EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE

Propaganda
EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE DIADEMA:
AVANÇOS E DESAFIOS
Marian Ávila de Lima e Dias (Unifesp) e-mail: [email protected];
Patrícia Ferreira de Andrade (Universidade Mackenzie) e-mail: [email protected];
Victor da Rocha Piotto (Unifesp) e-mail: [email protected]
Introdução
Enquanto a sociedade gerar a barbárie a partir de si mesma, a
escola tem apenas condições mínimas de resistir a isto. Mas se
a barbárie, a terrível sombra sobre a nossa existência é
justamente o contrário da formação cultural, então a
desbarbarização das pessoas individualmente é muito
importante. (Adorno, 1995, p.117).
O processo civilizatório, embora firmemente calcado na razão, não tem sido bem
sucedido no sentido de tornar o homem autônomo e, portanto, plenamente sujeito de si.
A razão, reduzida a um saber tecnicista, imediatista, mecânico e preditivo deixou para
trás a tarefa de emancipar o homem. Assim, a formação das subjetividades tem se
tornado cada vez mais precária na contemporaneidade uma vez que as relações com o
mundo e com o outro são também baseadas no imediatismo, na superficialidade e na
recusa do reconhecimento das diferenças. Trata-se do narcisismo como marca principal
na constituição do eu (Horkheimer & Adorno, 1985; Amaral, 2006).
A escola contemporânea, ligada a esta sociedade também contribui com a
precariedade na formação do homem, reduzindo-se igualmente a ofertar técnicas
transformadas em mercadorias. As atividades e os objetivos propostos pela escola aos
alunos, professores, funcionários e corpo diretivo contribuem para esta ênfase na
homogeneização e na adaptação (Kohatsu & Dias, 2009). A incorporação de regras e
atitudes não é em si um prejuízo à formação dos sujeitos. Adaptar-se aos modelos
socialmente vigentes com a aprendizagem de formas de pensamento e da linguagem
2 comumente partilhadas é fundamental para a expressão e a ação dos indivíduos. Este
processo de normalização é necessário tanto para a inserção do indivíduo na cultura
como para a própria continuidade desta e a escola constitui-se numa instituição
favorável a que este processo se desenvolva. Porém, quando a normalização ao invés de
ser um meio para o pleno processo de formação do eu torna-se um fim em si mesma,
podemos pensar que a homogeneização reafirma o narcisismo em detrimento ao
processo de diferenciação entre os indivíduos (Crochìk, 2007). Esta proposta escolar
tem como característica a competição e a produtividade como atitudes valorizadas e
esperadas nas relações interpessoais.
Como contraponto a esta tendência, nas últimas décadas, o tema da educação
inclusiva tem sido debatido pela sociedade. Porém de que forma a desigualdade entre os
alunos tem sido abordada? Diante de uma formação humana precária há que se atentar
para o risco de tratar o tema novamente de forma superficial e tecnicista, buscando
razões para explicar a discriminação ao invés de combatê-la. Uma sociedade que
objetifica as relações transformando-as em bens de consumo é também uma sociedade
produtora de exclusão e, neste cenário, ocupar-se dos excluídos através da proposta de
uma educação inclusiva pode significar apenas pensar em formas de aumentar a parcela
daqueles que consomem a educação, sem de fato atentar para a qualidade da inclusão
das pessoas na escola e em conseqüência nesta sociedade.
Os marcos políticos, como a Declaração de Jomtien em 1990 e de Salamanca, de
1994, são os primeiros indicativos de que a educação no final do século XX começa a se
voltar para os indivíduos que não estão na sala de aula regular. De modo geral, as
referências aos excluídos do processo escolar são aquelas ligadas a gênero, raça,
religião, nível socioeconômico ou alguma deficiência. Porém, a implementação da
educação inclusiva também deve contemplar aqueles considerados delinquentes, os
jovens em liberdade assistida, os negros, os índios, as crianças que vivem nas ruas, os
que trabalham com drogas, dentre outros; caso contrário, corre-se o risco de reduzir o
poder da educação inclusiva na construção de uma sociedade democrática, deixando de
lado novamente alguns grupos.
Desta forma, é preciso cuidar para que a atenção dispensada à educação
inclusiva não seja sustentada pelas práticas escolares e sociais cristalizadas que
ativamente contribuem para que nada seja de fato modificado. Nessa sociedade a
3 educação também é produto, agora apenas com a nova embalagem da educação
inclusiva para conteúdos há muito conhecidos que perpetuam a segregação legitimandoa e, por consequência, contribuem com a imobilidade social. Assim a educação
inclusiva deve ser concebida como uma modalidade de ensino mais amplo do que
apenas inserir e integrar alunos com necessidades especiais em escolas regulares
(Ferrari & Freller, 2008).
A conceituação do que venha a ser uma educação que leve em conta pessoas
significativamente diferentes 1 na sala de aula regular encontra várias acepções. Desde a
proposta da integração – na qual este aluno deve buscar alcançar as formas já
estabelecidas de relação, seja com o conhecimento, seja com os colegas, integrando-se
aos demais – até aquela que é a da educação inclusiva em sua plena acepção, em que
cabe à escola transformar-se para que todos ali aprendam coletivamente, questionando
criticamente, as formas hegemônicas de critérios de desempenho e princípios culturais a
serem transmitidos (Melero, 2006).
Mais especificamente, nos alinhamos com a proposição de Booth e Ainscow
(2002) que ressaltam que a inclusão deve pautar-se pela educação de todos os alunos
numa situação em que a escola assuma a iniciativa das modificações: tanto a estrutura
de arquitetura e acessibilidade para todos, passando pela organização do currículo e da
avaliação até ações no sentido de diminuir atitudes indesejadas como a competição, a
discriminação e os preconceitos (Crochík et al, 2006).
Assim, mais do que somente a inclusão das minorias antes segregadas da escola
regular, este conceito de educação inclusiva refere-se também à qualidade da educação
ofertada a todos e no quanto a educação contemporânea contribui de fato para formar
plenamente indivíduos reflexivos e críticos. Uma educação voltada à formação de
indivíduos emancipados (Adorno, 1995) é meta a ser alcançada voltada à alteridade em
detrimento da posição individualista tão característica da contemporaneidade. Isso
implica em não apenas incorporar nas classes regulares grupos minoritários antes
segregados, mas também uma reflexão da própria escola sobre os objetivos da educação
quanto aos indivíduos que ela almeja contribuir com a formação questionando,
sobretudo a competição e a padronização destes.
No Brasil, segundo dados da Secretaria de Educação Especial do Ministério da
1
Para o conceito de “diferença significativa” ver Amaral (1995).
4 Educação revelados no censo escolar (INEP, 2009) em 34,3% das escolas brasileiras
(68.530 estabelecimentos) estão matriculados 695.696 alunos com deficiência, que
correspondem
Desse
total,
a
apenas
319.924
1,3%
matrículas
da
são
matrícula
ofertadas
total
em
da
Educação
6.702
Básica.
estabelecimentos
exclusivamente especializados e em classes especiais de escolas de ensino regular e da
educação de jovens e adultos. Outros 375.772 alunos estão matriculados em classes
comuns do ensino regular e da Educação de Jovens e Adultos de 61.828 escolas
brasileiras. Este último dado mostra que o atendimento caracterizado pela inclusão
escolar (o que é oferecido em classes comuns) vem apresentando expressivo
crescimento nas escolas brasileiras, uma vez que em 2007, 46,8% das matrículas da
educação especial encontrava-se nessas classes e, em 2008, essa participação salta para
54,0 % dos alunos dessa modalidade de ensino.
No município de Diadema, os dados de 2004 relativos apenas aos alunos
matriculados na educação especial (na Escola de Educação Especial Olga Benário
Prestes, nas quatro classes especiais de escolas Estaduais e nas classes dentro da APAE)
também apontam declínio no número de matrículas desta modalidade de ensino. Entre
2002 e 2004 estas matrículas passaram de 502 para 262 alunos, o que revela a tendência
das classes segregadas darem lugar à educação inclusiva no ensino regular
(SECEL/DEPED/Diadema, 2004). Ainda no ano de 2004 o CAIS (Centro de Atenção à
Inclusão Social) revela ter atendido em seus serviços 329 alunos com necessidades
especiais matriculados na rede regular de ensino (PRIETO, 2004). No ano de 2007, o
CAIS atendeu “880 alunos especiais que frequentam as salas de aula das 45 escolas
municipais e das 25 creches conveniadas” (DIADEMA, 2007). Dados do INEP (Censo
2009) apontam um total de 1432 alunos com “necessidades especiais” matriculados no
ensino fundamental das escolas públicas e particulares do município naquele ano, sem
distinguir quantos destes estão em escolas ou classes especiais e quantos estão no ensino
regular. Porém, com os dados apresentados, é possível perceber uma tendência à
ampliação da entrada de alunos antes segregados na rede regular de ensino.
Se a expansão das matrículas destes alunos aponta para uma participação cada
vez maior de um aluno significativamente diferente do tradicional no ensino regular,
torna-se necessário investigar a qualidade desta inclusão e do modo como as escolas
regulares estão lidando com os eventuais desafios propostos por esta nova parcela do
alunado.
5 Sabemos que tanto as barreiras arquitetônicas quanto as barreiras atitudinais
diante de alguém significativamente diferente não se desfazem por simples força da lei.
Embora tenhamos desde a década de 1990 leis e resoluções em nível nacional que
garantem o acesso de todos à escola, cabe conhecer mais detidamente como está se
dando este acesso, quais as dificuldades e soluções encontradas pelas escolas para
incluir com qualidade este novo tipo de aluno.
... a educação, em nossa sociedade, está voltada para o
desempenho,
e
estimula
nos
alunos
comportamentos
individualistas, competitivos, em vez de comportamentos de
cooperação. Podemos imaginar que em um ambiente marcado
por um ideal de produtividade e por relações de competição as
crianças em situação de inclusão terão menores chances de
serem incluídas assim como menores oportunidades de
desenvolver suas habilidades no ritmo que respeite as suas
particularidades. (Crochík et al, no prelo)
Booth e Ainscow (2002) criaram, na Inglaterra, o Index, que permite às escolas
interessadas fazer um diagnóstico sobre as barreiras ao aprendizado dos alunos que
permita pensar meios de superá-los:
O Index oferece às escolas um processo de autorrevisão e
desenvolvimento com apoio, que se delineiam a partir da
visão
do
pessoal,
dirigentes,
estudantes
e
familiares/responsáveis, bem como de outros membros das
comunidades do entorno. Ele envolve um exame detalhado de
como as barreiras à aprendizagem e participação podem ser
reduzidas para qualquer estudante. (2002, p. 5-6)
Na construção deste Index, assume-se, em princípio, que as escolas têm diversos
graus de inclusão, podendo se tornar cada vez mais inclusivas. Trata-se de um recurso
em direção a um desenvolvimento cada vez mais inclusivo das escolas com caráter
autônomo, uma vez que por estar dividido em três diferentes dimensões (políticas,
pedagógicas e culturais voltadas à inclusão) pode auxiliar qualquer escola a decidir
sobre os caminhos e ênfases no seu percurso inclusivo. Se, como ressaltam estes
6 autores, a inclusão educacional é um processo e toda escola pode ser mais ou menos
inclusiva, podemos investigar qual o grau de inclusão das escolas.
Objetivo
O presente trabalho visa comunicar os resultados obtidos numa pesquisa sobre o
modo como está se implementando a educação inclusiva nas escolas públicas de
Diadema. Ao investigar o estado atual da inclusão escolar em suas diferentes dimensões
(política, pedagógica e cultural), busca trazer para o cotidiano dos gestores e
coordenadores questões relativas ao tema e formas de enfrentamento dos desafios que a
inclusão propõe.
Método
a) participante: Uma escola pública municipal de Diadema que possui alunos em
situação de inclusão representada pela diretora e duas coordenadoras pedagógicas. A
escola está situada na periferia de Diadema e atua nos níveis: Educação Infantil,
Fundamental I e Ensino Médio.
b) Instrumentos:
I- Formulário para caracterização de escolas
Esse instrumento foi construído com o objetivo de caracterizar escolas segundo
seu grau de inclusão. Foi construído pelo Prof. Dr. José Leon Crochík e tem sido
utilizado desde 2008 pelo Laboratório de Estudos sobre o Preconceito (LaEP)
coordenado por ele e pertencente ao Instituto de Psicologia da Universidade de São
Paulo (IPUSP). A base de sua elaboração foi o Index de Booth e Ainscow (2002). É
composto por oito questões com alternativas de respostas. As questões de 1 a 4 buscam
a Caracterização geral da escola. As questões 5 e 6 compõem a categoria Condições
gerais de inclusão e referem-se às condições objetivas derivadas das políticas públicas
voltadas à inclusão que, embora possam ser mais ou menos encampadas pelos gestores
das escolas, refletem condições mais amplas de implantação da educação inclusiva para
além das decisões internas de cada instituição escolar. As questões 7 e 8 referem-se às
Condições específicas de inclusão ligadas às estratégias pedagógicas voltadas à inclusão
derivadas do projeto político pedagógico construído pela instituição escolar. Nesse
7 instrumento o escore total é de 8,3 pontos; quanto maior o escore, maior o grau de
inclusão educacional.
II – Questionário para gestores ou coordenadores pedagógicos
O questionário tem sido utilizado desde 2008 pela mesma equipe. Tal
instrumento busca ampliar a caracterização da escola quanto ao seu grau de inclusão
com base nas três dimensões propostas por Booth e Ainscow (2002) para a
implementação da educação inclusiva, quais sejam: verificar se são produzidas Políticas
voltadas à inclusão, se existem Práticas pedagógicas de inclusão e se está sendo criada
uma Cultura escolar que valoriza a inclusão. É composto por 20 questões com alguns
subitens e respostas simples como “sim” e “não” bem como algumas justificativas
abertas. São atribuídos pontos às respostas alternativas assim como também é possível
por meio das respostas abertas levantar características específicas relacionadas ao modo
como a educação inclusiva vem sendo implementada em cada uma das instituições
escolares a serem investigadas. As Práticas inclusivas estão subdivididas nas categorias
Processos pedagógicos gerais, Processos pedagógicos específicos e Formas de
combate à discriminação contempladas em 10 questões distribuídas ao longo do
Questionário. Outras seis questões e seus subitens buscam identificar o grau de Política
inclusiva da escola e, a terceira categoria, de Cultura inclusiva conta com quatro
questões. O Questionário soma até 9,4 pontos ao ser aplicado numa instituição escolar.
Novamente, quanto maior a pontuação, maior o grau de inclusão daquela escola. Como
este segundo instrumento tem três eixos distintos, é possível também perceber maior ou
menor pontuação em áreas distintas da inclusão (política, prática pedagógica e cultura
inclusiva), podendo desta forma esclarecer para a própria escola quais áreas têm sido
privilegiadas e quais podem vir a se desenvolver mais efetivamente em direção à
inclusão.
c) procedimento de coleta de dados
1- Mesmo já tendo sido testada a abrangência e a validade de conteúdo do ‘Formulário
para caracterização de escolas’ e do ‘Questionário para gestores ou coordenadores
pedagógicos’ em pesquisas anteriores (CROCHÍK et al, 2009; CROCHÍK et al, 2011),
submetemos os dois instrumentos a três especialistas da área, que, de forma
independente, avaliaram cada item, manifestando a sua concordância ou discordância e
fazendo sugestões. Os instrumentos foram modificados e submetidos novamente a esses
8 juízes para fazerem nova avaliação. Alguns itens originais, após esta avaliação sofreram
mudanças em sua redação.
2- Ocorreram três visitas à escola a fim de que o Formulário e o Questionário fossem
respondidos pela equipe gestora após leitura do projeto e assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido. Nesta escola a diretora tomou a iniciativa em
responder às questões dos instrumentos. As visitas ocorreram também para que fossem
verificadas pelos pesquisadores as características da escola, de acordo com o formulário
para sua caracterização, uma vez que além das respostas obtidas com a diretora era
necessário conhecer as dependências e mobiliário escolar para o seu completo
preenchimento. O motivo pelo qual se realizaram diversas visitas em cada escola deu-se
em função da expectativa de que o preenchimento do Questionário e do Formulário
fosse realizado de forma dialogada, suscitando questões sobre a educação inclusiva no
próprio entrevistado. Assim, além das respostas aos instrumentos, os encontros com a
diretora foram registrados e um relatório foi produzido após cada encontro.
3- Foi realizada uma reunião em que a equipe de pesquisa ofereceu uma devolutiva dos
dados analisados à equipe gestora.
Com o “Formulário para caracterização de escolas” e do “Questionário para
gestores ou coordenadores pedagógicos”, aplicado nesta escola municipal, foi possível
verificar quais eixos estão mais desenvolvidos bem como quais necessitam de mais
atenção naquela escola.
Resultados e discussão
As respostas obtidas com o Formulário demonstram que a primeira categoria de
análise deste instrumento, a Caracterização geral da escola é aquela em que a escola
obteve a maior pontuação parcial: 0,7 ponto num total possível de 0,8, ou seja; as
respostas demonstram haver condições gerais favoráveis à educação inclusiva numa
proporção de 87,5. As questões presentes nesta categoria referem-se ao tipo de ensino
ser público ou privado, ano de fundação da escola e níveis de ensino oferecidos. A alta
pontuação da escola pesquisada nessa categoria ocorre por dois motivos: primeiro pelo
fato de que por estarmos numa sociedade em que pessoas e grupos têm seu acesso aos
bens e à cultura civilizatória mediada pelo capital, uma escola pública tem um caráter
mais inclusivo por estar aberta a receber qualquer aluno, independente da sua condição
9 econômica, que é o caso da escola em questão. Em segundo lugar, ao oferecer diversos
níveis de ensino, torna-se um ambiente mais inclusivo por congregar maior diversidade
de faixas etárias. Além disso, especificamente em relação aos alunos em situação de
inclusão, uma escola que ofereça até o ensino médio pode contribuir para que este aluno
avance nos estudos sem a necessidade de buscar uma nova escola para se adaptar a cada
término de ciclo.
As Condições gerais de inclusão compõem a segunda categoria de análise do
Formulário. Aqui, a escola atingiu 3,25 num total de 5,5 pontos o que representa pouco
mais da metade da proporção frente à pontuação possível. As questões desta categoria
compreendem o seu período de funcionamento, a acessibilidade das construções para
que todos se locomovam sem obstáculos, a existência de trabalhos voltados a oferecer
apoio aos alunos que necessitem e a proporção de alunos em relação ao número de
professores, bem como a proporção de alunos considerados em situação de inclusão em
relação ao total de alunos da escola. Os dados apontam que os aspectos de
acessibilidade arquitetônica, embora ainda passíveis de melhorias, podem ser
considerados pontos fortes em relação à educação inclusiva na instituição. A escola
conta com rampas, desníveis suavizados e quase não possui obstáculos à locomoção
pelo seu espaço, dando boas condições para que todos circulem.
Quanto às Condições específicas de inclusão a escola obteve 1 dentre 2 pontos
possíveis, o que proporcionalmente equivale à sua metade. De todas as pontuações
parciais em todas as categorias de ambos os instrumentos aplicados na escola
(Formulário e Questionário), esta foi a sua pontuação mais baixa. Esta categoria buscou
avaliar se a escola possui recursos específicos para que os alunos em situação de
inclusão possam aprender e locomover-se pela escola, tais como banheiros adaptados,
elevadores, método Braille, etc. Embora a escola tenha um banheiro adaptado, na nossa
visita este local estava ocupado por material de limpeza. Da mesma forma, estava
quebrado o elevador para pessoas com dificuldade de locomoção. Além disso, a escola
não possui equipamentos para a utilização do Braille e a LIBRAS não é utilizada.
Ambas as situações revelam certa fragilidade na implementação das condições para que
todos possam ali estudar. Como ponto favorável, observamos poucos obstáculos
arquitetônicos e o cuidado em manter desobstruídos e nivelados os acessos aos
corredores.
10 A escola obteve no total deste instrumento 5,0 um pouco mais da metade dos
pontos possíveis num total de 8,3. Observamos que o Formulário contém
simultaneamente os escores parciais mais altos (0,7 ponto na categoria Caracterização
geral da escola) e mais baixos (1 ponto na categoria Condições específicas de inclusão)
o que acabou fazendo com que o próximo instrumento a ser analisado, o Questionário,
obtivesse uma pontuação mais elevada em comparação ao Formulário. As respostas
obtidas através do Questionário demonstram que esta escola obteve 7,2 num total
possível de 9,4 pontos, o que equivale a pouco mais de três quartos das respostas
favoráveis à implementação da educação inclusiva.
A categoria de Práticas inclusivas, subdividida entre Processos pedagógicos
gerais, Processos pedagógicos específicos e Combate à discriminação obteve 2,5
pontos dentro de um total de 3,5, o que significa ter o alto índice da proporção de mais
de quatro quintos das respostas favoráveis à inclusão naquela escola. Coerentemente
com as dificuldades da escola quanto às Condições específicas de inclusão observadas
através do Formulário, na categoria de Processos pedagógicos específicos que busca
avaliar os processos voltados especificamente aos alunos considerados em situação de
inclusão, a escola obteve 1,7 do total de 2,3 pontos, o que reafirma que seu
desenvolvimento quanto à área pedagógica para estes alunos ainda pode ser maior. Já
nas outras subcategorias voltadas a princípios e práticas inclusivas para toda a escola e
às formas de combate à discriminação e ao bullying, esta escola obteve a totalidade dos
pontos, o que aponta que as práticas inclusivas mais amplas estão sendo adotadas
coletivamente. As questões aqui são sobre a existência de professores de apoio (se são
voltados ou não apenas aos alunos em situação de inclusão), sobre o modo como são
formadas as classes (se buscando ou não a homogeneidade entre os alunos), se existem
outros profissionais acompanhando estes alunos, se há restrição para a permanência
deles na sala de aula, se existem práticas que buscam de fato garantir a sua participação
nas aulas e na escola e se a ênfase com estes alunos é dada na socialização, na
aprendizagem ou em ambos. As pontuações maiores foram obtidas quanto às questões
de práticas que seriam benéficas para os alunos de forma mais geral. Já a permanência
dos alunos em situação de inclusão o tempo todo em sala de aula não ocorre na escola
investigada, o que em nossa compreensão constitui-se numa condição desfavorável para
que a efetiva inclusão destes alunos no grupo ocorra, uma vez que as suas saídas
diferenciadas da sala de aula podem vir a reforçar a ideia de que sua presença ali é mais
11 no sentido de uma socialização do que de uma efetiva condição de alguém que está ali
para aprender. Uma segunda característica atribuída ao aluno que sai de sala
frequentemente fora dos horários diz respeito à ideia de que ele necessita de
“atendimentos”, o que o situaria mais como um paciente do que como um aluno dentro
do ambiente escolar. A escola recebe mensalmente o auxílio de um serviço municipal
externo à escola destinado à inclusão social através da visita itinerante de pedagogas
especializadas nos moldes da educação especial. Segundo a diretora, são estas
profissionais que elaboram e implementam o plano de ação pedagógico para o aluno
considerado em situação de inclusão, após realizarem triagem e por avaliação
pedagógica. Assim a educação, para estes alunos, parece estar associada a um saber
especializado, retirando o poder de atuação do corpo docente desta escola sobre estes
alunos, o que configuraria, em nossa opinião, uma educação segregada.
Quanto à possibilidade de haver uma Política inclusiva implementada na escola,
de um modo geral as questões buscaram identificar se existem obstáculos para o
ingresso e a permanência de alunos em situação de inclusão na escola. Apresentamos
uma lista de tipos de alunos que poderiam ser considerados em situação de inclusão
(negros, baixa renda, liberdade assistida, autistas, etc.) a fim de saber se a escola aceita
ou restringe suas matrículas e, em caso afirmativo, desde quando ocorre esta prática e se
houve algum caso de abandono com algum destes tipos apresentados. A escola
respondeu afirmativamente a quase todos os tipos apresentados, obtendo 0,8 num total
de até 1 ponto. A diretora relatou que no passado a escola recebia alunos em liberdade
assistida, mas que com o término do programa pró-jovem – decisão que não foi tomada
por ela, mas por instâncias superiores e com a qual ela não concorda - estes alunos não
estão mais frequentando aquela escola. Relata também que tem dificuldades com os
alunos autistas e que teve dificuldades com um aluno coreano que acabou deixando a
escola. Perguntamos também nesta categoria se há uma política inclusiva em
andamento. A resposta foi positiva, uma vez que a proposta de educação inclusiva está
incorporada ao projeto político pedagógico da escola. A escola também tenta solucionar
os problemas disciplinares sem que seja necessária a expulsão de alunos e relata admitir
mais de um tipo de aluno em situação de inclusão por sala de aula, o que fez com que
obtivesse 1,5 pontos na soma destas questões. Porém, coloca algumas restrições quanto
ao tipo de dificuldade apresentada e quanto ao número de alunos. Estas restrições são
discutidas e decididas a partir da visita das pedagogas especialistas pertencentes ao
centro municipal de apoio à inclusão do serviço itinerante já mencionado. A restrição
12 amparada pela justificativa de uma decisão supostamente mais técnica por parte de um
profissional especializado e externo à escola em nossa concepção afasta a escola de uma
política inclusiva reafirmando a sua tendência a adotar modelos propostos pela
educação especial quando se trata de ações pedagógicas específicas aos alunos em
situação de inclusão. A decisão sobre a composição e a participação de alunos numa
sala de aula a partir de laudos pedagógicos e sem a participação do professor retira da
escola a sua autonomia e pode vir a reafirmar a prevalência do modelo médico nas
relações escolares quando da presença de alguém significativamente diferente. Mesmo
assim, no total parcial desta categoria as respostas alcançaram 2,3 dos 3,5 pontos
previstos nesta escola, o que perfaz mais de dois terços de respostas favoráveis à
implementação da educação inclusiva.
A última categoria analisada pelo Questionário refere-se à Cultura inclusiva que,
assim como as Práticas inclusivas teve também mais de quatro quintos de respostas
demonstrando condições favoráveis para a educação inclusiva naquela instituição. As
perguntas desta categoria buscaram avaliar se a política de inclusão e se os alunos em
situação de inclusão são apoiados por pais, funcionários, alunos, professores e equipe
gestora. A diretora considera que o apoio é da maioria da comunidade escolar, citando
exemplos de solidariedade, mas relata que os pais por vezes se queixam de agressões
quando os agentes desta ação são os alunos em situação de inclusão. Assim, a escola
ficou com 0,8 para 1 ponto possível. Para a diretora, os professores colaboram
mutuamente, mas tal colaboração é considerada como insatisfatória. A pontuação
recebida para tal prática foi de 0,3 ponto num total de 0,5. Os pais participam de
comemorações, reuniões, conselho, projeto pedagógico (mas não com o mesmo peso
que os professores) e até de passeios, que são abertos para todos. Esta situação fez com
que a escola atingisse a totalidade (0,9) dos pontos nesta questão. Mas, apesar do alto
escore da questão, a resposta dada também permitiu perceber que, com relação aos
passeios, os pais dos alunos em situação de inclusão são considerados importantes para
auxiliar no transporte e no cuidado desses alunos, o que em nossa opinião retira
novamente o aluno em situação de inclusão da posição de aluno para recolocá-lo na
posição de filho ou de alguém que numa atividade escolar necessita de cuidados
específicos que não apenas os relativos à situação escolar.
Considerações finais
13 A soma dos dois instrumentos aplicados na escola resultou num total de 12,2
pontos, ou seja, mas de dois terços de respostas favoráveis a que uma educação
inclusiva se desenvolva ali. A escola obteve melhor desempenho no Questionário, mas
também obteve pontuação significativa no Formulário. Destacam-se dentre todas as
categorias as de Caracterização geral, Praticas inclusivas e Cultura inclusiva como as
que obtiveram os mais altos escores. Destaca-se também a possibilidade de maior
desenvolvimento nas Condições específicas de inclusão, nas Condições gerais de
inclusão o que se reflete também numa menor pontuação da categoria Política
inclusiva. As opiniões subjacentes às práticas que fazem com que estas categorias nesta
escola obtenham pontuações mais baixas são reveladas pela diretora em seu depoimento
durante o preenchimento dialogado dos instrumentos. Ela considera que para alguns
alunos em situação de inclusão seria necessário algo a mais que a escola não poderia
prover; ela reafirma o fato de a equipe escolar não ser de especialistas e não ter recebido
uma formação para “ajudar” alguns desses alunos. Porém, a prática das visitas das
pedagogas do serviço de apoio itinerante nessa escola ocorre há mais de cinco anos e a
diretora nos informa que nos anos anteriores as visitas eram semanais. Percebe-se com
esta pesquisa que a escola está em busca de pessoas (sejam pais durante os passeios ou
profissionais do serviço de apoio itinerante) que os auxiliem - ou mesmo conduzam - a
educação destes alunos. As ações pedagógicas da escola para aqueles alunos
compreendidos como em situação de inclusão mantém, em nossa opinião, uma relação
de dependência para com o referido serviço. Indagamo-nos por que será que a demanda
por formação especializada feita pela diretora não pode ser realizada durante este longo
período de colaboração do serviço pedagógico itinerante com esta escola. Parece-nos
que a relação de dependência se estabeleceu entre as partes de forma a cristalizar-se
numa ação voltada apenas ao aluno em situação de inclusão, suas dificuldades e no
atendimento especializado. Desta forma, a escola manteve-se mais distante de
experiências pedagógicas autônomas em direção a uma maior inclusão desses alunos
imobilizando também a visão mais próxima da proposta da educação integrada – aquela
em que é o aluno quem deve se adaptar à escola – do que da proposta da educação
inclusiva – na qual a escola deve se transformar para que todos dela se beneficiem.
A investigação, utilizando-se das propostas de Booth e Ainscow contidas no
Index (2002), demonstra que escola pode vir a ter dimensões mais desenvolvidas
voltadas à educação inclusiva de forma bem pronunciada - como é o caso na escola em
Diadema - capazes de serem captadas pelos instrumentos desenvolvidos. Isso demonstra
14 a possibilidade das escolas virem a desenvolver ações voltadas à inclusão pertencentes
apenas a uma de suas dimensões, o que comprometeria o seu caminhar rumo à educação
inclusiva de fato, pois apenas uma dimensão não seria capaz de levar a escola como um
todo a esta modalidade de educação. Porém, tais dimensões estão submetidas ao
conjunto das condições objetivas presentes e, portanto são interrelacionadas. Ou seja: se
por acaso uma dimensão estiver pouco trabalhada, com certeza isso se refletirá nas
demais, mesmo que estas estejam caminhando, pois todas se referem às condições
históricas e materiais presentes na escola. No caso da escola estudada, a necessidade de
mais desenvolvimento das Condições – gerais e específicas - de inclusão e da Política
inclusiva com certeza afetam tanto as Práticas inclusivas gerais como as Práticas
inclusivas específicas e a Cultura inclusiva, mesmo estas últimas tendo sido bem
pontuadas pelo instrumento. Assim, podemos ao mesmo tempo identificar as dimensões
mais e menos desenvolvidas, buscar compreender como cada uma destas dimensões tem
sido diferentemente trabalhada pela escola em questão bem como organizá-las num todo
capaz de comunicar o estado presente da escola rumo à educação inclusiva.
Outro ponto a ser considerado é que o Questionário é um instrumento a ser
respondido pelos gestores; já o Formulário requer a visita dos pesquisadores na
instituição escolar. Na escola investigada a diretora respondeu ao primeiro e ele foi mais
bem pontuado que o segundo instrumento. Levantamos como hipótese que o
Questionário revele intenções da direção e a pontuação desse instrumento reflita as
propostas da direção que não necessariamente estão ocorrendo no cotidiano escolar, o
que pode ter contribuído para que a sua pontuação fosse mais alta. O Formulário por sua
vez, necessita tanto dos dados fornecidos pela equipe escolar (ano de fundação, número
de alunos, etc.) como também da observação dos pesquisadores (verificar as rampas,
banheiros, etc.). Assim, suas respostas são compostas por dois pontos de vista diferentes
sobre as características e condições presentes na escola de forma mais objetiva naquele
momento, o que pode explicar a sua menor pontuação.
Consideramos que o contato com a equipe gestora a partir desta coleta de dados
e das análises empreendidas também foi benéfico na medida em que permitiu a abertura
de um canal de comunicação com a equipe de pesquisadores a partir do qual foi
possível, coletivamente, rever conceitos sobre inclusão, a possibilidade de exercer um
papel mais autônomo frente ao serviço externo à escola, refletir sobre formas de
incremento da formação dos professores para além do referido serviço, enfim,
15 vislumbrar pontos a avançar ao exercitar o compartilhamento dos fracassos, das dúvidas
e das experiências bem sucedidas neste percurso.
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