Efeito da Tensão Mecânica na Histerese Magnética em Aço Carbono R. Y. Fujimoto(1), J. Anglada(2), M. S. Lancarotte(3), L. R. Padovese(1) (1) Escola Politécnica da USP, Av.Prof. Mello Moraes,2231, CEP05508-900, São Paulo,SP,Brasil E-mail: [email protected] (2) Departamento de Física da Universidade de Oriente, Cuba E-mail: [email protected] (3) Instituto de Física da USP, Rua do Matão Trav.R, 187, CEP05508-900, São Paulo, SP, Brasil E-mail: [email protected] Resumo Esse trabalho apresenta um estudo do efeito da tensão mecânica em parâmetros magnéticos básicos constantes da curva de histerese de aço carbono SAE 1005. A curva de histerese para diversas tensões foi obtida e uma análise de características magnéticas básicas permitiu estabelecer uma correlação entre estas características e a tensão mecânica aplicada nas amostras. Também foi feita uma análise da influência de diferentes tratamentos térmicos nestas características magnéticas. Além dos resultados obtidos, são apresentadas as metodologias utilizadas, assim como o aparato experimental utilizado. Os resultados mostram que as propriedades da curva de histerese do material estudado possuem uma perceptível dependência tanto da tensão aplicada quanto do tratamento térmico utilizado. Estes resultados permitem vislumbrar abrir novas possibilidades de ensaios não destrutivos. Abstract This paper presents a study of the stress effects on some parameters of magnetic hysteresis loop for steel SAE 1005. The hysteresis loop for several applied stress is obtained and an analysis of basic magnetic features allows establishing a correlation between these features and the applied stress on samples. In addition, the influence of different heat treatment on the histeresis loop is analyzed. The used methodologies are described, as well as the used experimental equipment. We noticed that the hysteresis loop properties of studied material clearly depend on the heat treatment and applied stress, indicating new possibilities for nondestructive tests. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 26901 1. INTRODUÇÃO Os métodos usualmente utilizados para medição de tensão mecânica em estruturas e peças de equipamentos são baseados em extensometria, fotoelasticidade, difração de Raios X ou Nêutrons. Em particular para problemas de medição de tensões residuais ou concentração de tensão ‘in situ’, o emprego dos métodos acima torna-se problemático. Nos últimos anos tem-se aumentando o interesse no desenvolvimento de métodos magnéticos para realizar este tipo de medição. É uma classe de métodos não destrutivos baseado no Efeito de Barkhausen. Quando o material é excitado magneticamente com um campo cíclico, a movimentação brusca das paredes dos domínios produz um pulso magnético conhecido por Efeito de Barkhausen. Em termos da curva de histerese, este efeito corresponde a descontinuidades nesta curva durante o ciclo de magnetização. Este efeito é sensível a propriedades intrínsecas do material e particularmente a tensão mecânica nele atuante [1]. Baseado na relação entre ciclo de histerese e Efeito de Barkhausen, iniciou-se um estudo sobre a possibilidade de se utilizar parâmetros magnéticos básicos para medir tensão mecânica. O presente trabalho apresenta os primeiros resultados obtidos para aços carbono 1005, bem como a metodologia utilizada. Trata-se de resultados mostrando a correlação entre características magnéticas com a variação de tensão mecânica e com tratamentos térmicos diferentes. A literatura sobre o assunto é escassa e apresentam somente estudos para aços elétricos como por exemplo o trabalho de Bozorth [3]. É conhecido que as características da curva de histerese estão relacionadas com a composição do material, o tamanho de grão e a tensão aplicada sobre a peça [3]. Este trabalho pretende mostrar a correlação entre estas características. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 26902 2. MÉTODO EXPERIMENTAL Foram utilizadas amostras em formato de pequenas chapas de aço carbonos 1005, com dimensões, 2,5x14x190 mm. Estas amostras foram tratadas termicamente através de uma normalização de modo a eliminar as possíveis tensões residuais, resultantes da laminação e/ou da usinagem. Com o objetivo de se verificar a influência de tratamentos térmicos (tamanho de grão) nas amostras foram feitos três tratamentos térmicos diferentes. As amostras foram aquecidas até 900 oC a uma taxa de 30 oC/h. Algumas foram retiradas e deixadas resfriar ao ar para obter um grão mais fino. Estas amostras são chamadas de "gf". Outras foram resfriadas no forno até 670 oC, a uma taxa de 28 oC/h e retiradas para resfriamento ao ar. Assim obtém-se peças de um grão médio, chamadas de "gm". O terceiro lote foi obtido deixando algumas peças resfriando no próprio forno. para obter um grão grosso, chamado de "gg". A Figura 1 mostra as fotos das microestruturas obtidas com os três tratamentos térmicos. 20 µm (a) 20 µm (b) 20 µm (c) Figura 1. Microestrutura do aço 1005 para os três tratamentos térmicos. (a) gf, (b) gm, (c) gg CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 26903 Em cada amostra foi aplicado um campo magnético senoidal de freqüência 5 Hz e amplitude de corrente de 1,7A. Como sensor de leitura utilizou-se uma bobina enrolada na peça. A tensão obtida nesta bobina de leitura, após passar por um integrador era lida simultaneamente com a corrente de indução através de um sistema de aquisição de sinais. Com a finalidade de se diminuir os efeitos de ruídos aleatórios na análise, cada um dos dois sinais corresponde a uma média de quarenta ciclos. Uma primeira série de dados foi obtida através de um conjunto de peças com três tratamentos térmicos diferentes. Uma segunda série foi obtida variando a tensão mecânica aplicada numa peça. A peça foi colocada numa máquina de ensaio de tração e para cada tensão mecânica foram coletados os sinais médios de indução e induzido. As tensões mecânicas foram aplicadas no regime elástico da peça. Os resultados apresentados neste trabalho dizem respeito apenas a peça de aço 1005 com tratamento térmico de normalização. A fixação da peça na máquina de teste de tração foi feita através de mordentes de aço inox, a fim de isolar magneticamente a peça do equipamento de tração. O esquema da instalação experimental integrada é mostrado na fig. 2. 3. MÉTODO DE ANÁLISE No processo de medida o objetivo foi obter a curva de histerese de cada caso, ou seja, obter o campo magnético induzido B e o aplicado na peça Hreal. Da aquisição foi obtido para cada peça um par de sinais médios, sendo o primeiro a corrente senoidal da bobina de indução e o segundo a corrente induzida na bobina coletora. Para se obter a curva de histerese é preciso relacionar estas correntes com o campo magnético aplicado e o campo magnético induzido, respectivamente. O campo magnético aplicado será expresso na unidade de A/m e o campo induzido em T. A conversão de corrente para campo magnético aplicado sobre a peça, foi obtida, utilizando-se um gaussímetro. Mediu-se o campo aplicado no meio da bobina, sem a amostra, quando a corrente aplicada é igual a 1 Ampére. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 26904 Figura. 2. Esquema da instalação experimental. A conversão da corrente induzida para o campo magnético induzido, foi feita através da seguinte relação [2]: B= I ind N⋅A (4) sendo Iind a corrente induzida na bobina coletora que será obtida na saída do integrador, N o número de voltas da bobina coletora (neste caso 15 voltas), e A a área da bobina, que para maximizar as características da peça, foi utilizado igual à área da seção transversal da peça. O campo magnético aplicado real, Hreal, depende da forma da peça e do campo induzido. No caso do paralelepípedo, ou seja, comprimento finito, surge, no processo de magnetização, um campo de desmagnetização Hd provocado pelo campo magnético induzido CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 26905 B, que possui a direção oposta de H (campo aplicado). Deste modo, há uma diminuição do campo magnético real aplicado na peça. Portanto tem-se Hreal H real = H − N d ⋅ B (5) sendo Nd um fator de desmagnetização dependente da forma geométrica [4]. Osborn [4] propôs uma aproximação para diferentes formas geométricas. No presente trabalho, utilizou-se uma aproximação da forma da amostra para um elipsóide com as seguintes relações entre semi-eixos: a >> b ≥ c (6) Como o campo magnético é aplicado na direção do eixo maior, ou seja, o semi-eixo a, tem-se como fator de desmagnetização a seguinte relação: b⋅c 4⋅a N d = 2 ⋅ ln − 1 a b + c (7) Portanto, através da expressão (5) é possível se determinar o Hreal . Para este tipo de aparato, tem-se mostrado na figura 3 a seguinte curva de histerese, com as respectivas características que saem dela: Figura. 3. Curva de Histerese CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 26906 Outro fator que se deve analisar no processo de magnetização é se a espessura da amostra é compatível com o campo de indução, ou seja, se haverá uma magnetização homogênea em toda a espessura. Para analisar este problema utiliza-se a profundidade δ [4] onde o campo magnético aplicado H possui uma intensidade igual a 37 por cento da superfície da peça. Este parâmetro é dado por: δ = 5030 ⋅ ρ µr ⋅ f [cm] (8) sendo ρ a resistividade em Ω.cm2/cm do material, µr é a permeabilidade relativa do material na condição estudada e f é a freqüência do campo magnético aplicado. No caso do material estes valores são: ρ = 0,13 Ω.cm2/cm e µr (p/ B~1,9 Tesla) = 79. Portanto, uma estimativa para a profundidade δ é 91,25 cm. Conseqüentemente, podese dizer que a espessura da amostra utilizada é muito pequena em relação a este valor, podendo ser considerada uma indução homogênea em toda a seção transversal. 4. RESULTADOS As características magnéticas que podem ser estudados a partir da curva de histerese, que são mostradas na figura 3, são: - permeabilidade µ; - remanência Br; - perdas por histerese W; - coercividade Hc; - indução máxima Bmáx. Destas 5 características apenas as duas últimas foram utilizadas para análise neste trabalho. A permeabilidade é determinada através de um processo diferente do adotado para análise das amostras neste trabalho. Ela é a resposta ao um impulso magnético, e portanto tipo de medida utilizado (excitação senoidal) não é o mais adequado para analisar este parâmetro magnético. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 26907 2 1.5 1 B (T) 0.5 0 1005-gf 1005-gm 1005-gg -0.5 -1 -1.5 -2 -4 -3 -2 -1 0 H(A /m ) 1 2 3 4 x 10 4 Figura 4. Curvas de histerese para diferentes tipos de tratamento térmico. 2 1.5 1 B (T) 0.5 1005-0 M Pa 1005-150 M P a 1005-200 M P a 0 -0.5 -1 -1.5 -2 -4 -3 -2 -1 0 H(A /m ) 1 2 3 4 x 10 4 Figura 5. Influência da tensão mecânica na curva de histerese Quanto à remanência, por sua própria definição, é a magnetização que persiste na peça após cessar a aplicação do campo magnético. Porém, para a peça considerada, existe um campo de desmagnetização proporcional ao campo de magnetização. Deste modo, a amostra continua a ser induzida mesmo quando o campo aplicado se torna nulo: H real ( H = 0 ) = N d ⋅ B CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais (9) 26908 Por esta razão, neste caso, esta característica não possui significado físico, e conseqüentemente não foi utilizado para analisar os dados obtidos neste trabalho. Desta maneira, nas análises dos resultados apresentados abaixo apenas se utilizam a própria curva de histerese, o Bmáx e o Hc. A Figura 4 apresenta as curvas de histerese para os três tratamentos térmicos realizados nas amostras. Nota-se claramente a influência deste parâmetro na curva de histerese. Assim como se pode notar também na Figura 6, tanto o Bmáx quanto o Hc são dependentes do tratamento térmico. Como no caso do material utilizado o tratamento térmico não produz mudança de fase, mas apenas diferentes tamanhos de grãos, pode dizer que o tamanho de grão é um fator que afeta os parâmetros característicos do ciclo de histerese. 1,9 1,95 1,85 1,9 1,8 1,85 Hc (x103A/m) Bmáx(T) 1,75 1,7 1,65 1,6 Aço 1005 1,8 1,75 1,7 Aço 1005 1,65 1,55 1,5 1,6 25 30 35 40 45 50 55 60 65 25 30 35 Tam anho de grão (µ µ m .) 40 45 50 55 60 65 Tamanho de Grão (µ µ m.) (a) (b) 1,9 3,6 1,88 3,5 Hc (x103 A/m ) Bm áx (T) Figura 6. Correlação entre o tamanho de grão com (a) Bmáx e (b) Hc 1,86 1,84 3,4 3,3 Aço 1005 Aço 1005 1,82 3,2 1,8 3,1 0 20 40 60 80 100 120 140 Tensão Mecânica (MPa) (a) 160 180 200 220 0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 220 Tensão Mecânica (MPa) (b) Figura 7. Correlação entre Tensão Mecânica e (a) Bmáx; (b) Hc CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 26909 Na Figura 5 nota-se a influência da tensão mecânica na curva de histerese do material. A Figura 7 mostra particularmente esta correlação entre a tensão e os parâmetros magnéticos Bmáx e Hc. Pode-se observar que a relação é quase linear. Quanto maior a tensão aplicada menor será a coercividade Hc e a indução máxima Bmáx,. 5. CONCLUSÕES Os resultados apresentados mostram que existe a possibilidade de utilizar a curva de histerese e características magnéticas básicas para monitorar tensão mecânica em aço carbono de baixo carbono. Nota-se uma relação quase linear entre o campo de indução magnética máxima, Bmáx e da coercividade Hc com a tensão mecânica aplicada nas amostras. Além disto o estudo revelou a dependência destes parâmetros (e da curva de histerese) quanto ao tratamento térmico das amostras e no caso do aço 1005, quanto ao tamanho de grão. Pretende-se ainda estudar a influência da porcentagem de carbono nos parâmetros magnéticos básicos, e estender os estudos quanto a monitoramento de tensão mecânica para aços de maior teor de carbono. Estes resultados abrem uma nova possibilidade de ensaio não-destrutivo (ENDT) para monitorar o esforço a que uma peça está sendo solicitada ou a sua estrutura. AGRADECIMENTOS Agradecemos à FAPESP (99/09600-1) pelo apoio financeiro que possibilitou este trabalho. REFÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] L.R. Padovese, J.A Capo, J. Anglada-Rivera, apresentado no XIXCongresso Nacional de Ensaios Não Destrutivos CONAEND, São Paulo, Brasil, 2000,CD-ROM. [2] D.Jiles, Introduction to Magnetism and Magnetic Materials, Chapman and Hall, New York, 1991, p.440. [3] R.M.Bozorth, Ferromagnetism, Van Nostrand, New York, 1951, p.595 e 968. [4] J.A. Osborn, Physical Review 67 (1945) 351. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 26910