PRINCIPAIS PESQUISAS E EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS RECENTES RELACIONADAS À APRENDIZAGEM Texto de André Genesini Vygotsky diferencia a experiência do homem e do animal pela experiência histórica, pela experiência social e pela consciência, ou o que ele chama de experiência desdobrada. Assim o comportamento animal é explicado pela soma de (1) Reações hereditárias + (2) reações hereditárias X experiência individual. O comportamento do homem, por outro lado, é definida pela seguinte fórmula: Comportamento do Homem = (1) reações hereditárias + (2) reações hereditárias X experiência individual + (3) experiência histórica + (4) experiência social + (5) experiência desdobrada (consciência) (VYGOTSKY, 2004, p. 44). Essas são as bases que Vygotsky usa para construir seu modelo do desenvolvimento humano que ainda é muito atual e válido, mesmo sob a lente das últimas descobertas cientificas sobre o cérebro humano. No presente texto, a estrutura conceitual de Vygotsky é utilizada como arcabouço estrutural para uma síntese das principais pesquisas e publicações cientificas, dos últimos 20 anos, sobre o funcionamento do cérebro humano. Essas pesquisas são sintetizadas neste texto sempre sob a ótica do aprendizado e quais as recomendações para a relação professor-aluno. 1. O subconsciente e a apreensão de novos significados Tiller (2005b) afirma que o subconsciente recebe quatrocentos bilhões de bits de informação por segundo, enquanto que a parte consciente do cérebro somente pode processar dois mil bits de informação por segundo. Ou seja, o processamento de informações pelo subconsciente é milhões de vezes maior que a parte consciente da mente. A maior parte do trabalho pesado de fazer o corpo funcionar é feita pelo subconsciente. O subconsciente recebe uma quantidade enorme de informação que ele manipula e organiza em blocos coerentes. Uma parte dessas informações é passada à parte consciente, mesmo assim somente o que tem sentido para tal parte, pois se a informação não tem alguma conexão de sentido prévio com a parte consciente do cérebro, ela é perdida. Por isso, segundo Tiller (2005b), quanto mais o indivíduo define as coisas com base em significados e na linguagem, mais consciente a pessoa fica, no sentido que mais informações novas podem ser recebidas pela parte consciente da mente. Com o tempo as memórias e conhecimentos elaborados podem ser passados ao subconsciente, quando diminuem sua importância, porém devem, no caso do aprendizado significativo, primeiro ser assimiladas pela parte consciente da mente. Pesquisadores americanos mantiveram gatos recém-nascidos em um ambiente experimental onde não havia linhas verticais. Semanas depois os gatos foram transferidos para um ambiente normal e passaram a esbarrar em pernas de cadeira e outros objetos verticais, pois, como o significado da dimensão vertical não existia para eles, a parte consciente da mente não podia receber essa informação da parte subconsciente. (ARNTZ, 2007 e WALKER, 1988). Esses fatos científicos corroboram ainda mais o principio construtivista de que o conhecimento deve ser construído a partir de experiências e significados que o aluno já tenha. Ou, em termos mais práticos, assim sintetiza Almeida o significado e a importância dessa prática: Busca do que os alunos já sabem: ou seja, o saber local como fonte de significado. (...) Inclusive é isso que permite capturar as ditas motivações dos alunos para nossas aulas. Sem isso, eles não se reconhecerão no trabalho, na participação em aula e na solução de problemas. (ALMEIDA, 2007, p. 86). Dentro desse contexto, Vygotsky (2003 e 2004) contribuiu com as bases científicas para a explicação do tipo de ensino-aprendizagem que este trabalho propõe. Freire, por sua vez, contribui com sua pedagogia libertadora, dando relevância social e política à ação educativa. 2. O sentido psicológico da atenção A sessão anterior explicou como a relação entre o subconsciente e o consciente da mente é mediada pelos significados e definições que o homem constrói. Vygotsky vai além e demonstra que mesmo as informações que são processadas pela parte consciente da mente estão em constante disputa pela atenção do indivíduo. Vygotsky sintetiza muito bem a relação entre o consciente e o subconsciente, além da subseqüente disputa pela atenção consciente, no seguinte trecho: Seria correto, ainda, comparar o sistema nervoso a uma porta estreita em algum prédio grande ou teatro, para onde se precipita em pânico uma multidão de muitos milhares. Os que passam pela porta são uns poucos que se salvaram dentre os milhares que morreram, enquanto a própria luta pela porta lembra de perto essa luta pelo campo motor comum, que se desenvolve incessantemente no organismo humano e dá ao comportamento do homem o caráter trágico e dialético de luta incessante entre o mundo e o homem e entre os diversos elementos do mundo dentro do homem. (VYGOTSKY, 2004, p. 48). No texto Vygotsky menciona a luta entre o homem e o mundo, em que somente alguns elementos chegam ao nível consciente. Há também a luta dos elementos dentro do homem, que é a luta pela atenção. A atenção é o ato de focar todos os sentidos e processamentos internos para um determinado e pequeno subconjunto de estímulos que chegam à parte consciente da mente com o objetivo de facilitar a penetração destes estímulos e informações a consciência. A atenção faz os sentidos e os processos internos se dedicarem a um foco em detrimento de outros estímulos e processos. O barulho de um copo que quebra ou de um disparo faz parar todos os outros processos internos e prepara o corpo para a defesa, por exemplo. Uma característica importante da atenção é que significa distrair-se de tudo mais. Então quando se diz que o aluno está distraído, ele está apenas com sua atenção em outro processo, externo ou interno (memórias, reminiscências). É o trabalho do educador trazer o aluno para o foco que convém ao processo de ensino-aprendizagem. Existem alguns fatos sobre o processo da atenção humana que devem ser conhecidos para o educador exercer bem sua prática. Hameroff (1999) afirma que no cérebro, os momentos conscientes acontecem 40 vezes por segundo. Ou seja, a realidade não é captada de modo contínuo pela mente humana, mas em momentos conscientes singulares de informações que o cérebro reúne e monta como um filme. Vygotsky já tinha indício desse fato com base em experiências em laboratório e concluiu que a atenção humana é rítmica, devendo ser constantemente renovada, como ele bem sintetiza no seguinte trecho. Por mais estranho que pareça, a duração da atitude mede-se por um intervalo de tempo sumamente insignificante e nos casos mais relevantes mal passa de alguns minutos; depois disso começa uma espécie de oscilação rítmica da atitude. Esta desaparece e torna a surgir se as condições do comportamento exigirem a sua manutenção durante um longo período. A atitude se processa como que por impulsos com intervalos, por linha pontilhada e não linha compacta, regulando as nossas reações por impulsos e deixando que elas aconteçam por inércia em intervalos entre um e outro impulso. Assim o ritmo se torna a lei básica das nossas atitudes e exige que consideremos todas as exigências pedagógicas daí decorrentes (VYGOTSKY, 2004, p. 153). A questão do ritmo é essencial para a própria sobrevivência do ser humano. Segundo o hipnotista profissional Vitale (2007) todo indivíduo está constantemente em um estado de transe de atenção que é rítmico. Esse ritmo é essencial para o próprio ser humano na medida em que permite verificar se não há condições externas no ambiente que sejam uma ameaça potencial como um objeto caindo. Nesse sentido, momento a momento, a atenção é renovada, dependendo de quão forte é o estímulo para a concentração. Porém, a qualquer instante um estímulo muito forte pode tirar a atenção mesmo do indivíduo mais sério e interessado. Um objeto, um significado, um som específico podem evocar memórias pessoais e significativas do indivíduo, de modo totalmente imprevisível, mesmo no observador mais atento e interessado. Por isso o educador deve ter uma estratégia de continuamente atrair a atenção dos alunos, ainda que seja uma turma extremamente interessada e responsável. Assim, Vygotsky (2004) compara a atenção a um motor que funciona com explosões, em um ato que se autodestrói constantemente e volta a surgir. O interesse dos alunos, em concordância com o exposto até agora, deve ser construído continuamente com base nos interesses do indivíduo e de sua experiência pessoal. Por isso não basta partir da experiência do aluno no início do processo e não mais voltar lá. O processo rítmico da atenção exige que no desenvolvimento do aprendizado se retorne sempre à experiência e ao mundo interno do aluno, em sínteses regulares que relacionem o novo conhecimento, recém adquirido e construído, com a realidade do aluno e do grupo. Uma última questão importante sobre a atenção deve ser apontada aqui. Vitale (2007, p. 23-24) afirma que a atitude com que um indivíduo inicia um processo vai influenciar o modo como ele percebe todo o restante do processo, sendo que uma atitude negativa inicial diminui consideravelmente o poder de qualquer estímulo positivo para manter a atenção que o indivíduo receber durante o processo em si. Por isso é fundamental fazer com que o aluno inicie um processo de aprendizado motivado e com um forte senso de propósito sobre como esse novo conhecimento vai ser relevante em relação às suas necessidades e expectativas. Vygotsky se referia a esse principio ao afirmar que a psicologia experimental prova que o tempo, a força e a forma de qualquer movimento são inteiramente predeterminados por uma atitude prévia (VYGOTSKY, 2004, p. 167). 3. A grande plasticidade do cérebro humano O cérebro está longe de ter uma estrutura fixa, tendo enorme plasticidade, mesmo em adultos. De acordo com as necessidades impostas pelo ambiente, novas estruturas neurais são constantemente formadas. As que não são usadas por algum tempo são, aos poucos, desativadas. O ser humano tem enorme poder de adaptação e de se desfazer de atitudes que não mais servem. Afinal, tão importante quanto apreender novos conhecimentos é “esquecer” de habilidades que não mais servem, abrindo espaço para o novo. O estudo da OECD (2007b) sobre o cérebro afirma: O cérebro é capaz de aprender graças a sua flexibilidade. Ele muda em resposta a estímulos do ambiente. A flexibilidade reside em uma das propriedades intrínsecas do cérebro – sua plasticidade. O mecanismo opera 1 em vários modos ao nível das conexões sinápticas . Algumas sinapses são geradas e outras eliminadas e sua efetividade é moldada com base na informação processada e integrada pelo cérebro. As conexões deixadas pelo aprendizado e pela memorização são fruto dessas modificações. Plasticidade é conseqüentemente uma condição necessária para o aprendizado e uma propriedade inerente do cérebro; ela está presente durante toda a vida do homem. (OECD, 2007b, p. 30). Outras descobertas importantes do estudo da OECD (2007b) são que o cérebro deve ser freqüentemente estimulado, especialmente na vida adulta, ou a plasticidade, a vitalidade e a inteligência diminuem; por isso o relatório é um grande defensor do aprendizado por toda a vida. A equipe de pesquisa da OECD também afirma que o córtex pré-frontal do adolescente ainda não está formado. A formação final desta importante parte do cérebro (a parte frontal do cérebro é responsável pelo processamento consciente) se estende muitas vezes até a terceira década da vida adulta. Isso, em combinação com os hormônios, explica porque os adolescentes têm tanta energia acompanhada de instabilidade emocional. Ao mesmo tempo, a não formação total do córtex pré-frontal oferece enormes oportunidades de educação no ensino médio e universitário, já que uma parte importante da rede neural está ainda em formação (até os 30 anos), sendo uma oportunidade única para formar atitudes e habilidades. Ainda assim, a plasticidade do cérebro em toda a vida adulta é impressionante. Quase todo tipo de habilidade pode ser construída no cérebro se ele for devidamente estimulado. Tiller (2005b) demonstra bem este fato ao narrar que na década de 1930 um cientista chamado 1 Ligações entre dois neurônios. Neurônios são células nervosas do cérebro e suas ligações, em constante modificação, formam as redes neurais que compõe o cérebro. Slater pediu a um grupo de pessoas para usarem um tipo de óculos que invertia as imagens, de modo que tudo aparecia de ponta-cabeça. A sensação era muito incomoda, mas o grupo concordou em continuar em nome da ciência. Entre duas a três semanas uma parte do grupo começou a enxergar direito com os óculos e de ponta-cabeça sem os óculos. O cérebro se adaptou e criou uma nova estrutura para lidar com essa situação. Demorou mais duas a três semanas sem o uso dos óculos para que a visão voltasse ao normal, quando as conexões neurais que cuidavam daquele processo foram desfeitas. Vygotsky vincula a plasticidade do cérebro à dinâmica da memória humana e afirma que a força da memória lógica está para a mecânica (repetição ou decorar sem associação) na proporção de 22 para 1. A memorização vai ser tão mais significativa quanto mais relação existir com outros significados prévios. Esse fator reforça a recomendação de relacionar a aprendizagem a significados prévios do aluno. Outro fator importante é que a memória será tão mais forte, quanto mais emoção estiver vinculada a ela. Por isso é importante despertar o interesse do aluno. Vygotsky afirma ainda que a memória é como o capital da economia do psiquismo, pois ela guarda a experiência e constrói, através de associações, as habilidades necessárias às ações futuras. Por isso, Vygotsky condena a memorização ou aprendizado que não tenha relevância para o aluno, pois não é somente uma questão de desperdício, em função de algo que vai ser esquecido por não ser utilizado, mas uma conexão que traz dano, pela razão que explica Vygotsky a seguir: A escolha das associações deve ser feita sob o controle pedagógico. Pode-se dizer sem exagero que onde os conhecimentos da escola que não são orientados para a vida sempre surgem vínculos falsos e equivocados e o conhecimento, ainda que seja adquirido, continua sem ser utilizado no processo de ação. Se encontrássemos um meio de realizar no nosso comportamento todos os conhecimentos que auferimos na escola, seria fácil paralisar a imperfeição da educação. Mas o trágico da situação consiste em que os nossos conhecimentos são estabelecidos sempre em simultaneidade com o mecanismo que depois os coloca em ação. Noutros termos, sempre que memorizamos alguma coisa devemos nos dar conta do modo como utilizamos isto e promovermos, de forma correspondente, o próprio esforço de reação. De modo diferente deve-se memorizar para as provas finais e para a vida. (VYGOTSKY, 2004, p. 196). O trecho acima afirma que o cérebro está sempre tentando dar uma relevância prática à informação internalizada. Quando isso não ocorre a reação psicológica fica incompleta. Vygotsky trata desse fenômeno em maior detalhe quando trata do aprendizado através do trabalho, que ele considera a expressão mais perfeita de um processo psicológico completo, em termos de aprendizado. 4. A força dos instintos A principal diferença entre os instintos e os reflexos é que o reflexo é uma reação constante, ao passo que o instinto pode modificar-se, surgir ou desaparecer durante a vida em função de uma série de fatores. Os instintos podem inibir os reflexos e podem ser inibidos pela razão. (VYGOTSKY, 2004). Os impulsos são muito fortes. Exemplos incluem o instinto de sobrevivência e o instinto sexual. Um instinto, porém, pode ser modificado. O medo, por exemplo, é importante para a sobrevivência. Um medo instintivo pode interromper todas as outras atividades e retesar o corpo pronto para a defesa ou a fuga. O mesmo medo, por outro lado, pode ser suprimido pela razão por um guerreiro que não quer demonstrar fraqueza e está determinado a enfrentar, se preciso, seu inimigo. Tanto por sua imensa força, que pode ser direcionado a favor do educador, como pelo fato que pode ser modificado, o instinto pode ser uma poderosa força pedagógica. Dewey trabalha na direção de orientar instintos infantis, que são ainda mais intensos: A criança é por natureza intensamente ativa, e o cerne do processo educativo reside em gerir essas atividades e dar-lhes um rumo definido. (...) Teríamos de escolher entre duas opções: ignorar e reprimir essas iniciativas ou condescender com elas. Mas se possuirmos os equipamentos e materiais devidamente organizados, passamos a dispor de uma terceira alternativa. Podemos dirigir as atividades da criança, exercitando-a de acordo com determinados vetores, e conduzindo-a assim a objetivos que são o corolário lógico da via escolhida. (DEWEY, 2002, p. 42). Dewey concentra sua descrição nas crianças, porém o mesmo principio se aplica a adultos, pois vários instintos, como o sexual, são ainda muito fortes no adulto. A diferença é que o adulto já tem mais tempo de molde e controle sobre seus instintos, porém, eles estão sempre presentes e quando vêm à tona surgem com muita força, sendo difícil restabelecer a harmonia, a não ser que estes instintos sejam direcionados. Vygotsky (2004) diz que há duas maneiras de fazer isso. A primeira é despertar o interesse do indivíduo para uma atividade, pois, como vimos, o interesse e a atenção mobilizam todas as potencialidades do organismo, por mais intensas que estejam, para o objeto ou processo focado. Isso pode ser obtido relacionando o conteúdo com algo relevante para o aluno ou contando piadas relacionadas ao assunto, por exemplo. A segunda e melhor alternativa é despertar o interesse dirigindo o instinto que se manifesta na direção do conteúdo pretendido. Isso pode ser feito, por exemplo, da maneira que Freire usa temas geradores para despertar a curiosidade e interesse do educando. A partir do interesse e da relevância despertada, o aluno é orientado para evoluir da curiosidade ingênua para a investigação com método. Para isso é importante estar atento às forças que motivam o grupo de alunos. Como sugere Freire, quando entro em sala de aula devo estar sendo um ser aberto a indagações, a suas inibições; um ser crítico e inquisidor, inquieto em face da tarefa que tenho. (FREIRE, 1996, p. 47). 5. A criação de interesse no aluno Uma questão importante relacionada à tarefa de despertar e dirigir o interesse é ter certeza de que estamos dirigindo para o fator correto. O humor, por exemplo, pode ser um forte aliado, porém, em excesso pode direcionar a atenção do aluno somente nas piadas, ao invés do conteúdo ser apreendido de maneira significativa. Hiponotistas profissionais como Vitale (2007) afirmam que quando um indivíduo está distraído da aula ou de uma apresentação por estar focado muito intensamente em outro processo, o apresentador pode despertar a atenção do indivíduo com uma piada ou com outro fator inesperado. Uma vez terminada a distração, o professor tem 10 segundos para direcionar a atenção do(s) aluno(s) para algo que seja do seu interesse, caso contrário ele vai voltar para seu transe anterior. Isso acontece, segundo Hameroff (1999), devido à propriedade rítmica da atenção, que foi analisada anteriormente neste capítulo. Após a retomada da atenção, somente a aprendizagem significativa, relevante para o aluno, pode ocorrer. No caso de se continuar com piadas envolvendo o assunto, por exemplo, Vygotsky adverte que a atenção será dada ao humor e não ao conteúdo desejado, ainda que ele seja abordado juntamente com o humor. Vygotsky também adverte que tanto a punição como o mero agrado não gera aprendizado válido para a vida. Para despertar o interesse ele sugere o uso de brincadeiras pedagogicamente planejadas para crianças menores e o aprendizado através do trabalho para crianças mais maduras, adolescentes e adultos (VYGOTSKY, 2004). Deve-se esclarecer, porém, que quando Vygotsky sugere a educação através do trabalho para crianças, o faz nos moldes de Dewey, em que trabalho é ponto de partida para se chegar ao currículo pretendido. Quando estão envolvidos adultos, Vygotsky sugere que o trabalho seja o currículo. 6. As emoções As emoções são parte essencial e indivisível do ser humano. A intensidade da emoção é que define a intensidade de um desejo, a intensidade com que uma memória vai ser guardada e com que o aprendizado vai ser absorvido. É a emoção que permite aos poetas criarem e, quando associada a um significado, sua intensidade define o valor interno dado ao processo, objeto ou idéia representado. As emoções são o colorido do significado e o aroma do espírito humano. Em termos mais científicos, as emoções surgem de processos cerebrais e são necessárias para a adaptação e regulação do comportamento humano (OECD, 2007b). Ainda segundo o relatório da OECD sobre o cérebro: Algum stress é essencial para atender as demandas e pode levar a melhor cognição e aprendizado, porém, além de certo nível passa a ter o efeito oposto. Com relação a emoções positivas, são um dos mais poderosos gatilhos que motivam pessoas para aprender. (...) Emoções direcionam (ou perturbam) processos psicológicos, como a habilidade de focar atenção, resolver problemas e construir relações. (OECD, 2007b, p. 14). A emoção deriva de ações e reações fisiológicas. Tiller (2005a) afirma que a emoção é sempre uma reação a uma ação ou contexto. Se mudar a reação, a emoção tem de mudar. Como bem lembra Vygotsky, Basta combater as expressões corporais da emoção para que a própria emoção desapareça. (...) Reprima a expressão de alguma paixão e ela mesma desaparece. Se privarmos a emoção, subtrairmos dela as mudanças corporais, fica fácil perceber que nada resta do sentimento. Prive o medo de seus sintomas e você deixará de sentí-lo. (VYGOTSKY, 2004, p. 129-130). Tiller narra como a mudança no ritmo do coração coloca todo o sistema do organismo em equilíbrio: Em uma pesquisa em laboratório ligamos os sujeitos a cinco medidores digitais. Pedimos aos sujeitos que pensassem em coisas agradáveis. Imediatamente o ritmo do coração se estabilizou em uma batida calma e freqüente, a respiração ficou regular e tranqüila, as ondas cerebrais ficaram mais coerentes e centradas. Eletrofisiologicamente o corpo ficou estável em um novo equilibro. A produção química do corpo foi alterada e os químicos relacionados a stress foram reduzidos. Eletricamente todo o corpo ficou mais coerente. (TILLER, 2005a, DVD 1, 56 min.) Tiller afirma que esse processo foi resultado de uma propriedade intrínseca do organismo, pela qual todo processo neurofisiológico corresponde a uma emoção. Outro fator que influencia é o coração ser uma importante terminação nervosa que regula muitos processos internos relacionados à emoção no organismo. Vygotsky complementa a importância do coração no que concerne às emoções: Não é por acaso que desde tempos remotos o coração é considerado o órgão do sentimento. Nesse sentido, as conclusões da ciência exata coincidem inteiramente com a antiga concepção do papel do coração. As reações emocionais são, antes de tudo, reações do coração e da circulação sangüínea: e se lembrarmos que a respiração e o sangue determinam o desenrolar de absolutamente todos os processos, em todos os órgãos e tecidos, compreenderemos por que as reações do coração podem exercer o papel de organizadores internos do comportamento. (VYGOTSKY, 2004, p. 139) A conseqüência dessa evidência científica é que basta induzir, no início do processo educativo, o aluno a pensar em algo agradável que a batida do coração vai se estabilizar e com ele todo o sistema neurofisiológico do corpo. Nem de longe isso substitui um aprendizado significativo e a alegria e motivação que derivam dele. Porém, se o aluno não está em um estado emocional adequado ao processo de ensino-aprendizagem, ele pode rapidamente ficar em um estado propício com um simples exercício fisiológico e emocional. Além disso, no caso de emoção forte, como raiva ou irritação, ela pode ser neutralizada pela cessação dos movimentos que a representa. Esses mecanismos podem e devem ser usados como educadores da emoção, não mais para o processo pedagógico, mas para ajudar a preparar a atitude do aluno para a vida. Sobre esse tema esclarece Vygotsky: O aspecto emocional do indivíduo não tem menos importância do que outros aspectos e é objeto de preocupação da educação nas mesmas proporções em que o são a inteligência e a vontade. O amor pode a vir ser um talento tanto quanto a genialidade, quanto a descoberta do cálculo diferencial. Em ambos os casos o comportamento humano assume formas exclusivas e grandiosas. (...) A capacidade de dominar seus sentimentos não significa outra coisa senão a capacidade de dominar a sua expressão externa, ou seja, as reações ligadas a tais sentimentos. Por isso o sentimento só é vencido quando dominado por sua expressão motora, e quem aprende a não contorcer nem fazer careta diante de um sabor repugnante vence a própria repugnância. (...) Esse domínio das emoções, que constitui tarefa de qualquer educação, à primeira vista pode parecer uma repressão dos sentimentos. De fato, significa apenas subordinação do sentimento e sua vinculação às demais formas de comportamento, sua orientação voltada para um fim. (VYGOTSKY, 2004, p. 146) A emoção não deve ser neutralizada para o momento do aprendizado. Ao contrário, a emoção deve ser mobilizada, não por truques, mas por um processo de ensino-aprendizagem que seja instigante e motivador em sua própria essência. Aprendizado significativo requer uma forte e positiva emoção associado a ele (OECD, 2007b). Nas palavras de Vygotsky, A emoção não é um agente menor do que o pensamento. O trabalho do pedagogo deve consistir não só em fazer com que os alunos pensem e assimilem a geografia mas também a sintam. (...) Os gregos diziam que a filosofia nasce da surpresa. Em termos psicológicos isso é verdadeiro se aplicado a qualquer conhecimento no sentido de que todo conhecimento deve ser antecedido de uma sensação de sede. O momento da emoção e do interesse deve necessariamente servir de ponto de partida a qualquer trabalho educativo. (VYGOTSKY, 2004, p. 144). 7. Os pensamentos O doutor Edmund Jacobson descobriu na década de 1930 que quando esportistas visualizam sua ação esportiva na mente, os mesmos músculos são disparados, embora em freqüências mais sutis. Ele demonstrou que a todo pensamento equivale uma ação ou reação motora, ainda que interna e imperceptiva ao olho 2. Atletas olímpicos americanos inclusive usam a técnica de visualização para se preparar para os jogos, porque é uma simulação perfeita da corrida em que todos os músculos são acionados como se fosse a situação real (ARNTZ, 2007) Vygotsky (2004) também trabalhava com pesquisas nesse sentido e descobriu que não só a todo pensamente equivale uma reação fisiológica, e vive-versa, como também que existe um orçamento compartilhado de energia. Se a ação envolve muita energia, como um esporte ou um soco, o pensamento recebe pouca energia. Se a ação envolve muita reflexão, a parte física recebe menos energia. Embora essa seja uma síntese de uma complexa demonstração cientifica, dela decorrem duas importantes recomendações pedagógicas. A primeira é que o pensamento é sempre voltado para ação e que o processo natural da mente é sempre procurar por relevância prática, através de significado e ação, para o fluxo de pensamentos desenvolvido. A segunda é que apesar da prática ser de extrema importância para o organismo e para o aprendizado, o orçamento energético que é dividido entre ambas exige momentos alternados de ênfase na teoria e na prática. Vygotsky esclarece essa questão: Do ponto de vista psicológico, a fusão da teoria e da prática na educação não deve significar outra coisa a não ser uma alternância racional e planejada dessas e de outras modalidades de trabalho, alternância essa que realiza de forma harmoniosa a perda rítmica de energia, ora em um ora em outro pólo do nosso organismo. (VYGOTSKY, 2004, p. 224). A representação e desenvolvimento do pensamento ocorrem em rede, por sinapses que se ligam a significados prévios. Daí o grande valor de se ensinar com base na experiência pessoal, partindo dos conhecimentos prévios. Além disso, a representação desse conhecimento é sempre uma experiência individual, como esclarece o relatório da OECD sobre o cérebro: Seres humanos estão constantemente percebendo, processando e integrando informação, ou seja, eles aprendem. Indivíduos têm suas próprias representações, que gradualmente são construídas com bases em suas experiências. Esse sistema 2 traduz o mundo externo para a percepção A bibliografia de Edmund Jacobson pode ser encontrado no site http://progressiverelaxation.org/ (ele foi o investor da importante tecnica de relaxamento progressiva) e mais sintetizado em http://en.wikipedia.org/wiki/Edmund_Jacobson. Os trabalhos de Jacobson incluem o Biofeedback, que relaciona pensamento a atividades fisiológicas, um importante componente da medicina que foi redescoberto e está sendo muito pesquisado neste inicio de séc XXI. individual. Um sistema individualista de percepção governa a construção do pensamento. (OECD, 2007b, p. 31). Uma das conseqüências do conhecimento ser elaborado por relações é que a negação de algo faz o sujeito pensar no negado. Por isso o processo de ensino deve ser o mais focado possível nos aspectos desejados, em vez dos indesejados. Para definir o caminho correto é necessário focar e analisar o incorreto. Porém uma vez feito a escolha de foco de qual é o caminho ético, o foco deve ser na solução e não no problema como freqüentemente os educadores fazem. Ou, como esclarece Vygotsky, O mandamento “não faça isso” já é um impulso para a realização desse ato porque ele introduz na consciência a idéia de semelhante ato e, conseqüentemente, a tendência para sua ação. (...) A descrição minuciosa de atitudes amorais, dos quais o mestre procura proteger seus alunos, no fundo só gera na consciência dos alunos certa ânsia e aspiração a realizá-las. (VYGOTSKY, 2004, p. 218) Bibliografia Arntz, W. (2007) Quem somos nós: A descoberta das infinitas possibilidades de alterar a realidade diária. Rio de Janeiro, Prestígio Editorial. Ausubel, D. (1978) Educational Psychology: A Cognitive View. New York: Holt, Rinehart & Winston Lampreia, C. (1992) As propostas anti-mentalistas no desenvolvimento cognitivo: uma discussão de seus limites. Tese de doutorado. PUC/RJ Fino, C. (1998). Vigotsky e a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP): três implicações pedagógicas. In Revista Portuguesa de Educação, vol 14, n. 2. Braga, Universidade do Minho. Freire, P. (1992) Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra. Freire, P. (1996) Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e Terra. 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