INFLUÊNCIA DAS CARACTERÍSTICAS DAS BEBIDAS NA HIDRATAÇÃO Conselho Científico do Instituto de Hidratação e Saúde Resumo É essencial que a ingestão de água seja suficiente para compensar as perdas diárias do organismo. Neste documento pretendeu-se averiguar se a água veiculada por outras bebidas que não a própria água, possui semelhante capacidade para hidratar. Constatou-se que o consumo de bebidas com cafeína não tem efeitos adversos na hidratação, desde que a ingestão de cafeína não ultrapasse 300 mg/dia (equivalente a aproximadamente 3 cafés ou 6 colas). A partir deste nível, pode haver um aumento de produção de urina, embora isto aconteça em maior grau em indivíduos que não estão habituados ao seu consumo. Está também demonstrado que o gás não interfere na absorção pelo organismo da água contida na bebida, assim como não influencia substancialmente a taxa de excreção de água. Por outro lado, não existe nenhuma razão fisiológica para que os edulcorantes, adicionados individualmente ou em combinação, reduzam a capacidade de hidratação das bebidas a que são adicionados. Também, a água das bebidas com açúcares é praticamente toda absorvida. Desta forma, as bebidas com açúcar servem para hidratar o organismo praticamente da mesma forma que bebidas sem açúcar. Palavras-chave Hidratação, bebidas, cafeína, açúcar, gás, edulcorantes -1- Introdução A água é o maior constituinte do ser humano e é essencial para a vida. O balanço hídrico é conseguido e mantido através do equilíbrio entre os aportes e as perdas de água do organismo. Existe, em algumas pessoas, a ideia pré-concebida de que a hidratação deve ser limitada ao consumo de água. Na realidade, a hidratação não é determinada apenas pela ingestão de água de forma isolada, mas também pela ingestão de água presente em outras bebidas e nos alimentos [1]. É do conhecimento comum que o consumo de fluidos deve ser de 8 copos de água diários. Na verdade, as recomendações para uma saudável hidratação apontam para a necessidade de ingestão de 2-3 litros de água por dia (variável consoante as perdas, que são consequência do clima, actividade física, diurese, etc.). Destes 2-3 litros, cerca de 50% (1-1,5 litros) deve ser ingerido sob a forma de líquidos. É frequente a opinião expressa em revistas e jornais que as restantes bebidas, nomeadamente as bebidas com gás, com cafeína e/ou com açúcar não auxiliam na hidratação. Este documento procura esclarecer este tema, para uma melhor informação e benefício dos consumidores. As bebidas com cafeína também hidratam? Existe uma série de bebidas que contêm cafeína na sua constituição natural, nomeadamente o café e o chá. A cafeína é um dos ingredientes mais vezes estudados em trabalhos científicos e conhecidos das diversas associações governamentais e não governamentais, sendo adicionada a muitas bebidas, incluindo alguns refrigerantes e bebidas energéticas, e alimentos. Em 1958 a entidade responsável pela regulamentação dos alimentos e medicamentos dos Estados Unidos da América “Food and Drug Administration” (FDA) classificou a cafeína como um composto GRAS, isto é, substância reconhecida geralmente como segura [2]. A FDA, em 1987, não encontrou qualquer evidência que demonstrasse que o normal consumo de cafeína produzisse qualquer risco para a saúde, tendo a “American Medical Association”, a “American Cancer Society, a “National Academy of Sciences” e a “National Institutes of Health” efectuado declarações semelhantes às da FDA concordando que o consumo moderado de cafeína é seguro. Um consumo moderado de cafeína por dia é de, aproximadamente, 300 mg, mas depende do tipo de bebidas e do seu consumo. Para além do conhecido efeito estimulante no Sistema Nervoso Central, a cafeína reduz a produção de hormona anti-diurética, levando a um aumento de produção de urina. Existem -2- muitos mitos à volta das bebidas com cafeína baseados no seu efeito diurético e consequente desidratação. Pesquisas em atletas de alta competição demonstram que esse efeito não só é insignificante durante os exercícios [3] mas que os efeitos negativos causados pelo corte dessas bebidas da dieta podem ser prejudiciais [4]. Estudos realizados com consumos de quantidades elevadas, entre 3-6 mg/kg de peso corporal, concluem que o consumo de bebidas cafeínadas não altera os níveis de hidratação nem os níveis de electrólitos excretados na urina, mesmo em consumidores não atletas (5, 6, 7, 8). Estudos recentes indicam também que, se do consumo total diário de fluidos, 75% forem provenientes de bebidas cafeínadas, não há efeitos adversos na hidratação (9). O consumo de grandes quantidades de cafeína (mais de 300 mg/dia), que não é recomendado para a generalidade das pessoas, pode levar ao aumento de produção de urina, mas isto acontece em maior grau em indivíduos não habituados ao consumo. Quem consome cafeína regularmente desenvolve alguma tolerância a estes efeitos. Quantidades de cafeína em algumas bebidas: Nome ml Cafeina (mg) mg / 100ml Celsius 355 200 56 Coca-Cola Classic 355 34.5 10 Coca-Cola Zero 355 34.5 10 Café (de Cafeteira) 237 107.5 45 Café (Descafeinado, de Cafeteira) 237 5.6 2 Café (Descafeinado, Instantâneo) 237 2.5 1 Café (Expresso) 44 175 Café (Instantâneo) 237 57 24 Diet Coke 355 45 13 Diet Pepsi 355 36 10 Diet Pepsi Max 355 69 19 -3- 77 Nome ml Cafeina (mg) mg / 100ml Lipton Iced Teas 591 50 8 Nestea Iced Tea 473 34 7 Nestea Green Tea de Pêssego 591 42.4 7 Nestea Iced Tea de Limão 591 27.5 5 Pepsi-Cola 355 38 11 Chá (Verde) 237 25 11 Chá (Gelado) 237 47 20 http://www.ameribev.org/industry-issues/healthy-balanced-diet/beverage-ingredients/caffeine O gás presente nas bebidas interfere na hidratação? Existem várias bebidas não calóricas com gás no mercado. Existem águas gasosas naturais, águas gaseificadas e bebidas refrigerantes com gás. A presença de gás nas bebidas, excluindo as águas gasosas naturais, consegue-se a partir da adição de dióxido de carbono (CO2). Quando misturado numa bebida e esta consumida, o CO2 produz em muitas pessoas sensações que são agradáveis ao nível do gosto e demais experiência organoléptica da bebida. As bebidas com e sem gás tem exactamente a mesma proporção de água. É comum a ideia, principalmente em épocas de temperaturas elevadas, que bebidas com gás devem ser evitadas porque não servem para hidratar. Estudos realizados em atletas de alta competição, que estão mais expostos aos riscos de desidratação, revelaram que o consumo de bebidas carbonatadas não influencia a excreção de electrólitos nem a quantidade de líquidos ingerida [10], não tem efeito ao nível do esvaziamento gástrico [11], não causam sensação de desconforto gastrointestinal, nem influenciam a performance do atleta [12]. Muitas destas bebidas são consumidas pelo prazer que proporcionam, e em épocas de muito calor são utilizadas também para refrescar. Esta forma de consumo pode ser vantajosa, uma vez que permite a hidratação voluntária sem que haja sede. -4- O consumidor pode escolher a bebida que mais se adequa às suas necessidades e estilo de vida, considerando o seu sabor, a presença ou não de gás e também as demais características da bebida (presença ou não de açúcar, valor calórico, preço, etc.). As bebidas com adoçantes não calóricos/edulcorantes também hidratam? Os adoçantes não calóricos ou pouco calóricos são usados na indústria para substituir o açúcar. O seu uso advém das potenciais vantagens de reduzir a ingestão calórica e de açúcares com o objectivo de melhorar a saúde (p.ex., através de um menor impacto glicémico da bebida ou protegendo a saúde dentária dos efeitos do açúcar) e também com o objectivo de controlar o peso corporal. Os edulcorantes têm assim ajudado a reduzir o valor calórico em produtos que podem facilmente ser incorporados em dietas adequadas a todos os estilos de vida [13]. Não existe nenhuma razão fisiológica para que, para a mesma quantidade de bebida ingerida, uma bebida adoçada artificialmente contribua menos para a hidratação do que uma bebida com sacarose ou outro açúcar. As bebidas com edulcorantes mantêm um sabor doce sem o valor calórico que o açúcar confere. No entanto, muitas bebidas mantém o valor calórico próprio dos ingredientes que as compõem, como do sumo de fruta por exemplo. Cada um dos adoçantes usados nas bebidas é estudado exaustivamente quanto à sua segurança. Os adoçantes não calóricos mais usados nas bebidas são o aspartame, o acessulfame k, a sacarina e a sucralose. Destes, apenas o aspartame é metabolizado e rapidamente digerido. Os outros são excretados pela urina ou pelas fezes sem serem metabolizados. Não existe nenhuma evidência científica que indique que se deva esperar qualquer efeito fisiológico de qualquer destes adoçantes, sejam eles combinados ou adicionados individualmente, se consumidos por pessoas saudáveis e em quantidades normais [14]. Por precaução, o consumo muito elevado e recorrente de adoçantes artificiais por pessoas com deficiência hepática, grávidas ou crianças com idade até aos 6 anos, deve ser evitado. Em geral, o uso de adoçantes não calóricos resulta numa maior quantidade de produtos disponíveis, como alternativas às bebidas normalmente calóricas. São portanto, uma boa alternativa como opção de hidratação [1, 5]. -5- As bebidas com açúcar também hidratam? De acordo com o Institute of Medicine, a hidratação não se limita à ingestão de água para beber, mas inclui também a ingestão de água presente nas bebidas e nos alimentos [1]. E as bebidas e alimentos têm, naturalmente, outros constituintes. Os hidratos de carbono fazem parte da nossa alimentação diária e são o nutriente que devemos ingerir em maior quantidade. Os açúcares vulgarmente adicionados às bebidas são a glucose, frutose, a sacarose ou a maltodextrina. A glucose é a principal fonte de energia das células e a frutose é um açúcar que existe naturalmente na fruta. É importante não esquecer que como qualquer outro nutriente, tem uma quantidade diária recomendada que não devemos ultrapassar. Estudos realizados com bebidas para desportistas e em desportistas, cuja reposição hídrica é fundamental, concluíram que o consumo de bebidas com hidratos de carbono (com concentração de hidratos de carbono entre 4-8%) não só não reduzem a taxa de esvaziamento gástrico [15] como são favoráveis à absorção de fluidos [16] e aumentam o seu consumo em 55% [17]. Conclusões Não existe evidência de que o consumo de bebidas com cafeína (até 300 mg/dia), com gás, com edulcorantes ou com açúcar, possa ter efeitos adversos na hidratação. -6- Bibliografia [1] Food and Nutrition Board. Dietary reference intakes for water, potassium, sodium, chloride and sulphate. Washington, DC: The National Academies Press, 2004; [2] International Food Information Council Foundation (IFIC); Caffeine & Health: Clarifying the controversies [3] Armstrong LE (2002) Caffeine, body fluid-electrolyte balance, and exercise performance. Int J Sports Nutr Exerc Metab 12,189-206 [4] Maughan RJ, J Griffin (2003) Caffeine ingestion and fluid balance: a review. Journal of Human Nutrition and Dietetics 16, 1-10 [5] Grandjean, A. et al, The effect of caffeinated, Non-Caffeinated, Caloric and Non-Caloric Beverages on Hydration; J A Coll Nutr, vol 19, No. 5, 591-600 (2000) [6] Armstrong LE et al, Fluid, electrolyte, and renal indices of hydration during 11 days of controlled caffeine consumption. Int J Sport Nutr Exerc Metab. 2005 Jun;15(3):252-65. [7] Falk B et al, Effects of caffeine ingestion on body fluid balance and thermoregulation during exercise. 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[13] International Food Information Council Foundation Review, Low Calorie Sweeteners and Health, Washington DC [14] Duffy VB, Anderson GH, Position of the American Dietetic Association. Use of nutritive and non-nutritive sweeteners. J Am Diet Assoc. 1998; 98 (5): 580-587 [15] Murray R, Bartoli W, Stofan J, Horn M, Eddy D., A comparison of the gastric emptying characteristics of selected sports drinks, Int J Sport Nutr. 1999 Sep;9(3):263-74 [16] Murray, R., The effects of consuming carbohydrate-electrolyte beverages on gastric emptying and fluid absorption during and following exercise. Sports-Med. 1987 Sep-Oct; 4(5): 322-51 [17] Wilmore JH, Morton AR, Gilbey HJ, Wood RJ. Role of taste preference on fluid intake during and after 90 min of running at 60% of VO2max in the heat. Med Sci Sports Exerc. 1998 Apr;30(4):587-95 -8-