Alternância entre ortodoxia e heterodoxia no pensamento

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Alternância entre ortodoxia e heterodoxia no pensamento econômico
Victoria Echeverría12
1. Introdução
Os gastos públicos com welfare3 nas democracias capitalistas ocidentais
cresceram rapidamente logo após o término da II Guerra Mundial (IIGM) decaindo apenas na
década de 1970.
Fortalecido pela hipótese Keynesiana de que os gastos sociais para provimento
do welfare estimulariam a demanda agregada e até mesmo acabaria com as instabilidades e
flutuações dos ciclos de negócios, a credibilidade na contínua expansão modelou teorias sobre
o Welfare State4 (WS) com relação a sua origem e crescimento5. Apenas com a crise do
petróleo em meados da década de 1970 e subseqüentemente a estagflação é que o consenso
keynesiano foi questionado6 e os governos passaram a aceitar, rapidamente, as doutrinas
monetaristas.7.
A crise econômica derrubou a credibilidade na capacidade dos programas de
welfare em sustentar o crescimento econômico; aqueles ainda convencidos que a
industrialização era o fator predominante na criação do WS agora viam essa mesma variável
que anteriormente explicou a expansão do programa como impedimentos para o crescimento8.
Ao longo da década de 1970 o welfare foi atacado, o neoliberalismo tomava
espaço dentre os burocráticos, políticos e teóricos ortodoxos voltavam à tona do debate
mundial com mais força ao se apoiarem na incapacidade do Estado de evitar uma crise
econômica: alta inflação sem controle e desemprego.
1
Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade de Brasília (UnB). Mestranda do curso de
Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) na
área de concentração Social e Trabalho sob a orientação do Professor Dr. Cláudio Dedecca.
2
Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/4273008806549794
3
Tradução do termo: bem-estar. Conceito do termo: conjunto de políticas sociais pensadas,
elaboradas e implementadas pelo Estado.
4
Sistemas públicos, estatais ou regulados pelo Estado que é o pensador, elaborador e
implementador das políticas sociais destinadas a garantir amplos direitos sociais a todos os cidadãos
5
JANOWITZ Morris. Social Control of the Welfare State. University Chicago Press. Chicago. 1976
6
MYLES John F. State structures and the structure of the welfare state: Comment on Skocpol.
Presented at the Conference of Political Economy, Department of Political Science. University of
Minneapolis. Minneapolis. 1984.
7
GOUGH Ian. The Political Economy of the Welfare State. London: Macmillan. 1979; PIVEN Frances
Fox & CLOWARD Richard. The New Class War. New York: Pantheon. 1982.
8
WILENSKY, Harold, The Welfare State and Equality: Structural and Ideological Roots of Publics
Expenditures. Berkeley, University of California, 1975.
As décadas de 1980 e 1990, conhecidas por décadas neoliberais, trazem o
neoliberalismo como corrente forte, predominante. Porém, deve-se compara o discurso e a
prática. Qual o papel do Estado ao longo dessas duas décadas e primeira metade da primeira
década do século XXI? Qual o desenvolvimento das políticas sociais, principalmente políticas
de proteção social nesse período?
O artigo será desenvolvido em três seções: Expansão do Welfare State e a crise
deste modelo em meados da década de 1970; Período neoliberal; e Crise do neoliberalismo e a
volta do Estado forte. O objetivo é mostrar como essas duas correntes, ortodoxa e heterodoxa,
têm se alternado no mainstream9 do pensamento econômico internacional e, de que forma o
Estado aparece como a única instituição capaz de sustentar a sobrevivência do sistema
capitalista por meio de suas políticas públicas, dentre elas a política social, mais
especificamente, a seguridade social e seu papel.
2. Expansão do Welfare State e a crise deste modelo em meados da década de
1970
Até a IIGM, algumas nações (a Alemanha foi a primeira) implementaram
programas de welfare baseado num modelo de seguro social. Na maioria das nações do
Ocidente os programas nacionais de welfare diferiam pouco, inicialmente, dos tradicionais
sistemas “aliviadores” que proviam um benefício mínimo para diminuir a pobreza dos menos
privilegiados10. Mas na era pós IIGM, os programas sociais se transformaram em sistemas
universais de benefícios mais compreensivos, garantindo aos trabalhadores um padrão
mínimo de subsistência11.
A Inglaterra, por meio do relatório Beveridge (1942), propos um benefício
mínimo nacional para todos os cidadãos, estimulou a legislação para possíveis futuros
benefícios para famílias com crianças, pensão para idosos e seguro de saúde12. A legislação
alemã sobre pensões (1957) continha três programas que cobria a grande maioria da
população ocidental alemã13.
Diferentemente dos países europeus, os Estados Unidos ainda carecem de um
sistema abrangente de welfare nacional. Embora a lei da seguridade social ter sido aprovada
em 1935, apenas a previdência era um programa nacional. Seguro desemprego, seguro por
idade (previdência), assistência aos idosos e a ajuda aos menores dependentes eram todos
programas independente de cada estado da federação o que deixou a determinação dos
critérios de elegibilidade para os estados. O WS dos Estados Unidos não apenas foi menos
generoso do que aqueles implementados na Europa Ocidental, mas, também teve seus
programas divididos: seguro social para a maioria; assistência social para os pobres.
A explicação para a expansão dos programas de welfare é ainda debatida, mas três
fatores se mostram mais proeminentes. Em primeiro lugar o WS se apóia na
9
Pensamento predominante.
HECLO Hugh. Modern Social Politics in Britain and Sweden. New Haven, Conn: Yale University
Press. 1974; PERRIN Guy. Reflections on fifty years of social security. International Labor Review. 99:
249-89. 1969.
11
MYLES John F. The retirement wage in post-war capitalist democracies. Presented at Annual
Meeting of American Sociological Association. San Antonio. 1984.
12
MYLES John F. Old Age in the Welfare State. Boston. Litlle Brown. 1984.
13
TOMASSON Richard F. Government old age pensions under affluence and austerity: West
Germany, Sweden, the Netherlands and the United States. Research in Social Problems and Public
Policy. 3: 217-72. 1984.
10
capacidade/disponibilidades de realocar o excedente econômico. Em segundo lugar, o elevado
nível de desenvolvimento econômico entre 1945 e 1973 tornou possível essa realocação, e,
em terceiro lugar, a centralização do Governo federal, ocorrida durante a mobilização
nacional, tanto na I quanto na IIGM, expandiu a máquina burocrática estatal14.
Nos 25 anos que se seguiram, os princípios econômicos keynesianos substituem a
visão conservadora defensora de políticas monetárias restritivas e cortes no orçamento para
atingir a prosperidade15.
Uma das teorias que evoluiu para explicar o desenvolvimento do WS é chamada
de “a lógica da industrialização”.O argumento principal desta tese, é que todas as nações
industrializadas, independentemente das suas tradições históricas e culturais ou atuais
estruturas políticas e econômicas, tornam-se semelhantes através de um processo evolutivo
resultante do impacto do crescimento econômico e tecnológico no sistema de ocupações
profissionais, ou seja, mudanças na divisão do trabalho e no mercado de trabalho16. Com a
constante evolução da industrialização, novas necessidades de gasto público aparecem dado o
deslocamento de categorias de indivíduos cuja mão-de-obra se torna excedente - os muito
jovens, os idosos, os doentes e as pessoas com deficiência 17. Porque as instituições sociais
tradicionais não conseguem atender às necessidades desses indivíduos vulneráveis, o Estado
se expande mais ou menos automaticamente18. Como Wilensky (1975: xiii) explica,
"crescimento econômico e seus resultados demográficos e burocráticos são as causas do
aparecimento geral do Welfare State".
Os defensores da tese da “lógica da industrialização” reconhecem a
heterogeneidade entre os programas nacionais de welfare. Essa heterogeneidade é atribuída às
variações no excedente econômico, nos níveis do desenvolvimento econômico, na idade dos
programas, na representatividade do Governo e na capacidade do Estado em extrair recursos19.
Formulada num período no qual se acreditava haver uma unidade orgânica entre o
Estado de bem-estar e a economia de mercados industrializados, a teoria da industrialização
teve até a década de 70 uma aparentemente sólida base empírica. A lógica do argumento
reflete o crescimento tanto dos produtos nacionais quanto da expansão dos gastos associados
ao Estado do Bem-Estar Social Keynesiano.
Mudanças nas circunstâncias em meados da década de 1970 – inclusive a inflação
maciça, políticas de preços da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e o
14
JANOWITZ Morris. Social Control of the Welfare State. University Chicago Press. Chicago. 1976.
MARWICK Arthur. Britain in the Century of Total War: War, Peace and Social Change 1900-1967.
Boston: Little Brown. 1968; TITMUSS, Richard. M., ‘Essays on “the Welfare State”’. Surrey. Unwin
Brothers. 1963.
16
KERR Clark, DUNLOP John Thomas, HARBISON Frederick Harris, MYERS Charles Andrew.
Industrialism and Industrial Man: The Problems of Labor and Management in Economic Growth. New
York: Oxford University Press. 1964.
17
FORM William. Comparative industrial sociology and the convergence hypothesis. Annual Review of
Sociology. 5:1-25. 1979; PAMPEL Fred C. & WEISS Jane A. Economic development, pension
policies, and the labor force participation of aged males: A cross-national, longitudinal analysis.
American Journal Sociology. 89: 350-72. 1983.
18
WILENSKY, Harold, The Welfare State and Equality: Structural and Ideological Roots of Publics
Expenditures. Berkeley, University of California, 1975.
19
FLORA Peter & ALBERS Jens. Modernization, democratization and the development of welfare
states in Western Europe. In FLORA Peter., HEIDENHEIMER Arnold. The development of Welfare
State in Europe and America. Transaction Books. 1982.
15
colapso das relações diplomáticas – sinalizava o fim do consenso Keynesiano20. Parecia que
os gastos do governo não eram capazes de conseguir um equilíbrio entre o desemprego e a
inflação. Pela primeira vez desde a depressão, elevadas taxas de desemprego e inflação, sem
precedentes persistiam, e o Governo, aparentemente impotente para exercer algum controle
sobre essa situação21. Economistas conservadores e neo-marxistas concordavam que o frágil
compromisso entre capitalismo e democracia, forjado pelo Estado de Bem-Estar Social
Keynesiano, tivesse sido rompido e que benefícios sociais tinham-se tornado um entrave para
a economia. Surgiu, então, a oportunidade que os liberais esperavam desde meados da década
de 1940.
3. Período neoliberal
O neoliberalismo nasceu logo depois da IIGM, nos principais países do mundo do
capitalismo desenvolvido.
Nasceu como reação teórica e política ao modelo de
desenvolvimento baseado na intervenção estatal que passou a se constituir na principal força
estruturadora do processo de acumulação de capital e de desenvolvimento social22. Ao
considerar a intervenção estatal como a principal crise do sistema capitalista de produção, os
neoliberais passaram a atacar qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do
Estado, considerando esta limitação uma ameaça à liberdade econômica e política23.
Assim, os neoliberais retomam a tese clássica de que o mercado é a única
instituição capaz de coordenar racionalmente quaisquer problemas sociais, sejam eles de
natureza econômica ou política. Daí o intuito da teoria neoliberal em mostrar o mercado como
um mecanismo insuperável para estruturar e coordenar as decisões de produção e
investimento sociais24. Conseqüentemente, mecanismo indispensável para solucionar os
problemas de emprego e renda na sociedade.
Apesar de o neoliberalismo ter surgido como uma reação localizada
(principalmente nos países de capitalismo desenvolvido) ao Estado intervencionista e de bemestar, ele nasce como um fenômeno de alcance mundial. Depois da IIGM, assiste-se a um
processo crescente de sincronização internacional do ciclo industrial25. Esse processo alcança
seu ápice com a mundialização dos circuitos financeiros, que criam um único mercado de
dinheiro, virtualmente livre de qualquer ação de governos nacionais26. Assim sendo, a
transnacionalização do sistema capitalista de produção representava a morte do Estado, isto é,
seu poder de fazer políticas econômicas e sociais de forma autônoma e soberana. O programa
de ação neoliberal, que é fazer do mercado a única instância a partir da qual todos os
20
MYLES John F. State structures and the structure of the welfare state: Comment on Skocpol.
Presented at the Conference of Political Economy, Department of Political Science. University of
Minneapolis. Minneapolis. 1984; OFFE Claus. Contradictions of the Welfare State. Cambridge Mass.
MIT Press. 1984.
21
OFFE Claus. Contradictions of the Welfare State. Cambridge Mass. MIT Press. 1984; PIVEN
Frances Fox & CLOWARD Richard. Regulating the Poor: The Functions of Public Welfare. New York:
Random. 1971.
22
ANDERSON Perry. Balanço do neoliberalismo. In: Sader, Emir & Gentili, Pablo (orgs.). Pósneoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro, Paz e terra, 1995
23
Ibid.
24
OLIVEIRA Manfredo Araújo de. Ética e economia. São Paulo, Ática, 1995
25
MANDEL Ernest. A crise do capital: os fatos e sua interpretação marxista. São Paulo, Ensaio,
1990
26
MOFFITT Michel. O dinheiro do mundo: de Bretton Woods à beira da insolvência. Rio de Janeiro,
Paz e terra, 1984
problemas podem ser resolvidos, torna-se - inicialmente na década de 1970, fortemente na
década de 1980 e avassaladoramente na década de 1990 - um credo mundial que deve ser
abraçado por qualquer país.
3.1. Origens do neoliberalismo
Seu texto de origem é O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek, escrito em
1944. O texto advoga contra qualquer limitação, por parte do Estado, dos mecanismos de
mercado. Limitações consideradas uma ameaça à liberdade, não somente econômica, mas
também política. A mensagem de Hayek é drástica: "Apesar de suas boas intenções, a
socialdemocracia moderada inglesa conduz ao mesmo desastre que o nazismo alemão – uma
servidão moderna"27.
Enquanto as bases do WS na Europa do pós-guerra se construíam, em 1947,
Hayek convocou aqueles que compartilhavam de suas idéias para uma reunião em Mont
Pèlerin, na Suíça, onde se fundou a Sociedade de Mont Pèlerin. Seu objetivo era combater o
keynesianismo que tomava conta das economias desenvolvidas e o ‘solidarismo’ e preparar as
bases de um outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras para o futuro. As condições para
isto não eram favoráveis (...) uma vez que o capitalismo avançado estava entrando numa
longa fase de auge sem precedentes – sua idade de ouro –, apresentando o crescimento mais
rápido da história, durante as décadas de 50 e 6028.
Por isto, pelo auge sem precedentes, os avisos neoliberais não conseguiam
credibilidade. Já a polêmica contra a regulação social teve uma repercussão um pouco maior.
Hayek e seus seguidores argumentavam que
(...) o novo igualitarismo (muito relativo, bem entendido)
deste período, promovido pelo Estado de bem-estar, destruía a
liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, da qual
dependia a prosperidade de todos. Desafiando o consenso oficial da
época, eles argumentavam que a desigualdade era um valor positivo –
na realidade imprescindível em si –, pois disso precisavam as
sociedades ocidentais29.
27
HAYEK Friedrich August von. O caminho da servidão. Tradução e revisão Anna Maria Capovilla,
José Ítalo Stelle e Liane de Morais Ribeiro. — 5. ed. — Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990. 221 p.
28
ANDERSON Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir & GENTILI, Pablo (orgs.) Pósneoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, pp. 0923.
29
Ibid.
3.2. Crise do welfare state e ressurreição neoliberal
A "economia política da social-democracia”30 nasce a partir da crise do padrão
fordista de acumulação de capital e tem como preocupação básica descrever as características
desse modelo, o seu desenvolvimento e a sua crise. Este modelo ou padrão de acumulação
tinha como base um processo de produção em massa, dirigido a um público consumidor
passivo e ávido de consumo (consumismo este abraçado pelas demais culturas mundiais).
A distribuição da riqueza se fazia por meio de acordos coletivos, segundo os
quais, o capital e o trabalho acordavam em elevar ao máximo a produtividade e a intensidade
do trabalho, em troca de salários e lucros crescentes. As entidades representativas de classes partidos políticos de massa e sindicatos com grandes estruturas corporativistas - eram a base
sobre a qual se desenvolvia a luta pela distribuição da riqueza social. Para garantir o
cumprimento dos acordos, era imprescindível a presença mediadora do Estado, cuja
legitimação era assegurada, por um lado, mediante uma política de subsídios à acumulação de
capital e, por outro, através de uma política de bem-estar social, fundada em medidas
compensatórias: seguro-desemprego, transporte subsidiado, educação e saúde gratuitas, entre
outras coisas.
A chegada da grande crise do modelo econômico do pós-guerra, em 1973, quando
todo o mundo capitalista avançado entrou em recessão, combinando, pela primeira vez, baixas
taxas de crescimento com altas taxas de inflação, tudo mudou.
Assiste-se, a partir de então, o desgaste progressivo e crescente do compromisso
entre capital e trabalho, da chamada "relação salarial fordista". Lutas operárias contestando a
organização do trabalho, reivindicações de salários reais acima dos ganhos de produtividade,
a crise fiscal do Estado, instabilidade financeira, inflação etc., tudo isso cortou o círculo
virtuoso de crescimento e de desenvolvimento social, jogando a economia em uma crise
estrutural.
30
A expressão "economia política da social-democracia" foi cunhada pelo professor Francisco
de Oliveira, em um artigo publicado na Revista da USP, n. 17, mar/abr./maio 1993, que tem
como titulo esta mesma expressão. Porém, cabe ressaltar que no presente trabalho esta
expressão se refere à teoria da regulação, que nasce, precisamente, como resposta ao modelo
neoliberal de desregulação da economia. De acordo com Boyer, “uma tarefa específica
apresenta-se ao economista: caracterizar com exatidão as razões que explicam esta sucessão
de diferentes fases de expansão e flutuações conjunturais moderadas e depois de estagnação e
de instabilidade. Assim, as duas últimas décadas seriam marcadas pela crise do modo de
regulação monopolista ou de administrado, que teria possibilitado a superação da crise de
1929. Portanto - e esta é uma das originalidades das análises em temos de regulação - os
problemas de política econômica de saída da crise não podem ser discutidos no abstrato, ou
seja, independentemente do conjunto de formas institucionais vigentes, Por outro lado, a
questão não se coloca mais tanto em termos do acerto da política conjuntural, mas da
emergência de um modo de regulação adequado, processo no qual o Estado pode tentar
participar, menos direto do que indiretamente". (Boyer, Robert. A teoria da regulação: uma
análise crítica. São Paulo, Nobel, 1990. p. 37) Segue-se dai que a preocupação básica da
Escola da Regulação é encontrar novas formas de regulação, para retirar a economia da crise.
Cabe ressaltar que não é objetivo do presente trabalho adentrar na teoria da regulação.
A partir daí as idéias neoliberais passaram a ganhar terreno. Segundo os
neoliberais, o poder excessivo dos sindicatos destruiu os níveis necessários de lucros das
empresas e desencadearam processos inflacionários que levaram à uma crise generalizada das
economias de mercado.
A solução, segundo eles, era óbvia: manter um Estado forte na sua capacidade de
extinguir o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, porém mínimo em todos os gastos
sociais e nas intervenções econômicas. Além disso, defendiam que a estabilidade monetária
deveria ser a meta suprema de qualquer governo e para isso seria necessária uma disciplina
orçamentária, com a contenção dos gastos com bem-estar, e a restauração da taxa "natural" de
desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva de trabalho para quebrar os
sindicatos. Além disso, reformas fiscais eram imprescindíveis, para incentivar os agentes
econômicos. Assim,
(...) uma nova e saudável desigualdade iria voltar a
dinamizar as economias avançadas, então às voltas com uma
estagflação, resultado direto dos legados combinados de Keynes e de
Beveridge, ou seja, a intervenção anticíclica e a redistribuição social,
as quais haviam tão desastrosamente deformado o curso normal da
acumulação e do livre mercado. O crescimento retornaria quando a
estabilidade monetária e os incentivos essenciais houvessem sido
restituídos31.
Essa crise foi enfrentada por meio de um processo de reestruturação produtiva,
acompanhado de novas tecnologias, permitindo produção flexível capaz de satisfazer as novas
exigências do mercado e, assim, criar condições para que a oferta de bens e serviços possa
acompanhar as mudanças de hábitos no consumo. Para isto, as empresas reestruturaram sua
organização produtiva. As empresas buscam uma estrutura mais enxuta, mais flexível, capaz
de responder aos movimentos de mudanças na composição da demanda.
Essa reestruturação do processo de produção de mercadorias, de seus elementos
técnicos, passou a exigir uma nova forma de contratação e gerenciamento da força de
trabalho. As empresas querem, hoje, um trabalhador que não seja mais um “apertador de
parafusos” - como Charles Chaplin mostra no filme Tempos Modernos - mas sim um
indivíduo capaz de contribuir para melhorar a qualidade do produto, que pense e tenha
iniciativa própria, que seja capaz de mudar, com facilidade e precisão, de uma atividade para
outra, que seja capaz de vender, de produzir, de consertar os defeitos da máquina, de limpar o
chão, de dar e receber ordens. Ou seja, as empresas querem um trabalhador particular que
incorpore as forças de trabalhador coletivo, antes divididas entre diversos trabalhadores
singulares.
É nesse contexto de reestruturação produtiva que os neoliberais encontram
munição para difundir sua doutrina e seus programas de política econômica. A crise do
modelo de acumulação fordista, cuja superação aponta para novas formas de produção, onde a
flexibilização da produção e das relações entre capital e trabalho passam a ser perseguidas por
todas as empresas, cria as condições propícias para se direcionar para um novo possível modo
de regulação, no qual o mercado poderá vir a se tornar dominante:
31
Ibid.
A saturação dos mercados de massa leva a uma crescente
diferenciação dos produtos, com uma nova ênfase no estilo e/ou na
qualidade. Produtos mais diferenciados exigem turnos de trabalho
mais curtos, e portanto unidades de produção menores e mais
flexíveis. Novas tecnologias fornecem os meios pelos quais se pode
realizar vantajosamente essa produção flexível. Entretanto, estas
novas formas de produção têm implicações profundas. Uma produção
mais flexível requer máquinas mais flexíveis e de finalidades
genéricas, e mais operários 64 polivalentes", altamente qualificados,
para operá-las. Uma maior qualificação e flexibilidade exige que os
operários tenham um grau mais alto de responsabilidade e autonomia.
Uma produção mais flexível também requer formas mais flexíveis de
controle de produção, ao passo que relações de produção mais
flexíveis requerem o desmantelamento das burocracias corporativas.
Os interesses de uma força de trabalho mais diferenciada não podem
ser eficazmente representados por sindicatos e partidos políticos
fordistas, monolíticos e burocráticos. São necessários acordos
descentralizados para negociar sistemas de pagamentos mais
complexos individualizados, que recompensam a qualificação e a
iniciativa. A diferenciação do trabalhador de massa leva ao
surgimento de novas identidades que não são mais definidas
ocupacionalmente, mas sim articuladas no consumo idiossincrático,
em novos estilos de vida e novas formas culturais, que reforçam a
demanda por produtos mais diferenciados. Tudo isso vai corroendo
as velhas identidades políticas. As necessidades de bem estar, saúde,
educação e treinamento de uma força de trabalho diferenciada que
não podem mais ser satisfeitas por um Welfare State burocrático e
padronizado, mas apenas por instituições diferenciadas, capazes de
responder de maneira flexível às necessidades individuais32.
A hegemonia deste programa levou mais ou menos uma década, os anos 70, para
se estabelecer enquanto a maioria dos governos da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) tratava de aplicar remédios keynesianos às crises
econômicas.
3.3. (Tentativa de) Avaliação do neoliberalismo
A prioridade mais imediata do neoliberalismo era deter a grande inflação dos anos
70. Nesse aspecto, seu êxito foi inegável. No conjunto dos países da OCDE, segundo dados
desta instituição, observa-se o início do aumento da taxa de inflação na primeira metade de
década de 1970, atingindo 14,3% em 1974 e alcançando seu ápice em 1980. A inflação caiu
ao longo dessa década, mantendo a tendência de queda nos anos 1990 atingindo 3,6% em
1999.
Já a taxa média de desemprego nos países da OCDE ficou em torno de 4% nos
anos de 1970; em torno de 7,1% na década de 1980; se manteve em torno desta média na
década de 1990 e caiu para 5% na primeira década do século XXI. O grau de desigualdade,
ainda segundo dados da OCDE, aumentou no conjunto dos países.
32
CLARKE Simon. Crise do fordismo ou crise da social democracia, Lua No)va, n. 24, p 120,
CEDEC, 1991
Todas estas medidas foram concebidas como meios para reanimar o sistema
capitalista avançado mundial, restaurando taxas altas de crescimento estáveis, como existiam
antes da crise dos anos 1970.
Depois do início da crise em 1974 as taxas de crescimento não voltaram aos
patamares anteriores. A média de crescimento da OCDE caiu a cada década atingindo 4,23%
na década de 1970, 3,10% na década de 1980, 2,84% na década de 1990 e 2,5% na década de
2000 até 2007 (OCDE).
A desregulamentação financeira, elemento importante do programa neoliberal,
criou condições propícias para a inversão especulativa. Durante os anos 80 aconteceu uma
verdadeira explosão dos mercados de câmbio internacionais, com transações puramente
monetárias provocando, na década de 1990, um ‘descolamento’ entre as esferas financeiras e
produtiva, o que culminou na crise que se iniciou em 2007.
Por outro lado – e segundo Perry Anderson este foi o fracasso do neoliberalismo
–, o peso do Estado de bem-estar não diminuiu, apesar de todas as medidas tomadas para
conter os gastos sociais. O gasto público nos países da OCDE aumentaram desde 1980
(OCDE) até o presente momento concomitantemente ao aumento da arrecadação.
Apesar do discurso neoliberal, observa-se aumento no gasto público que, segundo
Perry Anderson, é devido, principalmente ao aumento dos gastos sociais com o desemprego,
que custaram bilhões ao Estado, e o aumento demográfico dos aposentados na população, que
levou o Estado a gastar outros bilhões em aposentadorias. Segundo dados da OCDE, o gasto
público (em porcentagem do PIB) com desemprego sofreu ligeira queda na segunda metade
dos anos 90, mas se recuperou em seguida voltando a cair somente na primeira metade dos
anos 2000, porém não atingindo valores consideravelmente abaixo dos que constavam nos
meados da década de 1980. Já os gastos com aposentadoria por idade têm aumentado
constantemente.
Em 1991 o capitalismo avançado entrou de novo em recessão.
A dívida pública de quase todos os países ocidentais
começou a reassumir dimensões alarmantes, inclusive na Inglaterra e
nos Estados Unidos, enquanto que o endividamento privado das
famílias e das empresas chegava a níveis sem precedentes desde a II
Guerra Mundial33.
Com a recessão dos primeiros anos da década de 1990, os principais índices
econômicos tornaram-se fonte de preocupação nos países da OCDE. Nestas condições de
crise, o esperado seria a reação contra o neoliberalismo nos anos 1990, mas isso não ocorreu:
(...) o neoliberalismo ganhou um segundo alento, pelo
menos em sua terra natal, a Europa. Não somente o thatcherismo
sobreviveu à própria Thatcher, com a vitória de Major nas eleições de
1992 na Inglaterra. Na Suécia, a social-democracia, que havia
resistido ao avanço neoliberal nos anos 80, foi derrotada por uma
frente unida de direita em 1991. O socialismo francês saiu bastante
33
Ibid.
desgastado das eleições de 1993. Na Itália, Berlusconi – uma espécie
de Reagan italiano – chegou ao poder à frente de uma coalizão na
qual um dos integrantes era um partido oficialmente fascista até
recentemente. Na Alemanha, o governo de Kohl provavelmente
continuará no poder. Na Espanha, a direita está às portas do poder34.
O dinamismo do projeto neoliberal continuou na onda de privatizações em países
até então bastante resistentes, como Alemanha, Áustria e Itália. Uma das razões para a não
existência de reações anti-neoliberais foi a queda do regime soviético na União Soviética e
Europa Oriental entre 1989 e 1991. O colapso do socialismo real na União Soviética e Europa
Oriental se passou como a vitória do capitalismo neoliberal:
Os novos arquitetos das economias pós-comunistas no
Leste, gente como Balcerovicz na Polônia, Gaidar na Rússia, Klaus,
na República Tcheca, eram e são seguidores convictos de Hayek e
Friedman, com um menosprezo total pelo keynesianismo e pelo
Estado de bem-estar, pela economia mista e, em geral, por todo o
modelo dominante do capitalismo ocidental do período pós-guerra35.
A vitória do neoliberalismo no centro do capitalismo teve repercussões tardias na
América Latina que, em meados da década de 1990 se transforma no grande campo das
experimentações neoliberais. Apesar de o neoliberalismo ter tomado conta da América Latina
apenas em meados da década de 1990, não se pode deixar de mencionar a experiência chilena,
sob a ditadura de Pinochet, que foi a primeira experiência neoliberal sistemática do mundo.
Aquele regime tem a honra de ter sido o verdadeiro
pioneiro do ciclo neoliberal da história contemporânea. (...) O
neoliberalismo chileno, bem entendido, pressupunha a abolição da
democracia e a instalação de uma das mais cruéis ditaduras militares
do pós-guerra. Mas a democracia em si mesma – como explicava
incansavelmente Hayek – jamais havia sido um valor central do
neoliberalismo. A liberdade e a democracia, explicava Hayek,
podiam facilmente tornar-se incompatíveis, se a maioria democrática
decidisse interferir com os direitos incondicionais de cada agente
econômico de dispor de sua renda e de sua propriedade como
quisesse. Nesse sentido, Friedman e Hayek podiam olhar com
admiração a experiência chilena, sem nenhuma inconsistência
intelectual ou compromisso de seus princípios.36
Até a primeira metade da primeira década do século XXI, podia-se dizer que,
economicamente, o neoliberalismo fracassou não conseguindo nenhuma revitalização
capitalismo avançado, mas socialmente o neoliberalismo conseguiu muitos dos seus objetivos,
criando sociedades marcadamente mais desiguais, embora não tão desestatizadas como
queria. Porém, política e ideologicamente, o neoliberalismo conseguiu disseminar a simples
idéia de que não há alternativas para os seus princípios, que todos, sejam neoliberais ou não,
ortodoxos ou heterodoxos, têm de adaptar-se a suas normas.
34
Ibid.
Ibid.
36
Ibid.
35
Provavelmente nenhuma sabedoria convencional conseguiu um predomínio tão
abrangente desde o início do século como o neoliberal37. Isto é hegemonia, mesmo que,
naturalmente, milhões de pessoas não acreditem em suas receitas e resistam a seus regimes.
Mas, parece que a crise – que teve seu estopim em 2007 – mostrou que pode sim haver
alternativa, que, na verdade se mostrou a volta à uma alternativa antiga: o Estado forte.
4. Crise do neoliberalismo e a volta do Estado forte
O modelo neoliberal foi exportado para a periferia capitalista: a estratégia de
crescimento "ideal" para todas as economias emergentes foi o que fortaleceu a idéia de
‘Estado mínimo’ e governança corporativa. Nem mesmo as crises no México, na Argentina,
Tailândia, Indonésia e Rússia foram o suficiente para que o modelo neoliberal entrasse em
crise. Mas a crise financeira de 2007 sim: em reação à esta, muitos governos — liderado pelos
Estados Unidos — estão adotando pacotes de estímulo econômico e tendo um papel central na
promoção de estratégias de crescimento econômico. Esta re-emergência do capitalismo de
Estado nada mais é do que um investimento ao paradigma anterior, do Estado forte. O que se
começa a evidenciar é a necessidade de um novo caminho de crescimento para os Estados
Unidos – e o mundo -, no qual o Estado tem um papel significativo.
Em 2007 se referia à atual crise como “crise do subprime americano” enquanto
esta era a área onde surgiam as primeiras dificuldades. Porém o tempo mostrou que o setor de
hipotecas era apenas a ponta do iceberg. Hoje, a “Lehman crisis” - de meados de Setembro de
2008 - ainda é vista como o erro crítico que levou os Estados Unidos e o restante do mundo à
crise. Mas parece que a “Lehman crisis” pode ter sido apenas o desencadeamento de uma
implosão de estruturas financeiras construídas de forma a atingir, inevitavelmente, à queda.
Ou seja, parece que a “Lehman crisis” foi apenas o estopim de uma crise que demonstra a
incapacidade do mercado de manter o funcionamento da economia sem intervenção do
Estado. Seria então uma crise de regulação?
4.1. O resultado da globalização: volta do Estado forte?
Em sua essência econômica, globalização se tratava de instituições
governamentais ocultadas por empresas multinacionais, agindo para maximizar o lucro em
apoio dos acionistas. Governos teriam o papel de apenas reguladores (a criação das agências
reguladoras brasileiras na década de 1990 é o mais forte sintoma desse papel). Num mundo
globalizado, Estado mínimo é sinônimo de um bom governo. O mundo estava adotando um
modelo econômico neoliberal universal e o risco político foi sendo atenuado já que as
economias emergentes representavam apenas "ramificações” de Washington.
Essa é a filosofia do chamado "consenso de Washington," que tem dominado a
política econômica, especialmente nos EUA, nos últimos 25 anos. Até a crise de 2007. Com
esta, vê-se que o Estado voltou para socorrer o mercado e o paradigma do Estado forte e
presente voltou com força.
Crédito livre para todos não impediu que trabalhadores acumulassem dívidas,
perdessem benefícios de assistência médica, pensões e postos de trabalho. Em vez disso,
resultou na propagação de níveis cada vez maiores de instabilidade financeira. O que se
37
Ibid.
defende agora, então, é que para salvar os Estado Unidos — na verdade, a economia mundial
como um todo — o saldo do setor público/privado tem de mudar, o modelo econômico em
que o país foi baseado no último trimestre do século passado deve ser modificado e o papel do
Estado precisa ser recuperado e fortalecido.
Em reação à crise financeira, governos em todo o mundo — liderado pelos
Estados Unidos — elaboram pacotes de estímulo econômico maciço e desempenham um
papel mais centralizado na promoção de estratégias de crescimento econômico. Na verdade, o
capitalismo de Estado, ou o Estado forte e presente, não é novidade; foi esse o padrão que
forneceu as bases para o bem-sucedido desenvolvimento econômico nas década de 1950 e
1960, por exemplo, mesmo nos países tradicionalmente entendidos como "liberais". O
relançamento de hoje do Estado intervencionista constitui um antigo paradigma de
investimento.
Em suma, os defensores do consenso de Washington consistentemente
argumentaram que o "sucesso" das reformas econômicas neoliberais e da globalização apoiou
a proposta que liberalizar os mercados é a melhor maneira de organizar economias,
desenvolvidas ou em desenvolvimento
Com a quebra de 2008, é inegável que a economia estadunidense "foi construída
sobre uma miragem financeira"38. O crescimento dos Estados Unidos dependia de
empréstimos dos bancos centrais estrangeiros para financiar o desequilíbrio da balança
comercial dos Estados Unidos, constantemente abrindo um rombo no seu setor de manufatura
enquanto Washington afirmava a primazia do capitalismo financeiro. E a verdade, segundo
Kuttner39, é que Washington nunca comprou totalmente a idéia do consenso de Washington.
4.2. Resposta à crise: fortalecimento do papel da seguridade social?
Mesmo antes da atual crise econômica, os sistemas de seguridade social estavam
sob pressão política e econômica principalmente por serem acusados de altos gastos públicos.
Nos países industrializados, o custo foi considerado elevado e em muitos países
subdesenvolvidos foram considerados inacessíveis. A atual crise mudou percepções. Sistemas
de seguridade social são vistos cada vez mais como estabilizadores econômicos úteis em
tempos de crise. Michael Cichon, Diretor do Departamento de Seguridade Social da OIT, vê a
seguridade social como forma de responder à crise e talvez o nascer de um novo paradigma de
desenvolvimento40.
Segundo a OIT, a atual crise econômica e social em curso representa uma ameaça
para o bem-estar de milhões de pessoas na economia global. Nos próximos anos, espera-se
que milhões de pessoas percam seus postos de trabalho e aumentem o número de indivíduos
pobres.
Ainda segundo a OIT41, para a maioria das pessoas, a existência de uma crise não
é novidade já que 40% da população mundial vive com menos de US$2 per capita por dia.
38
KUTTNER Robert “Will Barack Obama Commit Industrial Policy?” The Huffington Post,
December 21. 2008.
39
Ibid
40
Tripartite Meeting of Experts on Strategies for the Extension of Social Security Coverage. Extending
Social Security to All. A review of challenges, present practice and strategic options. Draft for
discussion. Geneva, 2-4 September 2009. International Labor Office (ILO).
41
Ibid.
Milhões de crianças morrem antes dos cinco anos de idade porque seus pais não podem
fornecer nutrição adequada ou cuidados de saúde. Centenas de milhões de trabalhadores não
têm rendimento suficiente para dar suporte a família e milhões de pessoas idosas trabalham
até serem ‘descartados’ porque não há nenhuma pensão ou qualquer assistência social à sua
disposição. A seguridade social é a forma mais rápida de combate a pobreza. Portanto, o que
se necessita hoje são medidas e instrumentos que tenham como foco o social, independente da
crise atual.
Durante décadas, os programas de seguridade social na União Européia (UE) e
nos países da OCDE têm sido eficazes na redução da pobreza e desigualdade de renda. Em
geral, quanto maior a taxa de despesas sociais, mais baixa a taxa de pobreza. Sistemas de
seguridade social não apenas respondem às necessidades sociais, mas também são uma
necessidade econômica. Uma nova compreensão da importância da seguridade social como
um pré-requisito para o crescimento, em vez de um fardo para a sociedade já estava sendo,
antes da crise, de forma ainda inicial, debatida dentre as políticas de desenvolvimento. No
entanto, a crise agiu como um catalisador do debate de seguridade social.
Em tempos de crise, as transferências de renda atuam como estabilizadores
econômicos e sociais. Os benefícios não apenas evitam que o número de pessoas pobres
aumente, mas também limitam a contração da demanda agregada restringindo a potencial
profundidade da recessão. Este papel estabilizador dos programas de seguridade social é
aceito pela maioria dos governos atualmente. Os países industrializados têm implementado
pacotes de estímulo com o objetivo de resolver o problema do desemprego crescente e da
vulnerabilidade social dos seus cidadãos por meio de programas de seguridade social. As
principais medidas tomadas incluem seguro-desemprego mais elevado e flexível, aumento das
transferências sociais às famílias vulneráveis e financiamento adicional para a extensão da
cobertura da seguridade social em outros programas.
A maioria dos governos tem utilizado os já existentes programas de transferência
de renda para responder ao aumento da necessidade, por parte dos cidadãos, em decorrência
da crise, o que demonstra o quão importante são os sistemas de proteção social permanente. O
relatório da OIT42 constatou que os efeitos sob o emprego/desemprego dos programas de
seguridade social por meio da estabilização da demanda agregada foram/estão sendo
provavelmente tão importantes quanto o efeito dos pacotes direcionados exclusivamente para
estimular o emprego.
5. Considerações finais
O objetivo deste trabalho foi analisar a alternância entre ortodoxia e heterodoxia
no pensamento econômico mundial ao longo do século XX e, dessa forma, analisar o papel do
Estado em momentos de crise como a atual. O tema foi escolhido principalmente por se tornar
um tema de necessária abordagem num momento em que as economias, principalmente as
capitalistas avançadas, se encontram em crise e utilizam as políticas públicas como forma de
combate àquela.
42
Protecting people, promoting Jobs. A survey of country employment and social protection policy
responses to the global economic crisis. An ILO report to the G20 Leaders’ Summit. Pittsburgh, 24-25
September 2009. INTERNATIONAL LABOUR OFFICE GENEVA (ILO), SEPTEMBER 2009.
Foi apresentado a alternância histórica entre os paradigmas teóricos ortodoxos
heterodoxos com o objetivo de explicitar como o Estado se coloca – sempre – como o ator
capitalista mais forte. Para isso foi feito um panorama histórico a partir da expansão do
Welfare State, passando pela crise deste modelo em meados da década de 1970 e o triunfo
neoliberal. Ao tratar do período neoliberal, recorre-se às origens do neoliberalismo, a crise do
welfare state e ressurreição neoliberal e até mesmo a ousada tentativa avaliação do
neoliberalismo.
Finalmente atinge-se o período atual com a crise iniciada em 2007 e as formas de
responder à esta crise, ou seja, a importância da seguridade social para a recuperação das
nações já num contexto de Estado forte interventor. A única forma de o capitalismo não xxx
nas suas intrínsecas contradições é ter um Estado forte interventor para ‘domá-lo’ e um dos
instrumentos mais eficaz é a política social, tanto num contexto de Estado de Bem-Estar
Social como em países onde esse modelo não se configurou completamente como Brasil, pois
essa é a única maneira de haver um mínimo de justiça social, o que leva, inevitavelmente, à
aliviar as tensões que, poderiam levar à busca por uma ruptura.
Vê-se, portanto, que, independente do debate que se travava com relação ao papel
do Estado, este nunca foi realmente mínimo nas economias capitalistas avançadas, como
Estados Unidos que sempre tiveram fortes políticas públicas interna e externa. O nível de
intervenção estatal variou ao longo das décadas do século XX, porém sempre foi presente.
A atual crise mudou percepções sobre sistemas de seguridade social que estão
sendo vistos cada vez mais como estabilizadores econômicos úteis em tempos de crise.
Estado presente, com políticas sociais – em especial a seguridade social – se
mostra, portanto, como mecanismo de perpetuação do sistema capitalista, sendo assim, de
grande importância na agenda dos governos. Cabe, então, o engajamento na elaboração e
implementação destas políticas com a consciência de que, o papel destas até o momento é o
de aliviar as tensões do sistema capitalista. Existe, portanto, a tarefa de tentar reorganizar a
forma como é utilizada a política social e construir meios de utilizar essa ferramenta
capitalista contra este sistema.
Alternância entre ortodoxia e heterodoxia no pensamento econômico
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