DIA A DIA COM UMA HORTA: RELATO DE CASO DA IMPLEMENTAÇÃO DE UM PROGRAMA DE HORTA EM COOPERATIVA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL Ana Luiza Silva de Oliveira Bacharel e Licenciada em Ciências Biológicas pela PUC Minas. Estudante de pós graduação em Gestão em Responsabilidade Social. Izabella Scalabrini Saraiva Bióloga. Especialista em Ensino de Ciências pela UFMG (1998) e Mestre em Biologia Vegetal pela Universidade Federal de Minas Gerais (2002). Professora assistente III da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mônica Furtado Martins de Paula Bacharel e Licenciada em Ciências Biológicas pela PUC Minas. Analista Ambiental – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Rua Rio Pomba, 589; bairro Padre Eustáquio, CEP: 30720-290 Belo Horizonte, Minas Gerais (031) 9726535 [email protected] 1 INTRODUÇÃO Inicialmente, a educação especial se organizou como atendimento educacional especializado substituindo ao ensino comum (BRASIL, 2008). Posteriormente, o Plano Nacional de Educação – PNE - Lei nº 10.172/2001, afirma que “o grande avanço que a década da educação deveria produzir seria a construção de uma escola inclusiva que garanta o atendimento à diversidade humana” (BRASIL, 2001). Porém existe uma dualidade de sentidos existentes na 1 organização e na manutenção de escolas especiais (MARQUES, 1994 apud MARQUES et al 2003): uma possui a imagem difundida de que sua existência tem a finalidade de proteger e preparar as pessoas com deficiência para uma futura integração à sociedade, e a outra, a ideologia camuflada de atendimento aos interesses da sociedade dos normais e o isolamento daqueles que não são. Desde cedo já há uma segregação dos possíveis oprimidos e opressores. De acordo com Freire, 1985, a desumanização é a distorção do ser humano, do ser mais, sendo resultado de uma ordem injusta gerando a violência dos opressores e esta o ser menos. Macedo (2004) escreveu um artigo dedicado às crianças, levando ao leitor uma reflexão sobre a funcionalidade da escola e o encargo que a mesma tem sobre a aprendizagem dos valores compulsórios para poder viver em sociedade, como amar ao próximo como a si mesmo, ser digno, entre outros. A escola não é o único local onde se aprende, há outros lugares, como estádios de futebol, praças e qualquer outro lugar onde se dê o convívio. Também desempenham um papel importante do aprendizado as pessoas que não se encontram diariamente no universo escolar, como pais e amigos. Mas, na nossa sociedade, a escola se comprometeu com essa tarefa. Logo, cabe a ela refletir os espaços informais possíveis de sua região, a cultura, a diversidade existente, atendendo assim a todos e não só a uma classe especifica. Infelizmente, nota-se que a aprendizagem não ocorre dessa maneira. O negro, o indígena, o deficiente, o loiro, o pobre, o rico, o masculino, o feminino, possuem lugares próprios, não dividindo o mesmo lugar, principalmente na infância por ignorância dos pais, ainda há preconceito, vergonha e humilhação e a prática preconceituosa (seja ela qual for) ofende a substantividade do ser humano negando radicalmente a democracia (Freire, 2003). Percebe-se que a escola é o ambiente que se permite essa mistura, sendo ela a grande responsável por essa vivência tão rica e por mudar essa situação, tornando-se um lugar comum a todos, sendo inclusiva. Para Marques et al (2003), a inclusão abrange todas as formas de existência humana e as pessoas com deficiência são um dos melhores exemplos de grupo socialmente discriminado e excluído. Porém, se às pessoas com deficiência for negada a oportunidade de estudar na escola comum, onde está a diversidade? 2 Após o decreto nº 6.094/2007, ficou estabelecido o acesso a permanência no ensino regular e atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos, fortalecendo a inclusão educacional nas escolas públicas (BRASIL, 2007). Sendo assim, toda criança, deficiente ou não, tem o direito de estudar na escola mais próxima a sua residência, junto a seus irmãos. Agora se faz necessário que as instituições de ensino saibam como recepcionar os alunos e trabalhar com e para a diversidade. De acordo com Cacciari, et al (2005) apud Mesquita et al (2008) a maior dificuldade da inclusão escolar não é o ambiente físico oferecido pela instituição ou a falta de recursos materiais e sim às dificuldades subjetivas das pessoas em lidar com as diferenças. Essa conclusão foi obtida através dos discursos trazidos pelos atores entrevistados onde remetiam à figura e à expectativa do trabalho com aluno, professor e escolas ideais. No trabalho de Pereira-Silva e Dessen (2007) também foi encontrado uma realidade bastante parecida, onde os autores realizaram uma pesquisa com o intuito de saber quais são os valores e crenças de pais e professores em relação aos seguintes aspectos do desenvolvimento de crianças: desenvolvimento motor, escolarização, profissionalização, relações íntimas e expectativas quanto ao futuro. Ao todo foram dez crianças, sendo que 5 são portadoras da Síndrome de Down e as outras não. Notou-se que os únicos genitores que relataram a preocupação com a independência financeira de seus filhos e a aceitação social foram os de crianças com Síndrome de Down e foi percebido que as professoras também possuíam expectativas diferentes para ambos os tipos de crianças, uma vez que relataram valores diferentes para crianças com Síndrome de Down e com desenvolvimento típico. Em questão da sexualidade, os pais das crianças com síndrome não acreditam que os filhos possam ter um desenvolvimento emocional e sexual saudável. Como conclusão as autoras do artigo sugerem “que as políticas públicas e os programas de orientação a pais de crianças com deficiência enfatizem a etiologia da deficiência como um dos recursos para conscientização dos objetivos da inclusão escolar destes alunos”. Essa falta de orientação por parte dos professores e pais foi bem relatada por Gomes e Rey, 2008, onde um aluno de 16 anos, com deficiência mental e estudante da 7ª série do Ensino Fundamental da Rede Regular foi acompanhado durante o período de sete meses. O aluno em questão relatou que tem vontade de 3 ler e escrever, porque quer ser policial, porém muitos não acreditam. Tanto sua irmã ou professor, relataram que ele não aprende e está claro que a deficiência é o motivo. O aluno alega que aprender ele aprende, porque ele é bom em números, e têm algumas matérias que é mais difícil e como ele não é cobrado como os outros alunos, ele não faz a atividade e sempre passa de ano. Nota-se no discurso que a comunidade na qual o aluno está inserido não o reconhece como sujeito e o desvaloriza em suas potencialidades. Foi pensando nisso, no desenvolvimento emocional, intelectual. Social e pessoal dos futuros educandos, com necessidade especiais ou não, que as autoras do artigo optaram pela realização da disciplina de Estágio Supervisionado III (Licenciatura) numa escola de educação especial. Ter um aluno com necessidades especiais é um desafio para a educação brasileira, pois o educando necessita de intervenções que serão cruciais para o seu desenvolvimento social, intelectual e emocional. È o papel do educador é trabalhar em conjunto com o educando e os demais do convívio, com o intuito de inclui-lo e proporcionar uma educação que permita a ele desenvolver uma série de habilidades necessárias para o sucesso do seu desenvolvimento. É incalculável o aproveitamento do aluno que se aprofunda na real oportunidade de adquirir conhecimento prático e nas atividades concernentes ao estágio de licenciatura. As regências de aulas, elaboração de materiais didáticos, desenvolvimento de projetos na escola constituem algumas das atividades que os graduandos realizam durante a referida disciplina. Através do estágio o aluno tem a oportunidade de vivenciar um ensino interdisciplinar e elaborar projetos que integrem as disciplinas de ciências e de práticas pedagógicas, o que contribui de forma muito significativa no processo de ensino aprendizagem do futuro educador. A Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, tendo consciência da responsabilidade na formação de educadores, oferece ao curso de Ciências Biológicas a disciplina Estágio III, onde o aluno estagia em alguma instituição de ensino, com objetivo de criar contatos que promovam intercâmbio cultural, desenvolvendo pesquisas de campo na área da educação e especificamente da docência. O estágio ocorreu na Cooperativa Interdisciplinar Dia Dia Ltda. O trabalho de campo foi realizado no período de 15 de setembro de 2008 a 17 de novembro do mesmo ano, totalizando assim um total de 105 horas/aula. 4 A Cooperativa Dia Dia é uma escola de educação especial que atende pessoas de faixa etária heterogênea – desde crianças até idosos – com deficiência intelectual ou com transtornos da cognição social, como o autismo. No período de realização do estágio tinha-se 30 alunos na escola, com idade entre 14 e 56 anos. Como escola de educação especial, a cooperativa não concorre com os objetivos da escola tradicional, e, portanto, os alunos que estejam em idade escolar devem freqüentar normalmente uma escola como qualquer outra pessoa com a mesma faixa etária. O objetivo da Cooperativa Dia Dia como escola especial é desenvolver outras habilidades em seus alunos, especialmente desenvolver a autonomia e socialização de acordo com os limites de cada um. Para isso, a Cooperativa Dia Dia trabalha com o conceito de Currículo Natural Funcional. Esse currículo surge como uma resposta às dificuldades encontradas desde que a inclusão vêem sendo discutida e difundida. Surgiram várias linhas de pensamento questionando o papel da educação para desenvolver nas pessoas com deficiência uma vida autônoma e integrada, colocando “no cerne do processo educativo a questão da transição dos alunos para uma vida ativa” (COSTA, 2006). A perspectiva educativa funcional tem como objetivos: proporcionar aos alunos o desenvolvimento de competências essenciais à participação numa variedade de ambientes; preparar os alunos para responder aos desafios duma vida tão autônoma e integrada quanto possível, no presente e no futuro; capacitar os alunos nas áreas de desenvolvimento pessoal e social e de adaptação ao meio laboral. (COSTA, 2006, p. 05) Leva-se em consideração que as pessoas com deficiência precisam de mais tempo para adquirir qualquer habilidade ou competência e esquecem com mais facilidade o que aprenderam. As pessoas com deficiência intelectual também têm dificuldade com operações de generalização e transferência e na compreensão de conceitos abstratos. Portanto, é importante que o próprio espaço de aprendizagem e as situações sejam reais podendo o conhecimento adquirido ser aplicado. Os conteúdos devem ser concretos e significativos. (COSTA, 2006). Assim, os programas educativos devem ser individualizados, levando em consideração o contexto familiar, social e histórico de cada aluno, seus dons, capacidades e limitações e as expectativas de seus pais e suas próprias. 5 Outro ponto fundamental do currículo funcional é que ele procura adequar os programas à idade de cada aluno, ao contrário da perspectiva desenvolvimentista, que leva em consideração a idade mental do aluno (COSTA, 2006). Essa abordagem é contrária, inclusive, à tendência tanto da sociedade quanto das próprias famílias de tratarem as pessoas com deficiência como eternas crianças e torna-se um grande desafio para as escolas que trabalham com o currículo funcional. A Cooperativa Dia Dia procura reeducar inclusive as famílias para passarem a tratar seus alunos de acordo com a idade que têm. Segundo Costa (2006), quando uma pessoa com deficiência realiza “atividades que são próprias da sua idade (mesmo que de forma parcial ou com ajudas diversas) estas ajudam a promover a sua autonomia e inserção social e preparam a sua futura transição para uma vida ativa”. Conscientes do dever de um estudante de licenciatura e de educador ambiental, buscou-se analisar a relação ensino-aprendizagem com educandos que possuem deficiência intelectual. É importante salientar que as atividades que foram pospostas não foram criadas a partir das dificuldades dos educandos e sim a partir de suas habilidades. É de conhecimento que os deficientes mentais apresentam limitações intelectuais (Fierro, 1996), porém, para surpresa de alguns, percebe-se que os alunos deficientes vivenciam processos cognitivos semelhantes comparados a crianças com desenvolvimento normal no que diz respeito à escrita e leitura (Figueiredo e Gomes, 2006). De acordo com Fierro, 1996, além da limitação intelectual, as pessoas com deficiência mental possuem um comportamento de personalidade parecida, uma vez que são capazes de estar e persistir em um trabalho repetitivo por mais tempo do que uma pessoa não deficiente mental. Talvez esse fato se dê devido à relação existente entre inteligência e a capacidade de se adaptar a novas situações. Sendo assim, é interessante que o mercado de trabalho absorva essas pessoas para tarefas repetitivas como a produção industrial ou artesanal, mas vale ressaltar que em contrapartida essa situação não permite uma melhora pessoal na vida de seu protagonista. Logo, as reflexões que Fierro nos leva são básicas, o ideal é introduzir a novidade sem causar muita desorganização interior. 6 2 MÉTODOS O presente trabalho foi desenvolvido durante a disciplina de Estágio Supervisionado III, do Curso de Ciências Biológicas da PUC Minas. A Instituição de Ensino escolhida para a realização do Estágio III foi a Cooperativa Dia Dia, que é uma escola de educação especial para pessoas que apresentam deficiência intelectual e autismo. Uma das atividades obrigatórias do Estágio Supervisionado III é a elaboração de um projeto e este foi escrito e intitulado: Era uma vez... uma horta!!. Esse projeto foi construído a partir de estudos mostrando como a horta em uma escola pode trazer riquezas a todos, principalmente no que diz respeito a progressos relacionados com terapia ocupacional e a inteligências múltiplas. A palavra inteligência tem sua origem na junção de duas palavras latinas: inter: entre e eligere: escolher, logo a inteligência está relacionada à capacidade cerebral pela qual conseguimos penetrar na compreensão das coisas escolhendo o melhor caminho (ANTUNES, 2003). Na década de 1990 foi desenvolvida a teoria de inteligências múltiplas e a equipe de pesquisa tinha como líder o psicólogo Howard Gardner. Para um domínio ser denominada de inteligência é necessário que ela possua oito atribuições que são: Identificação da morada da inteligência por dano cerebral; A existência de indivíduos excepcionais em áreas específicas da solução de problemas ou criação, Gatilho neural pronto para ser disparado em determinados tipos de informação interna ou externa; A suscetibilidade à modificação da inteligência por treinamento; Uma historia de plausibilidade evolutiva; Exames específicos por meio de tarefas psciológicas experimentais; Apoio de exames psicométricos; A criação de um sistema simbólico especifico. (ANTUNES, 2003, p.25) 7 Hoje, de acordo com Celso Antunes (2003), pode-se falar em 9,5 tipos de inteligências: a inteligência lingüística, lógico-matemática, espacial, musical, cinestésica corporal, pictórica, naturalista, pessoais (inter e intrapessoal) e a meia inteligência seria a inteligência espiritual, uma vez que não possui todos os critérios que a consideram uma inteligência completa. A criação e o manejo de uma horta implicam o uso de algumas, se não todas, as inteligências visto que na horta surgem problemas e situações a serem resolvidas como, por exemplo, se a terra estiver seca, o que fazer? Ou se as plantas estão muito próximas? Para poder saber qual canteiro é necessário a escrita para o manuseio de placas, para perceber se a planta está na hora de colher é necessário ser observador, para trabalhar em grupo é bom ter uma relação interpessoal, e assim por diante. Havia vontade por parte da direção e da educadora responsável anteriormente pelo programa em reativar a horta, recuperando o espaço, que estava totalmente desorganizado. A educadora tem muita afinidade com plantas, e sempre teve contato com hortas. Por isso, quando a proposta foi apresentada para a Cooperativa, a Direção propôs que ela acompanhasse e orientasse os estagiários na realização prática do projeto. A mesma esteve ao lado dos estagiários durante o tempo todo, compartilhando sua experiência profissional e pessoal, tanto no contato com os educandos quanto na execução da horta. Sua presença foi fundamental e extremamente enriquecedora, especialmente nos primeiros momentos quando havia muita insegurança e o desconhecimento do perfil de cada educando. A educadora da Cooperativa também coordenou o Projeto Horta no turno da tarde, concomitante com o desenvolvimento em equipe realizado na parte da manhã. As atividades desenvolvidas pelas duas turmas foram complementares. No período da manhã, os educandos que participaram eram em torno de 12 participantes. As atividades desenvolvidas tiveram uma seqüência. Primeiro foi necessário permitir aos estagiários um contato inicial com os educandos, pois de acordo com o artigo: Relato de caso do Projeto Educação Ambiental para crianças que apresentam necessidades educacionais especiais: síndrome de Down que participam da educação inclusiva (LEITE et al., 2007), a pessoa com deficiência sente a necessidade de um tempo para se adaptar e conhecer aquela nova realidade que é apresentada, pois só assim, ele passará a ter confiança para se expressar. Logo a oficina de número um, foi 8 realizada em meio a clima de exibição, ocorrendo a apresentação de todos os participantes, do projeto, e da construção dos outros programas. Sempre nas oficinas era discutida a ação que estava sendo ou que seria praticada, pois é necessário que o indivíduo saiba o que está realizando, que possua uma consciência critica, que tenha presença. Como afirmou Freire (2003) é no domínio da decisão, da avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura a necessidade da ética e se impõe a responsabilidade. A segunda oficina como as demais sempre davam continuidade às atividades programadas, onde eram recapituladas as atividades passadas. Foi trabalhado em vinte e cinco oficinas, a construção de sementeiras, a arrecadação de alguns materiais (como pentes de ovos e garrafas pets), a limpeza do espaço físico da horta e sua manutenção, a formação de canteiros, o transplante das mudas, o trabalho coletivo e individual e a consciência crítica. Posteriormente após a implantação da horta na Cooperativa Dia Dia foi necessário a elaboração de um questionário semi-estruturado para ser aplicado aos participantes do projeto (alguns alunos, direção da escola) com o intuito de verificar a eficácia do mesmo, seus aspectos positivos e negativos e os avanços ocorridos durante o desenvolvimento do mesmo. Após a elaboração do questionário, este foi aplicado e os dados foram avaliados para posteriormente serem descritos e discutidos nos resultados e discussão do referido projeto. 3 RESULTADOS Como resultado imediato observou-se a modificação visual do espaço da horta, pois o terreno passou a ter um aspecto agradável. Através de um questionário semi estruturado realizado pelos autores do presente artigo e respondido por um dos responsáveis da cooperativa, além da horta ser uma demanda da própria instituição “à medida que o trabalho se desenvolveu foi observado avanços no interesse dos educandos sobre a horta o que favoreceu maior concentração nas diversas etapas trabalhadas”. Um fato que pode ter auxiliado no bom desenvolvimento do trabalho, ocorrendo uma maior coerência nas intervenções realizadas, foi o interesse e disponibilidade dos estagiários em 9 conhecer o público alvo em diferentes ambientes da cooperativa. Também foi comentado no questionário o bom planejamento do projeto, a sua execução e a participação de todos os profissionais da instituição (direto ou indiretamente), a manifestação positiva das famílias dos educandos e principalmente os resultados obtidos pelos mesmos. Não foi registrado aspectos negativos sobre o trabalho e dentre os positivos pode-se destacar que além da recuperação do espaço físico para um novo programa, agora é possível a auto sustentabilidade dos programas de produção Culinária e Papel Artesanal (programas já existentes na cooperativa). Notou-se que cada educando relatava a mudança física do ambiente, utilizando frases como: “ficou bonito”, pela ampliação dos vocábulos normalmente usados (foram aderidos novas palavras no dia a dia dos educandos como sementeira, mudas, tiriricas) e atitudes como pelo cuidado ao se movimentar na horta. É importante salientar que nem todos os educandos possuem um conhecimento visual do que foi plantado e está sendo cultivado, mas como o projeto continua na instituição essa é uma meta a ser cumprida. 4. DISCUSSÕES Em muitas vezes a prática se manifesta de forma diferente do planejado, o que é muito sadio quando se trata de um conjunto de pessoas as quais são permitidas de se mostrarem como seres humanos, como seres inconclusos. A inconclusão que se reconhece a si mesma, implica necessariamente a inserção do sujeito inacabado num permanente processo social de busca (Freire, 2003), e provavelmente nessa busca, ocorrem divergências, pois cada ser é único, com suas dificuldades e aptidões. Nas primeiras oficinas realizadas no espaço físico da horta, foram notadas algumas dificuldades por partes dos estagiários e dos educandos como: para os estagiários ficar na posição de cócoras e manusear o canteiro é uma tarefa fácil, porém para alguns educandos essa tarefa é muito difícil, exigindo esforço físico e muita concentração. Com o intuito de solucionar essa questão a atividade foi realizada com o auxilio de sacos de estopas, os educandos ao manusearem o canteiro se sentavam nesses sacos. Para a realização da mesma 10 atividade foi percebido outros contratempos, como havia a resistência de alguns educandos de tocar a terra, para tal (e também por questões higiênicas) foi utilizado luvas de jardinagem. Inicialmente em cada canteiro construído podia-se fazer três fileiras de hortaliças, porém a maioria dos educandos não conseguiam fazer a capina e nem o transplante na região central, logo foi percebido a necessidade de estreitar os canteiros para não gerar uma falsa condição de incapacidade por parte dos educandos. Apesar das adaptações já citadas, alguns educandos, por motivos pessoais se mostravam contrários a participar das atividades. Um educando em especial desejava participar de outra atividade da cooperativa que ocorria no mesmo horário. Pensando nisso, criou-se outra forma do educando participar do projeto ao qual estava inscrito, o mesmo foi encarregado com o auxilio de um educador a criação de placas com material descartável para a identificação dos canteiros. Outra atividade que envolveu habilidades de ler e escrever foi a confecção de vasos para todos os educandos e educadores da cooperativa. O sucesso proporcionado pelo projeto pode ser atribuído pela sua plasticidade, uma vez que, com o surgimento das dificuldades e de sua aceitação, foram propostas novas alternativas para sua superação. É fato que a experiência seria mais rica se fosse real, pois existe uma lacuna entre a escola especial e o mundo lá fora. O projeto seria mais proveitoso caso acontecesse na diversidade existente na escola comum, entre educandos com o mesmo par de idade, porém enquanto isso não ocorre se faz necessário o rompimento dessa muralha, e a unificação de dois mundos, sendo eles hoje formados pela visão freiriana por opressores e oprimidos. Essa união só será possível quando ‘os oprimidos, ao buscarem recuperar sua humanidade, que é uma forma de criá-la, não se sentem idealistamente opressores, mas restauradores da humanidade em ambos. E aí está a grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos – libertar-se a si e aos seus opressores’ (FREIRE, 1985, p.30) . Vale resaltar que talvez para o deficiente intelectual essa tarefa de ser conciente de seu inacabamento seja muito dificil, talvez impossível devido a fatores orgânicos, mas é inaceitavél que para o outro que conviva com o deficiente se cale, negando a ele os direitos de qualquer ser humano. 11 5. CONCLUSÃO A Organização Mundial de Saúde conceitua deficiência como um “termo usado para definir a ausência ou a disfunção de uma estrutura psíquica, fisiológica ou anatômica” (http://www.who.int/en/). Sendo assim, as pessoas podem durante o decorrer da sua vida, se tornarem deficientes. Essa afirmação proporciona uma reflexão: uma pessoa que tem uma vida social ativa ao se tornar deficiente, ela tem que abandonar essa vida? Abandonar as festas, o trabalho, o convívio social? Ou apenas adaptar o convívio social a sua nova condição? E uma pessoa que já nasceu deficiente? A ela é correto negar o direito de ter uma vida digna? O direito de aprender e de ser social como qualquer outro ser humano? Mário Quintana uma vez escreveu como não ler um poema. Não se deve lê-lo de forma inumana. Algumas pessoas (como a professora referida no poema) são robôs, mas não se consegue autopsiar uma coisa tão viva como a poesia. (QUINTANA, 1977). A escola não se torna inesquecível só pela arquitetura ou um livro pelo cheiro de novo, e sim por ser viva, pelas pessoas e suas relações, seja com a quadra, livros e principalmente entre elas. A escola é o lugar de fazer amigos, ser social, aprender e desenvolver potencialidades. Cabe ao educador em seu trabalho ter uma postura plástica, aceitando as novidades e as dificuldades pois só respeitando a individualidade de cada aluno, de cada turma, será capaz de viver a arte de ensinar e aprender. Cabem a todos os profissionais da escola, humanizar o ambiente de trabalho e diversificá-lo, uma vez que a diversidade nos enriquece. Humanizar não significa igualar as pessoas no sentido das mesmas perderem sua individualidade ou não respeitar seus limites físicos, sua forma de aprender, visto que ‘temos o direito a ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza, temos o direito a ser diferentes, sempre que a igualdade nos descaracteriza’ (SANTOS, 1995 apud KAUCHAKJE, 2003). E quando esse desrespeito acontece, negamos o outro, fazendo-o adoecer como afirmou Maturana (1998), segundo quem as relações baseadas na obediência, na exclusão, na negação e no preconceito negam a nossa 12 condição biológica básica de seres dependentes do amor, negando, assim, o outro como legitimo outro na convivência. 13 Referências: ANTUNES, Celso. As inteligências múltiplas e seus estímulos. 11. ed. Campinas: Papirus, 2003. 141p. BRASIL. Ministério da Educação. 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