses signos, utilizamos a linguagem, a
princípio, nos prendemos apenas à linguagem verbal por parecer ser dominante. Não
percebemos que nos comunicamos também por gestos, expressões faciais e corporais, tato,
cheiro. A linguagem se dá na capacidade dos seres humanos compreenderem e criarem uma
língua. Essa é a nossa competência física de comunicação.
Recebemos dados por todos os sentidos do corpo. Somos seres de linguagem e essas
linguagens são estudadas por campos distintos. De acordo com SANTAELLA (1983), a
linguística é a ciência da linguagem verbal, a outra é a semiótica, ciência de toda e qualquer
linguagem.
10
Diferente da linguagem, existe a língua, que não é referente a uma capacidade natural
de comunicação, mas algo adquirido, convencional e cultural. São palavras ou sinais
estruturados e que possuem regras. Em sua maioria, as línguas se manifestam de forma oral e
escrita. A língua, segundo Ferdinand de Saussure:
“É, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e
um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social
para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos” (Saussure,
1996, p. 17)
Por ser um conjunto de signos que exprimem ideia, a língua é totalmente comparável.
Os signos linguísticos, a priori, são a combinação de um conceito e de uma imagem acústica
que, posteriormente, serão substituídos por significado e significante, respectivamente.
“O signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma
imagem acústica. Esta não é o som material, coisa puramente física, mas a
impressão (empreinte) psíquica desse som, a representação que dele nos dá o
testemunho de nossos sentidos, tal imagem é sensorial e, se chegamos a chama-la
“material”, é somente nesse sentido, e por oposição ao outro termo da associação,
conceito, mais abstrato.” (Saussure, 1996)
2.1.2 Linguagem Verbal
A linguagem é um sistema formado por símbolos, que permite a comunicação entre os
indivíduos. Na linguagem verbal, esses símbolos são as palavras, e segundo Flusser (2007) as
palavras são apreendidas e compreendidas como símbolos, isto é, como tendo significado.
Substituem algo, apontam para algo, são procuradores de algo.
Esses símbolos são transmitidos pela fala humana e pela escrita. Os sons vocais
expressam uma ideia que correspondem a um objeto, é a transmissão fisiológica de uma
imagem acústica, essa mensagem articulada transmitida é estudada pela fonética, como
veremos a seguir.
2.1.2.1 Fonética
A ciência que estuda os símbolos da linguagem verbal é a fonética. Callou e Leite
(1993) definem que à fonética cabe descrever os sons da linguagem e analisar suas
particularidades articulatórias, acústicas e perceptivas. Esse é o ramo da linguística que se
11
interessa apenas por essa linguagem articulada, outras formas de comunicação não são
abordadas.
Malmberg (1954) diz que qualquer ato de fala supõe a presença de, pelo menos, duas
pessoas: a que fala e a que ouve. Uma produz sons e a outra escuta-os e interpreta-os. O
intuito da linguagem é a comunicação, para isso, é necessário que as pessoas compartilhem do
mesmo sistema linguístico.
Um meio de representar esquematicamente o mecanismo da comunicação é
imaginar uma fonte (o falante), um transmissor (o aparelho fonador), um canal (o
ar atmosférico), um receptor (o aparelho auditivo) e um alvo (o ouvinte). (Callou e
Leite, 1993, p. 12)
2.1.3 Linguagem não-verbal
As pessoas não se comunicam apenas por meio das palavras ou escrita, há uma série
de formas de transmitir e receber informações. Segundo Santaella (1983) nos comunicamos
também através da leitura e/ou produção de formas, volumes, massas, interações de forças,
movimentos; que somos também leitores e/ou produtores de dimensões e direções de linhas,
traços, cores... Enfim, também nos comunicamos e nos orientamos através de imagens,
gráficos, sinais, setas, números, luzes... Através de objetos, sons musicais, gestos, expressões,
cheiro e tato, através do olhar, do sentir e do apalpar.
2.1.3.1 Gestualidade
A gestualidade é a forma de transmitir as informações não-verbais. No livro O Corpo
Fala (2013), Weil e Tompakow abordam sobre a linguagem do corpo e como os corpos
expressam emoções, pensamentos e reações instintivas por meio de gestos. O gesto é uma
maneira do corpo se manifestar. E a gestualidade, por sua vez, a linguagem do corpo. A
gestualidade expressa os pensamentos tanto quanto a linguagem verbal, é, inclusive, uma das
formas primitivas de linguagem, expressando o ser individual, social e cultural.
Para entender uma língua é necessário estudá-la, já a percepção da linguagem corporal
é muito mais fácil de ser identificada, pois é uma ação inconsciente e com uma construção
histórica. Como exemplos, pode se identificar interesse ou desinteresse por meio da postura
corporal, expressões faciais mostram tristeza, alegria, desânimo, e um aperto de mão pode
revelar coragem se for firme e, se for fraco, pode ser encarado como receio, acanhamento e
displicência.
12
2.2 LÍNGUA
2.3 A LÍNGUA DE SINAIS COMO LINGUAGEM DO CORPO
2.3.1
O corpo como sinal
Ao longo de nossa vida social, nós vivenciamos e temos experiências do mundo por
meio das nossas percepções. De acordo com GREINER (2010), a experiência perceptual é um
modo de exploração do mundo. As habilidades necessárias são sensório-motoras e
conceituais, ao mesmo tempo.
Além da percepção do mundo, temos a percepção do outro. A comunicação nos
permite por meio das relações sociais perceber os subjetivismos do outro. Usamos como
artifício não só a linguagem verbal, mas principalmente a não-verbal para expressar nossas
emoções e experiências. Cada ser é único, com experiências diferentes, e significados
diferentes para cada experiência.
Por meio de nossos gestos, expressões faciais, movimentos, posturas e tom de voz o
corpo transmite informações. O corpo fala e remete a outros sinais, que são experiências
adquiridas pelos sentidos. Externalizamos os pensamentos pelo corpo e, assim, o outro
reconhece o que queremos transmitir.
2.3.2
Gramáticas e Códigos
A totalidade desse processo de externalização e compreensão de mensagens é o
código, onde estão inseridos signos e significados comuns ao emissor e receptor. Em alguns
casos, existem códigos que são entendidos por serem baseados em uma regra sígnica anterior,
e casos de códigos inexistentes, são chamados, respectivamente, de hipercodificação e
hipocodificação.
Uma teoria semiótica não pode negar que existam atos concretos de interpretação
que produzem sentido – e um sentido que o código não previa; do contrário, a
evidência da flexibilidade e da criatividade das linguagens não teria fundamento
teórico: mas estas interpretações não raro produzem novas porções de código até
onde constituem processos embrionários de HIPERCODIFICAÇÃO OU DE
HIPOCODIFICAÇÃO. (ECO, 2007, p. 121)
13
A hipercodificação, hipocodificação e a extracodificação, que é a junção dos dois
anteriores, são formas de interpretação que produzem sentido. Há formas de organização
desses códigos e, segundo ECO (2007), existem culturas gramaticalizadas e culturas
textualizadas. Essa diferença pode referir-se a diversos modos de organização dos códigos e
poderá em seguida ajudar-nos a distinguir diversos tipos de produção sígnica.
As culturas são geridas por regras e possuem modelos de comportamento. Nas culturas
gramaticalizadas, há regras para construir um número infinito de objetos, além privilegiarem
o conteúdo do código. As culturas textualizadas estão orientadas para a expressão, modelos
que podem ser copiados e a abertura para criação de novas regras.
2.3.2.1 O movimento como código: o ritmo do movimento
Considerado com o sexto sentido, o movimento é fundamental para a comunicação.
Pois, segundo Greiner (2010), o movimento é uma das condições para sentir como o mundo é
e quem somos. O conhecimento vem do movimento, tanto do movimento do corpo como dos
objetos moventes que fazem parte do entorno. O movimento é, portanto, um dos principais
modos como aprendemos o significado das coisas e boa parte deste aprendizado é processado
pelo inconsciente cognitivo.
O corpo interage com os aspectos ambientais em busca de troca de experiência. Por
meio dessas trocas de experiências corporais adquirimos novos pensamentos, sentimentos e
significados das coisas, e o significado é corporal e social, pois eles não existiriam sem uma
interação comunicativa.
Um ponto de partida fundamental para compreender estes trânsitos entre corpo e
ambiente é o estudo da percepção que nada mais é do que o princípio de toda e
qualquer experiência. Ao contrário do que parecia consensual no senso comum, a
percepção não é apenas uma interpretação de mensagens sensoriais, mas uma
simulação interna da ação, assim como, uma antecipação das consequências da ação
(BERTHOZ apud GREINER, 2010, p. 71,72)
Boa parte do que percebemos e experienciamos é uma construção social e formará a
subjetividade do eu. Essa forma como compreendemos o que há em nossa volta é cognitivo,
pelo sensório-motor. Da mesma forma que compreendemos, também externalizamos os
significados. Essa representação dos pensamentos fazem parte do código, pois a partir do
14
movimento há uma compreensão mútua entre o emissor e o receptor em um processo
comunicacional.
O reconhecimento de que o significado está enraizado na experiência
corporal implica ainda reconhecer que tanto a capacidade imaginativa como
a conceitual são dependentes dos processos sensoriomotores. (GREINER,
2010, p.90)
2.3.2.2 O movimento como signo: cinésica e proxêmica
O corpo é a externalização de um pensamento a partir de um movimento, que possuem
significados. O corpo é um signo, pois ele representa pensamentos e é codificado por normas
culturais. Os ramos que estudam cada movimento do corpo como fonte de significados são a
cinésica e a proxêmica. A cinésica estuda na comunicação interpessoal as posições e
movimentações do corpo, analisando essas mensagens silenciosas que são transmitidas. A
proxêmica descreve o uso do espaço pessoal de indivíduos em um meio social.
Para a cinésica, nenhum movimento ou expressão corporal está destituído de
significado, as séries de expressões possuem informações sobre o indivíduo ou sobre a
mensagem que ele quer passar. A cinésica se estende para o contato visual, expressões faciais,
postura, gestos e movimentos da cabeça.
Pelas expressões faciais externalizamos emoções, pela postura corporal sentimentos
como amizade, hostilidade ou até mesmo status social. Os movimentos de cabeça geralmente
reforçam alguma mensagem e são claramente perceptíveis. E os gestos, que são um dos
aspectos mais importantes da comunicação não-verbal, eles expressão emoção e indicam algo.
A forma como o indivíduo se comporta em seu espaço é estudado pela proxêmica,
esse comportamento está sempre ligado à situação, cultura e ambiente. Esses espaços pessoais
compreendem a distância do contato com o outro. Além da distância, estão envolvidos o
ângulo em relação ao outro, e a territoriedade, que é o espaço existente ao redor de cada um.
Essas distâncias, conscientes ou não, são escolhidas a partir da relação com o outro, o
sentimento envolvido e qual a situação em que os indivíduos estão divididos. As distâncias
podem ser divididas em: distância mínima, entre 15 e 50 cm, que permite o corpo a corpo com
um contato direto; distância pessoal, de 40 cm a 1,2 metros, permite conversar a vontade,
entre casais e amigos íntimos; distância social, de 70 cm a 4 metros, recomendada para
15
contatos sociais, e distância pública, de 4 a 9 metros, se, envolvimento pessoal e fora do
círculo imediato do indivíduo.
2.4 SEMIÓTICA
2.4.1
Dados, Sinais, Signos e Códigos
De acordo com os conceitos abordados acima, a forma de apreendermos os dados é
pelo movimento. O dado é a unidade mínima da informação. Eles são os elementos em sua
forma bruta, e que podem ser identificados pelas características simbólicas. Representam-se
fisicamente no espaço, porém, não são dotados de significado. O sinal também é destituído de
significado, porém ele está relacionado aos estímulos.
Um sinal é um objeto ou um processo – por exemplo, uma pedra, um
desenho, um som, um gesto, etc. – ao qual o homem atribui um conceito e
de que se serve para consciencializar e exprimir um objeto ou um processo
distinto do primeiro. (METZELTIN, 1978, p.18)
Segundo METZELTIN (1978), um sinal pode remeter diretamente para um
objeto/processo extralinguístico ou indiretamente por intermédio de um segundo ou de um
segundo e um terceiro (etc.) sinais. Os sinais podem estar isolados ou em um sistema, e é
comum ser confundido com o signo. O signo possui significação, o sinal não.
À guisa de exemplo, o objeto específico de uma teoria da informação não
são os signos, mas unidades de transmissão que podem ser computadas
quantitativamente independentemente de seu significado possível; essas
unidades são definidas como ‘SINAIS’, mas não como ‘signos’. (ECO,
2007, p.15)
De acordo com ECO (1977), o signo não é apenas um elemento que entra em um
processo de comunicação (posso também transmitir e comunicar uma série de sons privados
de significado), mas é uma entidade que entra num processo de significação. O signo é usado
para transmitir uma informação para alguém em um processo comunicacional, a organização
de diversos signos é a mensagem.
16
Na linguística, existe o signo linguístico que de acordo com METZELTIN (1978)
chamamos signo linguístico um som ou uma sequência de sons que se correlatam com um
conceito ou um conjunto de conceitos. O signo linguístico, consta, portanto, de um ente físico
(os sons) e de um ente pensado (os conceitos).
Mas, ao se comunicar com outra pessoa, utiliza-se outras formas além do signo
linguísticos, também há desenhos, gestos, sons que são perceptíveis pelo receptor. Essa
percepção do receptor, o entendimento e a troca de informações que proporciona um processo
de comunicação, para que isso aconteça, deve-se levar em consideração o código linguístico.
Um processo de comunicação em que não exista Código, e em que não exista
portanto significação, reduz-se a um processo de estímulo-resposta. Os estímulos
não satisfazem uma das mais elementares definições do signo, a de que ele está em
lugar de outra coisa. (ECO, 1977, p.27)
ECO (2007) afirma que O CÓDIGO é o artifício que assegura a um dado sinal elétrico
a produção de uma dada mensagem mecânica capaz de solicitar uma dada resposta. Entre o
emissor e o receptor há um código e uma série de signos e significados em comum.
Para ficar claro, BIDERMAN (2001) conceitua o código como um sistema de signos,
estabelecidos por convenção, que se destina a transmitir a informação a partir de uma fonte
(emissor) até um destinatário (receptor). Mais ainda: o código é constituído por um conjunto
de elementos e por um conjunto de regras para combinar esses elementos.
A estrutura do código linguístico é assim constituída: 1.°) um conjunto de elementos
(fonemas, lexemas, grafemas, palavras) + 2.°) uma combinatória de regras (sintaxe).
Os elementos (sinais arbitrários e convencionais) são combinados entre si, segundo
regras também convencionais da sintaxe, gerando-se assim a fala, ou escrita, isto é, a
mensagem. Tanto o codificador (aquele que emite a mensagem) como o
descodificador (aquele que a capta e a descodifica) precisam possuir em comum o
mesmo código, a saber: o conjunto de elementos e as respectivas regras de sintaxe
combinatória. Caso contrário, a mensagem se perde por não ser convenientemente
descodificada pelo destinatário. No trato social, os usuários do código precisam
partilhar não só o código geral – a língua padrão – mas também os códigos parciais:
os diferentes registros que se aplicam a cada situação particular de discurso. É por
isso que, muitas vezes, a comunicação não se efetiva entre os interlocutores, já que
os usuários não partilham o mesmo código para poderem assim codificar e
descodificar mensagens que sejam compreensíveis para ambos. (BIDERMAN,
2001, p.45)
17
2.4.2
Semioses
Conforme abordado acima, o processo em que o signo é explicado por um segundo ou
terceiro signo, e assim infinitamente, é conhecido como processo de semiose. O signo existe
ainda que o intérprete não exista, para validar isso há o interpretante. Segundo ECO (2007), o
interpretante é aquilo que o signo produz na ‘quase-mente’ que é o intérprete: mas isso
também pode ser concebido como a DEFINIÇÃO do representamen, e, portanto, sua
intenção. Esse interpretante é considerado como uma outra representação de um mesmo
objeto.
Para que haja significado de um signo, é necessário nomear um outro signo e assim
por diante. Esse processo em que um signo gera outros signos e também é interpretado por
outros, chama-se semiose. Esse processo está evidenciado na língua de sinais, embora sejam
sinais não verbais, eles são signos articulados que apontam para um referente.
Na língua de sinais, um sinal pode representar uma letra, uma palavra inteira e até
mesmo uma expressão. Há sinais que se aproximam da linguagem ideográfica, representam o
todo pela parte, como o sinal de “casa”, em que apenas uma representação do telhado remete
ao objeto inteiro. As configurações de mão da letra S e do número 8 são iguais, dependem dos
demais sinais para entender o sentido em que estão situadas.
3. HISTÓRIA DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS
3.1 COMO SURGIU A LÍNGUA DE SINAIS?
Os primeiros relatos sobre a surdez a 3000 a.C., mostram que em diversos países como
China, Grécia e Roma os surdos eram castigados, jogados de altos rochedos, ao mar ou
simplesmente abandonados. Em 355 a.C., Aristóteles acreditava que se os surdos não
falavam, eles, consequentemente, não possuíam linguagem ou pensamento. No fim da idade
média começaram os primeiros estudos sobre a educação de surdos.
Um dos precursores da língua de sinais foi Ponce de Leon, que desenvolveu um
alfabeto manual baseado em gestos que os monges usavam em voto de silêncio e ajudou a
instituir a língua de sinais da França e, posteriormente, Charles-Michel de l’Epée fundou a
primeira escola pública para surdos no mundo, o Instituto para Jovens Surdos e Mudos de
Paris. Em 1816, o estadunidense Thomas Gallaudet foi à França interessado no método de l’
18
Epeé e, no ano seguinte, foi fundada a primeira escola para surdos em Connecticut, nos
Estados Unidos.
Em 1750, na França, o abade Charles Michel de L’Epée (?-1789) começou a ensinar
duas irmãs surdas a falar e escrever. Sua grande preocupação, porém, era dar
atendimento prioritariamente aos surdos que viviam nas ruas. Perambulando por
Paris, aprendeu com os surdos a língua de sinais e criou os Sinais Metódicos, uma
combinação da língua de sinais – que ele considerava completa – com a gramática
da língua oral francesa e com o alfabeto digital. Ele foi o primeiro a considerar que
os surdos tinham uma língua. (GUARINELLO, 2007, p. 23)
Em meados do século XVIII, o Oralismo e o Gestualismo surgiram como duas
correntes primordiais na educação para surdos. Na primeira o sujeito deve aprender a falar e a
não se comportar como surdo e na segunda, a comunicação por gestos era bem desenvolvida e
se mostrava mais eficaz em termos comunicacionais.
O Congresso de Milão, ocorrido em 1880, foi um grande marco histórico para a
comunidade surda, a sua aprovação acarretou na proibição do uso da língua de sinais em todas
as escolas dos países europeus e nos Estados Unidos, implantando apenas o método oralista
acarretando em décadas de dificuldade em comunicação, defasagem na aprendizagem e
desvalorização do sujeito surdo. Realidade que voltou a mudar apenas em meados do século
XIX e XX quando a língua de sinais voltou a ser pesquisada.
2.2 COMO VEIO PARA O BRASIL?
No Brasil, apenas em 1857 foi fundado o primeiro instituto para surdos no país, graças
a Ernest Huet, professor surdo francês. Inaugurado no Rio de Janeiro, o Instituto Nacional de
Surdos-Mudos é conhecido atualmente como Instituto Nacional de Surdos (INES). Huet
ensinava língua de sinais e tinha um programa educacional que ensinava aos surdos
disciplinas como: português, história, geografia, aritmética, leitura labial e linguagem
articulada.
3.2 RECONHECIMENTO DA LÍNGUA DE SINAIS NO BRASIL
No dia 24 de abril de 2002, por meio da lei nº 10.436 a Libras (Língua Brasileira de
Sinais) foi reconhecida como meio legal de comunicação e expressão das comunidades
19
surdas. Em 2005, com o decreto nº 5.626, a Libras deveria ser incluída como disciplina
curricular em cursos de licenciatura, instituindo também a regulamentação de professores e
instrutores da língua brasileira de sinais.
De acordo com os dados do Censo do IBGE de 2010, o Brasil possui 344.206 surdos
que não conseguem ouvir de forma alguma, sendo eles 172.405 homens e 171.801 mulheres.
Homens
Mulheres
Gráfico 1: Surdos no Brasil
Segundo esses dados, as pessoas com dificuldade de audição são distribuídas em
surdos profundos, grande dificuldade de ouvir e alguma dificuldade em ouvir. Segue abaixo:
Surdos no Brasil
8.000.000
7.000.000
6.000.000
5.000.000
4.000.000
3.000.000
2.000.000
1.000.000
0
Série1
Surdos Profundos
Grande
dificuldade de
ouvir
Alguma
dificuldade de
ouvir
Gráfico 2: Dificuldade de Audição no Brasil
Em Brasília, mais de 82 mil habitantes são surdos, o que caracteriza cerca de 3,1% da
população da capital.
20
4. LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS, COMO FUNCIONA?
4.1. O QUE É A LIBRAS?
Conhecida como forma de comunicação e expressão das comunidades surdas, a língua
de sinais é uma língua visual-motora, com gramática, morfologia e semântica própria. A
língua de sinais além das mãos, utiliza movimentos, expressões faciais e corporais e
orientação espacial, a partir da combinação de todos esses critérios obtém-se o sinal.
A Língua Brasileira de Sinais é considerada uma língua natural, usada pela
comunidade surda brasileira. O termo “natural” é apropriado porque, tal como as
línguas processadas pelo canal auditivo oral, as línguas de sinais surgiram
espontaneamente da interação entre pessoas [...]. (GUARINELLO, 2007, p.51)
Os sinais são formados a partir de parâmetros, combinando movimento e forma das
mãos com um determinado lugar, podendo esse ser alguma parte do corpo ou algum espaço
próximo ao corpo. Esses parâmetros são chamados, respectivamente, movimento,
configuração de mãos, ponto de articulação e orientação espacial.
A configuração de mão diz respeito à forma da mão [...]. A orientação da palma da
mão indica que os sinais têm direção e que sua inversão, em alguns sinais, pode
alterar o significado do sinal. A orientação é a direção que a palma da mão aponta na
realização do sinal [...]. A locação refere-se ao lugar, podendo ser realizado em
alguma parte do corpo, e no exemplo podemos verificar que ocorre em frente ao
queixo. Finalmente, o movimento, que pode ou não estar presente nos sinais.
(Gesser, 2009, p. 17)
4.2. DACTILOLOGIA
A dactilologia acontece quando as mãos se configuram na forma de uma letra que está
no Alfabeto Manual Brasileiro, essas configurações correspondem às letras escritas.
Quadro 1: Alfabeto Manual
21
4.3. SOLETRAÇÃO RÍTMICA
A soletração rítmica, assim como a dactilologia, também utiliza o Alfabeto Manual
Brasileiro. A diferença está no ritmo, as letras junto com um determinado ritmo se
transformam em um sinal.
Quadro 2: Soletração Rítmica
4.4. CONFIGURAÇÃO DE MÃOS
A configuração de mãos são todas as formas que as mãos assumem para fazer o sinal,
elas não assumem somente a forma do Alfabeto Manual, existem outras formas que estão no
quadro a seguir:
Quadro 3: Configuração de Mãos
22
4.5. ORIENTAÇÃO ESPACIAL
4.5.1 PONTOS DE ARTICULAÇÃO
Os pontos de articulação ou locação, são os locais utilizados para fazer o sinal, podem
ser no corpo, ou no espaço próximo ao corpo. Geralmente esse espaço se limita aos braços,
tronco e cabeça e os espaços próximos a eles.
4.5.2 MOVIMENTO
Os sinais podem ou não possuir movimento, eles direcionam o sinal no espaço. Os
movimentos são direcionais, apontam para a frente, cima, baixo, lados, além de também
indicar se o sinal será feito em círculo. A alteração desses movimentos também alteram os
sinais, em determinadas situações eles podem indicar a flexão verbal.
4.6. EXPRESSÕES FACIAIS E CORPORAIS
Além dos parâmetros citados acima, a língua de sinais também utiliza expressões
faciais e corporais, eles são importantes marcadores pois dão ênfase no sinal. Essas
expressões podem descrever sentimentos, perguntas, negação e ordens, por exemplo.
5. ISSO NÃO É TUDO! A LÍNGUA TEM QUE ESTAR A SERVIÇO DA CULTURA
5.1 O QUE É CULTURA?
Desde os estudos tradicionais aos mais recentes há conceitos variados sobre o termo
cultura. Alguns termos se limitam à comunicação de massa, comidas típicas, lendas,
vestuário, crenças de um povo, ou manifestações artísticas. A cultura não é algo estático, é
algo construído socialmente, passado de geração em geração, é a dimensão de um processo
social. De acordo com Santos (1983), o desenvolvimento da humanidade está marcado por
contatos e conflitos entre modos diferentes de organizar a vida social, de se apropriar dos
recursos naturais e transformá-los, de conceber a realidade e expressá-la.
Partindo do suposto que cultura é a herança que o grupo social transmite a seus
membros através de aprendizagem e de convivência, percebe-se que cada
geração e sujeito também contribuem para ampliá-la e modifica-la. (STROBEL,
2009, p. 19)
23
Cada cultura é o resultado de uma transformação constante, de uma história particular
e das suas relações com outras culturas. Santos (1983) ressalta também que a cultura é a
dimensão da sociedade que inclui todo o conhecimento num sentido ampliado e todas as
maneiras como esse conhecimento é expresso.
Deve-se levar em consideração a individualidade cultural de cada um dentro do grupo
social, e como essa individualidade se manifesta e contribui para o todo. Baitello Júnior
(1999) caracteriza a cultura como o macrossistema comunicativo que perpassa todas as
manifestações e como tal deve ser compreendido para que se possam compreender assim as
manifestações culturais individualizadas.
Um dos campos de pesquisa na área mais importantes foram os Estudos Culturais,
originado na Inglaterra e logo depois se expandiu para os demais países europeus, Estados
Unidos e América Latina. Os Estudos Culturais buscam entender como a cultura funciona em
meio à diversidade cultural e, segundo Strobel (2009), para o campo de Estudos Culturais a
cultura é uma ferramenta de transformação, de percepção, da forma de ver diferente, não mais
de homogeneidade, mas de vida social constitutiva de jeitos de ser, de fazer, de compreender,
e de explicar.
As relações sociais e a produção de sentido são os meios de viver em sociedade, de
participar e colaborar com a cultura desse grupo social, a partir desses sentidos que
construímos e lidamos com a realidade. Diz Sá que:
O sentido é uma construção social, são empreendimentos das dinâmicas de
relações sociais historicamente datadas e localizadas. A produção de sentidos
não é uma atividade cognitiva intra-individual, é um fenômeno sócio-linguístico,
sustentado pela linguagem. A linguagem, por sua vez, sustenta as práticas sociais
que atravessam o cotidiano gerando sentidos (significados). (2002, p. 45)
A partir da produção de sentido e do uso da linguagem, surge o conceito de práticas
discursivas, que se posiciona enquanto ações situadas e contextualizadas, produzem
significados, constroem versões interpretativas da realidade. (SÁ, 2002, p. 45).
A prática discursiva, nada mais é que a linguagem em ação em meio a cultura. Nas
escolas semióticas soviéticas, alguns semioticistas trouxeram o conceito de texto cultural, que,
diz Baitello Júnior (1999), deve-se entender por “textos de cultura” não apenas aquelas
construções da linguagem verbal, mas também imagens, mitos, rituais, jogos, gestos, contos,
24
ritmos, performances, danças, etc. Partindo desse conceito, deve-se entender toda e qualquer
forma de linguagem como elemento essencial cultural.
A linguagem é o agente fundamental de integração social, é o que nos permite
expressar os signos absorvidos e decodificadoss, e responder à estímulos. Silva cita que:
Segundo Vygosky (1989), é por meio de uma linguagem que o indivíduo
ingressa em uma sociedade, internaliza conhecimento e modos de ação, organiza
e estrutura seu pensamento. Nesse sentido, o signo é considerado fruto da
necessidade de organização social e transforma-se junto com a evolução da
sociedade. (SILVA, 2001, p. 23)
Essa linguagem não nos permite, necessariamente, ter uma participação multicultural,
pois os signos, códigos e linguagens de uma cultura não são compatíveis com outras. Por isso
não basta que dois indivíduos se encontrem para que a palavra ou o signo se constitua. É
necessário que pertençam à mesma comunidade linguística, a um grupo de pessoas com
alguma organização social, ou que formem uma unidade social. (SILVA, 2001, p. 25)
5.2 CULTURA SURDA
Resgatando um dos conceitos de Santos (1983), cultura diz respeito a tudo aquilo que
caracteriza a existência social de um povo ou nação. Considerando todos os aspectos da
realidade social e de existência humana. Segundo Baitello Júnior (1999) a cultura é um
universo simbólico que constitui o conjunto de informações geradas e acumuladas pelo
homem ao longo dos milênios, por meio de sua capacidade imaginativa, ou seja, de
narrativizar aquilo que não está explicitamente encadeado, capacidade de inventar relações, de
criar textos (em qualquer linguagem disponível ao próprio homem, seja ela verbal, visual,
musical, performático-gestual, olfativa). Assim, o conjunto menor dessas associações,
denominado “texto” constitui a unidade mínima da cultura.
A comunidade surda possui a sua própria língua, eles não têm apenas uma fala, mas
uma capacidade de expressar o subjetivo, além de seu próprio artefato cultural. É necessário
entender que embora seja difícil aprender sobre a cultura surda sem estar inserido na
comunidade, ela existe, e foi marcada por muitos anos de luta contra essa linguagem e forma
de perceber e expressar o mundo.
Diz Carlos Skliar que as pessoas que acham dificuldade em entender a
existência de uma cultura surda geralmente são pessoas que pensam que nada há
25
fora de seu “normal”, de sua própria referência cultural, então, entendem a
cultura surda como uma anomalia, um desvio, uma irrelevância. Geralmente
estas pessoas desconhecem os processos e os produtos desta cultura surda:
desconhecem o que os surdos em relação ao teatro, ao brinquedo, à poesia visual,
à literatura em língua de sinais, à tecnologia que utilizam para viverem o
cotidiano, etc. (1998b, p. 28, 29 apud SILVA, 2001, p. 92,93)
Formada não só por surdos, a comunidade surda também abrange os parentes ouvintes,
intérpretes de LIBRAS e profissionais que atuam na área da surdez. Geralmente, encontra-se
essa comunidade em igrejas, escolas e associações onde eles se informam e se integram
socialmente por meio da língua de sinais.
Assim, indivíduos da mesma cultura partilham de um sistema de signos, ou seja,
a mesma língua, permitindo que eles interajam entre si. Essa língua, esses signos,
ou palavras, tem um significado mais ou menos comum para os membros dessa
comunidade, mas teriam sentidos distintos de pessoa para pessoa. (SILVA, 2001,
p. 31)
Os surdos não devem ser conhecidos por sua deficiência ou por não utilizar a língua
portuguesa em sua forma verbal. Eles possuem uma língua complexa e rica em significados, a
ausência da audição os faz se expressarem corporalmente a sua percepção do mundo.
Cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modifica-lo a
fim de se torna-lo acessível e habitável ajustando-o com as suas percepções
visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas e das “almas”
das comunidades surdas. Isto significa que abrange a língua, as ideias, as
crenças, os costumes e os hábitos do povo surdo. (STROBEL, 2009, p. 27)
Os artefatos culturais dos surdos são diversos, o principal é a Língua Brasileira de
Sinais, mas eles possuem artes visuais, literatura surda, política e, também se integra à essa
diversidade, as tecnologias desenvolvidas para melhorar a integração dos surdos na sociedade,
temos por exemplo o TDD, que possibilita a comunicação telefônica aos surdos. Está inserido
aos artefatos culturais a própria língua de sinais e obstáculos cotidianos que os surdos
enfrentam na sociedade majoritariamente ouvinte. Um exemplo claro são piadas em que o
personagem é surdo, artes visuais e teatros relacionais à situações do dia-a-dia como a
dificuldade de interação no ambiente de trabalho.
Ainda hoje, existem suposições equivocadas acerca da cultura dos surdos, embora,
com o reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais, essa realidade tenha mudado, questões
26
como a ausência de cultura ou até mesmo uma mera adaptação cultural dos ouvintes. Strobel
(2009) afirma que o essencial é entendermos que a cultura surda é como algo que penetra na
pele do povo surdo que participa das comunidades surdas, que compartilha algo que tem em
comum, seu conjunto de normas, valores e comportamentos.
Embora a história cultural dos surdos aborde práticas que médicas que os trate apenas
como deficientes e que buscam por “curas” dessa ausência de audição, é necessário olhar que
há muito mais que isso, há uma história longa de luta, incontáveis formas de comunicação que
o corpo utiliza para expressar a subjetividade que é adquirida através dos demais sentidos do
corpo.
A cultura surda é profunda e ampla, ela permeia, mesmo que não a
percebamos, como sopro da vida ao povo surdo com suas
subjetividades e identidades. Podemos senti-la em sua essência nas
comunidades surdas! (STROBEL, 2009, p. 125)
5.3 IMAGINÁRIO SURDO
Além da linguagem, há um campo existente no verbal e no não-verbal, um campo que
é um mobilizador do comportamento social e que possuí significação afetiva: o simbólico.
Esse campo, segundo ECO (1991), é a atividade pela qual o homem explica a complexidade
da experiência, organizando-a em estruturas de conteúdo a que correspondem sistemas de
expressão, o simbólico não só permite ‘nomear’ a experiência mas também organizá-la e,
portanto, constituí-la como tal, tornando-a pensável e comunicável.
De acordo com Laplantine e Trindade (1997) o simbólico se faz presente em toda a
vida social, na situação familiar, econômica, religiosa, política etc. Embora não esgotem todas
as experiências sociais, pois em muitos casos são regidas por signos, os símbolos mobilizam
de maneira afetiva as ações humanas e legitimam essas ações. A vida social, é impossível,
portanto, fora de uma rede simbólica.
As experiências sociais dos surdos, assim como dos ouvintes, são diferentes para cada
pessoa, uma vez que algo ou alguém nunca é percebida da mesma forma porque há
experiências e sentimentos diferentes relacionados ao objeto referente. A realidade percebida
é apenas uma das formas que o objeto tem.
27
Os objetos existem na natureza e na sociedade de determinada forma, as experiências
pessoais e signos já adquiridos que definem como será essa interpretação e a representação
mental desse objeto. De acordo com Laplantine e Trindade (1997), o real é a interpretação que
os homens atribuem à realidade. O real existe a partir das ideias, dos signos e dos símbolos
que são atribuídos à realidade percebida.
O surdo percebe o mundo diferente do ouvinte, começando pela aquisição da
linguagem. A criança ouvinte escuta e tenta reproduzir os sons, a criança surda faz uso da
experiência visual. É extremamente importante que a criança surda tenha acesso aos sinais
convencionados ou icônicos para a interpretação do mundo e para entrar no universo
simbólico.
6. CONCLUSÃO
Conhecida como instrumento que nos permite pensar e dar sentido à realidade, a
linguagem é um sistema de signos. Embora primariamente a linguagem nos remeta ao verbal,
o objeto abordado nesta pesquisa é a língua de sinais, que é uma linguagem não verbal, se
enquadrando em um sistema visual motor. Assim como a linguagem verbal, a língua de sinais
possui um repertório, ou seja, um conjunto de signos que a compõe.
A linguagem é simbólica e se adequa à cultura em que está inserida, a língua de sinais,
por exemplo, é um artefato cultural dos surdos, uma vez que expressa a realidade vivida por
eles, desde a história de aceitação de uma língua que não fosse verbal, às narrativas do dia-adia. A expressão utilizada para que seja possível a difundir a cultura surda são os gestos,
expressões faciais e corporais e os movimentos.
Na LIBRAS, esses sinais são convencionados, de forma que se o movimento for
alterado, seu significado também é alterado. Como exemplo, temos o sinal de esperar e parar,
ambos possuem a mesma configuração de mão em letra “s” e estão no mesmo ponto de
articulação, o pulso. A diferença entre eles é que o sinal de esperar bate três vezes no pulso, e
parar, apenas uma. Segue abaixo:
28
Figura 1: Sinal Esperar
O movimento não interfere somente no significado dos sinais, mas interfere,
principalmente, na relação com o tempo. Segundo a proxêmica, o movimento é a forma que o
indivíduo se comporta em um determinado espaço. A relação entre o tempo e o movimento
está na postura corporal, e acontece em três momentos: no presente, a postura é reta e os
movimentos são feitos apenas com cabeça e membros; no passado, o corpo se projeta para
trás; e no futuro, o corpo é projetado para frente para indicar que algo ainda acontecerá.
Além dos movimentos, a língua de sinais possui outros parâmetros importantes como
as expressões faciais e corporais e as configurações de mãos. Esses parâmetros expressam as
subjetividades do indivíduo. Essa linguagem silenciosa é estudada pela cinésica, na língua de
sinais, a combinação de todos os parâmetros resultam em uma informação completa,
mostrando que apenas o gestual é capaz de produzir sentido e consegue substituir uma
linguagem verbal.
Embora a língua de sinais seja uma língua totalmente independente, é necessário que
contexto da informação seja levado em consideração para uma comunicação eficaz. Existem
sinais que são chamados sinais polissêmicos, esses sinais dependem da composição do
pensamento, da totalidade, dos demais parâmetros. Como exemplo, existe o sinal de “sábado”
e de “laranja”, ambas estão com a configuração de mão em “c”, próximas a boca, abrindo e
fechando. Nesse exemplo, não há alteração do movimento como no anterior, necessitando de
outros sinais para explicá-lo, resultando em um processo de semiose.
Figura 2: Sinal Sábado
29
A percepção da realidade dos surdos é captada, principalmente, pela visão. Essa
experiência visual faz com que alguns sinais utilizados pela comunidade surda sejam
entendíveis pelos ouvintes, pois são sinais convencionados, que remetem à qualidade física do
referente. Segue exemplo do sinal de “casa”:
Figura 3: Sinal de casa
A partir da metodologia empregada de aplicação dos conceitos teóricos da semiótica
na língua brasileira de sinais, o resultado cumpre as expectativas da pesquisa. A língua de
sinais possui um código completo no processo comunicação. O sujeito surdo, por sua vez,
expressa a subjetividade do imaginário da comunidade por meio do corpo, da linguagem não
verbal. Sintoma, em sentido restrito, é o indício de algo que o mantém em ação, e faz parte da
condição humana do ser. A expressão do corpo se torna sintoma de cultura dos surdos, onde
as subjetividades da comunidade estão envoltas.
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