1 Comportamento respondente Jan Luiz Leonardi Yara Nico Assuntos do capítulo > O comportamento respondente ou reflexo. > O condicionamento respondente. > Estímulos e respostas incondicionais e condicionais. > Características das relações respondentes: limiar, latência, duração e magnitude. > Extinção respondente. > Abuso de substâncias. Este capítulo apresenta o conceito de compor‑ tamento respondente – ou reflexo – e seu processo de condicionamento. De início, é importante observar que o interesse de clínicos analítico­‑comportamentais pelo estudo das relações respondentes pode vir a ser restrito, na medida em que estas se referem apenas a instâncias comportamentais de cunho fisiológico responsáveis pela adaptação do organismo a mudanças no ambiente (Skinner, 1953/ 1965). Todavia, o entendimento dos processos respondentes é fundamental para a compreensão do comportamento humano. Embora reconheça que tais processos representam somente uma pequena parcela do repertório da maioria dos organismos e que é o comportamento operante1 que deve ser o objeto de estudo da psicologia, Skinner (1938/1991, 1953/1965) defende que ignorar o princípio do reflexo seria um equívoco. Além disso, ainda que o comportamento Borges.indd 18 respondente e o comportamento operante sejam facilmente discerníveis no âmbito teórico, o mesmo não é verdadeiro na análise de qualquer situação concreta, seja ela experimental ou aplicada, sobretudo porque processos respondentes e operantes ocorrem concomitantemente (Allan, 1998; Schwartz e Robbins, 1995). Portanto, para produzir uma explicação completa de qualquer comportamento, é essencial examinar como contingências respondentes interagem com contingências operantes. Nesse sentido, O conhecimento so‑ o conhecimento sobre o respondente é bre o respondente é imprescindível para imprescindível para a a compreensão tanto da origem quanto compreensão tanto do tratamento de da origem quanto do diversos fenômenos tratamento de diverclínicos. sos fenômenos clínicos (Kehoe e Macrae, 1998). Dentre eles, destacam­‑se a dependência química (Benve- 8/9/2011 11:28:54 Clínica analítico­‑comportamental nuti, 2007; Siegel, 1979, 1984, 2001), o enfraquecimento do sistema imunológico em situações de estresse (Ader e Cohen, 1993; Cohen, Moynihan e Ader, 1994) e os episódios emocionais, como a ansiedade (Blackman, 1977; Estes e Skinner, 1941; Zamignani e Banaco, 2005). Comportamento respondente é uma relação fidedigna na qual um determinado estímulo produz uma resposta específica em um organismo fisicamente sadio. O respondente não se define Comportamento nem pelo estímulo respondente é um nem pela resposta, tipo de relação organismo­‑ambiente. mas sim pela relação Nesta, um deter‑ entre ambos. Essa reminado estímulo lação é representada produz/elicia uma resposta específica. pelo paradigma S­‑R, O paradigma dessa em que S denota o relação é S R. termo estímulo e R, resposta (Catania, 1999; Skinner, 1938/1991, 1953/1965). Tendo em vista que a resposta é causada pelo evento ambiental antecedente, diz­‑se que o estímulo elicia a resposta ou que ele é um eliciador, ao passo que a resposta é Na relação res‑ pondente, diz­‑se eliciada pelo estímuque o estímulo lo. O verbo eliciar é elicia a resposta. utilizado para expliIsso porque, nesta relação, a resposta citar que o estímulo tem probabilidade “força” a resposta e de ocorrer próxima que o organismo apede 100%, quando da apresentação do nas responde a estíestímulo. mulos de seu meio (Catania, 1999; Ferster, Culbertson e Boren, 1968/1977). Para caracterizar um comportamento como respondente, deve­‑se considerar a probabilidade condicional de ocorrência da resposta. Uma resposta é considerada reflexa quando tem probabilidade próxima de 100% na presença do estímulo e probabilidade próxima de 0% na ausência do estímulo (Catania, 1999). Borges.indd 19 19 As relações respondentes possuem determinadas características, a saber: limiar, magnitude, duração e latência (Catania, 1999; Skinner, 1938/1991, Ao se analisar rela‑ 1953/1965). Limiar ções respondentes, refere­‑se à intensidadeve­‑se atentar para algumas de suas de mínima do estícaracterísticas, tais mulo necessária para como: limiar, mag‑ que a resposta seja nitude da resposta e intensidade do eliciada, e magnituestímulo, duração da de, à amplitude da resposta e latência resposta. No reflexo entre a apresen‑ tação do estímulo patelar, por exemplo, e a ocorrência da a força com que a resposta. martelada é aplicada é a intensidade do estímulo, enquanto o tamanho da distensão da perna é a magnitude da resposta (se a martelada não for aplicada com uma força que atinja o limiar, a resposta de distensão não ocorrerá). Em qualquer comportamento respondente, quanto maior for a intensidade do estímulo, maior será a magnitude da resposta. Duração refere­‑se ao tempo que a resposta eliciada perdura, e a latência, ao intervalo de tempo entre a apresentação do estímulo e a ocorrência da resposta. Quanto maior for a intensidade do estímulo, maior será a duração da resposta e menor será a latência, e vice­‑versa. No exemplo do reflexo patelar citado anteriormente, a duração da resposta é o tempo que a distensão da perna perdura, enquanto a latência é o tempo decorrido entre a martelada e o movimento da perna (Catania, 1999). A força de um comportamento respondente é medida pela magnitude e duração da resposta, assim como pela latência da relação. Um reflexo é forte quando a resposta tem latência curta, magnitude ampla e duração longa. Inversamente, um reflexo é fraco quando, diante de um estímulo de grande intensidade, a resposta tem latência longa, magnitude pequena e duração curta (Catania, 1999). 8/9/2011 11:28:54 20 Borges, Cassas & Cols. Os comportamentos respondentes que constituem o repertório do organismo a despeito de sua experiência pessoal são designados de incondicionais, devido à sua origem na história filogenética (Skinner, 1953/1965). Pierce e Epling (2004) explicam que todos os organismos nascem As relações res‑ com um conjunto pondentes podem inato de reflexos e ser divididas em duas categorias: que muitos deles são incondicionadas e particulares a cada condicionadas. espécie. Por convenAs incondicio‑ nadas referem­‑se ção, o estímulo inàquelas que não condicional é desigdependeram da nado por US – do inexperiência pessoal do sujeito; trata­‑se glês, unconditional daquelas relacio‑ stimulus – e a resposnadas à origem ta incondicional, por filogenética. As condicionadas UR – do inglês, un‑ são aquelas que se conditional response. estabeleceram a Alguns exemplos de partir da experiência daquele sujeito, respondentes inconconstituindo­‑se, dicionais são: resposportanto, em sua his‑ ta de salivar eliciada tória ontogenética. pelo estímulo alimen­ to na boca; resposta de piscar eliciada pelo estímulo cisco no olho; resposta de suar eliciada pelo estímulo calor; resposta de lacrimejar eliciada pelo estímulo cebola sob os olhos, etc. (Catania, 1999; Ferster et al., 1968/1977; Moreira e Medeiros, 2007). Os comportamentos respondentes selecionados na história evolutiva podem ocor­rer em novas situações, a O processo pelo qual depender da história uma relação respon‑ individual do orgadente condicionada nismo, por meio de se estabelece é chamado condicio‑ um processo chamanamento respon‑ do condicionamento dente, clássico ou respondente, condicio‑ pavloviano. namento clássico ou condicionamento pavloviano – expressão cunha­da em homenagem às descobertas do Borges.indd 20 fisiólogo russo Ivan Petrovich Pavlov (Catania, 1999; Ferster et al., 1968/1977; Skinner, 1953/1965). Pavlov descobriu que a presença de alimento na boca de um cachorro faminto eliciava salivação. O fisiólogo observou que o animal também salivava antes de o alimento chegar a sua boca: a visão e o cheiro da comida eliciavam a mesma resposta. Além disso, a mera visão da pessoa que habitualmente alimentava o animal era suficiente para produzir salivação. De algum modo, eventos ambientais anteriores à estimulação alimentar adquiriram função eliciadora para a resposta de salivar, fenômeno que só poderia ser entendido em termos da experiência individual daquele animal (Keller e Schoenfeld, 1950/1974). De posse dessas observações, Pavlov desenvolveu um método experimental para estudar a construção de novas relações estímulo­‑resposta, nas quais eventos ambientais neutros passam a eliciar respostas reflexas. Inicialmente, ele colocava pó de carne na boca do animal, um estímulo incondicional que elicia salivação. Posteriormente, Pavlov produzia um som durante meio segundo antes de introduzir o pó de carne, o que, depois de aproximadamente 60 associações sucessivas, passou a eliciar a resposta de salivação. Cabe ressaltar que, para o som adquirir função de estímulo condicional para a resposta de salivar, é necessária uma história de contingência e sistematicidade entre os dois estímulos (som e alimento). Isto porque o som pode não se tornar um estímulo condicional efetivo se for apresentado ora antes e ora depois do alimento e/ou se o alimento for apresentado sem que o som o tenha precedido (Benvenuti, Gioia, Micheletto, Andery e Sério, 2009; Catania, 1999; Skinner, 1953/ 1965). O diagrama a seguir ilustra o processo de condicionamento respondente: 8/9/2011 11:28:54 Clínica analítico­‑comportamental Antes do condicionamento US (COMIDA) UR (salivação) S (SOM) ausência de salivação Processo de condicionamento (pareamentos US­‑CS) CS (SOM) + US (COMIDA) R (salivação) Após o condicionamento CS (SOM) CR (salivação sem a presença da comida) Esse processo comportamental, no qual pareamentos contingentes e sistemáticos entre um evento neutro e um estímulo incondicional tornam esse evento um estímulo eliciador, é denominado condicionamento respondente. É fundamental notar que o condicionamento respondente não promove o surgimento de novas respostas, mas apenas possibilita que respostas do organismo originadas filogeneticamente passem a ficar sob controle de novos estímulos. Nesse paradigma, o termo condicionamento expressa que a nova relação estímulo­‑resposta é condicional a (depende de) uma relação entre dois estímulos. O estímulo condicional é designado por CS – do inglês, conditional stimulus –, e a resposta condicional, por CR – do inglês, conditional response (Catania, 1999). Cabe, aqui, uma breve digressão: embora os termos pareamento e associação sejam amplamente empregados na literatura, seu uso é inadequado para explicar o processo de condicionamento respondente por duas razões: 1. esses termos parecem indicar uma ação por parte do organismo, o que não é verdade, na medida em que a associação ocorre entre dois eventos do ambiente; Borges.indd 21 21 2. eles restringem a relação entre os estímulos à proximidade temporal e/ou espacial, o que é incorreto, pois a mera associação entre um evento ambiental neutro e um estímulo incondicional não garante o condicionamento. Para isso, é necessário que exista uma relação sistemática e contingente entre os estímulos (Benvenuti et al., 2009; Skinner, 1974/1976). O condicionamento respondente pode ser enfraquecido ou completamente desconstruído. Para isso, o estímulo condicional deve ser apresentado diversas vezes sem que o estímulo incondicional seja apresentado em seguida, processo designado como extinção res‑ pondente (Catania, 1999; Skinner, 1938/1991, 1953/1965). No exem­plo anterior, se o alimento deixar de ser Uma das maneiras apresentado logo dede enfraquecer uma pois do som, este relação respondente perderá a função de condicional ou con‑ dicionada é através estímulo condicional da apresentação por para a resposta de sadiversas vezes do livar. O pro­cesso de estímulo condicional (CS) sem a presença extinção respondenou proximidade te está na base de com o estímulo uma série de técnicas incondicional. utilizadas na prática clínica, como a dessensibilização sistemática. A função do estímulo condicional é a de preparar o organismo para receber o estímulo incondicional. Por exemplo, no experimento de Pavlov mencionado anteriormente, a salivação eliciada pelo som preparava o organismo para consumir o alimento. Nesse sentido, Skinner (1953/1965) afirma que a sensibilidade ao condicionamento respondente foi selecionada na história evolutiva das espécies, visto que o processo de condicionamento tem valor de sobrevivência. Uma vez que o ambiente pode mudar de uma geração para outra, respostas re- 8/9/2011 11:28:54 22 Borges, Cassas & Cols. flexas apropriadas não podem se desenvolver sempre como mecanismos herdados. Assim, a mutabilidade possibilitada pelo condicionamento respondente permite que os limites adaptativos do comportamento reflexo herdado sejam superados. É importante observar que as respostas condicional e incondicional podem ser, em alguns casos, distintas. No experimento de Pav­ lov, embora ambas as respostas fossem de salivação, há algumas diferenças entre elas, como a composição química e a quantidade de gotas da saliva (Benvenuti et al., 2009). Muitos processos comportamentais com relevância clínica envolvem fenômenos nos quais as respostas condicionais e incondicionais são diferentes. Um exemplo é o desenvolvimento de tolerância e dependência no uso de drogas como cocaína e heroína. Na perspectiva do comportamento respondente, tais drogas exercem a função de estímulo incondicional na eliciação de respostas incondicionais – os efeitos no organismo. Entre eles, encontram­‑se respostas compensatórias, pois, diante do distúrbio fisiológico produzido pela droga, o organismo reage com processos regulatórios opostos aos iniciais, cuja finalidade é restabelecer o equilíbrio fisiológico anterior. As condições do ambiente, ao precederem sistematicamente a presença da substância no organismo, exercem função de estímulo condicional e passam a eliciar os processos regulatórios eliciados pela droga (Benvenuti, 2007; Poling, Byrne e Morgan, 2000). Dessa forma, quantidades cada vez maiores são necessárias para que os efeitos iniciais sejam produzidos no organismo, levando ao fenômeno conhecido como to‑ lerância. Depois disso, se a droga for consumida em um ambiente bastante diferente do usual (i.e., na ausência dos estímulos condicionais que eliciam as respostas compensatórias), o organismo pode entrar em colapso, visto que está despreparado para receber aquela quantidade da droga, o que é conhecido na literatura por overdose (Siegel, 2001). Ademais, a mera presença dos estímulos condicionais que antecede- Borges.indd 22 ram o uso da droga pode eliciar os processos regulatórios (respostas condicionais) mesmo na ausência da substância, produzindo o fenômeno denominado síndrome de abstinência (Benvenuti, 2007; Benvenuti et al., 2009; Macrae, Scoles e Siegel, 1987). O domínio dos conceitos relativos ao comportamento e condicionamento respondentes, bem como sua articulação com conceitos da área operante, é fundamental para garantir rigor à análise de fenômenos complexos. Na prática clínica, inúmeras queixas envolvem interações entre processos respondentes e operantes. A não identificação de relações respondentes como constitutivas dos comportamentos clinicamente relevantes, assim como a incapacidade de descrever sua interação com padrões operantes, certamente conduzirá a um raciocínio clínico parcial e insuficiente. Por essa razão, recomenda­‑se ao clínico tanto o domínio dos conceitos respondentes quanto o aprofundamento na literatura sobre interação operante­‑respondente, com destaque para as pesquisas referentes à dependência química (Siegel, 1979, 1984, 2001), imunossupressão como resposta eliciada em situações de estresse (Ader e Cohen, 1975, 1993; Foltz e Millett, 1964) e episódios emocionais, como aqueles descritos pela área de supressão condicionada (Bisaccioni, 2009; Blackman 1968a, 1968b, 1977, Estes e Skinner, 1941). Na clínica A compreensão das relações responden­ tes é fundamental para o clínico analítico­ ‑comportamental. Este tipo de relação organismo­‑ambiente está contida em di­ versos comportamentos, inclusive naque­ les tidos como alvos de intervenção, como ansiedade generalizada, pânico, enfraque­ cimento do sistema imunológico em situa­ ções de estresse, dependências químicas, entre muitos outros fenômenos. 8/9/2011 11:28:54 Clínica analítico­‑comportamental > Nota 1. Para uma explicação detalhada sobre o comportamento operante, consulte o Capítulo 2. > Referências Ader, R., & Cohen, N. (1975). Behaviorally conditioned immunosuppression. Psychosomatic Medicine, 37(4), 333-40. Ader, R., & Cohen, N. (1993). Psychoneuroimmunology: Conditioning and stress. Annual Review of Psychology, 44, 53-85. Allan, R. W. (1998). Operant­‑respondent interactions. In W. T. O’Donohue (Org.), Learning and behavior therapy (pp. 146-168). Boston: Allyn & Bacon. Benvenuti, M. F. (2007). Uso de drogas, recaída e o papel do condicionamento respondente: Possibilidades do trabalho do psicólogo em ambiente natural. In D. R. Zamignani, R. Kovac, & J. S. Vermes (Orgs.), A clínica de portas abertas: Experiências e fundamentação do acompanhamento terapêutico e da prática clínica em ambiente extraconsultório (pp. 307-327). São Paulo: Paradigma. Benvenuti, M. F., Gioia, P. S., Micheletto, N., Andery, M. A. P. A., & Sério, T. M. A. P. (2009). 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