1 EMANCIPAÇÃO POLÍTICA X EMANCIPAÇÃO HUMANA: desvendando o real significado do Plantão Social Danielle Kristhine Alécio Virtuoso Vieira* RESUMO Este artigo pretende avaliar a prática do Serviço Social no Plantão Social, em relação à emancipação humana proposta por Marx, como única alternativa a esse modo de produção, excludente e contraditório em sua essência. Surgiu a partir do desenvolvimento da nossa prática, como assistente social, na Secretaria Municipal de Promoção da Cidadania e Assistência Social de Maceió. Através de uma pesquisa bibliográfica, procuramos refletir sobre o verdadeiro significado do Plantão Social, verdadeiro porque o Estado, como persona do capital, imputa a este setor um significado que não é real, o de conter as refrações da questão social. Esperamos com isso, contribuir para uma prática profissional consistente, cujo objetivo maior seja a transformação dessa sociedade, considerando a emancipação política dos indivíduos como um caminho à emancipação humana. Palavras chave: Serviço Social. Plantão Social. Emancipação Política. Emancipação Humana. Transformação Social. Sociedade. ABSTRACTS This article intends to evaluate the practical one of the Social Service in the Social Plantao, in relation to the emancipation human being proposal for Marx, as only alternative to this way of production, exculpatory and contradictory in its essence. It appeared from the development of practical ours, as social assistant, in the City department of Promotion of the Citizenship and Social Assistance of Maceió. Through one it searches bibliographical, we look for to reflect on the true one meant of the Social, true Plantao because the State, as persona of the capital, imputes to this sector one meaning that is not real, to contain refractions of the social matter. We wait with this, to contribute for one practical consistent professional, whose bigger objective is the transformation of this society, considering the emancipation politics of the individuals as a way to the emancipation human being. Keywords: Social service. Social Plantão. Emancipation Emancipation Human being. Social transformation. Society. Politics. 1 INTRODUÇÃO Avaliar a prática do Serviço Social no Plantão Social, bem como a sua efetividade na sociedade capitalista, é submetê-la às condições históricas que a cercam, portanto, inseri-la numa teia que é muito mais profunda do que possa parecer a sua prática cotidiana. * Assistente Social da Secretaria Municipal de Assistência Social de Maceió; Professora substituta do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas; Mestranda em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas. São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 2 Sem dúvida trata-se de um desafio: explicitar a prática do Serviço Social no Plantão Social, entendê-lo numa lógica dentro do modo de produção capitalista e ainda avaliar essa prática, embasados pela teoria social de Marx, pois, somente dessa maneira estaremos contribuindo para uma prática profissional consistente, cujo objetivo maior seja a transformação dessa sociedade. Deixar de ser meros náufragos, tentando sobreviver em tábuas salva-vidas e trabalhar no sentido da transformação social é, a meu ver, o único caminho coerente com as diretrizes e princípios da nossa profissão. O desafio é grande, mas entender e desvendar as teias que compõem o Plantão Social é vital para a existência dessa profissão. 2 SERVIÇO SOCIAL, EMANCIPAÇÃO HUMANA X EMANCIPAÇÃO POLÍTICA O movimento de reconceituação possibilitou uma crítica tanto às práticas, quanto aos fundamentos da profissão. A visão harmônica, caritativa e ligada à igreja, própria da época do surgimento do Serviço Social, especificamente na América Latina, foi abrindo espaço, com a laicização da profissão, à tecnocracia, à burocracia, ao funcionalismo, a uma melhor qualificação profissional, até chegar a uma visão crítica do homem e da sociedade que se inicia com a direção que a profissão segue, intitulada por José Paulo Netto de Intenção de Ruptura (PAULO NETTO, 1992), até a construção do projeto ético-político da profissão. Portanto as mudanças não estão só na prática, nem nos fundamentos, mas é uma mudança constitutiva que remete à profissão como um todo. Segundo Faleiros (informação verbal)1, o Serviço Social se inscreve numa relação social, numa perspectiva emancipatória, numa perspectiva de mudança, de transformação social, mudança na trajetória do sujeito através das relações de força e de poder, como diria Marx, uma mudança política e de alma. As questões que chegam aos assistentes sociais são demandas que se articulam em estratégias para mudanças, mas a ênfase deve ser nas mudanças estruturais e na mudança dos sujeitos, já que ser consciente é tomar conhecimento das relações que fundam a nossa existência. O profissional deve intervir na mudança e no significado da vida, na valorização do gênero humano, na autonomia, que significa uma possibilidade de independência para que as pessoas possam, nessa trajetória, enfrentar os poderes e a situação de exploração em que se encontram na construção de uma nova forma de existência e de relação social. O 1 Vicente Faleiros em palestra proferida quando da III Jornada Alagoana de Serviço Social, em maio de 2003Maceió-AL. São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 3 primeiro passo é passar de pedintes a reivindicantes e buscar autonomia não só para sobreviver, mas para viver e se organizar. A assistência social não é só benefício, mas implica primeiro, nesta sociedade burguesa, o conjunto da cidadania, inclusão reconhecimento social, político...sem esses pressupostos não se pode falar em transformação social. A emancipação política, apesar de não bastar, é imprescindível para que haja a emancipação humana. Se faz necessário a instituição de um sujeito com direitos políticos, civis e sociais, já que o fortalecimento do sujeito implica essa articulação. Nesse sentido o trabalho do assistente social se inscreve numa relação de poder institucional, num processo conflituoso entre os pactos que se formam, nas organizações que trabalham e que fragmentam, retardam, atrapalham a luta pela transformação dessa sociedade. O exercício profissional, mais que uma crítica ao nosso exercício cotidiano, deve ser também uma crítica acirrada ao capitalismo e a esse exercício de poder. Entender a realidade complexa sob o ângulo do usuário é uma condição de possibilidade de reação; de reação à humilhação, à exploração, à contradição, ao tratamento desigual que é dado nessa sociedade burguesa; ouvir as propostas e articulá-las de acordo com as demandas através de um processo que vai fortalecer aos sujeitos, valorizar o saber popular, articular o saber dos usuários com as questões que independem de nós profissionais, já que temos condições de construir, compartilharmente, espaços de serviços, de recursos dos quais nós podemos dispor, de saber, enfim, espaços de poder a serviço ou da manutenção dessa ordem, que seria contrário a todos os princípios da nossa profissão nos tempos atuais, ou no caminho da construção de um novo modo de produção, este sim, igualitário, comunitário, justo, onde a inclusão não será só discurso e a busca por direitos não será uma luta necessária, visto que só se reclama como direito o que não é comum a todos e isso, definitivamente, não aconteceria numa forma superior de organização da sociedade. Afinal os assistentes sociais e usuários, e não só estes últimos, devem entenderse como sujeitos da história, pois a conscientização é um processo vinculado às mudanças nas relações, já que nós nos tornamos conscientes à medida que entendemos que podemos mudar nossa relação com o mundo. 3 O PLANTÃO SOCIAL FRENTE À EMANCIPAÇÃO HUMANA De acordo com a LOAS-Lei Orgânica da Assistência Social2, em seu artigo 1º: 2 Lei Nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 4 A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas (BRASIL, 2001, p.7). Dentre os princípios da política de assistência social (de acordo com a LOAS) está a implementação dos Benefícios Eventuais: Art.22. Entendem-se por benefícios eventuais aqueles que visam o pagamento de auxílio por natalidade ou morte às famílias cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. Inciso 2º. Poderão ser estabelecidos outros benefícios eventuais para atender necessidades advindas de situações de vulnerabilidade temporária, com prioridade para a criança, a família, o idoso, a pessoa portadora de deficiência, a gestante, a nutriz e nos casos de calamidade pública (BRASIL, 2001, p.26). Nesse contexto o Plantão Social deve funcionar como um eixo da política de assistência social para viabilizar uma série de serviços que constam na LOAS. Essa indicação é muito importante porque, para a maioria das pessoas, e até para alguns profissionais de Serviço Social, o Plantão Social deve funcionar com um fim em si mesmo e, como num passe de mágica, dar conta de todos os tentáculos da política de assistência social: atender às situações de vulnerabilidade social temporária com os benefícios eventuais e ainda promover o usuário, sua família, criar e executar projetos de enfrentamento da pobreza3, enfim viabilizar uma série de benefícios e programas que constam na LOAS. Citando Fernandes Silva e Joanini, citado por Trindade (1999, p. 279), O Plantão Social não é simplesmente um espaço de ações assistenciais restritas. É um espaço que oportuniza através da relação direta assistente social-usuário uma prática para a operacionalização dos direitos sociais através da informação, da orientação, do encaminhamento aos recursos sociais; é um espaço de apreensão dos problemas cotidianos vivenciados pela população excluída do trabalho/consumo; é um espaço de pesquisa para reflexão e análise da realidade sócio-econômica-cultural-política dessa população, cujos resultados significam subsídios para a elaboração de diagnósticos e de políticas sociais nas diferentes áreas sociais. Ao que acrescentamos: o Plantão Social é um espaço privilegiado para subsidiar a propositura de políticas sociais, visto que a demanda apreendida é rica pela sua diversificação; naquele espaço o assistente social trabalha com famílias, crianças, pessoas portadoras de deficiências, migrantes e imigrantes... o que oferece ao profissional uma dimensão da situação social real, no espaço geográfico onde desenvolve sua prática. 3 Os projetos de enfrentamento da pobreza compreendem a instituição de investimento econômico-social nos grupos populares, buscando subsidiar, financeira e tecnicamente, iniciativa que lhes garantam meios, capacidade produtiva e de gestão para melhoria das condições de vida, a preservação do meio-ambiente e sua organização social. (LOAS, 2001, Seção V, Art. 25, p.28). São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 5 Constitui-se em um locus privilegiado de ação profissional também, porque ao trabalhar diretamente com os usuários, o assistente social tem liberdade para expor seus conhecimentos e dividir seu saber, no sentido de capacitá-los a reivindicar uma situação mais justa de vida e até de desencadear um processo de conscientização em busca da transformação social dessa sociedade. Ali estão assistente social e usuário, numa relação dialética onde os saberes de ambos são compartilhados para enriquecer a prática social de um e a vida cotidiana do outro. O Plantão Social é a porta de entrada para as demandas e um instrumento de análise para que se efetive uma prática social consistente, para que se desenvolva uma rede de ligação entre os vários setores que compõem a política de assistência social, mas não se constitui num fim último e nem é responsável por executar todas as etapas dessa política, por mais competentes que sejam os profissionais, é importante deixar claro que, a ação do Serviço Social é coletiva, que uma ação individual não rebate no todo, portanto, é na junção dessas práticas dos profissionais, em vários setores e em várias instituições, configurando uma rede, que se efetiva uma prática consistente e condizente com o nosso projeto profissional. Necessário se faz esclarecer que o Serviço Social não é igual à Assistência Social, apesar de atuar dentro dessa política existem outros profissionais que também tem sua intervenção nela. E ainda mais, o assistente social também pode atuar em outras políticas: saúde, educação, habitação etc, portanto, outro equívoco a ser esclarecido: Serviço Social e assistência social são coisas diferentes, Mas há de se atinar para o fato de que o assistente social está em todas as esferas de execução dessa política e não apenas no Plantão Social, ou talvez, a razão do equívoco seja porque a aparência do que o assistente social faz,’ não revela a complexidade da profissão. Para combater esse equívoco é necessário avaliar os limites e possibilidades do assistente social no Plantão Social e atentar também para o fato de que as políticas sociais são fragmentadas e focalizadas, disponibilizadas nesta sociedade para apaziguar ou camuflar os problemas em curto prazo e que por mais qualificação que o profissional tenha, não vai resolver a questão social. Primeiro, porque não é função do assistente social resolver a questão social que, como é fruto da contradição entre capital trabalho, só a extinção desse modo de produção resolveria. Nesse contexto, o assistente social é apenas um instrumento num processo global, onde a transformação social não é tarefa apenas de uma profissão, mas de toda a sociedade. Segundo, que por mais efetivamente que funcione o Plantão Social, ou seja, com todos os benefícios e bens tangíveis disponíveis, atendendo às necessidades imediatas da população usuária da assistência social, a questão social só será elucidada quando houver uma mudança radical nessa forma de sociedade, quando os sujeitos partícipes desse processo, profissionais e usuários, tiverem a consciência e as São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 6 condições objetivas para transformar essa sociedade, enfim, quando se dissiparem às contradições de classes, inerentes à relação capital x trabalho, no modo de produção capitalista. Portanto, é na perspectiva da transformação que o assistente social deve trabalhar, é esse o objetivo a se buscar. De nada, ou de muito pouco adianta lutar em direção oposta a essa transformação. E se insistirmos nessa “saída” vamos continuar com o sentimento de frustração, incompetência e o que é pior, vamos caminhar para um lado que tende a enfraquecer à nossa profissão e enfraquecer, a nós profissionais e aos usuários da assistência social, como meros sobreviventes desse sistema, sem direitos, sem consciência, sem igualdade, enfim não seremos parte de um gênero humano, no seu sentido amplo como escreveu Marx. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Postas estas questões poderíamos indagar por que o Plantão Social não atende às expectativas da população? Dentre tantos problemas estruturais, o mais determinante é que não é essa a vontade das personas do capital. Porque na sociedade burguesa a igualdade é formal e a liberdade é restrita e ambos servem como instrumentos, legalizados pelo Estado, para mascarar a contradição existente entre capital x trabalho que se expressa por meio da questão social. O Plantão Social também serve para driblar as crises do capitalismo e conter as tensões dos usuários quando estes resolvem, num momento de estabelecimento da consciência para si, questionar a ordem estabelecida, ou até como um mecanismo de controle para que isso nunca venha a acontecer. Já que, citando Marx, apud Tonet: “O poder político propriamente dito é o poder organizado de uma classe para opressão de outras” (TONET, 2004, p, 6). Ora, como o Plantão Social poderia dar respostas concretas, que seguissem no caminho da emancipação humana do indivíduo, se todas as ações desse Estado e dessa sociedade indicam e conduzem justamente ao caminho contrário? Uma coisa é certa, os assistentes sociais que ali trabalham, podem e devem apontar aos usuários o caminho da transformação social, isso sim depende da sua competência profissional, aproveitar os espaços, na sua prática profissional, que indiquem essa direção O que distingue uma prática coerente, baseada com os princípios da assistência social, do assistencialismo, é a intenção que se coloca na ação profissional. Ou melhor, não é o benefício que caracteriza essa distinção e sim o discurso, a intencionalidade do profissional que pode conduzir para São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 7 manter e reproduzir a alienação e a exploração, ou indicar o caminho da emancipação humana. Como já citamos anteriormente, somente a emancipação política é possível nessa sociedade, parafraseando Tonet (2004, p. 8), “Não há dúvida de que a emancipação política representa um grande progresso e, embora não seja a forma mais elevada da emancipação humana em geral, é a forma mais elevada da emancipação humana dentro da ordem do mundo atual”. Mas esta não basta para nos tornarmos humanos, já que a igualdade e a liberdade são valores formais e que a verdadeira liberdade, irrestrita, só se dará em outra forma de sociedade. Partindo desse princípio, concebemos que não é “culpa” dos assistentes sociais que os projetos de humanização que os setores de Serviço Social nas instituições propõem não dêem certo, já que é impossível humanizar um sistema que por sua própria essência é destruidor, explorador e desumanizador. Numa perspectiva marxista, que é a que nos propomos a analisar o Plantão Social, não existem propostas humanizadoras e sim propostas revolucionárias, já que “Toda revolução dissolve a velha sociedade; nesse sentido é social. Toda revolução derruba o velho poder, neste sentido é política” (MARX, 1995, p.24). REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Previdência e Assistência Social. LOAS-Lei Orgânica da Assistência Social. Brasília: 2001. GONZAGA, Rose Mary Soares de Lima. A hora da prática: o Serviço Social, o Plantão Social e o projeto ético-político. TCC (Especialização em Gestão e Controle Social das Políticas Públicas) - UFAL, Maceió: 2004. LESSA, Sérgio. TONET, Ivo. Introdução à filosofia de Marx., UFAL, Maceió, 2004. Texto mimeografado. MARX, Karl. Glosas críticas marginais ao artigo O rei da Prússia e a reforma social. De um prussiano. Revista Práxis Nº 05. out/dez-95, Ed. Projeto, 1995. ______. Manuscritos econômico-filosóficos. A questão judaica. Trad. Alex Martins. São Paulo, Ed. Martin Claret, 2004. NETTO, José Paulo. Ditadura de Serviço Social – Uma análise do Brasil pós-64. São Paulo, Ed. Cortez, 1991. TONET, Ivo. Prefácio ao Glosas críticas...de Marx. Disponível em: <http://www.geocities. com/ivotonet.> Acesso em 15 de outubro de 2004. ______. Cidadania ou emancipação humana?. Disponível em:< http://www.geocities.com/ ivotonet>. Acesso em 12 de fevereiro de 2005. São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 8 TRINDADE, Rosa Lúcia Prédes. Desvendando o instrumental técnico-operativo na prática profissional do Serviço Social. Tese (Doutorado) - UFRJ, Rio de Janeiro, 1999. São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005