O ESPAÇO PEDAGÓGICO DA PRÁTICA DE ENSINO: UM ABANDONO AO CARÁTER FORMATIVO INSAURRIAGA, Roberta Pinto – UFPel – [email protected] PERES, Denise Calderon – CEFET/RS – [email protected] Formação de Professores / nº 10 Agência Financiadora: Sem Financiamento Introdução No cenário dos estudos em educação no Brasil1 a problemática relativa à prática pedagógica do professor (neste caso, em processo de formação), a qual é caracterizada pela ação de mobilizar saberes para realização de uma prática, tem ganhado expressividade. A atitude de mobilizar estes saberes acontece em resposta à relação préexistente entre o professor e os saberes que ensinam. Constituinte essencial da atividade docente e fundamental para a configuração da identidade profissional. Nesse contexto, foi criada a categoria "saber docente", que permite focalizar as relações dos professores com os saberes que dominam para poder ensinar e aqueles que ensinam, sob uma nova ótica, ou seja, mediadas por e criadoras de saberes práticos, que passam a ser considerados fundamentais para a configuração da identidade e competência profissionais (Tardif, Lessard e Lahaye, 1991; Perrenoud, 1993, 1999; Therrien, 1996; Tardif, 1999; Moreira, Lopes e Macedo, 1998). Entendemos, que o docente, em sua trajetória, constrói e reconstrói seus conhecimentos conforme a necessidade de utilização dos mesmos, suas experiências, seus percursos formativos e profissionais. Partindo destas constatações é que indagamos o espaço de formação docente tido como prática de ensino2 enquanto sua ambigüidade na relação com os saberes dos professores em formação. Sendo assim este trabalho pretende discutir o espaço de prática do exercício profissional durante a formação curricular e suas possíveis contraditoriedades dos agentes envolvidos. A luz dos autores anteriormente já citados e de suas compreensões acerca da constituição dos saberes docentes fazer –se –a uma relação com o espaço de 1 O movimento de emergência desta temática tem se configurado de forma cada vez mais expressiva no cenário nacional, não se limitando apenas ao campo da formação de professores, mas abarcado também as questões referentes ao campo didático e curricular. A produção nos movimentos científicos da Anped é fonte de subsídio desta afirmação. 2 A prática de ensino, aqui compreendida como disciplina obrigatória nos cursos de formação de professores, caracterizada pelo exercício da prática profissional. 2 constituição prático de saberes na formação curricular de professores. Ou seja, sob ângulos diversos, estes autores ajudaram a pensar a constituição dos saberes dos professores em formação, em uma pauta diversa de uma pedagogia centrada no saber elaborado, ao refletirem sobre os limites da formação prévia e, nela, dos conhecimentos acadêmicos na constituição do saber docente; ao afirmarem a centralidade da instituição escolar enquanto locus de formação do magistério; ao revelarem a força da experiência escolar passada enquanto aluno no desenvolvimento da prática pedagógica; e, finalmente, ao assinalarem o caráter de improvisação a marcar o trabalho docente pronto a receber o título de Licenciado, ou não. A Prática de Ensino em Sinergia A prática de ensino tem colocado ao aluno/professor o desafio de construir um projeto de educação no qual teoria e prática formem uma unidade. Porém a unidade em que a maioria dos currículos de formação de professores tem se pautado durante a realização do estágio (prática de ensino) esta assentado na perspectiva de aplicação dos saberes acadêmicos, até então desenvolvidos, desconsiderando este espaço como um processo de formação no qual os saberes passam a se constituir e fazer significados. O fato dos estágios estarem no último semestre do currículo denunciam esta característica performista, onde cabe aos professores universitários avaliar a competência do aluno/professor em sala de aula3, cabendo-lhe a aprovação ou reprovação. Esta é uma racionalidade técnica que anula, invalida este espaço de formação tão relevante. Faz com que os alunos (professores em formação) ignorem os saberes que ali se constituem e tendem se enquadrar em saberes moldados, constituídos em outros espaços. O desempenho analisado na execução da prática de ensino, pelos professores universitários é mensurado a partir dos conteúdos incorporados aos currículos de formação de professores, reforçando, pois uma lógica conteudista de formação superior, na qual o professor assume o papel de transmissor de conhecimentos e sua qualificação atrelada ao domínio dos conteúdos. Essa relação foi considerada e estudada por longo tempo dentro do paradigma da racionalidade técnica que, buscando a eficácia através do controle científico da prática educacional, trabalhava com a concepção de professor como um instrumento de transmissão de saberes produzidos por outros. Assim, o saber 3 A sala de aula compreendida aqui como todo o espaço de prática docente, podendo ser o pátio no caso da Educação Física. 3 científico encontra (va) no professor um profissional habilitado - com a sua competência técnica - para adequá-lo, ou diluí-lo, (ou distorcê-lo, se ineficiente), para que seja (fosse) aprendido pelos alunos que, assim educados, e disciplinados, "evoluiriam para uma vida melhor". Os limites e insuficiências dessa concepção levaram à busca de novos instrumentos teóricos que fossem capazes de dar conta da complexidade dos fenômenos e ações que se desenvolvem durante atividades práticas. Não é por acaso que a reforma curricular das licenciaturas de 2005 no Brasil, determina um grande aumento na carga horária dos estágios. Implícito a isso se encontra a valoração do aprendizado vivêncial e a constituição dos saberes práticos, onde diferentemente do que propõe a racionalidade técnica, as pesquisas começaram a revelar que: ...o professor intervém num meio ecológico complexo, num cenário psicológico vivo e mutável, definido pela interação simultânea de múltiplos fatores e condições. Nesse ecossistema, o professor enfrenta problemas de natureza prioritariamente prática, que, quer se refiram a situações individuais de aprendizagem ou formas de comportamentos de grupos, requerem um tratamento singular, na medida em que se encontram fortemente determinados pelas características situacionais do contexto e pela própria história da turma enquanto grupo social. (Gómez, 1995, p. 102) De alguma forma, é o texto de Tardif, Lessard e Lahaye em 1991 que vem complexificar a lógica conteudista, ao afirmar que a relação dos docentes com o saber não se reduz à transmissão de conhecimentos já constituídos, sendo a prática, expressão de múltiplos saberes, incorporados em âmbitos, tempos, espaços de socialização diversos. Este texto colaborou para a definição de uma nova linguagem pedagógica na consciência de que a prática profissional está marcada por uma trama de histórias, culturas que ultrapassam a dimensão pedagógica stricto sensu. Dentro dessa nova linguagem pedagógica a categoria “saber docente” abordada pelos autores que incorporam este texto e especialmente apreciada por nós em Tardif, servirá de sustentação para a problemática que estamos trazendo. Saberes Docentes: um manifesto a resignificação dos saberes da experiência A categoria "saber docente" foi criada na busca de dar conta da complexidade e especificidade do saber constituído no (e para o) exercício da atividade docente e da profissão (Schön, 1983, 1995; Enguita, 1991; Tardif, Lessard e Lahaye, 1992; 4 Perrenoud, 1993; Popkewitz, 1995; Gómez, 1995; Develay, 1995; Lüdke, 1995, 1996, 1998; Moreira, 1998; Tardif, 1999). Tardif, Lessard e Lahaye (1991) chamam a atenção para o fato de que o saber docente é plural, estratégico e desvalorizado, constituindo-se em um amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional, dos saberes das disciplinas, dos currículos e da experiência. Os primeiros têm sua origem na contribuição que as ciências humanas oferecem à educação e nos saberes pedagógicos (concepções sobre a prática educativa, arcabouço ideológico, algumas formas de saberfazer e algumas técnicas) (1991, p. 219). Os saberes das disciplinas são aqueles difundidos e selecionados pela instituição universitária, correspondendo aos vários campos de conhecimento; os saberes curriculares, os quais a instituição escolar apresenta como aqueles a serem ensinados, resultado de um processo de seleção cultural ou de transposição didática, como quer Chevallard.4 Dentro desses saberes que acabam constituindo a ação docente, nos reportaremos com maior ênfase aqueles saberes que acabam se constituindo em síntese dos demais saberes, os saberes práticos, ou saberes da experiência. Os saberes da experiência surgem a partir da articulação, reorganização dos demais. Os autores aqui trabalhados afirmam que "os saberes da experiência não são saberes como os demais são, pois formados de todos os demais, porém retraduzidos, 'polidos' e submetidos às certezas construídas na prática e no vivido." (1991, p. 232). Os saberes da experiência são os constituídos no exercício da prática cotidiana da profissão, fundados no trabalho e no conhecimento do meio. "São saberes que brotam da experiência e são por ela validados. Incorporam-se à vivência individual e coletiva sob a forma de habitus e de habilidades, de saber fazer e de saber ser." (1991, p. 220). "Esses saberes não provêm das instituições de formação ou dos currículos, esses saberes não se encontram sistematizados no quadro de doutrinas ou teorias: eles são saberes práticos (e não da prática: eles não se aplicam à prática para melhor conhecê-la, eles se integram a ela e são partes constituintes dela enquanto prática docente) [...] são a cultura docente em ação." (1991, p. 228) Ao arraigar a análise das características do saber docente, Tardif em texto de 1999, apresenta uma proposta para o estudo da epistemologia da prática profissional onde são considerados "os saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu 4 Em resposta “da transformação na práxis dos diversos saberes instituídos (curriculares e de formação profissional), bem como de saberes da prática social e da cultura.” (p.1) 5 espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas" (Tardif, 1999, p. 15), progredindo na valorização do saber da experiência. Segundo o autor, os saberes profissionais são saberes da ação, saberes do trabalho e no trabalho, o que os distingue dos saberes universitários (científicos). São temporais, plurais e heterogêneos, personalizados e situados, carregando consigo as marcas do seu objeto que é o ser humano (os alunos). Nesse sentido, a prática profissional, não é um local de aplicação dos saberes universitários, mas, sim, de "filtração", onde eles são transformados em função das exigências do trabalho (p.17). Essas considerações feitas a respeito do saber da experiência pelo autor permitem superar a noção do professor transmissor de conhecimentos, assim como o mesmo chamou de "idiota cognitivo" (p. 19), dependente e determinado por estruturas sociais, pelo inconsciente ou cultura dominante, representando uma contribuição significativa para avançarmos na conquista da autonomia profissional. Diante das teorizações apresentadas pelos autores, parece nos evidente que o espaço de formação docente curricular, tido como prática de ensino esta descontextualizado em grande parte das universidades brasileiras. Este espaço tem assumido características pragmáticas em geral, pois um lócus de produção do saber é o cerne de constatação dos saberes docentes, saberes estes tidos como necessários ao exercício profissional. Tão grave como negar a produção de saberes que emanam do exercício na formação docente brasileira é o fato de não reconhecer este espaço como um espaço de formação. Haja visto, que entende-se que o aluno/professor ao chegar nesta etapa do curso (etapa final) deve estar “pronto”. Evoluir no pensamento desta questão implica não só na reorganização curricular, aumentando o número de carga horária e oportunizando o estágio em etapas anteriores do curo, mas também na resignificação merecida a este espaço por parte dos professores universitários, que precisam entender que a construção de uma práxis não incorpora apenas saberes prontos, e que neste espaço é que os alunos/professores rompem barreiras e encontram significados de outros saberes, se constroem a partir disto, se formam. Logo pensar a estrutura dos espaços de formação docente, significa pensar nas relações humanas que se constituem e o constituem cotidianamente. Os espaços 6 curriculares fazem parte dessa construção da identidade profissional e não pode negar os saberes práticos, da experiência. A prática de ensino é o local privilegiado da formação curricular do decente, por oportunizar a sistematização dos demais saberes, mas precisa ser repensado e resignificado a luz do que os estudos a cerca da formação e dos saberes docentes apontam. Ou seja, sob ângulos diversos, estes autores ajudaram a pensar a constituição dos saberes dos professores, em uma pauta diversa de uma pedagogia centrada no saber elaborado, ao refletirem sobre os limites da formação prévia e, nela, dos conhecimentos acadêmicos na constituição do saber docente; ao afirmarem a centralidade da instituição escolar enquanto locus de formação do docente; ao revelarem a força da experiência escolar passada enquanto aluno no desenvolvimento da prática pedagógica; e, finalmente, ao assinalarem o caráter de improvisação a marcar o trabalho do educador. Referências Bibliográficas DEVELAY, M. Savoirs scolaires et didactique des disciplines: Une encyclopédie pour aujourd'hui. Paris: ESF Editeur, 1995. ENGUITA, M.F. A ambigüidade da docência: Entre o profissionalismo e a proletarização. Teoria e Educação nº 4, Dossiê: "Interpretando o trabalho docente", Porto Alegre: Pannônica, 1991, p. 41-61. GÓMEZ, A.P. O pensamento prático do professor. 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