alisson henrique do prado farinelli a crise do

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UNIVERSIDADE PARANAENSE
MESTRADO EM DIREITO PROCESSUAL E CIDADANIA
ALISSON HENRIQUE DO PRADO FARINELLI
A CRISE DO ACESSO À JUSTIÇA E A JUSTIÇA
ITINERANTE COMO ALTERNATIVA
UMUARAMA
2009
ALISSON HENRIQUE DO PRADO FARINELLI
A CRISE DO ACESSO À JUSTIÇA E A JUSTIÇA
ITINERANTE COMO ALTERNATIVA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
à banca examinadora do Mestrado em Direito
Processual e Cidadania da Universidade
Paranaense - UNIPAR, como exigência
parcial à obtenção do grau de Mestre, sob a
orientação do Professor Doutor Eduardo
Augusto Salomão Cambi.
UMUARAMA
2009
3
FOLHA DE APROVAÇÃO
ALISSON HENRIQUE DO PRADO FARINELLI
A CRISE DO ACESSO À JUSTIÇA E A JUSTIÇA ITINERANTE COMO
ALTERNATIVA
Trabalho de conclusão aprovado como requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Direito Processual e Cidadania da Universidade Paranaense – UNIPAR,
pela seguinte banca examinadora:
__________________________________________
Professor Doutor Eduardo Augusto Salomão Cambi
Orientador
__________________________________________
Professor Doutor José Aparecido Rigato
__________________________________________
Professor Doutor Celso Hiroshi Iocohama
Umuarama, 04 de novembro de 2009
4
Dedico à minha esposa Danielle, pelo
apoio incondicional, pelo incentivo, e
pelas sábias palavras proferidas nos
momentos de desânimo. Obrigado pela
disposição e por sempre entender a razão
das inúmeras horas subtraídas do nosso
convívio.
Aos meus pais, que desde a infância me
ensinaram o caminho que se deve andar.
Agradeço pelos valores e princípios
transmitidos e pelo incentivo dispensado
nesta árdua jornada.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus: “Porque Dele, e por meio Dele, e para Ele são todas as cousas. A Ele, pois,
a glória eternamente. Amém” (Romanos 11.36). Agradeço pela benção de poder
trilhar o infinito caminho do saber e da ciência, e de conseguir cumprir esta etapa
imensamente importante.
A Paulo Roberto Nogueira e Edna Ferro Canavesi Nogueira, por gentilmente
apoiarem e incentivarem este projeto.
Ao meu orientador, Eduardo Augusto Salomão Cambi, jurista de escol, acessível e
prestimoso, que muito contribuiu para o resultado final desta pesquisa, a quem
admiro e devo gratidão eterna.
Aos colegas mestrandos da oitiva Turma do Mestrado em Direito Processual e
Cidadania da UNIPAR, em especial: Antonio Zeferino da Silva Junior e Ricardo
Guilherme Silveira Corrêa Silva, parceiros de estrada, intelectuais do Direito: certeza
de amizade perene.
Aos colegas professores, demais funcionários do Centro Universitário da Grande
Dourados – UNIGRAN, e aos meus diletos alunos, que me incentivam a buscar a
qualificação, e que mantém aceso a chama pela busca do saber incessante.
A Wilson do Prado, por me iniciar nas letras jurídicas e por incentivar a perseguir
meus objetivos, dentre eles o de ser mestre em Direito.
A Elisangela Duarte do Prado Castro, pela revisão ortográfica.
A Suzane Ferro Nogueira de Castro e Rafael Medeiros de Castro, pela tradução do
resumo.
6
“Direito positivo não sabido é direito
inexistente. Quem dele não sabe, não
reivindica; sem o seu conhecimento, não
há seu exercício”. Cármem Lúcia Antunes
Rocha.
“Acredito que a luta do jurista não é mais
a luta pela brevidade ou contra o
formalismo do processo; hoje, o enfoque
deve ser dirigido às raízes da
problemática social, da miséria; a punição
do criminoso que está no poder ou
veraneia às suas margens. A luta é
também pela educação do povo, através
da participação nos atos da administração
da justiça – quer como jurado, quer como
conciliador – pelo acesso à justiça [...]”.
Caetano Lagrasta Neto.
7
FARINELLI, Alisson Henrique do Prado. A crise do acesso à justiça e a Justiça
Itinerante como alternativa. 174 p. 2009. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Universidade Paranaense, Umuarama.
RESUMO
O acesso à Justiça é chamado de direito dos direitos porque dele depende o
exercício de todo os outros. Ocorre que sua efetividade/concretização tem
encontrado obstáculos em fatores jurídicos, sociais, econômicos e culturais que o
limitam. Pessoas pobres, desorientadas e desinformadas sobre seus direitos têm
receio de buscar a tutela jurisdicional por questões psicológicas, de forma que, ou a
ele renunciam, ou optam por fazê-lo valer através de vias extra-oficiais. Por tais
fatores, é certo que o acesso à Justiça encontra-se em crise. A solução é aproximar
o Poder Judiciário do cidadão. Para isso, descentralizar a prestação do serviço
jurisdicional é medida que se impõe. A Justiça Itinerante é forma descentralizada de
acesso à Justiça que tem apresentado resultados práticos positivos porque resolve
os conflitos apresentados pelas partes através da conciliação. Trata-se de
alternativa viável para desafogar o Poder Judiciário e reduzir a morosidade da
Justiça.
Palaras-chave: Acesso à Justiça. Crise da Justiça. Descentralização da Justiça.
Justiça Itinerante.
8
FARINELLI, Alisson Henrique do Prado. The crisis of access to justice and
Justice Itinerant instead. 174 p. 2009. Dissertation (Master in Law) – Universidade
Paranaense, Umuarama.
ABSTRACT
The access to justice is called the right of the rights because the exercise of all other
rights depends on it. It occurs that its effectiveness/realization has found obstacles in
legal, social, economic and cultural factors that limit it. People that are poor,
disorientated and uninformed about their rights have fear of looking for the
jurisdictional custody by psychological issues, in such a way that, or they resign their
rights, or they choose to stand up for their rights through unofficial ways. It is true that
access to justice is in crisis. The solution is to approach the judiciary and the citizen.
For this, it is required to decentralize the jurisdictional services rendered. The
itinerant justice is a decentralized way of access to justice that has presented positive
practical results because it solves the conflicts of interests through conciliation. This
is a viable alternative to relieve the judiciary and reduce the slowness of the Justice.
Keywords: Access to Justice. Crisis of Justice. Decentralization of Justice. Itinerant
Justice.
9
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTO
EPÍGRAFE
RESUMO
ABSTRACT
INTRODUÇÃO .............................................................Erro! Indicador não definido.
2 ACESSO À JUSTIÇA ................................................Erro! Indicador não definido.
2.1 Ponderações sobre o conceito de Justiça...........Erro! Indicador não definido.
2.2 Movimentos de acesso à Justiça nos diferentes períodos históricos .......... Erro!
Indicador não definido.
2.2.1 Período Antigo ..............................................Erro! Indicador não definido.
2.2.2 Período Medieval ..........................................Erro! Indicador não definido.
2.2.3 Período Moderno ..........................................Erro! Indicador não definido.
2.2.4 Período Contemporâneo...............................Erro! Indicador não definido.
2.3 Acesso à Justiça: um direito natural e fundamental ............Erro! Indicador não
definido.
2.4 Acesso à Justiça no plano dos direitos humanosErro! Indicador não definido.
2.5 Os diversos planos de estudo do acesso à Justiça.............Erro! Indicador não
definido.
2.5.1 Acesso à Justiça numa perspectiva leiga .....Erro! Indicador não definido.
2.5.2 Acesso à Justiça numa perspectiva técnico-jurídica.....Erro! Indicador não
definido.
3 A CRISE DO ACESSO À JUSTIÇA ..........................Erro! Indicador não definido.
10
3.1 Considerações preliminares................................Erro! Indicador não definido.
3.2 As limitações do acesso à Justiça.......................Erro! Indicador não definido.
3.2.1 O custo do processo .....................................Erro! Indicador não definido.
3.2.2 A duração do processo e a morosidade da Justiça ......Erro! Indicador não
definido.
3.2.3 O problema cultural: o reconhecimento dos direitos .....Erro! Indicador não
definido.
3.2.4 A questão psicológica ...................................Erro! Indicador não definido.
4 ALTERNATIVAS DE SUPERAÇÃO DA CRISE DE ACESSO À JUSTIÇA ....... Erro!
Indicador não definido.
4.1 Considerações preliminares................................Erro! Indicador não definido.
4.2 A descentralização da Justiça.............................Erro! Indicador não definido.
4.3 Os Juizados de Pequenas Causas e os Juizados Especiais ..... Erro! Indicador
não definido.
4.4 Os meios alternativos de solução dos conflitos ..Erro! Indicador não definido.
5 A JUSTIÇA ITINERANTE COMO ALTERNATIVA DE SUPERAÇÃO DA CRISE DE
ACESSO À JUSTIÇA ...................................................Erro! Indicador não definido.
5.1 Considerações introdutórias: a participação popular na administração da
Justiça.......................................................................Erro! Indicador não definido.
5.2 Aspectos gerais da Justiça Itinerante..................Erro! Indicador não definido.
5.3 Aspectos processuais da Justiça Itinerante ........Erro! Indicador não definido.
5.4 Algumas experiências de Justiça Itinerante no Brasil .........Erro! Indicador não
definido.
6 CONCLUSÃO............................................................Erro! Indicador não definido.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................Erro! Indicador não definido.
11
INTRODUÇÃO
O acesso à justiça é chamado de direito dos direitos porque dele depende o
exercício
de
todos
os
outros.
Entretanto,
esbarra
na
questão
da
efetividade/concretização porque existem muito fatores que o limitam.
Assim, embora muitos trabalhos doutrinários já tenham sido apresentados, é
certo que continua a ser tema de inquietação dos juristas.
No Brasil, o acesso à justiça encontra-se em crise porque pessoas pobres,
desorientadas e desinformadas sobre seus direitos, receosas de buscar a tutela
jurisdicional por questões psicológicas, simplesmente a ele renunciam, afastando-se
do Poder Judiciário. A impressão do leigo sobre o sistema oficial de Justiça é a de
que somente as pessoas mais abastadas e influentes podem acessá-la. Assim, está
difundida na sociedade a ideia de que a Justiça é parcial e elitista, e, por vezes,
destina-se a atender os interesses dos grandes proprietários.
No entanto, tem-se buscado solucionar o problema, que se sabe ser não só
jurídico, mas, social, cultural e econômico. Nessa senda, aproximar o Poder
Judiciário do cidadão comum, de baixa renda, sem instrução escolar, é alternativa
democrática para ampliação do acesso à justiça. A prova disso é a descentralização
do serviço jurisdicional através dos Juizados Especiais e dos meios alternativos de
solução dos conflitos.
Dentro dessa ideia de descentralização da Justiça com objetivo de reduzir a
distância entre o cidadão e a Justiça oficial, alguns Estados brasileiros instituíram a
Justiça Itinerante, cuja finalidade é ir ao encontro das pessoas para solucionar seus
conflitos.
Diante desse quadro, o presente trabalho se propõe a investigar o acesso à
justiça e sua crise, apresentando a Justiça Itinerante como uma alternativa viável de
solução do problema. Para alcançar o objetivo proposto, o trabalho foi dividido em
quatro capítulos.
No primeiro capítulo será realizada uma abordagem histórica e conceitual do
acesso à justiça, de maneira a situá-lo na história do direito processual e no plano
dos direitos fundamentais e direitos humanos.
No segundo capítulo, considerando a abordagem que se pretende, a ideia é
esboçar as razões da crise do acesso à justiça, destacando limitações
12
exoprocessuais e endoprocessuais, que separam o cidadão da Justiça oficial.
O terceiro capítulo apresenta alternativas de superação da crise,
considerando ser essencial à descentralização do serviço jurisdicional para que haja
a aclamada ampliação do acesso à justiça. Desta feita, aparecem os Juizados
Especiais e os meios alternativos de solução dos conflitos como importantes
instrumentos descentralizadores.
Por fim, o quarto capítulo será reservado à análise da Justiça Itinerante
como forma alternativa de acesso à justiça. O objetivo será definir seu campo de
atuação, seus aspectos processuais, bem como pontuar algumas experiências no
Brasil a fim de constatar sua efetividade na concretização de direito, utilizando
precipuamente a técnica da conciliação.
No que pertence à técnica de pesquisa, utilizou-se a de documentação
indireta, nas modalidades bibliográfica e documental. O método de procedimento é o
monográfico e o de abordagem é o hipotético-dedutivo.
Nessa linha de pesquisa intentada, a preocupação não é esgotar o tema – e
nem poderia ser – mas, contribuir para a ampliação do acesso à justiça no País, com
vistas à consolidação de uma Justiça simples, informal, e, acima de tudo,
democrática e cidadã.
13
2 ACESSO À JUSTIÇA
2.1 Ponderações sobre o conceito de Justiça
Inviável adentrar ao estudo do acesso à justiça sem entender o significado e
a relevância do conceito da acepção “justiça”. É que a procura pelo Poder Judiciário1
representa a mais cristalina certeza de que o direito previsto no ordenamento
jurídico será aplicado com segurança e da forma mais justa.
Aliás, Torres (2005, p. 21) afirmou que “o ideal de justiça é valorizado por
quem procura o Poder Judiciário para resolver um problema e encontra a aplicação
do direito com segurança e respeito”. E continua (Idem, p. 21): “A indagação sobre o
significado de justiça tem levado os estudiosos a muitas reflexões”.
Ainda, segundo o autor (Idem, p. 23), “a idéia de justiça está presente em
todos os momentos, é motivo de reflexão em todos os povos, em todos os tempos, é
um desejo marcado no sonho de cada pessoa. Encontrar esse ideal representa a
mais legítima aspiração do ser humano [...]”.
Nessa linha de raciocínio, Lima Filho (2003, p. 48) adverte que “na idéia de
direito encontramos a idéia de justiça”. Conflui para o mesmo ponto a lição de Aguiar
(1999, p. 19): “A relação da justiça com o direito é considerada tão importante que
os órgãos que aplicam as normas legais são chamados de Justiça”.
No entanto, a definição conceitual de Justiça constitui-se em intricada tarefa,
como salientou Kelsen:
Quando Jesus de Nazaré, no julgamento perante o pretor romano,
admitiu ser, disse ele: “Nasci e vim a este mundo para dar testemunho da
verdade”. Ao que Pilatos perguntou: “O que é a verdade?”
Cético, o romano obviamente não esperava resposta a essa pergunta, e o
Santo também não a deu. Dar testemunho da verdade não era o essencial
em sua missão como rei messiânico. Ele nascera para dar testemunho da
Justiça, aquela Justiça que Ele desejava concretizar no reino de Deus. E,
por essa Justiça, morreu na cruz. Dessa forma, emerge da pergunta de
Pilatos – o que é a verdade? -, através do sangue do crucificado, uma outra
1
Acesso à justiça, nessa fase introdutória do trabalho, corresponde, apenas, à procura do Poder
Judiciário pelo interessado.
14
questão, bem mais veemente, a eterna questão da humanidade: o que é
justiça?
Nenhuma questão foi tão passionalmente discutida; por nenhuma outra
foram derramadas tantas lágrimas amargas; [...]. E, no entanto, ela continua
até hoje sem resposta. Talvez, por se tratar de uma dessas questões para
as quais vale o resignado saber de quanto o homem nunca encontrará uma
resposta definitiva; deverá apenas tentar perguntar melhor. (KELSEN, 2001,
p. 1).
A análise dos escritos sobre justiça demonstra tratar-se de valor almejado
pela sociedade, fundamentado em outros valores como a felicidade, liberdade, a
paz, a democracia e a tolerância. (KELSEN, op. cit. p. 02-25). Aguiar vislumbra a
justiça como um valor e uma ideologia, consoante se observa:
De um modo ou de outro, é preciso ressaltar que, racionalizando o
interesse que for, a idéia de Justiça sempre se põe como um projeto de um
mundo melhor, como um dever-ser das condutas, da produção e do
relacionamento humano. Por isso, a idéia de Justiça é um valor e, mais
ainda, é ideológica, na medida em que assentada sobre uma concepção de
mundo que emerge das relações concretas e contraditórias do social.
(AGUIAR, op. cit. p. 17).
Entretanto, torna-se imperioso salientar que a ideia de justiça não se reduz a
aplicação do direito pelo Poder Judiciário, nem mesmo aos valores erigidos por
determinada sociedade em determinado lapso de tempo. Inquestionável, contudo,
que o conceito de justiça é imprescindível à ciência jurídica, sendo desta elemento
indissociável, considerando, que em alguns momentos, torna-se conceito uno.
De acordo com os ensinamentos de Montoro (1999, p. 125), o conceito de
justiça compreende duas significações: uma subjetiva e outra objetiva. A primeira
está ligada a qualidade da pessoa, virtude ou perfeição subjetiva; a segunda, por
sua vez, tem por escopo designar uma qualidade da ordem social. No primeiro caso
diz-se: “Fulano é um homem justo” ou “o senso de Justiça é fundamental para o
magistrado”; no segundo diz-se: “aquela lei é justa” ou “por vezes, o Poder Judiciário
comete injustiças”.
O conceito de justiça, numa concepção subjetiva, designa as qualidades ou
virtudes da pessoa humana; numa concepção objetiva, designa a qualidade ou
virtude de uma lei ou de uma instituição.
15
Aludido critério de conceituação e classificação se explica pela próxima
relação do Direito com a Moral. Para os moralistas, estudiosos da conduta e do agir
humano, a justiça é uma virtude ou qualidade do indivíduo; para os juristas, no
entanto, a justiça é atributo da lei ou do Poder Judiciário. Nesse aspecto dito
objetivo, a justiça é um princípio superior da ordem social. (MONTORO, op. cit. p.
125-126).
Assim, a justiça se aplica aos princípios da ordem social, pois, esta será
considerada justa quando garantir a cada um o que é seu, ou o seu direito segundo
uma igualdade. Nessa linha, “a justiça não é o sentimento que cada um tem de seu
próprio bem-estar ou felicidade [...]. Mas, pelo contrário, é o reconhecimento de que
cada um deve respeitar o bem e a dignidade dos outros”. (MONTORO, Idem, p.
127).
Reconhecer que a justiça está no respeito e na garantia da felicidade e
dignidade do outro implica uma concepção metafísica, qual seja, a do valor absoluto
da pessoa humana.
Kelsen (op. cit. p. 11) afirma que as teorias da justiça se reduzem a dois
tipos básicos: um metafísico-religioso e outro racionalista, ou pseudo-racionalista.
Ainda segundo Kelsen (Idem, p. 12-13), Platão é o representante clássico do
tipo metafísico. Aliás, o problema da justiça é o tema central da sua filosofia. Platão
desenvolveu a chamada doutrina das ideias. A ideia significa uma substância
transcendental, existente em outro mundo, numa esfera inteligível, inacessível ao
homem perturbado pela sensorialidade. Em sua essência, constitui-se em valores
absolutos que devem ser materializados para o mundo sensorial, mas, nem sempre
o são. A ideia fundamental, a qual todas as outras estão ligadas, é a do bem
absoluto. Nesta inclui-se a ideia de justiça. A pergunta sobre “o que é justiça?” é
respondida na medida em que se obtém a resposta acerca do “bem” ou do que é
“bom”. O bem absoluto se realiza através de uma vivência mística, o que torna a
justiça um mistério divino. A doutrina platônica, nesse particular, se assemelha à
pregação de Jesus Cristo, considerando que o ponto central do Cristianismo é a
justiça. Jesus, após refutar a fórmula racionalista “olho por olho, dente por dente”,
anuncia a verdadeira justiça, fundada no princípio do amor: o mal não é retribuído
com mal, mas com o bem. O amor difundido por Jesus não é compreensível nem
passível de ser praticado pelo ser humano, diferindo-se do amor dos homens.
Aristóteles (1985, p. 92-111) apresenta sua teoria sobre justiça numa
16
perspectiva racionalista, embora desenvolvida num sistema filosófico que inclui a
metafísica não desprovida de valores morais. Inicia o Livro V de “Ética a Nicômacos”
indagando quais as ações se relacionam com a justiça, que espécie de meio termo é
a justiça e entre qual extremo o ato justo é o meio termo. Sua concepção inicial de
justiça é a seguinte: Os termos “justiça” e “injustiça” são ambíguos. Nesse sentido,
injusta pode ser uma pessoa ambiciosa, iníqua ou que infrinja a lei; de outro lado, as
pessoas cumpridoras da lei são consideradas justas. Considerando citada
proposição, a lei permite ou proíbe a prática de certos atos ou ações, razão pela
qual a justiça, neste sentido, se caracteriza como a excelência moral perfeita em
relação a si e em relação ao próximo. A essência entre ambas é a mesma, contudo,
a justiça é praticada em relação ao próximo enquanto a excelência moral é irrestrita,
ou seja, é praticada com vistas ao bem comum. Aristóteles enxerga a justiça no
plano da igualdade e da desigualdade, denominando-a de justiça em sentido estrito.
Explica que a participação de uma pessoa no Governo, na distribuição de riquezas,
ou nas coisas de interesse comum, pode se verificar de forma igual ou não a de
outra. O meio termo entre o ato injusto e o homem injusto é a igualdade; o homem
injusto que pratica ato injusto é desigual em relação ao homem justo que pratica ato
justo, vez que a igualdade harmoniza a tensão entre dois pólos: justiça e injustiça. A
igualdade guarda relação com pessoas e coisas, assim, se as pessoas não são
iguais não terão participação igual nas coisas, fato que enseja as querelas e
queixas. Daí a concepção aristotélica de justiça que “atribuiu a cada um segundo o
seu mérito”. Em Aristóteles, verifica-se que o justo é espécie do qual o proporcional
é gênero. A noção de proporcionalidade é explicada pela geometria, através da
combinação de quatro elementos que conferem a cada indivíduo o seu quinhão.
Pelo princípio da justiça distributiva, o justo é o meio termo entre dois extremos
desproporcionais, já que o proporcional é o meio termo entre o justo e o
proporcional. A Justiça corretiva, na visão de Aristóteles, é o meio termo entre a
perda e o ganho. Por esta razão que as partes recorrem ao juiz, considerado
equidistante, e que tem a incumbência de restabelecer a igualdade outrora infringida
da seguinte maneira: divide-se a igualdade como se fosse uma linha cortada pela
metade. O que se encontra em maior desigualdade receberá do outro um quinhão
que será acrescido ao seu de forma a recompor o estado de igualdade. Assim, as
partes terão aquilo que lhes pertence. O igual é o meio termo entre a linha maior e a
menor de acordo com a proporção aritmética. Esta é a origem da palavra díkaion (=
17
justo); ela quer dizer dikha (= dividida ao meio), como se se devesse entender esta
última palavra no sentido de díkaion; e um dikastés (= juiz), é aquele que divide ao
meio (dikhastés).
Depois de definir o justo e o injusto, Aristóteles conceitua justiça:
A justiça é a observância do meio termo, mas, não de maneira idêntica à
observância de outras formas de excelência moral, e sim porque ela se
relaciona com o meio termo, enquanto a injustiça se relaciona com os
extremos. E a justiça é a qualidade que nos permite dizer que uma pessoa
está predisposta a fazer, por sua própria escolha, aquilo que é justo, e,
quando se trata de repartir alguma coisa entre si mesma e outra pessoa, ou
entre duas outras pessoas, está disposta a não dar demais a si mesma e
muito pouco à outra pessoa daquilo que é desejável, e muito pouco a si
mesma e demais à outra pessoa do que é nocivo, e sim dar a cada pessoa
o que é proporcionalmente igual, agindo de maneira idêntica em relação a
duas outras pessoas. (Aristóteles, Idem, p. 101).
Importante destacar o que se denominou de justiça política. Esta se
apresenta a pessoas que vivem juntas com o objetivo de preservar convivência em
grupo; trata-se de pessoas livres e proporcionalmente ou aritmeticamente iguais,
cujas relações mútuas são regidas pela lei.
Outro aspecto importante do pensamento de Aristóteles sobre justiça é a
definição do agir justa ou injustamente. Os atos justos e injustos são voluntários; se
o ato é involuntário, segundo Aristóteles, deve ser considerado acidental. Ato
voluntário é “qualquer ação cuja prática depende do agente é que é pratica
consciente, ou seja, sem que o agente ignore quem é a pessoa afetada por sua
ação, qual é o instrumento usado e qual é o fim a ser atingido [...]”.
Por fim, Aristóteles estabelece uma relação entre justiça e equidade.
Segundo ele, ambas têm o mesmo significado, porém, a equidade é melhor,
considerando que o justo corresponde aos ditames da lei e esta é omissa. A
equidade sana a omissão da lei, de forma a definir o justo no caso de lacuna.
Ainda numa perspectiva racionalista, Immanuel Kant refere-se à questão
através da formulação do que denominou de imperativo categórico, resultado
essencial da sua filosofia moral e das respostas sobre as indagações ao conceito de
justiça (KELSEN, op. cit. p. 19). O imperativo categórico parte de uma interpretação,
por um critério objetivo, da regra de ouro, isto é: aja de acordo com aquilo que se
possa desejar como regra geral. Nessa perspectiva, o comportamento humano é
18
bom ou justo se for determinado por regras que o homem, ao agir, espera que sejam
obrigatórias aos demais. O grande problema é que não sabe quais normas se deve
esperar por genericamente obrigatórias, o que, nem a regra de ouro, nem o
imperativo categórico respondem.
Lima Filho apresenta uma noção inicial de justiça, pautada na igualdade e
que culmina com a concepção de justiça distributiva:
Se fizermos um apanhado de tudo que se escreveu e disse a respeito de
justiça como critério ideal para o direito, iremos sempre nos deparar com a
seguinte constatação: uma visita a todas as doutrinas sobre justiça põe de
manifesto que elas apresentam uma identidade básica através das mais
variadas escolas e de todos os pensadores: a idéia de justiça, como uma
pauta de harmonia, de igualdade simples ou aritmética em alguns casos e
igualdade proporcional em outros; um meio harmônico de compensar e
distribuir entre os indivíduos e a coletividade. Ou outras nas tradicionais
palavras: ‘dar a cada um o seu ou que se lhe deve’. (LIMA FILHO, op. cit. p.
48).
Cichocki Neto (1998, p. 52-59) realiza interessante abordagem sobre o
conceito de justiça. Para o autor, a história do pensamento humano tem considerado
a Justiça como um valor supremo e universal do Direito2. Nesse viés, seu conceito é
indispensável à ciência jurídica, cuja proposição fundamental é um “dever-ser”. O
termo “justiça” possui duas acepções: a primeira, puramente ideal e eminentemente
subjetiva, predominou na antiguidade clássica e na Filosofia da Idade Média, e
vislumbrou a questão da Justiça como uma virtude universal, reguladora de toda a
atividade individual e coletiva. Sob esse prisma, a justiça traduz-se como sentimento
e como virtude moral, ou um princípio ou um critério de valor ideal, objeto de
investigação filosófica. A segunda acepção do termo “justiça” adquire sentido
objetivo e corresponde a uma ideia autônoma e independente do Direito. Na
verdade, nesse sentido, o termo “justiça” norteia a interpretação e aplicação da lei ao
caso concreto, sendo considerado um critério superior para aplicação do Direito.
Para o Direito importa o segundo sentido, entretanto, inegável a importância
do primeiro na fixação de condutas e padrões valorativos do homem enquanto ser
2
De acordo com CICHOCKI NETO (1998, p. 52): “PLATÃO considerou a Justiça uma virtude
fundamental, pois constitui o princípio ordenador das demais virtudes. ARISTÓTELES qualificou-a
como ‘virtude total’ ou perfeita. SANTO AGOSTINHO afirmou consistir no amor do sumo bem e de
Deus ‘ordo amoris’. TOMAZ DE AQUINO ‘inter omnis virtutes morales praecellit’. LEIBNIZ, como a
totalidade da perfeição ética”.
19
social.
Do ponto de vista formal, praticamente todas as escolas jurídicas identificam
o elemento lógico fundamental da noção de justiça nas ideias de igualdade,
proporcionalidade, harmonia e equilíbrio. Aliás, Conforme Aguiar:
A visão formal de Justiça é a visão dos vencedores, que têm de criar
uma visão de mundo que mantenha a conquista e que evite a emergência
de outros grupos que poderão ter outras visões, dado desenvolverem
práticas sociais diferentes. Por isso, toda visão formal de Justiça, apesar de
suas diferenças, tende a conceber o mundo, a sociedade e a história como
um processo harmônico, onde o conflito é exceção, enquanto uma reflexão
concreta sobre a Justiça há de conceber o mundo enquanto contradições e
conflitos e a harmonia como exceção, pois ela não é uma atualidade, mas
um produto final do próprio processo dialético. Não se atinge a harmonia
pela harmonia, o conflito e a contradição são os caminhos para se tentar
chegar a ela. (AGUIAR, 1999, p. 63).
Tal enfoque, formal, não se presta a resolver o problema do Direito. Assim, o
elemento material da Justiça, consubstanciado na fórmula sum cuique – ou seja, dar
a cada um o que é seu – preenche o critério da igualdade nas relações humanas e
faz estreita a relação entre Direito e Justiça por seu conteúdo ético: valores morais
contidos na ideia de Justiça são pressupostos à existência do Direito.
A partir dos princípios do Cristianismo, que apregoa a necessidade de uma
organização social que possibilite e permita o desenvolvimento da pessoa humana,
mediante a afirmação de sua personalidade, a Filosofia do Direito assentou o
conteúdo da Justiça sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, a partir do
pensamento de kant3 e Stamler4. Assim, aludido princípio acena como critério ideal e
valor fundamental para o Direito.
Essa dimensão conceitual de Justiça, pautada por princípios éticos
decorrentes do princípio da dignidade da pessoa humana, transformou a maneira de
se interpretar e aplicar o Direito. Considerando que o homem carece da convivência
social, a realização de seus fins individuais é aspiração de toda sociedade, logo, a
realização dos fins sociais deve ser compatibilizada com as necessidades
individuais, adotando-se como paradigma, valores como a igualdade e a liberdade.
Por ser o Poder Judiciário incumbido da consecução dos objetivos sócio3
4
“O homem constitui um fim em si mesmo”.
Esboça uma ideia de “direito justo”.
20
político-jurídicos almejados pelos instrumentos de tutela dos direitos, compete ao
juiz a aplicação da norma e a valoração dos fatos segundo as aspirações que
emanam a dignidade individual de cada um.
A concepção humanista de Justiça, portanto, reclama uma maior proteção
dos direitos individuais ou subjetivos mediante mecanismos de tutela que assegurem
a dignidade da pessoa humana, devendo a tutela jurisdicional constituir-se um bem
comum de todos. Somente assim o Direito solucionará os conflitos sociais de forma
justa. Nessa mesma ordem de raciocínio, qualquer limitação do acesso à Justiça
somente se justifica na medida em que não constitui ofensa ao princípio da
dignidade da pessoa humana.
Do exposto, percebe-se que a concepção de Justiça oriunda das filosofias
aristotélica e romana5, pela apresentação lógico-formal, assim como do positivismo
jurídico, circunda-se a um universo normativo que esconde as reais contradições
pelas quais atravessa a sociedade. Na verdade, por ser o ideal de todo o
ordenamento jurídico, a Justiça consubstancia-se numa ilusão que acaba por
legitimar os atos de mando.
Assim, segundo Aguiar (op. cit. p. 58-61), duas espécies de Justiça podem
ser verificadas na sociedade: uma, a Justiça conservadora; outra, a Justiça
transformadora.
Para compreender o significado de ambas, é preciso ter em mente que a
ideia de Justiça vigente em dada sociedade emana de um longo e árduo processo
histórico. Nessa linha, o processo de evolução histórica do Estado e da Sociedade
sempre legitimou alguma situação de poder. A Justiça conservadora é concebida a
partir de um mecanismo de alienação dos oprimidos que legitima ideologicamente
determinada ordem social, e facilita a dominação.
Conforme ensina Coelho (2003, p. 113), a sociedade constitui-se num grupo
social dividido em macrossociedade e microssociedade. As relações estabelecidas
no plano individual (microssociedade) e plano social (macrossociedade) são
relações caracterizadas pelo poder de uma classe sobre outra. Assim, surge a ideia
de dominação. Por outro lado, na perspectiva do dialeticismo jurídico, os
mecanismos sociais de libertação opõem-se ao de dominação. O processo de
libertação dos indivíduos desencadeia os movimentos sociais. A concepção de
5
“dar a cada um o que é seu”, “dar a cada um o que lhe é devido”, “dar a cada um segundo seus
próprios méritos”, “dar a cada um segundo suas necessidades”.
21
ideologia assenta-se na “atitude de falsear e manipular uma imagem para incuti-la
na opinião pública com finalidades políticas” (COELHO, op. cit. p. 118). Para chegar
a essa conclusão, adota-se a filosofia marxiana como ponto de partida. Nessa
concepção:
Completa-se então o ciclo da teoria marxiana da ideologia, como estilo
de pensar na filosofia, na teologia e na economia. Em todos os momentos
revela-se a denúncia de um processo de inversão, pelo qual o homem cria
idéias, conceitos e categoria, ou seja, representações da realidade, e em
seguida considera que a realidade é que decorre dessas representações, e
assim, afasta-se do real em suas cogitações para apegar-se às imagens ou
aos mitos que o representam. Esta inversão é a primeira característica da
ideologia e do seu sentido estrito. (COELHO, Idem, p. 123).
A ideologia, nessa ótica, traduz-se na falsa concepção da realidade. Na
esfera sociológica, a ideologia produz a alienação, já que a classe dominante incute
na consciência da classe oprimida uma falsa ideia de que o direito, o poder e as leis
vigentes são essenciais para o equilíbrio da sociedade. Tal ato confere ao poder
dominante a legitimidade, que nada mais é que o consentimento adquirido mediante
a alienação das classes oprimidas. Diante dessa assertiva,
Ideologia é justamente a forma de pensamento que, correspondendo aos
interessas da classe dominante, tende a manter a posição social de uma
classe mediante a conservação do status quo. À ideologia opõe-se a utopia,
forma de pensamento que corresponde aos interesses das classes
subjugadas, tendo por objetivo não só justificar as pretensões desta classe,
como também revelar e destruir as bases sociais em que se alicerça a
ideologia. Assim, a ideologia é toda e qualquer concepção da vida social,
que apresenta o caráter conservador que lhe denuncia as condições de
ponto de vista da classe dominante e daquela fração intermediária da
estrutura social, a classe média, que deposita seu interesse na conservação
do atual estado das coisas, como meio de evitar os excessos da classe
dirigente e os intentos revolucionários das classes desprovidas. (COELHO,
Idem, p. 126).
A alienação é o produto social da ideologia e consiste na substituição do real
pelo imaginário. Acarreta a inconsciência coletiva (COELHO, Idem, p. 138). Através
da ideologia dominante, a classe oprimida aceita falsas verdades disseminadas pelo
Estado e as legitima por estar sob o véu da ignorância. Através da alienação, os
22
mecanismos de poder legal e legitimamente instituídos pelo Estado acabam por ser
obedecidos mediante a ideologia da força estatal.
À luz da teoria crítica do direito torna-se aceitável afirmar que o acesso à
Justiça é resultado da manipulação ideológica da sociedade. É o instrumento
ideológico do qual se vale o Estado para alienar o jurisdicionado. A existência de
dispositivo constitucional que eleva aludido princípio a categoria de direito
fundamental nada mais representa que a falsa percepção de que o Poder Judiciário
é a solução para todos os conflitos sociais, bastando para tanto acessá-lo. A
finalidade é a de manter o jurisdicionado sob estado de ignorância.
Em verdade, a maioria dos indivíduos que bate às portas do Poder Judiciário
não tem condições econômicas e culturais para litigar em Juízo. Como é possível
exigir que o indivíduo tenha condições de arcar com uma Justiça cara, quando a
maioria da população brasileira sequer tem o que comer? Além da questão
econômica, o acesso à Justiça encontra empecilhos de ordem cultural já que os
indivíduos não têm consciência plena de seus direitos. E constata-se que nem
sempre o Estado tem interesse em informá-los, mantendo-os sob o véu da
ignorância, da dominação e da alienação, o que apenas fortalece o poder dominante
e oprime ainda mais os que já se encontram em estado de sujeição. Na medida em
que o Estado fornece educação de qualidade e forma cidadãos conscientes,
convictos de seus direitos, rompe-se o estado de alienação outrora existente; a
desalienação produz a libertação e, por consectário, os libertos da opressão passam
a se rebelar contra o poder instituído. É o processo de libertação respondendo
dialeticamente a opressão da classe dominante. A ideia de que o Estado deve ser o
único e exclusivo detentor do monopólio estatal não passa de questão ideológica
preconizada pela classe dominante. A propósito, o Estado é uma instituição que
abriga os interesses da elite; assim, enquanto detiver o monopólio da Jurisdição
estatal, certamente atenderá ao interesse dos poderosos.
A Justiça conservadora esconde as reais contradições sociais, obsta a
transformação social e paralisa a história, já que a perenidade fortalecerá a
opressão exercida pelos poderes. É oficial, não somente no sentido de ser estatal ou
paraestatal, mas, sobretudo, no sentido de ser um conhecimento aceito e
sistemático, propagado pelos detentores do poder de forma acrítica nas famílias, nas
escolas e no Estado. Essa concepção de Justiça representa a ordem e o equilíbrio e
apregoa a equidistância de modo a inverter a real situação, marca da representação
23
ideológica: os justos serão os opressores e os injustos os oprimidos.
De outra banda, a Justiça transformadora é fruto de um saber crítico, que se
opõe ao conhecimento instituído e que desvela o estado de ignorância e sujeição do
indivíduo. Nesse viés, a Justiça transformadora revela as reais contradições do
poder e não se respalda em uma hierarquia, em uma organização dissimuladora das
dominações, mas, na clarificação do real estado das coisas através do saber.
Por essa razão, a Justiça transformadora não será harmônica, pois, imersa
nas contradições; não será equidistante porque comprometida com os mais fracos;
não será legitimadora de uma ordem social ideologicamente comprometida com os
interesses dos opressores, mas, contestadora e crítica. É uma Justiça emergente de
uma reflexão sobre o desequilíbrio e sobre a dominação.
Conforme Aguiar:
Em termos mais concretos, o que significaria uma concepção de Justiça
que se encaminharia nesse sentido? Essa concepção deveria estar imersa
no mundo. Não mais um mundo da ordem e da hierarquia, ma um mundo
onde a dominação e as contradições estão presentes como marcas nodais.
Não mais uma idéia de Justiça que tivesse como respaldo petrificações
meta históricas mas o próprio devir que se desvela na sucessão de
contradições. Uma Justiça que tem de tomar como base as pequenas e
grandes dominações que são exercidas no mundo, o que gera uma divisão
clara e fecunda enquanto fenômeno: o viver dos opressores e o viver dos
oprimidos, entendido esse viver como as relações concretas que se
instauram a nível econômico, político e social que põem a nu não somente
uma classe como contradição e morte da outra mas também a definitiva
irredutibilidade da epistéme a serviço da dominação àquela que expressa a
experiência dos oprimidos.Por isso a Justiça respaldada na experiência não
há de ser neutra, mas comprometida, não há de ser expressão ideológica
dos opressores, mas instrumento e bandeira da experiência e da esperança
dos oprimidos.
Essa idéia de Justiça transformadora que há de ser mais um veículo do
amálgama das maiorias silenciadas, da estruturação de princípios que hão
de ser alavancas de transformações sociais, econômicas e políticas no
sentido do caminhar histórico. (AGUIAR, op. cit. p. 60-61).
Ante o exposto, a abordagem a ser desenvolvida pretende defender o
acesso a uma Justiça cujo ideal é a proteção e concretização do princípio da
dignidade da pessoa humana; uma Justiça consciente das reais contradições sociais
e do processo histórico e ideológico de dominação dos opressores; uma Justiça que
não seja equidistante dos conflitos sociais, mas, que proteja os oprimidos; uma
Justiça que não albergue interesse apenas dos grandes proprietários; uma Justiça
24
ainda distante de ser alcançada, mas, possível de ser realizada.
2.2 Movimentos de acesso à Justiça nos diferentes períodos históricos
2.2.1 Período Antigo
Evidente que a questão do acesso à Justiça sofreu inúmeras evoluções até
se chegar à dimensão dos tempos atuais. Para se chegar à concepção
contemporânea é preciso investigar o tema nos diversos períodos históricos.
No Período Antigo, o tema deve ser investigado com maior enfoque no
direito grego e romano. Entretanto, outros períodos históricos devem ser
destacados.
Nos primórdios vigorava a autodefesa, ou seja, cada um defendia o seu
direito através da força. Nas sociedades primitivas, o direito vigente era aplicado
pelo detentor do poder (o rei, o pontífice, o chefe de família, o vitorioso na guerra, o
dominador da tribo, etc.) que acumulava a função de julgador, legislador e executor
de sentenças. São escritos importantes da época, a Bíblia, “Vespas” de Aristófanes
(442 a.C.), o Código de Hamurabi (Babilônia), o Código de Manu, as Institutas de
Gaio, as Etimologias de Santo Isidoro de Sevilha (Século VII), as Institutas Oratórias
de Quintiliano (PRATA, 1987, p. 16).
Na Grécia Antiga, o acesso à Justiça foi marcado pelo que hoje se denomina
de isonomia. Destaca-se o pensamento de Aristóteles, que explica as mais diversas
variações do conceito de Justiça, tanto é que culminou no que atualmente se
denomina “teoria da Justiça”. Aliás, foi Aristóteles quem afirmou pela primeira vez
que o juiz deve adaptar a lei ao caso concreto (LIMA FILHO, op. cit. p. 106).
Uma característica importante do direito grego é a de que as leis não são
inspiradas nos deuses e a administração da Justiça é exercida pelos cidadãos e não
pelo Estado; em Sólon é possível verificar que as leis são elaboradas por homens e
inspiradas na razão humana, o que tende a cindir o direito da religião. Segundo
Lopes (2000, p. 33), “a laicização do direito é a idéia de que as leis podem ser
revogadas pelos mesmos homens que a fizeram”.
25
Na Grécia Antiga, a aristocracia é que detinha o monopólio da Justiça.
Souza (2002, p. 61) informa que “a escrita surge como nova tecnologia, permitindo a
codificação de leis e sua divulgação através de inscrições nos muros das cidades.
Dessa forma, as instituições democráticas que passaram a contar com a
participação do povo, os aristocratas perdem também o monopólio da administração
da Justiça”.
Importante destacar que considerando o modelo democrático adotado em
algumas cidades-estados gregas, a função judicante não era exercida por cidadãos
tecnicamente especializados. Os cidadãos se reuniam em uma assembléia, cabendo
aos magistrados executar as ordens destas, o que caracteriza a magistratura como
função auxiliar.
Registra-se que a concepção de democracia dominante na Grécia Antiga
não é a mesma consolidada nos dias de hoje, mais aprimorada. Tanto é verdade
que em Atenas predominava a denominada “democracia escravagista”, tendo em
vista que dos 300 mil habitantes, aproximadamente 30 ou 40 mil eram considerados
cidadãos e em torno de 100 a 150 mil eram escravos (SOUZA, Idem, p. 63).
Em Atenas existiam duas espécies de jurisdição: a penal e a civil. Conforme
expõe Souza:
Algo notável no direito grego era a clara distinção entre a lei substantiva
e a lei processual. Enquanto a primeira é o próprio fim que a administração
da Justiça busca, a lei processual trata dos meios e dos instrumentos pelos
quais o fim deve ser atingido, regulando a conduta e as relações dos
tribunais e dos litigantes com respeito à litigação em si, enquanto que a
primeira determina a conduta e as relações com respeito aos assuntos
litigados. (SOUZA, Idem, p. 76-77).
Para crimes públicos, tais como homicídio premeditado ou voluntário,
incêndio ou envenenamento, o julgamento era realizado por grandes tribunais de
centenas ou dezenas de membros. A Assembléia de todos os cidadãos (ekklêsia),
divididos em distritos territoriais (demos), elegia o grande conselho de supervisão
(Areópago).
Interessante anotar que, embora os gregos não realizassem explícita divisão
dos ramos jurídicos (direito público, civil, penal, etc.), na seara processual uma
importante distinção se visualizava no exercício do direito de ação. Havia duas
26
espécies: a ação privada (diké) e a ação pública (graphé). A primeira era um debate
judiciário entre os litigantes, através da reivindicação de um direito ou da
contestação de uma ação, sendo que somente as partes envolvidas é que poderiam
provocar a atuação jurisdicional. Segundo Souza (op. cit. p. 78), “exemplos de ações
privadas são (diké): assassinato (diké phonou), perjúrio (diké pseudomartyrion),
propriedade (diké blabes); assalto (diké aikias); ação envolvendo violência sexual
(diké biaion); ilegalidade (diké paranomon); roubo (dike klopes)”. A segunda poderia
ser iniciada por qualquer cidadão que se considerasse prejudicado pelo Estado. De
acordo com Souza:
Exemplos de ações públicas (graphé): contra oficial que se recusa a
prestar contas (graphé alogiou); por impiedade (graphé asebeias); contra
oficial por aceitar suborno (graphé doron); contra estrangeiro pretendendo
ser cidadão (graphé xenias); contra o que propôs um decreto ilegal (graphé
paronomon); por registrar falsamente alguém como devedor do Estado
(graphé pseudengraphes). (SOUZA, op. cit. p. 78).
Ao lado do Areópago, um conselho (boulé) exercia o governo. O Areópago
julgava os acusados de subverter a constituição. O julgamento de casos menos
importantes incumbia aos juízes dos demos podendo haver apelo para a assembléia
judicial propriamente dita (heliastas) que funcionava em grupos (dicastéria). (Lopes,
op. cit. p. 37).
Por influência do ideal democrático vivenciado nesse período, é possível
asseverar que qualquer cidadão poderia acessar a Justiça de forma ampla e
praticamente irrestrita.
Embora amplo, à primeira vista, o acesso à Justiça na sociedade grega
sofria restrições, como bem menciona Lopes:
[...] considerava-se moralmente indigno receber dinheiro para a defesa.
Assim os redatores de discursos mantinham-se oficialmente ocultos, ou
apresentavam-se como não tendo recebido dinheiro. Julgava-se que quem
precisava pagar não tinha uma boa causa. No entanto isto muito mais
formal do que real, porque os logógrafos tornaram-se comuns. A idéia
fundamental era que qualquer cidadão pudesse apresentar-se perante os
tribunais, juízes e árbitros para defender seus interesses ou ponto de vista.
Na prática, cresceu a atividade dos redatores de peças ‘judiciais’. O
advogado (um encarregado de negócios alheios, sinégoros ou síndico) não
27
existia propriamente ainda, era visto como um cúmplice. Para conhecermos
o advogado semelhante ao nosso contemporâneo será preciso esperar o
direito canônico do século XIII. (LOPES, op. cit. p. 38).
Talvez por esta razão, “o processo tornou-se uma praga em Atenas (como
relata Aristófanes em suas obras), mas a liberdade de processar era inerente à
democracia” (LOPES, Idem, p. 39).
O poder de julgar era conferido ao cidadão, inexistindo, nesse período, o
profissionalismo, ou seja, a carreira judicante como conhecida nos dias atuais.
Souza pontua que:
A heliaia foi a grande demonstração de que o povo era soberano em
matéria judiciária, por ser um tribunal que permitia que a maior parte dos
processos fosse julgada por grandes júris populares. Composta por seis mil
heliastas escolhidos anualmente por sorteio dos arcontes, dentre os
cidadãos com mais de 30 anos, era o grande tribunal ateniense onde a
cidade se reunia para julgar. (SOUZA, op. cit. p. 89).
Ulhoa Cintra (1970 apud Lima Filho, op. cit. p. 108) afirma que os juízes não
eram considerados magistrados, não havendo para eles docimasia6 ou prestação de
contas. A Justiça era posta em funcionamento pela ação de um cidadão; todo
procedimento era acusatório, inclusive os processos criminais públicos, podendo,
todo cidadão, iniciar um processo público. Em verdade, não existia na Grécia Antiga
juiz que julgasse o processo ou ministério público que defendesse os interesses da
sociedade; nem mesmo a defesa técnica era admitida no processo grego, embora,
na prática, os logógrafos burlassem essa regra. Incumbia ao litigante interessado ou
ao seu representante legal dar início ao processo, citar a parte contrária, tomar a
palavra em audiência e exercer outros atos processuais necessários ao julgamento
da questão posta.
Em 403 a.C. instituíram-se recursos em matéria cível e comercial sempre
que a causa excedesse o valor de 10 dracmas. Havia árbitros públicos e privados;
não aceita a decisão por estes proferida, a parte poderia apelar para os heliastas.
Perante os árbitros era possível o compromisso (LOPES, op. cit. p. 38).
6
Do grego dokimasia, significa exame moral prévio, como ocorria no processo de escolha dos
cidadãos componentes do Conselho (boulê) pelos conselheiros antigos.
28
Em juízo, as partes produziam provas escritas; perante os árbitros, as
provas eram informais. Os juízes podiam testemunhar sobre os fatos debatidos na
lide, desde que deles conhecessem. Nesse período, a sentença não precisava se
coadunar com as provas produzidas em juízo porque os juízes poderiam julgar
conforme a sua própria consciência, de acordo com a sua íntima convicção.
Anota Lopes:
Aristóteles deixou-nos uma classificação das provas que fazia sentido
neste sistema: elas eram naturais ou artificiais. Naturais eram a prova da
existência da lei, testemunhas, contratos, juramentos. Em outras palavras,
as provas naturais eram evidências empíricas. As artificiais são fornecidas
por nossa invenção e descoberta, procedem de nosso raciocínio: são
indícios e presunções pelos quais passamos daquilo que sabemos ou
provavelmente sabemos para aquilo que não sabemos. A eloqüência
fornece estas provas. (LOPES, Idem, p. 38).
Em Atenas nasce a assistência judiciária gratuita, que abissal importância
tem para a concretização e efetivação do acesso à Justiça. Nesse sentido, Lima
Filho (op. cit. p. 110) expõe: “Foi a Grécia – em Atenas – o berço da assistência
judiciária aos necessitados. Naquele tempo, anualmente, eram designados dez
advogados para assistir juridicamente as pessoas consideradas carentes”.
Influenciado pelo pensamento e pela cultura grega, o direito romano se
estabelece como paradigma para todo sistema processual futuro, inclusive, o
brasileiro. Embora o sistema judicial grego fosse avançado para a época, era
calcado mais na retórica dos litigantes e na persuasão judicial do que na lei escrita,
até mesmo porque as primeiras legislações gregas escritas e codificadas –
insculpidas em pedras públicas – surgiram no século VIII a. C. Desta forma, é
correto afirmar que o direito grego se consolidou tardiamente.
A propósito, uma das principais características do direito romano é a
positivação das normas de conduta regentes da vida social, consubstanciadas na lei
das XII Tábuas ou nas Institutas, Digesto ou Código dos Imperadores7.
7
Ao conjunto das compilações das Institutas (manual escolar), Digesto (compilação dos iura), Código
(compilação das Leges) e Novelas (reunião das constituições promulgadas após Justiniano) dá-se o
nome de Corpus Iuris Civilis.
29
A situação social vivenciada influenciava negativamente a questão do
acesso à Justiça. Vigorava o modelo de produção escravagista, conforme expõe
Véras Neto:
Essa interpretação dos modos de produção no tempo traz à tona a idéia
de que o Império Romano e suas várias etapas históricas estariam fixados
cronologicamente no modo de produção escravagista, em que o motor do
desenvolvimento econômico estava nas grandes propriedades apropriadas
pela aristocracia patrícia, que controlando os meios de produção, as terras e
as ferramentas necessárias ao trabalho agrícola, dominavam as classes
pobres e livres dos plebeus, clientes e a dos escravos, estes últimos como
res (coisa), eram uma espécie de propriedade instrumental animada.
(VERÁS NETO, 2002, p. 114).
Assim, evidente a existência de desigualdade social. Basicamente, a
sociedade romana era dividida pelas seguintes classes: a dos patrícios, a dos
plebeus, a dos clientes e a dos escravos, como visto, tratados como mero objeto a
serviço dos seus senhores. Véras Neto esclarece que:
A sociedade desigual gerou uma série de instituições políticas e jurídicas
sui generis, bem como um ambiente de conturbação e de conflitos de classe
dos patrícios e a dos plebeus, esta situação se manifestou, por exemplo, na
rebelião plebéia que gerou a elaboração da famosa Lei das XII Tábuas,
atribuindo mais poder aos plebeus [...]. (VERÁS NETO, Idem, p. 114).
Dessa forma, nota-se que o ideal almejado pela sociedade romana –
situação que vem a refletir no direito romano vigente à época – é a busca pela
igualdade. Véras Neto pontua:
A Lei das XII Tábuas teria sido o reflexo da ameaça plebéia de
abandonar a cidade de Roma, fundando uma nova cidade no Monte
Sagrado, próximo a Roma, caso suas exigências não fossem atendidas pela
classe dos patrícios. Como concessão para que as ameaças não se
consumassem, os patrícios aceitaram um conjunto de leis escritas fosse
elaborados a fim de garantir maior isonomia (igualdade) entre patrícios e
plebeus. [...]. (VERÁS NETO, op. cit. p. 114).
30
Nesse passo, induvidoso que acessar a Justiça era um privilégio de alguns
em detrimento de muitos, não um direito e uma garantia, tendo em vista que nem
todos eram considerados cidadãos. Conforme Véras Neto,
O universo cultural e a significação moral advindas desse mundo
escravagista atribuíam ao direito civil romano a forma de direito material e
instrumental sicofântico, ou seja, um direito baseado em ardis e fraudes,
que por sua vez acabavam beneficiando os mais fortes em face da
existência de uma sociedade extremamente desigual, em que o direito
formal permitia usualmente apenas aos mais fortes beneficiar-se do sistema
jurídico existente devido ao seu poder material alicerçado nos planos
econômico e militar. (VERÁS NETO, op. cit. p. 117).
No direito romano, o direito material e o direito processual obstavam o
acesso à Justiça. O primeiro refletia a situação social e moral da sociedade romana,
logo, por consectário, era formal, não real, de forma que o mais fraco nada tinha a
ganhar processando os poderosos. O segundo era pouco eficaz e não garantia o
cumprimento das decisões judiciais. Aliás,
Não existiam a autoridade e a coerção públicas indispensáveis à
implementação de decisões judiciais; e as violações mais cruéis possuíam
apenas um caráter civil; não existia, portanto, coação pública capaz de
impor a sanção penal, visando à proteção contra a violência que atingisse
os bens jurídicos relevantes; as citações eram feitas pelas próprias partes,
que dependiam muitas vezes do poder militar para obter êxito nesta
iniciativa; não existia, pois, um poder público coativo e exterior, capaz de
impor a sanção jurídica de forma organizada e centralizada (VÉRAS NETO,
Idem, p. 118).
Não é por outra razão que o sistema judicial, até o advento do principado,
era privado, atuando no interesse da parte mais forte e poderosa.
Como salientado alhures, nos primórdios vigorava a vingança privada, não
havendo intervenção estatal na composição dos conflitos sociais. Denominada de
“autotutela”, citada fase não contemplava a participação de terceiro imparcial na
solução da lide, prevalecendo assim a lei do mais forte.
O fortalecimento do Estado ensejou, ainda que gradativamente, sua
participação ativa na solução dos conflitos eclodidos na sociedade.
31
O acesso à Justiça precisar ser situado na perspectiva do sistema
processual civil romano, divididos em três grandes fases: a) legis actiones; b) per
formulas; c) extraordinária cognitio.
O primeiro período vigorou desde o princípio da fundação de Roma até o fim
da República (754 a.C.). O segundo teria sido introduzido pela Lex Aebutia (149-126
a.C.) e oficializado definitivamente pela lex Julia privatorum, do ano 17 a.C., aplicado
de modo esporádico até a época do Imperador Diocleciano (285-305 d.C.). Os dois
primeiros compõem o período do ordo iudiciorum privatorum (juízo de ordem
privada). O terceiro período, instituído com o advento do principado (27 a.C.),
vigorou até os últimos dias do Império Romano do ocidente8 (AZEVEDO; TUCCI,
2001. p. 39).
O período da legis actiones nasce em meio à fase arcaica do direito romano,
onde Estado e Religião se confundiam. Pela ausência de normas que
regulamentavam o sistema processual da época, os julgadores tomavam por base a
lei das XII Tábuas e as Institutas de Gaio.
Nesse período, não havia qualquer diferenciação entre direito material e
direito processual, de sorte que se a situação apresentada no caso concreto
correspondesse a uma actio prevista na lei, aquele que se sentia lesado poderia
recorrer à via judicial para que um sacerdote examinasse e julgasse a questão
posta. Assim, não se dizia que tinha um direito em relação ao outro, mas, sim que se
tinha uma ação contra o outro. O procedimento judicial tinha natureza oral e era
bipartido, ou seja, a parte apresentava a ação aos sacerdotes, que se pronunciavam
para transformar a questão privada em lide processual. Se a situação fática se
enquadrasse na ação correspondente, as partes se submetiam a um árbitro
incumbido de decidir a questão, o qual buscava inspiração divina para aplicar o
direito ao caso apresentado.
Basicamente, a lei das XII Tábuas previa ações de conhecimento e ações de
execução que poderiam ser manejadas pelos cidadãos romanos.
Com a expansão do Império Romano, muitos estrangeiros se fixaram em
Roma. A legis actiones só poderia ser manejada por cidadãos romanos nos casos
previstos em lei; logo, os conflitos entre romanos e estrangeiros eram desprovidos
8
Em verdade, as datas de vigência de um e outro período encontram divergência na doutrina.
Segundo Edson Prata (op. cit. p. 53), o período da legis actiones perdurou de 754 a 149 a.C. O
período per formulas perdurou de 149 a.C. a 342 d.C. e, por derradeiro, o período da cognitio
extraordinária desenvolveu-se de 342 d.C. em diante.
32
de previsão legal para solução. Criaram-se, então, as magistraturas públicas
exercidas pelos pretores nas províncias do território, momento em que o processo
adentra a fase clássica, chamada de período per formulas ou formulário. As
principais fontes normativas processuais do período são as Institutas de Gaio e de
Justiniano.
Nesse período, o processo passa a ser escrito; não é mais preciso ser
detentor de uma ação para postular em juízo.
As partes se apresentavam perante o pretor; a fórmula9 era apresentada e
assim fixavam-se os pontos da litiscontestatio, ou seja, os pontos controvertidos da
demanda para apreciação e solução do litígio. O árbitro delegado pelo pretor decidia
a lide nos limites propostos pelas partes, sem que houvesse qualquer participação
do Estado na composição do litígio.
O período da extraordinária cognitio surgiu com o início do principado de
Otaviano Augusto em Roma. Nesse período, o poder estatal estava centrado nas
mãos de uma só pessoa (o príncipe), havendo a unificação das fontes do direito.
Ademais, o período da extraordinária cognitio trouxe consigo transformações no
processo romano; aquele que demandava já não mais era submetido a um sistema
jurisdicional bipartido, de modo que ao magistrado, por delegação do príncipe, cabia
aplicar o direito aos litigantes, sendo a decisão por ele proferida dotada de natureza
pública. Desse modo, o Estado passa a ser detentor exclusivo do poder de império e
imposição sendo vedado às partes solucionar seus conflitos por outros meios,
restando, tão somente, a via estatal. A Justiça privada é substituída pela Justiça
pública, surgindo a primeira noção de Jurisdição10. Essa fase marca a consolidação
do monopólio da jurisdição estatal, que se opera através do processo.
É notório, assim como no direito grego, que no direito romano o acesso à
Justiça continha limitações de natureza processual e social. Como ponderado em
linhas anteriores, havia desmedida desigualdade entre os indivíduos. Assim, esse
fator social influenciou de forma veemente o sistema judicial romano.
9
“Fórmula, diminutivo de forma, é a palavra grega que significa modelo. Fórmula, portanto, é um
autêntico modelo abstrato pelo qual se propicia litigar por escrito, em conformidade com os esquemas
jurisdicionais previstos pelo direito honorário, e no edito do pretor”. (AZEVEDO; TUCCI, op. cit. p. 7374).
10
Jurisdição, portanto, é uma face do poder estatal que impõe o cumprimento da lei visando manter a
ordem e a paz social na sociedade; nota-se que o Estado substitui a vontade das partes que já não
podem se valer da autotutela para resolver seus conflitos.
33
No período das ações da lei, a partes somente acessavam o tribunal se a lei
previsse ação correspondente, deixando, certamente, inúmeras situações sociais
sem qualquer espécie de tutela. Ademais, por ser o processo conduzido sob a
influência de ritos místicos e religiosos, o acesso à Justiça era prejudicado pelo
formalismo, dificultando a concretização do direito material das partes. Ponto
positivo a ser destacado era a oralidade do processo; processo que prima o princípio
da oralidade torna-se mais célere, e atende melhor ao interesse das partes
litigantes; por outro lado, o ponto negativo que merece relevo é a bipartição do
procedimento, causando um dispêndio maior de tempo para a dicção do direito
controvertido nos autos. O procedimento no direito romano era dividido em duas
fases: uma perante o magistrado ou pretor, e outra perante o juiz ou árbitro, a
depender da ação intentada pela parte. A primeira fase, in jure, iniciava-se com a
citação, feita diretamente pelo autor; a presença das partes era imprescindível, vez
que ainda não se conhecia o instituto da revelia; se as partes transacionassem, a
causa estava encerrada; o pretor ouvia a exposição do autor, feita oralmente; após,
o réu tinha a oportunidade de se manifestar, confessando os fatos articulados pelo
autor (confessio) ou contestando-os (infitiatio); se houvesse confissão, o réu deveria
entregar o bem da vida perseguido pelo autor ou então pagar quantia
correspondente; se houvesse contestação, e preenchidos os requisitos legais e
costumeiros, o magistrado admitia a ação; posteriormente, as partes elegiam um juiz
e apresentavam seus assistentes e testemunhas, formando a litiscontestatio. Assim,
encerrava-se a primeira etapa, de modo que as partes procuravam o juiz escolhido
para julgamento da causa (PRATA, op. cit. p. 66).
Para o período formulário, as críticas não são outras.
A ausência de participação do Estado na solução dos conflitos, nos dois
primeiros períodos, certamente colocava o litigante mais fraco em desvantagem,
sobretudo, se considerado que o litígio era resolvido única e exclusivamente com
base no interesse das partes. Ademais, por ser a citação ato processual de natureza
privada, era corriqueiro o réu não comparecer diante do magistrado ou pretor, fato
que impedia a formação da litiscontestatio e reflexamente limitava o acesso à
Justiça.
De outro lado, o período da extraordinaria cognitio conferia a falsa ideia de
que a intervenção do Estado na solução dos conflitos conferia ao indivíduo o amplo
acesso à Justiça. No entanto, por haver interferência do príncipe na solução dos
34
conflitos, a imparcialidade dos julgamentos restava comprometida, de forma que a
Justiça feita era aquele que interessava ao soberano.
É certo que o Período Antigo foi marcado pela ávida busca do ideal de
igualdade material nas relações sociais e jurídicas. Contudo, maior era a
desigualdade entre os indivíduos e o sistema processual rígido, formalista e ineficaz,
o que demonstra claramente que o acesso à Justiça não passava de mera retórica e
muito tinha a evoluir.
2.2.2 Período Medieval
O Período Medieval guarda acontecimentos históricos que refletem no
movimento de acesso à Justiça. Estende-se do século IV e V até mais ou menos o
advento do Renascimento, que ocorreu nos séculos XV e XVI.
No contexto histórico, o Período Medieval se caracteriza pelas invasões
praticadas pelos bárbaros no Império Romano, fato que determinou a queda deste.
R. C. Van Caenegem explica que com a queda do Império Romano, três
outras novas civilizações surgiram:
O Império Romano fora a forma política da antiga civilização
mediterrânea meridional e ocidental da Europa, da África do Norte e da Ásia
Menor. Quando caiu, três novas civilizações surgiram: o Império Bizantino
grego-cristão (no qual algo do antigo Império Romano sobrevivera); o
mundo árabe-islâmico; e o ocidente latino-cristão, composto pela antiga
população romana e pelos novos povos germânicos que acabavam de se
estabelecer por ali. Na Europa ocidental, a autoridade imperial declinara no
século V e o antigo Estado romano fora dividido em vários reinos tribais
germânicos. Nos séculos que se seguiram, os reis francos da dinastia
carolíngia, os reis germânicos da dinastia saxã e seus sucessores fizeram
várias tentativas para restaurar a antiga autoridade supranacional de Roma.
Mas todas, sem exceção, foram inúteis. (CAENEGEM, 2000, p. 23).
Em razão das conquistas políticas e territoriais, os bárbaros romperam com
a unicidade do ordenamento jurídico vigente para impor a aplicação de legislação
conforme a etnia, considerando a inexistência de fusão entre os povos romanos e
bárbaros. Conforme explica Martins:
35
[...] As populações passaram a viver de acordo com as próprias leis, a
isto se denominou princípio da personalidade do direito, ou seja, o indivíduo
vive segundo as regras jurídicas de seu povo, raça tribo ou nação, não
importando o local onde esteja. A aplicação deste princípio permitiu a
sobrevivência do direito romano no Ocidente ainda durante os primeiros
séculos após a queda do Império. (MARTINS, 2002, p. 196).
Desta maneira, o direito medieval se desenvolveu sob a égide de
ordenamentos jurídicos paralelos, aplicáveis a pessoas distintas. Assim,
A certa altura, no final do século V e inícios do século VI, a situação pode
ser sumariada da seguinte maneira: os francos, sob a liderança de Clóvis,
os ostrogodos, sob a liderança de Teodorico, e Grande, e os visigodos, sob
a liderança de Eurico e depois Alarico, disputam o Ocidente. Os francos
controlam o norte do que hoje é a França, os ostrogodos controlam a Itália
setentrional a partir de Ravena, e os visigodos controlam o sul da França,
ou Gália. Especialmente na Gália a divisão entre romanos e não-romanos é
forte. Teodorico governa a Itália com conselheiros romanos que mantém de
modo geral. Neste mundo dividido, duas ordens de direito se estabelecem:
o direito dos bárbaros e o direito romano vulgarizado, ou direito romano
bárbaro. (Lopes, op. cit. p. 67-68).
A Idade Média é um período histórico cujas bases sociais são caóticas; a
crise se instalou devido à quebra da estabilidade e garantia conferida pelo Império
Romano. No campo religioso, houve regressão ao paganismo, algo contrário ao
Cristianismo vigorante até a derrocada de Roma.
O Direito dos bárbaros passou a viger concomitantemente ao Direito
Romano, decorrendo de uma consolidação de costumes. O principal instrumento
jurídico do período é a Lei Sálica.
Em decorrência da divisão de classes que se operava na sociedade
medieval, havia um sistema de Justiça feudal ou senhorial.
A sociedade medieval, em que o sistema feudal vigora para as relações
de detenção de terra, é uma sociedade de ordens e estamentos. Seu direito
é um direito de ordens: os homens dividem-se em oratores, bellatores,
laboratores, isto é, aquelas que oram (clérigos), aquelas que lutam
(cavaleiros e senhores) e aquelas que trabalham (servos). [...] Havia dois
sistemas de relações: uma propriamente feudal, relativa a vassalagem e
tenência de terra, e outra senhorial, relativa à apropriação da renda da terra,
relação senhorial entre servo e senhor. (Lopes, op. cit. p. 73).
36
É de se mencionar que Justiça não compreendia apenas o poder de dizer o
direito; legislar e administrar são apenas outras duas formas de se fazê-la.
A Igreja exercia grande participação no sistema político e jurídico através
das Instituições Eclesiásticas, conforme expõe Lopes:
O evento que marca um ponto de passagem na história do direito
canônico é a transformação radical liderada por Gregório VII (para entre
1073 e 1085). Até então, a Igreja do Ocidente havia sido uma comunidade
sacramental, espiritual, não jurídica e muito mais uma federação de Igrejas
nacionais do que uma rígida monarquia centralizada em Roma. [...] A
autoridade papal era mais tradicional e moral que jurídica, e muito menos
eficaz politicamente do que normalmente se pensa. É com Gregório VII,
neste reinício da expansão do Ocidente, que as coisas começam a mudar, e
a mudança se reflete e é também constituída no campo do direito. [...] As
leis canônicas não se distinguiam bem de liturgia e teologia. A lei era uma
espécie de disciplina, de regra comum. [...]. (Lopes, Idem, p. 85).
Desta maneira, os conflitos sociais eram julgados pelos tribunais senhoriais
ou pelo bispado ou papado, caracterizando, portanto, a existência de duas
jurisdições concorrentes, uma secular e outra eclesiástica: “Na Idade Média, a
jurisdição eclesiástica era ampla abrangendo o direito de família, casamento,
testamento, juramento, obrigações, etc., razão pela qual o direito canônico passou a
exercer fortíssima influência na vida dos povos”. (PRATA, op. cit. p. 116).
É nesse período, ainda, que se desenvolveu o direito canônico, importante
para a reformulação das concepções de processo e jurisdição. Segundo Prata (op.
cit. p. 111) “O direito canônico constitui-se no conjunto de leis da Igreja Católica [...].
Apóia-se sobretudo nos postulados consagrados pela Bíblia, livro fundamental do
Cristianismo, bem como nos ensinamentos dos Santos Padres, os Papas, cuja
doutrina é conhecida pelo nome de patrística”.
Lopes anota as características do legado deixado pelo processo canônico:
O processo canônico legou-nos algumas características especiais: 1) é
um processo conduzido por profissionais em direito; em segundo lugar 2)
reconhecia um sistema de recursos que permitia a uniformização, a
concentração e a centralização do poder; em terceiro lugar 3) adquiriu uma
perspectiva investigativa (inquisitorial) mais do que acusatória ou adversária
(duelística); finalmente 4) impôs a escrita sobre a oralidade, constituiu o
sistema cartorial. Este modelo processual liga-se a uma forma de poder
política e a ela serve. [...]. (Lopes, op. cit. p. 100).
37
A reforma religiosa desencadeada por Gregório VII distinguiu a jurisdição do
conselho sacramental por matéria de foro interno ou foro externo. As sanções
penitenciais impostas pelo cometimento de pecados, ou por força da consciência do
fiel, são questões de foro interno; a solução dos litígios, atividade comum ao jurista,
é matéria de foro externo, nesse período, exercida pelos bispos e senhores, papas e
reis ou imperadores.
Dois critérios objetivos de distinção da jurisdição são apresentados pelo
direito canônico, a saber: a) ex ratione personarum (em razão da pessoa) e; b) ex
ratione materiae (em razão da matéria). A depender das pessoas envolvidas no
litígio ou da matéria debatida no processo, a jurisdição eclesiástica atraía a
competência. Santos (2002, p. 229) esclarece que “a jurisdição eclesiástica passou
a ser competente, por exemplo, para julgar todos os casos relativos ao casamento e
a maioria dos litígios envolvendo direito de família”.
A formalização e racionalização do processo tinham influência direta na
questão do acesso à Justiça. O procedimento passou a ser escrito, fato que ensejou
o surgimento do notário, haja vista que o juiz passa a contar com redator oficial para
redigir as fórmulas e atos judiciais (termos, autos) do litígio instaurado em juízo. É o
que se verifica:
No que diz respeito ao processo civil primeiramente, o processo
canônico introduziu o escrito. Com ele, destaca-se em importância a figura
dos notários. Além do juiz, é preciso contar com este redator oficial de
fórmulas e atos judiciais, termos que são reduzidos a escrito como memória
(termos, autos) do processo. O notário cada vez mais secretaria o juiz em
íntima cooperação e ligação com o desenvolvimento da controvérsia. No
processo canônico ele é um oficial da corte (tribunal) e não apenas um
perito em escrever. (Lopes, op. cit. p. 102).
Não se pode olvidar, ainda, que o procedimento tornou-se organizado
através de fases distintas, divididas com clareza, entretanto, padecendo de
morosidade e extrema complexidade ritualística. O autor ingressa com o libelo ao
oficial da corte que chama a juízo o réu11, que toma conhecimento dos termos do
11
Diferentemente do sistema processual vigente no Império Romano, na Idade Média aquele que
pleiteava certo direito em juízo não precisava “sair à caça” do réu, pois, a citação tornou-se ato
estatal.
38
pedido. Este poderia apresentar exceções12 (o que atualmente se conhece por
preliminares processuais e de mérito). Após, o réu apresenta a contestação,
atacando diretamente o pedido do autor. Posteriormente colhem-se as provas
(confissão, testemunha, documentos) e chega-se a sentença.
Embora complexo e moroso, nota-se no processo canônico o mínimo de
garantia do contraditório, ainda muito restrito se comparado aos moldes atuais.
Ademais, processo canônico era norteado por princípios processuais éticos,
decorrentes da ideologia cristã vigente naquele momento. Basicamente, eram estes:
a) dever de dizer a verdade em juízo; b) equidade nos julgamentos; c) boa-fé,
inclusive, os dois primeiros, incorporados pelo atual Código de Processo Civil, em
seu artigo 1413.
No Período Medieval vislumbra-se a presença da assistência judiciária
gratuita, elemento relevante para garantir o efetivo acesso à Justiça. É o que
pondera Lopes:
Gozavam também do privilégio do foro eclesiástico os miseráveis
(miserabiles personae): mendigos, pobres, órfãos, viúvas, que se
multiplicavam nas cidades medievais e também nos campos, nos tempos de
fome, guerra, secas, invernos rigorosos, epidemias, etc. No for eclesiástico
eram atendidos pelos advogados dos pobres, nomeados pelo bispo,
considerado (doutrinariamente, claro está) pai dos pobres por excelência.
(LOPES, op. cit. p. 101).
É que os pobres possuíam foro privilegiado, tendo suas controvérsias
julgadas pela Igreja, que lhes providenciava advogado para defesa de seus
interesses. Ademais, é na Idade Média que surge a figura do advogado, não como
cúmplice ou sócio da parte, mas, como jurisperito (LOPES, Idem, p. 102).
Evidentemente que a questão do acesso à Justiça merece críticas no
período ora abordado. Notadamente na seara processual penal, o processo
inquisitorial admitia a tortura como forma de obtenção da confissão, caracterizando
um verdadeiro retrocesso. Assinala Naspolini que:
12
Classificavam-se as exceções em dilatórias ou peremptórias conforme destinavam-se a retardar o
andamento do processo ou fulminá-lo por trata-se de vício processual insanável.
13
Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo:
I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II - proceder com lealdade e boa-fé;
[...]
39
[...] sob a influência da Igreja, todo um sistema de direito penal (o
acusatório) foi alterado, para que os crimes de heresia e bruxaria pudessem
ser eficazmente combatidos. Novas regras para o processo, que lhe
conferiam feição inquiritória, aliadas à reintrodução da tortura como meio de
extrair a confissão, redundavam num processo da qual dificilmente o
acusado escapava sem condenação.
A ordem jurídica pluralista, segmentada por um direito emanado da Igreja e
outro secular, acabou por gerar uma carência de ao indivíduo, que precisava superar
mais de um poder jurisdicional para ver seu direito assegurado. Conforme explicita
Lima Filho,
[...] sendo o direito um verdadeiro instrumento de organização social, não
pode descurar da influência da religião, influência esta que era tão marcante
que chegou mesmo a criar uma esfera jurídica própria – direito canônico –
conduzindo, pois, a uma ordem jurídica pluralista, ou seja, o cidadão tinha
uma carência de acesso a diversas ordens para poder obter Justiça. (Lima
Filho, op. cit. p. 115),
Havia a concepção de que havendo distribuição de Justiça ampla, estaria
assegurado o livre acesso ao julgamento, como salienta Lima Filho (Idem, p. 115).
Ainda, as discussões filosóficas sobre a Justiça, travadas especialmente por
Santo Agostinho14, Santo Isidoro de Sevilha e Santo Tomás de Aquino15, não foram
14
A filosofia agostiniana nasceu durante a era patrística e recebeu forte influência da Igreja e de seus
dogmas. Embora discuta os problemas da Justiça com enfoque teológico, não passa despercebida a
herança helênica, sobretudo, do pensamento platônico. Destaca-se, mormente, a obra “Cidade de
Deus” onde Santo Agostinho distingue a lei divina (lex aeterna) e lei humana (lex temporalem),
fundamentando suas idéias de Justiça sobre as mesmas. Eduardo Bittar e Guilherme Assis de
Almeida (2002, p. 181) explicam com clareza as concepções de Justiça humana e divina, senão
vejamos: “A Justiça humana é aquela que se realiza inter homines, ou seja, que se realiza como
decisão humana em sociedade. A Justiça humana tem como fonte basilar a lei humana, aquela
responsável por comandar o comportamento humano. Nesse sentido, o homem relaciona-se com
outros homens e com o que o cerca; é no controle dessas relações que se lança a lei humana. Não é,
portanto, sua tarefa comandar o que preexiste no comportamento social. Para que se possa pensar
acerca do que preexiste, deve-se recorrer a idéia de Deus, que, como origem de tudo, como princípio
unitário de todas as coisas, só pode ser o legislador maior do universo. A tarefa divina no controle do
todo é, aos olhos humanos, irrealizável. É exatamente a ilimitação dos poderes de Deus que permite
tudo conhecer, tudo saber, tudo coordenar. Pelo contrário, é a limitação humana que faz do homem
um ser restrito ao que lhe está ao alcance mais imediato. A limitação humana torna o campo de
abrangência das leis no tempo e no espaço igualmente restrito.
A Justiça divina é aquela que a tudo governa, que a tudo preside dos altiplanos celestes. De sua
existência brota a própria ordenação das coisas em todas as partes, ou seja, em todo universo. A
Justiça divina baseia-se na lei divina, que é aquela exercida sem condições temporais para sua
execução, não sujeita, portanto, ao relativismo sociocultural que marca as diferenças legislativas
entre povos, civilizações e culturas diversas. Mais que isso, a lei divina, além de absoluta imutável,
40
suficientes para instituir uma prática judiciária institucional, uma vez que o direito é
essencialmente pragmático.
Assim, é possível inferir que os debates filosóficos sobre Justiça não
alcançaram efeitos práticos e nada influenciaram o sistema judicial vigente na Idade
Média, o que ensejou uma espécie de revisão do pensamento greco-romano,
advindo então um novo movimento conhecido como “Renascimento”.
2.2.3 Período Moderno
A teoria do direito denominada de “direito natural” ou jusnaturalismo é um
marco importante do Período Moderno. Referido período se estende entre o século
XVII e XVIII e possui eventos históricos importantes, e que a toda evidência,
influenciam a questão do acesso à Justiça.
Na seara filosófica, a Escola Clássica do Direito reconheceu a razão humana
como fonte do direito natural; na seara econômica, o mercantilismo evoluiu, surgindo
um primeiro estágio do capitalismo; na seara religiosa, tem-se o fim da cristandade;
na seara política, o Estado Nacional se afirma através das Constituições
promulgadas por imperativo das revoluções sociais.
Por influência do jusnaturalismo moderno, que não se confunde com o
jusnaturalismo clássico preconizado por Aristóteles e Santo Tomás de Aquino, o
perfeita e infalível, é infinitamente boa e justa. O verbum divino só pode ser a raiz última de formação
do que é, e também do que não é. Quando, porém, se trata de falar sobre a Justiça divina, deve-se
advertir de que se está a falar somente da Justiça de Deus como Justiça d’O Criador, mas também de
uma Justiça que se desdobra na própria Justiça humana. Grife-se que a lei divina não é somente a lei
d’Ele, mas também a que Ele produz nos homens; nesse sentido, e somente nesse sentido, a lei dos
homens também é divina, à medida que é dada por Deus”. Ainda, Deus separa os bons dos maus e
confere a estes o que merecem. Para citado filósofo, o Direito só pode ser Direito na medida em que
seus mandamentos se concatenam com os princípios de Justiça. Santo Agostinho vislumbrou a
Justiça como uma virtude de dar a cada um o que é seu (sum cuirque tribuere).
15
A base filosófica do pensamento de Santo Tomás de Aquino foi construída durante o período da
Escolástica. Em linhas gerais, sua filosofia – assim como a de Santo Agostinho – é fundamentada na
religião, mais precisamente no Cristianismo. A Justiça, segundo a ótica de Santo Tomás de Aquino
também é uma virtude consubstanciada na ação de dar a cada um o que é devido. O direito é objeto
da Justiça e só o é se for justo; não se reduz apenas a lei, pois, abrange o que está posto e algo
mais, que pode advir da razão humana ou da razão natural. Em Suma Teológica, a principal obra do
filósofo em comento, encontram-se três espécies de lei: a) lei eterna (lex aeterna); b) lei natural (lex
naturalis); c) lei humana. A lei eterna é promulgada por Deus, que tudo ordena, que tudo rege e que
está em tudo; a lei natural representa a participação racional na lei eterna; a lei, por sua vez, é fruto
de uma convenção e representa a positivação da lei natural, entretanto, somente haverá violação a lei
humana quando esta estiver em choque com a lei divina.
41
Período Moderno revive a reafirmação do individualismo humano, que une os
indivíduos por meio do contrato social, razão pela qual Rousseau e seu pensamento
têm grande importância no final do século XVIII. Hugo Grotius é outro filósofo
jusnaturalista a ser lembrado, haja vista que a ele se atribui o desenvolvimento da
visão racionalista do direito.
Restou demonstrado que durante a Idade Média o absolutismo se
consolidou como forma centralizadora de exercício do poder estatal e como meio de
subordinação dos indivíduos ao poder real. Saldanha explica com precisão a
transição do período medieval para o moderno:
Por outro lado, cabe vincular à idéia das “origens” do Estado moderno
dois processos paralelos, que ocorreram na transição para o mundo
moderno, e a que nos reportamos de passagem linhas acima. De um lado, o
processo de centralização: passou-se do poder disperso e local, comum na
Idade Média, a um poder situado num foco axial. Os senhores feudais, que
detinham o poder em cada uma de suas sede territoriais, perdem-no aos
poucos para o monarca, que o exerce em um centro, unificando
politicamente o reino. De outro lado, a concentração do poder nas mãos do
monarca, que não só recebe o plus proveniente do que os terratenentes
perdem, como também “enfeixa” em sua competência pessoal funções que
antes estavam (ou poderiam estar) em mãos de parlamentos e tribunais.
Com isso se consolida uma noção expressivamente unitária do Regnum: ele
se fortalece como realidade ao suplantar o poder dos feudais e ao liberar-se
da tutela do Imperador (e em alguns casos da do Papa); e se apresenta
como corpo político específico, dotado de soberania – Jean Bodin anotará
isto em 1576 – e entendido como um ente institucionalmente caracterizado.
Retoma-se a noção de Res pública no sentido clássico. Passa-se a usar o
termo Estado em novo sentido. Este sentido veiculado por Nicolau
Maquiavel desde a frase com que abre O príncipe, supera as acepções
medievais da palavra e adere à nova realidade política. O Estado aparece
como ordem política soberana, e aparece com perfil histórico específico.
(SALDANHA, 1987, p. 08-09).
À Igreja Católica, sobretudo, incumbiu à difusão de que as funções de julgar,
legislar e administrar deviam estar centradas nas mãos do monarca ou do Papa, que
é sobrenaturalmente inspirado para governar a sociedade. Entretanto, o Período
Moderno desmistifica essa visão para implantar a concepção de que o poder real
tem origem divina, mas, precisa ser limitado na medida em que almeja a felicidade
dos indivíduos.
Nesse período, as pressões sofridas pela realeza tornam-se insustentáveis e
a classe burguesa enrijece ainda mais a oposição contra os poderes do monarca,
42
tendo em vista que os direitos naturais já consagrados não eram respeitados, nem
se encontravam reunidos numa Constituição. Ademais, a carga de tributos era
demasiadamente elevada, pois, muito se exigia dos indivíduos para que as regalias
do rei pudessem ser sustentadas. A classe burguesa se opunha ainda, contra
privilégios conferidos a classe aristocrata.
A Revolução Inglesa de 1688 delimita, no Estado Moderno, o início da
reação social contra o absolutismo monárquico, tendo como ideologia política e
filosófica oriunda da Escola Clássica do Direito Natural, a limitação ao poder real. A
propósito:
Não é possível fixar, precisamente, no tempo ou no espaço, o
nascimento do chamado Estado Moderno, eis que ele é o resultado de uma
longa e progressiva evolução. [...] Nessa abertura histórica, pode-se atribuir
a MAQUIAVEL a primeira referência ao Estado sob um ângulo diferente e
típico. A partir do Secretário da Chancelaria de Florença, a idéia de Estado
como “Sociedade política organizada” adquire contorno mais definidos. A
noção centralizadora e suprema que aparece em “O Príncipe” é, na
verdade, a notícia concreta de que o Estado assume o seu caráter
integralizador. O caminho das monarquias absolutas, máxime em
decorrência da queda do feudalismo, conduz à unidade do Estado,
centralizando o poder na pessoa do soberano. Esta unidade, assim
reforçada pela intensificação do poder real, constitui, efetivamente, uma
nova dimensão do Estado. Da mesma forma a conscientização progressiva
dos indivíduos, no sentido do reconhecimento de direitos que lhes são
próprios, modifica o quadro estatal. O relacionamento desta tomada de
posição do indivíduo perante o Estado, com o absolutismo, parece-nos
exato, na medida em que, normal e logicamente, o poder arbitrário cria
resistência individual. A liberalização do Estado é conseqüência natural
desta transformação concreta que se opera pela reação do indivíduo, já
agora sob o prisma de pessoa, ao absolutismo monárquico. A
conscientização do homem conduz, assim, a insurreição contra a
onipotência do Estado. A autolimitação do Estado frente ao homem é,
portanto, outro dado objetivo na caracterização do Estado Moderno [...].
Esta etapa divisória tem estreito relacionamento com a organização
constitucional do Estado. Na verdade a estrutura do Estado, elaborada
conforme uma Constituição, acompanha a afirmação do homem como
sujeito de direitos próprios e que não podem ser violados pelo Estado. A
idade de Constituição, como instrumento positivo e formal, não aparece
vinculada à noção de Estado da antiguidade ou do período medievo. A
Magna Carta de 1215, que muitos pretendem apontar como modelo
originário de Constituição, foi apenas um convênio entre os barões e seu
senhor. Em realidade, a “Carta Libertatum” ou “Carta Baronum”, ao espelhar
uma limitação à supremacia feudal do Rei, considera como “homo líber” o
barão e não o elemento humano do Estado, na sua totalidade. Somente
com o “Bill of Rigths” de 1689 é que pode falar-se em determinações
constitucionais [...]. (DIREITO, 1968, p. 79-80).
43
Os ideais da Revolução Inglesa, após alguns anos, influenciaram a
libertação das treze colônias americanas em, e, posteriormente, a Revolução
Francesa de 1789, esta, tomada doutrina de Rousseau e Montesquieu.
Tais movimentos revolucionários mudaram o mundo, e toda forma de pensar
o direito e a filosofia sofre profunda alteração. Lima Filho pontua que:
A Revolução Francesa com seus ideais de liberdade, igualdade e
fraternidade, traz em seu bojo a teoria da separação dos poderes e o
princípio da legalidade, este com uma forte visão absolutista e acima de
tudo individualista, máxime no que se refere à proteção da propriedade e da
autonomia privada.
Há assim, uma tendência para uma igualdade, que diria formal, com a
exclusão do Estado nos assuntos que digam respeito à sociedade. (LIMA
FILHO, op. cit. p. 118).
A conseqüência dos acontecimentos históricos ocorridos no Período
Moderno é uma forte reação contra o Poder Judiciário, fiel e subserviente aos
interesses da Coroa. Em razão disso, os poderes conferidos aos juízes são
mitigados, de modo que sua função resume-se a simples atuação a vontade
concreta da lei, tornando-se verdadeiro autômato.
Por via de conseqüência, conforme pondera Lima Filho:
Tal desprezo para com o Judiciário evidencia que o Estado liberal não
tinha qualquer preocupação com a idéia nem com a prática de acesso à
Justiça. Surge, pois, uma situação inusitada: ao mesmo em que a
Constituição do Estado assegura, ainda que formalmente, a igualdade entre
as pessoas, o que também em tese deveria assegurar um igual acesso à
Justiça, no plano prático a realidade era bem diversa. (LIMA FILHO, Idem,
p. 119).
Não se pode perder de vista, ainda, que no Período Moderno duas correntes
de pensamento buscavam sua consolidação: de um lado tem-se o positivismo
jurídico, guardando a idéia de que o Direito se reduz a lei, e que a aplicação desta
deve desprender-se de fatores sociais, e valores ideológicos, morais, religiosos, etc.
Com a fase da codificação, iniciada pelo Code Civil de 1804, é fato que o
costume e a jurisprudência tornaram-se fontes secundárias. Acreditava-se que o
44
direito positivado em Códigos suprimiria a insegurança jurídica até então presente.
Tem-se tal idéia como meia verdade, já que por outro lado, o juiz passou a declarar
o conteúdo da lei. Interessante o que expressa Lima Filho, a esse respeito:
Entendia-se que a sentença deve fundamentar exclusivamente no texto
da lei, vale dizer: a interpretação se constitui no processo de mera exegese
dos textos e sua finalidade, a descoberta da intenção psicológica do
legislador. Essa doutrina ultralegalista proclama que a lei – ou mais
precisamente, o Código de Napoleão – deveria ser a única fonte das
decisões judiciais. Logo, toda decisão não passa de uma conclusão do
silogismo lógico, em que a premissa maior é a lei e menor, o enunciado de
um fato concreto. A função do aplicador não era senão a de subsumir os
fatos concretos à determinação abstrata da lei, vale dizer: reinava a
concepção mecânica da função judicial, entendida como um processo de
dedução lógica, que supunha a existência para cada caso controvertido
uma lei e que aquele caso fosse redutível a um expressão simples, livre de
qualquer ambigüidade. A visão legalista era tão extremada que Laurant
advertia que os códigos não deixariam margem ao arbítrio do intérprete, que
outra função não teria senão interpretá-los exegeticamente. As
conseqüências hermenêuticas desses princípios teóricos não são difíceis de
serem antecipadas: se o objetivo do jurista é conhecer a intenção
psicológica do legislador, então, a interpretação é mera exegese e o método
que se terá de valer é o método gramatical ou literal. Se a lei é plena ela
contém todo o direito (verba legis) e do seu espírito (mens legis) é
suficiente, ou seja, se a lei continha todo o direito, se o processo de
aplicação era um mero silogismo, e se podia ser superada, segundo alguns
de seus partidários, a ausência de premissa maior – a lei – pelo
procedimento integrativo da analogia, o direito seria certo e completo. (LIMA
FILHO, op. cit. p. 119).
A atuação do juiz é semelhante à relação entre o servo e seu senhor. O
servo obedece; o juiz não passa de escravo da lei porque deve se submeter à
literalidade dela, sendo-lhe vedado emitir juízos de valor em relação ao litígio
apresentado pelas partes. Cabe a ele, como salientado anteriormente, apenas
declarar o conteúdo da lei, mais nada.
De outro lado, opondo-se ao positivismo jurídico, encontra-se a corrente
jusnaturalista, que parte da premissa de que a validade da lei encontra fundamental
no direito natural.
É possível inferir que no Período Moderno o acesso à Justiça era formal,
uma vez que a Jurisdição encontrava-se enfraquecida pela veemente limitação de
poderes do juiz, que como dito, não passava de escravo da lei. Embora fosse direito
assegurado, na prática ainda era privilégio de poucos.
45
No último estágio do Estado Liberal, as desigualdades sócio-econômicas
predominam, uma vez que toda a riqueza se encontra enfeixada nas mãos da
burguesia industrial, razão pela qual a proteção a direitos individuais já não é mais
suficiente, surgindo discussões a respeito de questões sociais.
2.2.4 Período Contemporâneo
Embora ainda não se tenha esboçado um conceito de acesso à Justiça, sua
relevância já foi expressa por Cappelletti (1988, p. 12): “O acesso à Justiça pode,
portanto, ser encarado como requisito fundamental – o mais básico dos direitos
humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não
apenas proclamar o direito de todos”. Abreu (2008, p. 31) tece consideração
semelhante: “O acesso à Justiça insere-se dentre as grandes preocupações da
sociedade contemporânea. A par do enfoque jurídico, notadamente do processo civil
como instrumento de resolução de conflitos, avulta a repercussão política e social do
tema, essencial no esquema mais amplo da democracia e do Estado Social de
Direito”.
De fato, a temática do acesso à Justiça é o ponto nevrálgico da moderna
processualística, conforme acentuou Cappelletti (Idem, p. 13). Assim, “tem-se por
insuprimível a relação de conteúdo e funcionalidade, entre acesso à Justiça e o
processo”. “Sob o ponto de vista da atividade jurisdicional, não há como referir-se ao
acesso à Justiça sem se considerar o processo como instrumento de sua realização”
(CICHOCKI NETO, 1998, p. 61).
No Período Contemporâneo, o acesso à Justiça sofreu mutações em razão
de sua evolução teórica, por conta da influência positiva decorrente da evolução
histórica do Constitucionalismo e do próprio direito processual civil, antes centrado
na lei, e agora nos direitos e garantias fundamentais constitucionalmente
assegurados16 17.
16
Estudioso do assunto, Eduardo Augusto Salomão Cambi (2007, p.) retrata com precisão aludida
mutação, denominada de “neoprocessualismo”. Em linhas gerais, a partir da constitucionalização dos
direitos infraconstitucionais, alterou-se radicalmente a exegese da norma jurídica. Antes, porém, a
Constituição não passava de mera Carta Política destituída de força normativa, e os Códigos se
colocavam no centro do ordenamento jurídico. A lei escrita e codificada se traduzia na expressão na
vontade geral, como fruto da ideologia da classe burguesa e o juiz deveria agir como la bouche de la
46
A filosofia marxista surgida entre a metade do século XIX e início do século
XX com a finalidade de harmonizar a tensão entre proletariado e detentores do
capital, inevitavelmente vai refletir na questão do acesso à Justiça, mormente, no
que tange a abertura para a conquista de uma nova classe de direitos. Nesse
sentido, Lima Filho expõe que:
Especialmente no campo do trabalho, as reivindicações do movimento
marxista servira de marco histórico em vários países, passando,
necessariamente, pela discussão do acesso à Justiça. Pode-se afirmar, com
certeza, que no campo do Direito do Trabalho encontramos o ponto inicial
do verdadeiro acesso à Justiça, especialmente no que se refere a direitos
individuais. Isso dá-se pela facilidade do acesso em decorrência da
prevalência da mediação e da conciliação nos conflitos trabalhistas e pela
marcante índole protetiva do Direito Laboral, com maior ênfase no ônus da
prova do trabalhador, e mais que isso, de uma visão da defesa e da
coletivização do conflitos de ordem trabalhista. Há, por conseguinte, uma
inevitável necessidade de uma maior e efetiva intervenção do Estado, para
assegurar, com maior ênfase, no campo social, o que o livre jogo do
mercado no Estado liberal não permitia. Estamos, portanto, em uma nova
época, de intervenção do Estado visando assegurar a igualdade material e
não apenas a formal pregada pelo liberalismo. Com isso permitiu-se que os
menos favorecidos tivessem acesso à escola, à cultura, à saúde, à
participação, a tudo aquilo que no passado se sustentava – a felicidade.
Essa nova ordem resgata a dimensão social do Estado com maior
veemência no que se refere à ordem jurídica. (LIMA FILHO, op. cit. p. 121).
Na seara social, a Igreja contribui na luta pelas desigualdades sociais
através do pensamento social cristão difundido pela Encíclica Rerun Novarum,
idealizada pelo Papa Leão XIII no ano de 1891. Citada luta é complementada com
novos documentos papais, como Quadragésimo Ano, em 1931, e Populorium
Progressio do Papa Paulo VI, em 1967 (Lima Filho, op. cit. p. 121).
Dentre alguns autores, MARINONI (1993, p. 16-26) situa o tema numa
perspectiva constitucional, de forma a vislumbrar o processo como um instrumento
de manutenção e garantia do Estado Democrático de Direito, e o acesso à Justiça
como uma “ponte” entre o processo civil e a Justiça social. Entrementes, o enfoque
constitucional nem sempre preponderou.
loi (a boca da lei). Ocorre que a lei perdeu sua posição central diante da Constituição e os juízes, que
até o início do século XX apenas atuavam a vontade concreta da lei, passaram a agir de acordo com
a vontade constitucional. A propósito, o “neoprocessualismo” encontra alicerce teórico no art. 5º,
XXXV, da Constituição Federal de 1988.
17
BIDART (1983, p. 193-205) aborda, também, a incidência constitucional sobre o processo.
47
Evidente que o Estado Liberal18 pôs em relevo garantias individuais tais
como a liberdade e igualdade19. No entanto, eram garantias meramente formais, de
18
O Estado Liberal e o Estado Social são considerados marcos de grande importância para o
Constitucionalismo. Sobre o assunto, interessante trazer a baila o ensinamento de DALLARI (2000, p.
197-200). De acordo com o autor, o Constitucionalismo teve início no ano de 1215 quando o Rei João
Sem Terra foi compelido pelos barões da Inglaterra a subscrever a Magna Carta, documento
constitucional que limitava seus poderes, e impunha o dever de respeitar os direitos ali contidos.
Posteriormente, no século XVII, fortaleceu-se com a afirmação do Parlamento inglês como órgão
legislativo. Por fim, no século XVIII, três fatores marcaram profundamente o Constitucionalismo: a) a
supremacia do indivíduo; b) a necessidade limitação do poder dos monarcas; c) a racionalização do
poder, em virtude das crenças religiosas na razão humana. Evidente que o Estado Liberal pôs em
relevo garantias individuais como a liberdade, a igualdade e a fraternidade. No entanto, não
passavam estas de garantias meramente formais, de sorte que todos eram considerados “livres” e
“iguais”, ainda que na realidade assim não fossem (MARINONI, 1993, p. 17). PAULA (2007, p. 503505), ao retratar o fim do Estado Liberal, esclarece: “O século XIX foi marcado por Estados regidos
por governos liberais. É verdade que a expressão ‘liberalismo’ leva a algumas confusões, porque
tanto pode significar liberdade econômica, como liberdade individual ou até mesmo liberdade jurídica.
Mas inegavelmente, seja qual for a ideologia adotada e o regime político utilizado, a liberdade política
é um pressuposto essencial do Estado moderno. Além disso, a imprecisão do significado da palavra
“liberalismo” peca por não delimitar sua extensão ontológica em face do que seja conceitualmente
‘liberdade’: fazer porque não é vedado em lei (liberdade no sentido negativo) ou fazer porque está
autorizado por lei (liberdade no sentido positivo). Essas confusões, obviamente, surgem a partir da
interação entre Política e Direito. O Estado Liberal, o Estado Policial, o Estado laisez faire, são
variações terminológicas de um Estado que tinha apenas o condão de limitar-se a atuar naquilo que
lhe era essencial, como a segurança — interna e externa —, a legalidade, a segurança jurídica, a
proteção da propriedade e a distribuição da Justiça dentro de um ambiente estritamente legal. Esse
Estado, originário da Revolução Francesa, que instituiu o direito burguês, estipulou valores como a
igualdade, a liberdade, a legalidade e a propriedade. Esses elementos contemplavam um sistema
político que resultava na ordem jurídica tida como liberal. Qualquer tentativa de transformação social
entre os membros desta sociedade dever-se-ia ocorrer no plano das conquistas econômicas, de
acordo com as regras do liberalismo. Isso porque, basicamente, o sistema protetivo da propriedade,
que impunha a legalidade e a igualdade, impedia qualquer transferência de domínio de um bem que
não fosse de acordo com as regras da economia liberal, isto é, a transferência do domínio de bens se
dá pela comutativa e inversa transferência econômica equivalente. No Estado Liberal o conceito de
liberdade era essencialmente negativo, porque a liberdade consistia em fazer tudo aquilo que não era
proibido por lei. Era o liberalismo puro, porque a atividade individual decorria de sua exclusiva
iniciativa — impulso endógeno —, e não de um impulso exógeno. No entanto, o Estado Liberal
passou a ser rediscutido por conta das doutrinas socialistas que surgiram no início do século XIX, e
que representavam um rescaldo das idéias democráticas dos sans culottes e dos jacobinos da
Revolução Francesa, acrescidos dos interesses de classes sociais específicas, como a dos
proletários e dos camponeses. Nomes como Charles Fourier, Conde Claude-Henri de Saint-Simon,
Pierre Leroux, Louis Blanc, Etienne Cabet, Joseph Proudhon, Johan Amadeu Fichte, Fernando
Lassalle, bem se destacaram nesse período. Contudo, não há como negar a influência da doutrina
marxista e o seu golpe final no Estado Liberal. Karl Marx, seja n’O Capital, seja no Manifesto do
Partido Comunista e n’A Ideologia Alemã, estas em conjunto com Friederich Engels, pôde demonstrar
o pensamento político-econômico que autorizava uma revolução de classes permanente, com a
abolição da propriedade privada e, assim, propiciar a construção de uma sociedade de iguais —
comunista —, que permitiria o desaparecimento do Estado e do Direito. A doutrina marxista, ao
apontar por direitos ao proletariado, permitiu a difusão de partidos que contemplavam idéias
socialistas e comunistas. A crescente difusão das doutrinas socialistas/comunistas pela Europa e
continente americano, associada à Revolução Bolchevique de 1917 e pelas crises econômicas que
antecederam e sucederam a Primeira Guerra Mundial, passou a exigir de governos uma nova postura
política-jurídica para frear essa expansão ‘anti-liberal’. Assim, findava nas primeiras décadas do
século XX o Estado Liberal, que tudo via e nada intervinha no âmbito sócio-econômico, até mesmo
como forma de garantir a sobrevivência do establishment burguês que o sustentava. Deixou o Estado
Liberal de ser passivo e inerte para ter uma conduta ativa e intervencionista”.
19
BOBBIO realizou estudo interessante sobre a igualdade e a liberdade. Considera ambos dois
valores que se remetem um ao outro no pensamento político e na história. São inerentes ao homem
48
sorte a considerar todos “livres” e “iguais”, ainda que não fossem (MARINONI, op.
cit. p. 17).
Explica Cambi que:
[...] A premissa da lei geral e abstrata, desenvolvida pelo Estado Liberal,
propunha que todos os homens são livres e iguais, bem como são dotados
das mesmas necessidades. Tal concepção, ao afirmar que todos são iguais
perante a lei, pretendia acabar com os privilégios existentes no ancien
regime e teve a sua importância histórica. Porém, não se sustenta, na
medida em que ignora as diferenças entre as pessoas e, assim, assegura a
liberdade somente àqueles que têm condições materiais mínimas de
usufruir uma vida digna. [...]. (CAMBI, 2007, p. 23).
Noticiado período assegurava o acesso à Justiça, também, meramente
formal, assim como os demais direitos individuais. Consubstanciava-se no singelo
direito de propor uma ação judicial. Conforme Cappelletti:
Nos estados liberais “burgueses” dos séculos dezoito e dezenove, os
procedimentos adotados para a solução dos litígios civis refletiam a filosofia
essencialmente individualista de direitos, então vigorante. Direito ao acesso
à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo
agravado propor ou contestar uma ação. A teoria era de que o acesso à
Justiça pudesse ser um “direito natural”, os direitos naturais não
necessitavam de uma ação do Estado para sua proteção. Esses direitos
eram considerados anteriores ao Estado; sua preservação exigia apenas
que o Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros. O
Estado, portanto, permanecia passivo, com relação a problemas tais como a
aptidão de uma pessoa para reconhecer seus direitos e defendê-los
adequadamente, na prática. (CAPPELLETTI, op. cit. p. 9).
Em face dessa situação, na prática, apenas quem detinha condição
econômica levava a juízo sua pretensão, já que os “pobres” eram entregues a sua
própria sorte. O acesso à Justiça formal correspondia à igualdade também numa
perspectiva formal. Nessa ótica, cabia ao Estado proclamar o direito e assegurar a
provocação da atividade jurisdicional. Imensas injustiças e discriminações eram
cometidas em desfavor dos menos favorecidos, considerando a postura nãoenquanto pessoa. Enquanto a liberdade indica um estado, a igualdade indica uma relação. Assim,
explica que “O homem como pessoa – ou para ser considerado como pessoa – deve ser, enquanto
indivíduo em sua singularidade, livre; enquanto ser social, deve estar com os demais indivíduos numa
relação de igualdade” (BOBBIO, 2002, p. 07).
49
intervencionista predominante no Estado Liberal.
A crise do Estado Liberal ensejou uma nova preocupação com o social.
Assim, sob o espectro da Justiça social20, a igualdade e a liberdade passam a ter
outro valor21; o governo desenvolvido até então, em prol da liberdade, passa a ser
desenvolvido com vistas ao bem-estar social. A liberdade real pressupõe o mínimo
de condições materiais, passando o Estado a objetivar a realização dos chamados
direitos sociais (MARINONI, op. cit. p. 18). A participação política – consubstanciada
inicialmente na idéia de sufrágio universal – agrega-se ao conteúdo do Estado que
prima pela Justiça social, uma vez constatada a necessidade de participação direta
dos cidadãos no processo político.
A Constituição Federal de 1988 evidencia, pela dicção do art. 1º22 e art. 3º,
II23, a construção de uma sociedade participativa, por permitir a participação popular
nas questões de maior relevância do Estado, e pluralista por abarcar as diversas
idéias, culturas, etnias, equalizando os diversos interesses individuais ou de uma
classe com o bem comum (MARINONI, op. cit. p. 19).
Nesse particular, Marinoni, pontua:
20
A Justiça social não é questão hodierna. Desde Aristóteles – que a denominava de “Justiça geral” –
o assunto vem sendo investigado pela doutrina especializada. A Justiça social é caracterizada pela
virtude dar a outrem o que lhe é devido segundo uma igualdade, no entanto, com algumas
peculiaridades. A alteridade, na Justiça social, se estabelece entre uma pluralidade de sujeitos, de um
lado os particulares (devedores) e de outro a sociedade (credora). O devido, nesse caso, é a
realização do bem comum, ou mais precisamente, a realização de uma parte por cada indivíduo, para
que tal fim seja atingido. A igualdade, em se tratando de Justiça social, é a proporcional ou relativa.
Em relação ao bem comum, São Tomás de Aquino estabelece que sua essência está relacionada a
três espécies de bens: a vida humana digna, o mínimo de bens materiais e a paz social. (MONTORO,
2001, p. 211-222).
21
Conforme Bobbio (2002, p. 08), “Liberdade e igualdade são valores que servem de fundamento à
democracia”.
22
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição.
23
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação.
50
A jurisdição e o tema do acesso à Justiça devem ser focalizados com
base nas linhas do Estado Democrático de Direito. A jurisdição visando a
realização dos fins do Estado; fins que tomam a liberdade e a igualdade em
termos que diferem amplamente daqueles que diferenciaram as mais
prestigiadas teorias sobre a jurisdição, teorias essas que ainda vicejam os
manuais e tratados de direito processual. O acesso à Justiça objetivando a
superação das desigualdades que impedem o acesso, bem como a
participação através do processo mediante paridade de armas, inclusive a
participação efetiva do cidadão na gestão do bem comum, ponto esse
último, que também está entre os escopos da jurisdição. (MARINONI, Idem,
p. 20).
O conceito meramente formal de acesso à Justiça, concebido à luz da
influência dos valores do Estado Liberal, transforma-se em um conceito influenciado
pelos valores do Estado Democrático de Direito24, que almeja a promoção da Justiça
social entre os indivíduos, com vistas ao alcance do bem comum.
Desta maneira, o acesso à Justiça não se traduz, apenas, em acesso ao
Poder Judiciário. O conceito de acesso à Justiça compreende o acesso à ordem
jurídica justa, sendo dados elementares desse direito: 1) o direito à informação e
perfeito conhecimento do direito substancial; 2) direito de acesso à Justiça
adequadamente organizada e formada por juízes inseridos na realidade social e
24
O Estado de direito, mais do que um conceito jurídico, é um conceito político que vem à tona no
final do século XVIII, início do século XIX. Ele é fruto dos movimentos burgueses revolucionários, que
àquele momento se opunham ao absolutismo, ao Estado de polícia. Surge como idéia-força de um
movimento que tinha por objetivo subjugar os governantes à vontade legal, porém, não de qualquer
lei. Como sabemos, os movimentos burgueses romperam com a estrutura feudal que dominava o
continente europeu; assim os novos governos deveriam submeter-se também a novas leis, originadas
de um processo novo onde a vontade da classe emergente estivesse consignada. Mas o fato de o
Estado passar a se submeter à lei não era suficiente. Era necessário dar-lhe outra dimensão, outro
aspecto. Assim, não passa o Estado a ter suas tarefas limitadas basicamente à manutenção da
ordem, à proteção da liberdade e da propriedade individual. É a idéia de um Estado mínimo que de
forma alguma interviesse na vida dos indivíduos, a não ser para o cumprimento de suas formações
básicas; fora isso, deveriam viger regras do mercado assim como a livre contratação. Como não
poderia deixar de ser, este Estado Formalista recebeu inúmeras críticas na medida em que permitiu
quase que um absolutismo do contrato, da propriedade privada, da livre empresa. Era necessário
redinamizar este Estado, lançar-lhes outros fins; não que se desconsiderassem aqueles alcançados,
afinal eles significaram o fim do arbítrio, mas cumprir outras tarefas, principalmente sociais, era
imprescindível. Desencadeia-se, então, um processo de democratização do Estado; os movimentos
políticos do final do século XIX, início do século XX, transformaram o velho e formal Estado de direito
num Estado democrático, onde além da mera submissão à lei deveria haver a submissão à vontade
popular e aos fins propostos pelos cidadãos. Assim, o conceito de Estado democrático não é um
conceito formal, técnico, onde se dispõe um conjunto de regras relativas à escolha dos dirigentes
políticos. A democracia, pelo contrário, é algo dinâmico, em constante aperfeiçoamento, sendo válido
dizer que nunca foi plenamente alcançada. Diferentemente do Estado de direito – que, no dizer de
OTTO MAYER, é o direito administrativo bem ordenado -, no Estado democrático importa saber a que
apenas o Estado é o próprio cidadão estão submetidos. Portanto, no entendimento de Estado
democrático deve ser levado em conta o perseguir certos fins, guiando-se por certos valores, o que
não ocorre de forma tão explícita no Estado de direito, que se resume em submeter-se às leis, sejam
elas quais forem (BASTOS, 1997, p. 156-157).
51
comprometidos com o objetivo de realização da ordem jurídica justa; 3) direito à
preordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a efetiva tutela de
direitos; 4) direito à remoção de todos os obstáculos que se anteponham ao acesso
à Justiça com tais características (WATANABE, 1988, p. 135).
Cambi repisa que:
[...] a designação acesso à Justiça não se limita à mera admissão ao
processo ou à possibilidade de ingresso em juízo, mas, ao contrário, essa
expressão de ser interpretada extensivamente, compreendendo a noção
ampla de acesso à ordem jurídica justa, que abrange: i) o ingresso em juízo;
ii) a observância das garantias compreendidas na cláusula do devido
processo legal; iii) a participação dialética na formação do convencimento
do juiz, que irá julgar a causa (efetividade do contraditório); iv) a adequada e
tempestiva análise, pelo juiz, natural e imparcial, das questões discutidas no
processo (decisão justa e motivada); v) a construção de técnicas
processuais adequadas à tutela dos direitos materiais (instrumentalidade do
processo e efetividade dos direitos). (CAMBI, op. cit. p. 24-25).
Nesse viés, o conceito de acesso à Justiça é mais amplo e abrange o
acesso a um processo justo, ao devido processo legal e as demais garantias
processuais (GRINOVER, 1984, p. 18-19). A propósito, a noção de processo justo é
concebida sob uma ótica garantista, pois, abrange o fiel cumprimento de garantias
processuais consubstanciadas em princípios consagrados na Constituição Federal,
tais como: a) devido processo legal; b) contraditório e ampla defesa; c) igualdade
processual; d) juiz natural; e) imparcialidade do juiz; f) motivação das decisões
judiciais; g) publicidade dos atos processuais, dentre outras. O direito ao processo
justo é sinônimo do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, célere e
adequada.
Evidente, nessa ótica, que a idéia de acesso à Justiça alterou a arcaica
concepção chiovendiana de processo como instrumento de atuação da vontade
concreta da lei25. Este se firma como um instrumento público de realização da
Justiça social, que veicula princípios e valores de ordem pública, voltados à
realização do bem comum.
Assim,
25
Conforme CHIOVENDA (1965, p. 37), “O processo civil é o complexo dos atos coordenados ao
objetivo da atuação da vontade concreta da lei (com respeito a um bem que se pretende garantido
por ela), por parte dos órgãos da jurisdição ordinária”.
52
[...] os fins públicos buscados pelo processo, como instrumento
democrático do poder jurisdicional, transcendem os interesses individuais
das partes na solução do litígio. Esta visão publicística, imposta pela
constitucionalização
dos
direitos
e
garantias
processuais
(neoprocessualismo) não se esgota na sujeição das partes ao processo.
(CAMBI, op. cit. p. 26).
O acesso à Justiça – compreendido como o acesso a ordem jurídica justa –
numa perspectiva contemporânea, somente se concretiza se houver igualdade de
oportunidades no acesso. Desta forma, “Ao visualizarmos o direito processual civil
por meio da lente do acesso à Justiça temos que fazer aflorar toda uma
problemática inserida num contexto social e econômico” (MARINONI, op. cit. p. 24).
Aliás, o estudo do acesso à Justiça está concatenado a fatores externos
ocorrentes na seara econômica e social, mas, que sobejamente interferem na seara
jurídica. Segundo Santos (1985, p. 125), “O tema do acesso à Justiça é aquele que
mais diretamente equaciona as relações entre processo civil e Justiça social, entre
igualdade jurídico-formal e desigualdade sócio-econômica”.
Ora, induvidosamente que a renda de um salário mínimo auferida
mensalmente por um trabalhador influencia o acesso à Justiça; no mesmo passo,
aquele que não pôde freqüentar a escola, não sendo sequer alfabetizado, terá
dificuldades imensas em conhecer os seus próprios direitos. Daí porque não se pode
conceber um acesso formal; daí porque não se pode mais admitir um juiz distante
dos problemas econômicos e sociais; daí porque não se pode admitir que o Poder
Judiciário aguarde pacienciosamente que o jurisdicionado “bata as suas portas”.
Mas, além da igualdade de oportunidades, o acesso à Justiça está atrelado
a cidadania. E não se trata de cidadania reduzida à mera participação política
através de instrumentos criados pela democracia representativa e pela democracia
direta, o que certamente traduz-se numa grande conquista dos indivíduos; a
Constituição Federal de 1988 ampliou o conteúdo do termo, conferindo-lhe maior
amplitude política e jurídica. Esta, para sua efetivação plena, sofre incursão nos
princípios e garantias processuais do processo, conforme explica Baracho.
Segundo o autor, o conceito de cidadania vem adquirindo particularidades.
Para ser cidadão não basta participar politicamente das decisões mais importantes
da sociedade. Em verdade, o conceito de cidadão está intimamente ligado ao
53
conceito de democracia, de modo que não há cidadãos sem democracia nem
democracia sem cidadãos. (BARACHO, 1995, p. 1).
Continua:
A participação do cidadão no poder, como característica da democracia,
configura-se pela tomada de posição concreta na gestão dos negócios da
cidade, isto é, no poder. Essa participação é consagrada através das
modalidades, procedimentos e técnicas diferentes. [...] Nessa fase de
elaboração da teoria geral da cidadania, os sistemas de participação
compreendem as formas de seu exercício, sendo que eles definem os
meios diretos ou não de participação dos cidadãos no exercício do poder:
democracia direta; democracia representativa (teoria da representação e
mandato representativo); mandato imperativo (teoria da representação e
mandato representativo); mandato imperativo; democracia semidireta; veto
popular (o povo tem direito de se opor a uma lei votada pelo Parlamento);
iniciativa popular, referendum (referendo constituinte, referendo legislativo,
referendo obrigatório, referendo facultativo, referendo de ratificação,
referendo de consulta e referendo de arbitragem). (BARACHO, Idem, p. 3).
E segue:
Mas, não é só. A plenitude da cidadania somente se aperfeiçoa se
houver o aprimoramento da defesa de alguns núcleos centrais de direitos,
como: o acesso à justiça; a interpretação correta das normas constitucionais
e das leis processuais; o respeito aos princípios constitucionais; a
atualização dos mecanismos das ações coletivas; uma nova concepção de
Justiça, onde são temas essenciais a Justiça e o Estado; o juiz e a
separação de poderes; o juiz como homem comum, para uma função
extraordinária; recrutamento e formação; a transparência dos processos e
procedimentos; a participação dos magistrados no desenvolvimento e
aprimoramento da carreira; a independência dos magistrados; as
responsabilidades dos juízes; a imparcialidade; o Estatuto da Magistratura;
a função de julgar como poder ou não; o juiz perante as contestações da
sociedade civil; o lugar da autoridade judiciária no sistema institucional; é
preciso que o juiz seja consciente de seus poderes, mas igualmente de
suas limitações; o ideal de Justiça; liberdade e responsabilidade do juiz;
apesar de praticar várias funções, o juiz não deve perder a sua identidade; é
conveniente a sindicalização da magistratura (permitirá maior discussão
sobre ética do que sobre política); a Justiça está em crise; o poder de
instrução do juiz e seus limites. (BARACHO, Idem, 1995, p. 25).
Nessa ótica, “o acesso efetivo à Justiça, como instrumento garantidor da
plenitude da soberania, é um direito social básico” (BARACHO, Idem, p. 25).
Restou claro que o conceito de acesso à Justiça foi sendo construído com o
54
decurso do tempo, de acordo com o momento histórico vivenciado na sociedade.
Após ser visualizado como direito meramente formal, por influência dos
valores consagrados no Estado Liberal, o acesso à Justiça transformou-se no elo
entre o processo civil e a Justiça social, uma vez que com o advento do Estado
Democrático de Direito, passa-se a tutelar não somente direitos individuais, mas,
direitos sociais. Nessa senda, o acesso à Justiça deve ser compreendido como
acesso à ordem jurídica justa.
Diante da análise realizada, é possível inferir que o acesso à Justiça é
indispensável à concretização do disposto no artigo 3º, I, da Constituição Federal,
quando estabelece como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a
construção de uma sociedade livre, justa, solidária.
De outro vértice, acesso à Justiça deve ser vislumbrado como um ideal de
igualdade perseguido no plano das relações sociais.
Ainda, não há se falar em cidadania sem efetivo acesso à Justiça. Os
obstáculos ainda existentes dividem a sociedade brasileira em dois seguimentos: os
cidadãos que acessam a Justiça e os não-cidadãos. Nessa linha, Rocha tece
pertinentes comentários:
A jurisdição é direitos de todos e dever do Estado, à maneira de outros
serviços públicos que neste final de século se tornaram obrigação positiva
de prestação afirmativa necessária da pessoa estatal. A sua negativa ou a
sua oferta insuficiente quanto ao objeto da prestação ou ao tempo de seu
desempenho é descumprimento do dever positivo de que não se pode
escusar a pessoa estatal, acarretando sua responsabilidade integral. Mas o
acesso aos órgãos prestadores da jurisdição por parte cidadão depende de
um desempenho prévio do Estado, que se desdobra em dois
comportamentos complementares: de um lado, impõe-se a facilitação do
exercício do direito à jurisdição pela sua declaração normativa expressa
(evidentemente, nos países que adotem o modelo jurídico-normativo formal
escrito), e de outro, deve-se dar a saber ao povo deste como de todos os
direitos fundamentais que lhe são assegurados. Estes comportamentos
públicos são pressupostos imprescindíveis a serem cumpridos para que o
direito à jurisdição não seja um mentira legal ou uma possibilidade oficial,
somente exercida por aquelas pessoas que dispõem de condições
econômicas bastantes para saber de seus direitos e poder pagar o preço de
seu exercício. Sendo direito fundamental, a jurisdição não pode ser
privilégio de uns e miragem oficial de muitos. Este, como todos os outros
direitos – especialmente os direitos constitucionais tidos como fundamentais
e inerentes ao indivíduo – não tem tido efetividade bastante e eficácia
suficiente pela só dicção normativa sobre o seu reconhecimento.É mister
que todos saibam dos seus direitos, e este conhecimento passe a constituirse obrigação primária do Estado, uma vez que dele depende o exercício
subseqüente de todos os outros direitos. Num país em que o povo não
saiba dos direitos e o Poder Público não deseje este conhecimento, o direito
55
nunca passará de mera possibilidade legal a serviço dos poderosos de
ocasião. Este saber, que flui naturalmente em países amadurecidos
politicamente e nos quais o Estado legítimo e submetido ao direito é a única
ou predominante experiência histórica, depende, em países que não têm
tradição histórica e democrática permanente ou predominante, de uma
atuação estatal específica e obrigatória neste sentido. Sem este saber do
povo não se faz do direito um instrumento de realização da Justiça. E em
países em que a educação e a cultura não se espraiam por toda sociedade,
o direito legislado não chega a todas as camadas sociais. Direito positivo
não sabido é direito inexistente. Quem dele não sabe, não reivindica; sem o
seu conhecimento, não há seu exercício. (ROCHA, 1993, p. 34).
De todos os direitos que objetivam conferir cidadania, o acesso à Justiça é o
de maior significado. Aqueles que por algum motivo, ficam dele privado, estão
excluídos, e acabam afastando do sistema oficial de entrega da prestação
jurisdicional, agindo de maneira informal e instaurando uma nova forma de resolver
seus conflitos.
De acordo com Torres:
O cidadão, não crendo na Justiça, afasta-se do sistema oficial somandose a milhares de pessoas que não mais procuram o Judiciário, sem falar em
outro número infindável de cidadãos, distante das organizações judiciárias,
agindo com outro sistema totalmente informal e descomprometido da
realidade estatal, concebendo seus próprios caminhos e sua própria forma
de resolver seus problemas. O Estado organizado deve voltar a atenção
para essas situações, não só visando a uma prestação jurisdicional eficiente
e rápida, mas ensejando à sociedade, em todos os seus campos,
oportunidades para a solução dos conflitos. Justiça efetiva significa garantir
o direito fundamental dos cidadãos. (TORRES, op. cit. p. 31).
Dessa forma, o Poder Judiciário deve se aproximar do indivíduo, de forma a
incluí-lo, fato que o torna, efetivamente, cidadão. Algumas iniciativas já foram
experimentadas como o denominado projeto “Casa da Cidadania” no Estado de
Santa Catarina26 e o projeto “Centro de Integração da Cidadania” no Estado de São
Paulo27. No Estado de Mato Grosso do Sul, o projeto “Expedição de Cidadania”, visa
26
O objetivo geral da Casa da Cidadania é humanizar a Justiça, implementando ações que visem o
pleno exercício da cidadania, gerando uma cultura de democracia participativa, como corolário de
uma prática integrada com a comunidade.
27
Os Centros de Integração da Cidadania, coordenados pela Secretaria da Justiça e da Defesa da
Cidadania, oferecem inúmeros serviços públicos, com a participação do Poder Judiciário, objetivando
a resolução dos conflitos, de forma a atender os indivíduos em bairros e vilas, sob a forma Itinerante
(Torres, 2005, p. 36).
56
levar Justiça e cidadania aos pantaneiros, ribeirinhos e fronteiriços residentes na
região de Porto Murtinho e Caracol, através da prestação de serviços públicos
básicos, mas, inacessíveis naqueles locais28.
Outro meio de promover a Justiça social, a igualdade entre os indivíduos, e a
inclusão social, é a Justiça Itinerante, haja vista tratar-se de forma descentralizada
da prestação e entrega do serviço jurisdicional onde quer que estes se encontrem. É
a Justiça indo de encontro aos que dela precisam e não sabem ou não tem
condições culturais ou econômicas de acessá-la.
2.3 Acesso à Justiça: um direito natural e fundamental
O acesso à Justiça, afirma Cappelletti (op. cit., p. 9), é um direito natural.
Partindo desta assertiva, de todo correta, é preciso ponderar que no curso da
história, os direitos naturais foram concebidos mediante duas formulações básicas,
conforme esclarece Bezerra (2008, p. 113-126). A primeira indica tratar-se de direito
28
De acordo com notícia veiculada no sítio do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (disponível
em www.tj.ms.jus.br. Acesso em 05 abril 2009), “O projeto ‘Expedição da Cidadania’, realizado em
Porto Murtinho, Mato Grosso do Sul, é promovido pela Associação Nacional dos Juízes Federais do
Brasil, em parceria com o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Tribunal de Justiça de Mato
Grosso do Sul e outras instituições. A iniciativa visa atender os ribeirinhos, pantaneiros e fronteiriços,
das cidades de Porto Murtinho e Caracol, com a promoção de Juizados Itinerantes, bem como prestar
um conjunto de atividades, destinadas a garantir ao público alvo o direito à cidadania efetiva, tais
como a emissão de certidão de nascimento, CPF, carteira de identidade, carteira de trabalho, título de
eleitor e serviços previdenciários, entre outros serviços como a regularização de estrangeiros. Na
avaliação do Dr. Giuliano Máximo Martins, juiz titular da comarca de Porto Murtinho, a ação obteve
êxito no atendimento urbano, e está trilhando o mesmo caminho no atendimento da população
ribeirinha, às margens do Rio Paraguai, proporcionando-lhes acesso à cidadania e, por
conseqüência, promovendo a dignidade da população tão carente. Na primeira etapa de
atendimentos, feita dos dias 9 a 13 de março de 2009, foram mobilizados 5 servidores da comarca
para realizar os cerca de 200 atendimentos, com 107 ações ingressadas. Foram 52 de registro tardio,
15 de retificação de registro civil, 6 de alimentos, 1 revisional de alimentos, 1 negatória de
paternidade, 2 divórcios litigiosos, 3 reconhecimentos de união estável, 4 obrigações de não fazer e 3
de cobrança. O Dr. Giuliano apontou a necessidade da nomeação de um Defensor Público para a
Comarca de Porto Murtinho em função da crescente demanda. Atualmente, o defensor da Comarca
de Bela Vista se desloca cerca de 360 quilômetros para atender àquela localidade. Na segunda
etapa, iniciada no dia 25 de março, os integrantes da Expedição da Cidadania, embarcaram no Navio
de Apoio Fluvial Potengi, fundado na Base Naval de Ladário. Até o dia 4 de abril, data prevista para a
chegada da embarcação em Porto Murtinho, o navio visitará diversas comunidades ribeirinhas do rio
Paraguai. A escrevente Andrelina Maldonado está na embarcação a fim de coletar documentos dos
ribeirinhos para a defensoria ingressar com as ações, principalmente de registro tardio. Também
participam do projeto a Prefeitura Municipal de Porto Murtinho, o Governo do Estado, o TRE/MS, a
Polícia Federal, o Incra, a Anoreg, a CEF, o Banco do Brasil, o TRF da 3ª Região, o Juizado Especial
Federal, a Receita Federal, o INSS e o Ministério das Telecomunicações”.
57
supranacional, a segunda indica direito oposto ao direito posto29.
Bezerra (Idem, p. 113) salienta que o direito natural “no sentido de
supradireito, ora é visto como base fundamental a todo o direito positivo, e, neste
sentido, será um direito hierárquica e valorativamente superior, ora como princípio
geral, que estaria a dirigir todo o ordenamento jurídico positivado, portanto, em
relação de simbiose com este”.
Segundo o autor, o direito natural, em oposição ao positivo, é que o que não
foi criado pela lei, nem pelos juízes, ao suprirem as lacunas desta, nem pela
sociedade, mas o que tem uma existência anterior e independente dos mesmos.
(BEZERRA, Idem, p. 114).
Aristóteles estabelece diferença entre direito natural e positivo. Para ele, a
Justiça política é em parte natural e em parte legal. “[...] são naturais as coisas que
em todos os lugares têm a mesma força e não dependem de as aceitarmos ou não,
e é legal aquilo que a princípio pode ser determinado indiferentemente de uma
maneira ou de outra, mas depois de determinado já não é indiferente”. Extrai-se da
lição aristotélica que o direito natural possui caráter universal, independente do lugar
(como, por exemplo, o fogo que queima na Grécia e na Pérsia).
Segundo Bezerra:
29
De fato, Bobbio (1995, p. 22-23) chega a idêntica conclusão quando apresenta as distinções entre
direito natural e direito positivo, a saber: “Podemos destacar seis critérios de distinção: a) o primeiro
se baseia na antítese universalidade/particularidade e contrapõe o direito natural, que vale em toda
parte, ao positivo, que vale apenas em alguns lugares (Aristóteles, Inst. – 1ª definição); b) o segundo
se baseia na antítese imutabilidade/mutabilidade: o direito natural é imutável no tempo, o positivo
muda (Inst. – 2ª definição –, Paulo); esta característica nem sempre foi reconhecida/ Aristóteles, por
exemplo, sublinha a universalidade no espaço, mas não acolhe a imutabilidade no tempo,
sustentando que também o direito natural pode mudar no tempo; c) o terceiro critério de distinção, um
dos mais importantes, referem-se à fonte do direito e funda-se na antítese natura-potestas populus
(Inst. – 1ª definição –, Grócio); d) o quarto critério se refere ao modo pelo qual o direito é conhecido, o
modo pelo qual chega a nós (isto é, os destinatários), e lastreia-se na antítese ratio-voluntas (Glück):
o direito natural é aquele que conhecemos através de nossa razão. (Este critério liga-se a uma
concepção racionalista de ética, segundo a qual os deveres morais podem ser conhecidos
racionalmente, e, de um modo mais geral, por uma concepção racionalista da filosofia.) O direito
positivo, ao contrário, é conhecido através de uma declaração de vontade alheia (promulgação); e) o
quinto critério concerne ao objeto dos dois direitos, isto é, aos comportamentos regulados por estes:
os comportamentos regulados pelo direito natural são bons ou maus por si mesmos, enquanto
aqueles regulados pelo direito positivo são por si mesmos indiferentes e assumem uma certa
qualificação apenas porque (e depois que) foram disciplinados de um certo modo pelo direito positivo
(é justo aquilo que é ordenado, injusto o que é vetado) (Aristóteles, Grócio); f) a última distinção
refere-se ao critério da valoração das ações e é enunciado por Paulo: o direito natural estabelece
aquilo que é bom, o direito positivo estabelece aquilo que é útil”.
58
O direito natural tem, como características, a universalidade, manifesta
na circunstância de que todas as normas regem todos os povos e todos os
homens, como partícipes da natureza única em que se funda; a
perpetuidade, no sentido do homem, em sua natureza, consciência de
valores e suas aspirações aos mesmos, guiando-o a ordem social; a
imutabilidade que embora não seja variável e mutável ontologicamente é
inviolável às mudanças históricas que jamais poderão alterá-los e aos
princípios que se baseiam. É, por fim, necessários, pois, inconcebível uma
sociedade desenvolvida sem a observância de seus preceitos. (BEZERRA,
op. cit. p. 115).
Prossegue dizendo que com frequência as expressões “direitos naturais”,
“direitos do homem”, “direitos do cidadão” e “direitos fundamentais” são confundidas
e utilizadas como sinônimas. Embora guardem alguma homogeneidade, é verdade
que existem distinções que devem ser ressaltadas (BEZERRA, op. cit, p. 116-117).
Os “direitos naturais” são aqueles inerentes ao indivíduo e anteriores a
qualquer contrato social, conferidos pela própria natureza do homem.
Os “direitos do homem” refletem o caráter universal dos direitos naturais,
portanto, válidos universalmente em todos os povos e em todos os lugares.
Os “direitos do cidadão” são aqueles que os americanos30 e os franceses31
elevaram à categoria constitucional na Declaração de Direitos do Homem e do
Cidadão. Os direitos do homem, pura e simplesmente, não atendiam mais. Era
preciso estabelecer direitos do cidadão. Os primeiros pertencem ao homem
enquanto tal; os segundos pertencem ao homem enquanto ser social, isto é, como
indivíduo vivendo em sociedade.
Os direitos fundamentais são direitos do homem jurídico, previstos
objetivamente numa determinada ordem jurídica vigente e concreta. São, na
verdade, direitos naturais, ou seja, inerentes ao indivíduo, do homem, isto é,
universalmente válidos e aceitos, contemplados e positivados, sobretudo, pelas
30
“Todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes e têm direitos inerentes,
dos quais, ao entrar num estado de sociedade, não podem, por nenhum acordo, privar-se ou
despojar-se de sua posteridade; a saber, o gozo da vida e da liberdade, os meios de adquirir e
possuir propriedade, e a busca da felicidade e segurança” (Seção 1 da Declaração de Direitos de
Virgínia, de 12 de junho de 1776, Independência Americana).
31
“Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais não podem
fundar-se em nada mais do que na utilidade comum. A finalidade de toda a associação política é a
conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Estes direitos são a liberdade, a
propriedade, a segurança e a resistência a opressão” (Artigos 1º e 2º da Declaração de Direitos dos
Homem e do Cidadão, França, 1789).
59
Constituições modernas32.
Para Miranda (1998, p. 7):
Por direitos fundamentais entendemos os direitos ou as posições
jurídicas subjetivas das pessoas enquanto tais, individual ou
institucionalmente consideradas, assentes na Constituição, seja na
Constituição formal, seja na Constituição material – donde, direitos
fundamentais em sentido formal e direitos fundamentais em sentido
material. (MIRANDA,1998, p. 7).
Segundo Mendes:
Os direitos fundamentais são, a um só tempo, direitos subjetivos e
elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva. Enquanto direitos
subjetivos, os direitos fundamentais outorgam aos titulares a possibilidade
de impor os seus interesses em face dos órgãos obrigados. Na sua
dimensão como elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os
direitos fundamentais – tanto aqueloutros, concebidos como garantias
individuais – formam a base do ordenamento jurídico de um Estado de
Direito democrático. (MENDES, 1999, p. 36).
Interessante mencionar que alguns autores vislumbram os direitos
fundamentais apenas como direito positivo, o que a nosso ver, é um equívoco.
Incontestável a influência do direito natural na formação dos direitos fundamentais,
bastando verificar que as normas protetivas do direito à vida, liberdade, integridade
física, indenização por perdas e danos, e outras mais, além de serem justas, são
universalmente válidas e respeitadas, e de igual forma seriam ainda que sobre elas
não
32
pesasse
a
força
da
positivação
constitucional,
pois,
são
dotadas,
Historicamente, os direitos fundamentais derivam do direito natural, de forma a imbricar-se com
aqueles direitos inatos à pessoa humana, como a liberdade, igualdade, a vida, dentre outros valores
supremos. Segundo Miranda (Ibid., p. 14, 1998), os direitos fundamentais compreendem quatro
períodos sucessivos. O primeiro distingue a liberdade dos antigos e a liberdade dos modernos,
partindo da análise da pessoa no Estado Antigo, antes e depois do surgimento do Cristianismo. O
segundo refere-se à tutela dos direitos da própria Idade Média e do Estado estamental e à tutela dos
direitos própria do Estado Moderno. No Estado Medieval quase não havia proteção aos direitos da
pessoa humana, considerando a monarquia absolutista prevalente em relação aos indivíduos. Por
outro lado, no Estado Moderno, após a revolução inglesa (1688), americana (1787) e francesa (1791),
os direitos fundamentais conquistados pelos indivíduos são positivados nas Constituições, de modo
que a legalidade passa a limitar o poder do Estado em face do cidadão. A terceira dá-se entre
direitos, liberdades e garantias e direitos sociais; a quarta prende-se na proteção interna e proteção
internacional dos direitos do homem.
60
indiscutivelmente, de caráter coativo e cogente.
Diante disto, verifica-se que ao lado dos preceitos formativos do direito
positivo, nele inserido os direitos fundamentais, estão os princípios e regras
constitutivos do direito natural. Os dois se somam formando uma unidade jurídica
com função de regular a conduta do indivíduo e dos grupos que compõem a
sociedade (BEZERRA, op. cit. p. 121).
Posto isto, indaga-se: o que caracteriza determinado direito como
fundamental?
Para Martins Neto (2003, p. 77-79), a técnica constitucional previu direitos
fundamentais e direitos não-fundamentais, a depender da presença ou não de
fundamentalidade. Esta se caracteriza e decorre da supremacia da Constituição,
gerando, como conseqüência lógica, os chamados limites a atuação do legislador
ordinário, que constitui verdadeira imunidade ao poder de legislar.
O autor pondera, ainda, que:
[...] os direitos fundamentais revelam-se, em primeiro lugar, como direitos
subjetivos indisponíveis ao legislador ordinário. A tanto equivale dizer que,
no plano da legislação infraconstitucional, juridicamente imunes à abolição,
deformação ou atentados de qualquer espécie, ressalvada a possibilidade,
em termos que não os nulifiquem, de sua organização, limitação ou
complementação por normas inferiores. (MARTINS NETO, op. cit. p. 81).
Canotilho (1993, p. 499) aponta duas espécies de fundamentalidade: a
primeira, denominada fundamentalidade formal, deriva da superioridade das normas
positivadas na Constituição frente às demais normas, por estarem submetidas a
limites formais (processo legislativo mais rígido) e materiais (cláusulas pétreas),
vinculantes das entidades públicas e privadas. Por outro lado, a fundamentalidade
material está intimamente concatenada ao fato de que os direitos materiais integram
os elementos constitutivos do Estado, de forma a integrar a estrutura básica deste e
da própria sociedade.
Neste contexto, a fundamentalidade torna determinado direito subjetivo
previsto na Constituição mais importante que os demais constitucionalmente
assegurados, ou inseridos no plano infraconstitucional, o que lhe faz compor o
denominado núcleo essencial da Constituição Federal.
61
Daniel Sarmento (1999, p. 60) afirma que: “Outro limite que a doutrina impõe
à ponderação de bens é o respeito ao núcleo essencial dos direitos fundamentais.
Considera-se que existe conteúdo mínimo destes direitos, que não pode ser
amputado, seja pelo legislador, seja pelo aplicador do direito”.
Vale salientar, ainda, que o ordenamento jurídico pátrio acolheu o princípio
da não atipicidade ou das cláusulas abertas dos direitos fundamentais, disso
decorrendo a possibilidade de se inscreverem outros direitos fundamentais não
expressamente previstos, mas possíveis através do regime e princípios adotados
pela Constituição ou pelos tratados internacionais que o Brasil for signatário
(BEZERRA, op. cit. p. 123).
Verifica-se que a Constituição Federal dotou de fundamentalidade alguns
direitos, notadamente aqueles insertos em seu art. 5º, gravados, pois, com a
cláusula de imutabilidade selada pelo artigo 60, § 4º, IV do mesmo diploma legal.
Dentre tais direitos encontra-se o artigo 5º, XXXV, que consagra o princípio
do acesso à Justiça ao estabelecer que “a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Conclui-se que o acesso à Justiça é um direito natural por excelência, pois,
trata-se de um valor inerente a pessoa humana.
Por outro lado, infere-se que o acesso à Justiça adquiriu status de direito
fundamental, constitucionalmente assegurado, na medida em que a base ideológica
da Constituição Federal de 1988 é a Justiça social, cujo ideal é proporcionar a todos
a igualdade material de acesso, que não compreende apenas acesso ao processo
ou a via judicial como expressamente assegurado pelo art. 5º, XXXV, da Carta
Maior, mas, a ordem jurídica justa33.
33
“O acesso à Justiça não se resume ao acesso ao processo. De fato, a fundamentalidade formal e
material do direito de acesso à Justiça, saltam de normas como as que garantem indenização pela
violação à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, a necessidade dos pressupostos
de flagrante delito e ordem judicial para prisão ou violação do lar, e as garantias do devido processo
legal e da legítima defesa. Além desses dispositivos constitucionais, os princípios da cidadania e da
dignidade da pessoa humana como fundamentos da República Federativa do Brasil, fixados no art.
1º, II e III e seus objetivos no art. 3º I a IV, a saber, construir uma sociedade livre, justa e solidária,
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, promover o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação, uma vez olvidados, provocam intensa injustiça social e obstruem o acesso à Justiça na
perspectiva que estamos nos referindo. É, sem dúvida que, em não sendo mais permitida a vingança
privada em sendo crime tipificado na legislação penal o exercício arbitrário das próprias razões, a
efetiva proteção e concretização dos direitos só é possível pela via estatal – excetuando-se a
autocomposição, a conciliação e outras formas de composição extrajudicial de conflitos –, de onde
decorre um direito de acesso à essa Justiça formalmente constituída. Daí que o acesso à Justiça é
62
Contudo, os direitos fundamentais estão em crise34. É a crise da efetividade,
da implementação desses direitos35.
O direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como
sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez
que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos
para sua efetiva reivindicação (LIMA FILHO, op. cit. p. 149).
A questão, portanto, é a de não se reduzir o acesso à Justiça, direito
fundamental do cidadão como visto, a letra morta de um catálogo de direitos.
2.4 Acesso à Justiça no plano dos direitos humanos
O acesso à Justiça encontra fundamento, também, nos direitos humanos, ou
seja, no ideal de preservação, elevação e valorização da liberdade, igualdade e,
sobejamente, da dignidade da pessoa humana em face do Estado e dos demais
indivíduos. Os direitos humanos possuem caráter universal, ilimitados no espaço e
no tempo, tendo força cogente perante todos os povos.
De acordo com Siqueira Jr. (2009, p. 20) “[...] direitos humanos são direitos
fundamentais da pessoa humana. São aqueles direitos mínimos para que o homem
um direito fundamental arraigado fortemente num direito natural. Como direito, o acesso à Justiça
contém seu conteúdo de obrigatoriedade e exigibilidade”.
34
A atual crise dos direitos fundamentais situa-se no plano da eficácia. E eficácia distingue-se de
vigência. Enquanto esta se atrela a existência e obrigatoriedade, aquela tem a ver com a produção de
efeitos da norma jurídica. Indubitavelmente que vigência e eficácia caminham juntas, na medida em
que norma eficaz será norma que atende ao pressuposto da vigência. Na seara constitucional, a
noção de eficácia tem íntima conexão com a aplicabilidade das normas constitucionais (órbita
jurídica) e efetividade (órbita social). Embora o artigo 5°, § 1° da Constituição Federal de 1988
estabeleça que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”,
os direitos e garantias fundamentais têm encontrado óbice invencível para efetiva aplicação. Como
primeiro óbice pode-se apontar a existência de normas programáticas no texto constitucional acarreta
a dificuldade de concretização destas, até mesmo porque o remédio previsto na Lei Maior – mandado
de injunção – não tem sido eficaz para elidir a mazela apresentada.
Como segundo impeditivo, aponta-se a ineficiência do Poder Público na efetivação dos direitos e
garantias fundamentais, destacando-se as suas três esferas (Poder Executivo, Legislativo e
Judiciário). Maior responsabilidade pesa sobre o Poder Judiciário, vez que a Constituição Federal
incumbiu-lhe da tarefa de concretizar os direitos constitucionalmente assegurados, ainda que se trate
de função precípua de algum dos outros Poderes.
35
“Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas, jurídico, e num sentido
mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e
seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo
mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam
continuamente violados”. (BOBBIO, 1992, p. 25).
63
viva em sociedade. Cada membro da sociedade possui tal direito subjetivo”.
Câmara, por sua vez, afirma que:
Chamam-se direitos humanos as instituições jurídicas de defesa da
dignidade humana contra a violência, o aviltamento, a exploração e a
miséria. São, assim, os direitos humanos instituições jurídicas destinadas a
tutelar, de forma efetiva, a dignidade do ser humano. (CÂMARA, 2002, p. 1).
Moraes ressalta:
Os direitos humanos devem ser entendidos como aqueles direitos
fundamentais da pessoa humana, considerada tanto em seu aspecto
individual como comunitário, que correspondem a esta em razão de sua
própria natureza (de essência ao mesmo tempo corpórea, espiritual, social)
e que devem ser reconhecidos e respeitados por todo poder e autoridade, e
relacionando-se diretamente com a consagração da dignidade humana.
(MORAES, 2002, p. A3).
Embora tratados por alguns autores de modo idêntico, a semelhança entre
“direitos fundamentais” e “direitos humanos” é a positivação. A doutrina tem
estabelecido uma distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais. Estes
últimos são direitos humanos reconhecidos como tal pelas autoridades às quais se
atribui a função de editar normas jurídicas, tanto no interior de um Estado, como no
plano internacional. Direitos fundamentais são, assim, os direitos humanos
positivados (CÂMARA, Idem, p. 1).
Interessante distinção apresenta Siqueira Jr:
Os direitos humanos são aquelas cláusulas básicas, superiores e
supremas que todo o indivíduo deve possuir em face da sociedade em que
está inserido. São oriundos das reivindicações morais e políticas que todo
ser humano almeja perante a sociedade e o governo. Nesse prisma, esses
direitos dão ensejo as denominados direitos subjetivos públicos, sendo em
especial o conjunto de direitos subjetivos que em cada momento histórico
concretiza as exigências de dignidade, igualdade e liberdade humanas.
Essa categoria especial de direito subjetivo público (direito humanos) é
reconhecida positivamente pelos sistemas jurídicos nos planos nacional e
internacional. Os direitos humanos reconhecidos pelo Estado são
denominados de direitos fundamentais, vez que via de regra são inseridos
na norma fundamental do Estado, a Constituição. [...] Com intuito de limitar
64
o poder político estatal, os direitos humanos são incorporados nos textos
constitucionais, apresentando-se como verdadeiras declarações de direitos
do homem, que juntamente com outros direitos subjetivos públicos formam
os chamados direitos fundamentais. Essa categoria de direito é na realidade
uma limitação imposta aos poderes do Estado. Os direitos fundamentais
são essenciais no Estado Democrático: formam a sua base, sendo
inerentes aos direitos e liberdades individuais. (SIQUEIRA JR., op. cit. p.
22).
Os direitos humanos sofreram, no decorrer da história, processo de
internacionalização.
Como
resultado
deste
processo,
algumas
convenções
internacionais consagraram o acesso à Justiça como direito humano fundamental,
imprescindível à própria sobrevivência social do homem36.
No cenário brasileiro, o artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal, estabelece
que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
36
Art. 8º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (Resolução 217 A, de 10/12/1948): “Toda
pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições nacionais competentes contra os atos que
violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei”. No mesmo sentido: Art.
3º, “a”, “b”, e “c” do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos: “Os Estados Partes do
presente Pacto comprometem-se: a) garantir que toda pessoa, cujos direitos e liberdades
reconhecidos no presente Pacto tenham sido violados, possa dispor de um recurso efetivo, mesmo
que a violência tenha sido perpetrada por pessoas que agiam no exercício de funções oficiais; b)
garantir que toda pessoa que interpuser tal recurso terá seu direito determinado pela competente
autoridade judicial, administrativa ou legislativa ou por qualquer outra autoridade competente prevista
no ordenamento jurídico do Estado em questão; e a desenvolver as possibilidades de recurso judicial;
c) garantir o cumprimento, pelas autoridades competentes, de qualquer decisão que julgar
procedente tal recurso”. Ainda: Artigo 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos: “§1.
Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável,
por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na
apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e
obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. §2. Toda pessoa
acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente
comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às
seguintes garantias mínimas. §3. Direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor
ou intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal. §4. Comunicação prévia
e pormenorizada ao acusado da acusação formulada. §5. Concessão ao acusado do tempo e dos
meios necessários à preparação de sua defesa. §6. Direito ao acusado de defender-se pessoalmente
ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular,
com seu defensor. §7. Direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo
Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio,
nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei. §8. Direito da defesa de inquirir as
testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de
outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos. §9. Direito de não ser obrigada a depor contra
si mesma, nem a confessar-se culpada. §10. Direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal
superior. §11. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza. §12. O
acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo
pelos mesmos fatos. §13. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para
preservar os interesses da Justiça”.
65
Hodiernamente predomina o entendimento de que as normas internacionais
de direitos humanos reconhecidas em tratados incorporados ao ordenamento
jurídico brasileiro não gozam de status constitucional, mas, estão acima das leis
infraconstitucionais,
ocupando
plano
intermediário
denominado
“supralegal”,
conforme decisão proclamada pelo Supremo Tribunal Federal37.
Logo, não paira dúvida a respeito da posição hierárquica no ordenamento
jurídico pátrio, das normas internacionais que tutelam o acesso à Justiça no plano
internacional.
Do exposto extrai-se que o acesso à Justiça é um direito fundamental e
humano ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, núcleo central de toda
ordem jurídica nacional e internacional.
Assim, o respeito aos direitos humanos fundamentais é pilastra mestra na
construção
de
um
verdadeiro
Estado
de
Direito
democrático
e
sua
constitucionalização não significa mera enunciação formal de princípios, mas a plena
positivação de direitos, a partir dos quais qualquer indivíduo poderá exigir sua tutela
ante o Poder Judiciário, para a concretização do Estado democrático de Direito.
A previsão dos direitos humanos fundamentais direciona-se basicamente
para a proteção à dignidade humana em seu sentido mais amplo, que se manifesta
singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que
traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo um
mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar.
37
EMENTA: HABEAS CORPUS. SALVO-CONDUTO. PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO JUDICIAL.
DÍVIDA DE CARÁTER NÃO ALIMENTAR. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. O Plenário
do Supremo Tribunal Federal firmou a orientação de que só é possível a prisão civil do "responsável
pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia" (inciso LXVII do art. 5º da
CF/88). Precedentes: HCs 87.585 e 92.566, da relatoria do ministro Marco Aurélio. 2. A norma que se
extrai do inciso LXVII do artigo 5º da Constituição Federal é de eficácia restringível. Pelo que as duas
exceções nela contidas podem ser aportadas por lei, quebrantando, assim, a força protetora da
proibição, como regra geral, da prisão civil por dívida. 3. O Pacto de San José da Costa Rica
(ratificado pelo Brasil - Decreto 678 de 6 de novembro de 1992), para valer como norma jurídica
interna do Brasil, há de ter como fundamento de validade o § 2º do artigo 5º da Magna Carta. A se
contrapor, então, a qualquer norma ordinária originariamente brasileira que preveja a prisão civil por
dívida. Noutros termos: o Pacto de San José da Costa Rica, passando a ter como fundamento
de validade o § 2º do art. 5º da CF/88, prevalece como norma supralegal em nossa ordem
jurídica interna e, assim, proíbe a prisão civil por dívida. Não é norma constitucional -- à falta
do rito exigido pelo § 3º do art. 5º --, mas a sua hierarquia intermediária de norma supralegal
autoriza afastar regra ordinária brasileira que possibilite a prisão civil por dívida. 4. No caso, o
paciente corre o risco de ver contra si expedido mandado prisional por se encontrar na situação de
infiel depositário judicial. 5. Ordem concedida. (STF. Habeas-corpus nº. 94.013. Parte Litigante Ivete
Daoud Maia, Relator Carlos Britto, 10 fev. 2009). (grifo nosso).
66
2.5 Os diversos planos de estudo do acesso à Justiça
O estudo do acesso à Justiça comporta vários aspectos e perspectivas, a
depender do ponto de vista do observador ou do estudioso do assunto.
Se o estudo for realizado por um leigo, ou por um jurista dogmático, por um
sociólogo, um filósofo ou um político, as impressões a respeito da temática sofrerão
distintas percepções. A perspectiva mudará, na medida em que seja apreciado por
um simples operário, por um rico empresário ou por um morador da favela dos
grandes centros urbanos, por um trabalhador urbano ou um operário rural, por uma
pessoa do sexo masculino ou por outra do sexo feminino, por uma pessoa
culturalmente preparada ou outra não alfabetizada, etc. Tudo depende do ângulo de
visão que tiver o observador (LIMA FILHO, op. cit. p. 150).
Assim, o estudo do acesso à Justiça que se pretende desenvolver esbarra
necessariamente em perspectivas distintas, a saber: a leiga e a técnico jurídico, isto
é, sob o ponto de vista da realidade sociológica dos povos modernos.
2.5.1 Acesso à Justiça numa perspectiva leiga
A par da existência dos significados técnico-jurídicos, filosóficos e
sociológicos, existe também uma visão leiga de acesso à Justiça.
Nessa perspectiva, acesso à Justiça corresponde às dificuldades de toda
ordem (econômicas, culturais, sociais, dentre outras) encontradas para se demandar
em juízo com o fito de fazer valer os direitos consagrados pelo ordenamento jurídico,
razão pela qual se convencionou dizer que o acesso à Justiça é muito difícil ou
impossível.
Essa visão leiga de acesso à Justiça leva em consideração o simples fato de
se conseguir a oportunidade de estar em juízo. Isso decorre do inconsciente
coletivo, do estado de alienação, por viver numa realidade injusta em decorrência
das forças econômicas e políticas que atuam e dominam os menos favorecidos e as
camadas mais pobres da sociedade. Assim, os simples fato da distribuição de uma
67
ação judicial já se configura – nessa perspectiva – como uma concretização plena
do acesso à Justiça.
Nessa trilha:
A visão leiga mira a mera oportunidade de estar perante o juiz. As forças
do poder econômico e político subtraídas da maioria do povo, leva à essa
visão estreita. Os ricos teriam um ‘acesso à Justiça’ negado aos menos
favorecidos. Não que isso não seja uma realidade constatada largamente,
Apenas esse ‘acesso à Justiça’, não constitui verdadeiro acesso nem
verdadeira Justiça. É sem nenhuma margem de dúvida, essa visão
distorcida do homem comum, do leigo, ao que se constitui o verdadeiro
acesso à Justiça, que causa uma desilusão do litigante, ao constatar que
longe está de si, um efetivo acesso à Justiça, por não conseguir ultrapassar
o que Cappeletti chama de ‘obstáculos a serem transpostos’, como custas
judiciais, tempo processual, recursos financeiros para os depósitos
recursais, honorários advocatícios e periciais, e outros menos morais, que
desenganadamente ocorrem, sem se falar na alienação a respeito do que é
justo, do que sejam direitos. Nesse passo, a ilusão da Justiça desboca
numa desilusão aterradora dos que pretendem o direito de acesso à Justiça,
pois sequer conseguem um efetivo acesso formal ao processo. (BEZERRA,
op. cit. p. 128).
Mencionada situação, real e prática, aponta que o acesso formal à Justiça,
distante, evidentemente, de ser o adequado e justo, ainda é oportunidade de
poucos, ou seja, se não se confere nem acesso formal, de forma que o acesso à
ordem jurídica justa é mera falácia e não passa de retórica.
Até entre os juristas se defende o processo como a única via de solução dos
conflitos e de acesso à Justiça, o que é um grande erro. É que entre os
processualistas predomina uma infindável preocupação de aprimorar o sistema
processual e proteger com escudo de ferro as garantias processuais insertas na
Carta Maior de 1988. Não que isso seja despiciendo, mas por si só não é suficiente.
Em verdade, não passa de ledo engano estudar, criar e desenvolver mecanismos
processuais e garantias processuais achando que assim se obterá a tão sonhada
efetividade do acesso à Justiça. É que o mero acesso ao processo não indica
processo justo, nem sinaliza a realização daquilo que realmente necessita a parte a
ingressar em juízo.
68
2.5.2 Acesso à Justiça numa perspectiva técnico-jurídica
Nessa perspectiva, o acesso à Justiça encontra-se concatenado ao seu
aspecto formal, motivo pela qual os doutrinadores entrelaçam a noção de efetividade
do processo com efetividade de acesso à Justiça.
A propósito, a lição de Lima Filho conflui para esse raciocínio:
Sob essa perspectiva, o termo “acesso à Justiça” abarca conteúdo que
parte da simples compreensão do ingresso do cidadão em juízo, passando
por aquela que vê o processo como um instrumento para a realização dos
direitos individuais, e, finalmente, aquela mais ampla que se encontra
relacionada a uma das funções do próprio Estado a quem é acometida a
missão não apenas de garantir a eficiência do ordenamento jurídico, mas,
também, a de proporcionar a realização da Justiça aos cidadãos. A doutrina
afirma que essas perspectivas do conceito de acesso à Justiça refletem ao
mesmo tratamento conceitual despendido ao processo, ou seja, um de
caráter eminentemente interno, como fim em si mesmo; outro, como
instrumento da jurisdição; e, por último, como instrumento ético para
realização da Justiça. (LIMA FILHO, op. cit. p. 153).
Entretanto, não se pode olvidar que a mera admissão do processo não é
suficiente para a efetividade e concretização do acesso à Justiça.
O acesso à Justiça, nessa linha de pensamento, tem como esteio os
princípios e as garantias processuais, previstos no ordenamento jurídico, todos
convergentes para a consumação de uma verdadeira efetividade do processo. A
junção desses fatores deve ser bastante para superação dos obstáculos a serem
transpostos, a fim de propiciar ao indivíduo o acesso à ordem jurídica justa. Mas não
é só:
Já não basta, aos processualistas, dominarem os conceitos e categorias
básicas do direito processual, como a ação, processo e a jurisdição, em seu
estado de inércia. O processo, tem, sobretudo, função política no Estado
Social. Deve ser organizado, entendido e aplicado, como instrumento de
garantia constitucional, assegurando a todos pleno acesso à tutela
jurisdicional e, como uma das vias de acesso à Justiça, que há de se
manifestar sempre como atributo de uma tutela Justiça, socialmente justa,
sem, contudo, esquecer das formas extraprocessuais de acesso, quiçá mais
condizentes com a realidade social (BEZERRA, op. cit. p. 139).
69
É cediço que dentro desse tratamento técnico-jurídico e dogmático do
acesso à Justiça, algumas soluções têm sido implantadas na tentativa de conferirlhe efetividade. Como lembra Beneti:
O acesso à Justiça se efetiva, de resultados concretos, não questão de
retórica, mas prática. Passa pelos instrumentos e condições materiais de
trabalho, mas tem muito que melhorar no aprimoramento dos
procedimentos, na formação de juízes, na criação de novo tipo de bacharel
em direito, diretamente comprometido com a preservação do acesso à
Justiça, enfim, com novos profissionais de direito, que tenham horror à
forma vazia, abominem trazer a prática a teoria sem efeito concreto; que
seja livre para criar e desprendido para deixar novas formas de andamento
das informações contidas nos autos, desapegado de interesses pessoais
mesquinhos e de corporativos interesses de classe, para que possa se
caracterizar o democrático acesso à Justiça como instrumento de adequada
convivência social, ficando os desajustes da sociedade, inclusive na
construção do sistema de Justiça, para correção nos outros foros de
organização social. (BENETI, 1995, p. 377).
A questão além de jurídica é também cultural, pois, já é momento de se
quebrar o paradigma estabelecido na mente dos operadores do Direito de que o
processo é eminentemente mercantil. É preciso analisar a viabilidade da ação, a fim
de verificar se haverá ou não êxito, para evitar riscos financeiros desnecessários,
além do abarrotamento da Justiça com demandas descabidas.
É fato que alguns vislumbram no Poder Judiciário a única instância capaz a
solução dos conflitos de interesses, em virtude do monopólio da Jurisdição estatal.
Entretanto, trata-se de uma postura anacrônica e incompatível com a atual dinâmica
das relações sociais. A crise do acesso à Justiça se vence com a ampliação e o
fortalecimento dos mecanismos extrajudiciais de solução dos conflitos, ou então,
com prestação do serviço jurisdicional “portas a fora” dos fóruns do País, indo
alcançar aqueles que não têm, sequer, acesso à Justiça formal.
A concentração do serviço jurisdicional engendra o afogamento da máquina
estatal, que não se preparou adequadamente para essa “jurisdicionalização” abrupta
e repentina dos conflitos. Isso leva a reformas processuais irracionais e a
massificação de sentenças, produzidas a minuto, como se o direito fosse
matemático, ou seja, o mesmo para cada caso análogo.
Os mecanismos extrajudiciais de solução dos conflitos, e até mesmo a
“descentralização” da prestação dos serviços jurisdicionais, são alternativas viáveis
70
e positivas ao regime democrático, pois encontram alicerce no pluralismo jurídico e
democratizam o acesso à Justiça de modo a efetivá-lo, não apenas formalmente,
mas, através da distribuição verdadeira e plena de Justiça.
Como bem ressaltado por Lima Filho (op. cit. p. 157), o acesso à Justiça não
se resume na existência de um ordenamento jurídico que seja capaz de regular as
atividades individuais e sociais, mas, ao mesmo tempo, deve ter aptidão de distribuir
legislativamente, de forma justa, os direitos e faculdades substanciais.
E continua:
Nessa ótica, o acesso à Justiça deve ser compreendido no sentido de
toda atividade jurídica passando pela criação de normas, sua interpretação,
integração e aplicação, com Justiça, isto é, o acesso deve ser
compreendido num sentido abrangente que vai desde a criação das normas
até sua concreta e justa aplicação. (LIMA FILHO, Idem, p. 157).
71
3 A CRISE DO ACESSO À JUSTIÇA
3.1 Considerações preliminares
No Brasil, estima-se haver uma população de 165.371.49338. O rendimento
mensal médio39 de 61% da população é de R$ 313,30. Segundo dados do IBGE, até
o ano de 1996, a taxa de atividade atingiu 61,3%40.
Por outro lado, no Brasil os valores da taxa de desocupação para os anos de
1992, 1993, 1995, 1996 foram, respectivamente, de 6,5%; 6,2%; 6,1% e 6,9%41.
Mas não é só. Das pessoas ocupadas de 10 anos ou mais de idade,
levando-se em conta os anos de estudo, verifica-se que no Brasil estudaram até os
3 anos, 28,7%; dos 4 aos 7 anos, 30,9%; dos 8 aos 10 anos, 14,9%; e, dos 11 anos
acima, 24,9%42.
Ainda, entre homens e mulheres de 15 ou mais de idade, 13,3% são
analfabetos43. A média de estudo nacional, considerando-se as pessoas de 10 anos
de idade ou mais, é de 5,7 anos, sendo que os homens estudam em média 5,6 anos
e as mulheres 5,9 anos. Os brancos estudam em média 6,6 anos, enquanto os
38
Fonte: IBGE/DPE/Departamento de População e Indicadores Sociais. Divisão de Estudos e
Análises da Dinâmica Demográfica. Projeto UNFPA/BRASIL (BRA/98/P08) - Sistema Integrado de
Projeções e Estimativas Populacionais e Indicadores Sócio-demográficos. (INSTITUTO BRASILEIRO
DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Aspectos Demográficos: informações gerais.
<Disponível em: http://www.ibge.gov.br>. Acesso em 19 junho, 2009).
39
Fonte: Departamento de Contas Nacionais do IBGE. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
ESTATÍSTICA – IBGE. Trabalho e Rendimento: Informações gerais, 1999. <Disponível em:
http://www.ibge.gov.br>. Acesso em 19 junho, 2009).
40
Fonte: Pesquisa nacional por amostra de domicílios: síntese de indicadores 1995. INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. <Disponível em: http://www.ibge.gov.br>.
Acesso em 20 junho, 2009).
41
Fonte: Pesquisa nacional por amostra de domicílios: síntese de indicadores 1993; Pesquisa
nacional por amostra de domicílios: síntese de indicadores 1995; Pesquisa nacional por amostra de
domicílios: síntese 1996. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE.
<Disponível em: http://www.ibge.gov.br>. Acesso em 20 junho, 2009).
42
Fonte: Pesquisa nacional por amostra de domicílios 1999 [CD-ROM]. Microdados. Rio de Janeiro:
IBGE, 2000. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Pessoas
ocupadas de 10 anos ou mais de idade por anos de estudo – 1999. <Disponível em:
http://www.ibge.gov.br>. Acesso em 20 junho, 2009).
43
Fonte: Pesquisa nacional por amostra de domicílios 1999 [CD-ROM]. Microdados. Rio de Janeiro:
IBGE, 2000. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Taxa de
analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade. <Disponível em:
http://www.ibge.gov.br>. Acesso em 20 junho, 2009).
72
pretos e pardos estudam apenas 4,6 anos44.
Em relação ao Poder Judiciário, interessante analisar alguns dados
fornecidos pelo Conselho Nacional de Justiça através do programa “Justiça em
Números45”. Será analisada a litigiosidade referente aos anos de 2004 a 2008, no
âmbito do Poder Judiciário Estadual,46 mais precisamente em primeiro grau de
jurisdição.
No Brasil, durante o ano de 2004 surgiram 9.607.571 casos novos na Justiça
Estadual de primeiro grau47. Havia, no entanto, 24.249.064 de casos pendentes de
julgamento48 para um total de 7.742 magistrados49. O saldo foi uma carga de
Fonte: Pesquisa nacional por amostra de domicílios 1999 [CD-ROM]. Microdados. Rio de Janeiro:
IBGE, 2000. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Média de anos de
estudo das pessoas de 10 anos ou mais de idade por sexo e cor - 1999. <Disponível em:
http://www.ibge.gov.br>. Acesso em 20 junho, 2009).
45
“Justiça em Números” é um sistema que visa a ampliação do processo de conhecimento do Poder
Judiciário por meio da coleta e da sistematização de dados estatísticos e do cálculo de indicadores
capazes de retratarem o desempenho dos tribunais. Os dados englobam as seguintes categorias
gerais:
a) Insumos, dotações e graus de utilização: levantam-se dados sobre despesas, pessoal,
recolhimentos/receitas, informática e área física.
b) Litigiosidade e carga de trabalho: calcula-se o quantitativo de casos novos, a carga de trabalho do
magistrado, a taxa de congestionamento da Justiça, a taxa de recorribilidade externa e interna e a
taxa de reforma da decisão.
c) Acesso à Justiça: averigua-se a despesa com assistência judiciária gratuita e o quantitativo de
pessoal atendido.
d) Perfil das demandas: busca-se levantar a participação governamental nas demandas judiciais. As
informações são fornecidas originariamente pelos Tribunais de Justiça dos Estados, Tribunais
Regionais Federais, Tribunais Regionais do Trabalho e Tribunal Superior do Trabalho. Os dados
apresentados são de responsabilidade exclusiva dos Tribunais que participam da pesquisa. A fim de
evitar equívocos, os dados apresentados pelos Tribunais são submetidos à validação pelos órgãos
respondentes. Seguindo os critérios estabelecidos na Resolução nº 15 de 2006, os dados são
informados pelos tribunais semestralmente. O relatório “Justiça em Números” é publicado
anualmente, além de ser enviado ao Congresso Nacional como parte do Relatório Anual do Conselho
Nacional de Justiça. (Disponível em <http:// www.cnj.jus.br>).
46
Escolheram-se os dados da Justiça Estadual porque ela é responsável pelo julgamento de
processos envolvendo matérias cíveis, de família, do consumidor, de sucessões, de falências e
concordatas, da infância e juventude, além das matérias criminais. Algumas destas matérias podem
ser processadas e julgadas pela Justiça Itinerante.
47
Consideram-se casos novos de 1º grau todos os processos que ingressaram ou foram
protocolizados na Justiça Estadual de 1º grau no período-base (ano ou semestre), excluídas as cartas
precatórias, de ordem e rogatórias recebidas, recursos internos, execuções de sentença e as
execuções fiscais sobrestadas e suspensas, os precatórios judiciais e RPV’s (Requisições de
Pequeno Valor) e outros procedimentos passíveis de solução por despacho de mero expediente.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Departamento de Pesquisas Judiciárias. <Disponível em:
http://www.cnj.jus.br>. Acesso em 20 junho, 2009.
48
Consideram-se casos pendentes de julgamento no 1º grau o saldo residual de processos não
sentenciados na Justiça Estadual de 1º grau no final do período anterior ao período-base (ano ou
semestre), excluídas as cartas precatórias, de ordem e rogatórias recebidas, as execuções de
sentença, os precatórios judiciais e RPV’s (Requisições de Pequeno Valor) e outros procedimentos
passíveis de solução por despacho de mero expediente. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.
Departamento de Pesquisas Judiciárias. <Disponível em: http://www.cnj.jus.br>. Acesso em 20
junho, 2009.
44
73
trabalho de 4.609 processos por magistrado50. No total, os magistrados proferiram
6.650.840 sentenças51, com uma taxa de congestionamento de 80,7%52.
Já no ano de 2005, os números do Poder Judiciário foram os seguintes:
surgiram 9.434.832 casos novos, havendo 26.860.976 casos pendentes, e 8.002
magistrados. O resultado foi uma carga de trabalho de 4.657 processos para cada
juiz. Foram prolatadas 7.258.452 sentenças, com uma taxa de congestionamento de
80,0%53.
No ano de 2006, surgiram 10.462.176 casos novos, havendo saldo de
29.317.287 casos pendentes. Os 8.310 magistrados produziram um total de
7.882.254 sentenças. Como resultado, constatou-se uma carga de 4.787 processos,
e uma taxa de congestionamento de 80,2%54.
Em 2007, surgiram 11.476.577 casos novos, havendo, entretanto,
32.103.142 casos pendentes. Foram proferidas 8.516.057 sentenças por 8.541
magistrados. Como resultado, apresentou-se uma carga de trabalho de 5.102
processos e uma taxa de congestionamento de 80,5%55.
Por derradeiro, no ano de 2008, o Conselho Nacional de Justiça apurou
12.250.758 casos novos, entretanto, havia 33.145.844 casos pendentes. Os 8.603
magistrados proferiram ao todo, 9.258.589 sentenças, mas, o acúmulo de carga de
trabalho foi de 5.277 processos por juiz e a taxa de congestionamento foi fixada em
76,5%56.
49
O número de magistrados corresponde ao número total de cargos de magistrados de 1º grau
providos até o final do período-base (ano ou semestre). CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.
Departamento de Pesquisas Judiciárias. <Disponível em: http://www.cnj.jus.br>. Acesso em 20
junho, 2009.
50
A carga de trabalho no 1º grau corresponde à quantidade de processos em andamento no período
(casos pendentes de julgamento somados aos casos novos) por magistrado. CONSELHO NACIONAL
DE JUSTIÇA. Departamento de Pesquisas Judiciárias. <Disponível em: http://www.cnj.jus.br>.
Acesso em 20 junho, 2009.
51
São todas as sentenças proferidas no 1º grau no período-base (ano ou semestre). CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA. Departamento de Pesquisas Judiciárias. <Disponível em:
http://www.cnj.jus.br>. Acesso em 20 junho, 2009.
52
Taxa de congestionamento é a quantidade de processos pendentes de sentença que extinguem o
processo no 1º grau em relação aos em andamento no período (casos pendentes de julgamento
somados aos casos novos). CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Departamento de Pesquisas
Judiciárias. <Disponível em: http://www.cnj.jus.br>. Acesso em 20 junho, 2009.
53
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Departamento de Pesquisas Judiciárias. <Disponível em:
http://www.cnj.jus.br>. Acesso em 20 junho, 2009.
54
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Departamento de Pesquisas Judiciárias. <Disponível em:
http://www.cnj.jus.br>. Acesso em 20 junho, 2009.
55
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Departamento de Pesquisas Judiciárias. <Disponível em:
http://www.cnj.jus.br>. Acesso em 20 junho, 2009.
56
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Departamento de Pesquisas Judiciárias. <Disponível em:
http://www.cnj.jus.br>. Acesso em 21 junho, 2009.
74
Como visto, muitas são as causas a retardar a prestação jurisdicional, não
podendo
ser
atribuída
aos
juízes
ou
ao
Poder
Judiciário,
somente,
a
responsabilidade daí advinda. Os fatores de ordem econômica, social e cultural
devem ser levados em conta quando se constata que o acesso à Justiça está em
crise57. Além dos fatores mencionados, há, ainda, fatores históricos que remontam
ao imperialismo, consoante expõe Galeano:
A chuva que irrigou os centros do poder imperialista afoga os vastos
subúrbios do sistema. Do mesmo modo, e simetricamente, o bem-estar de
nossas classes – dominantes para dentro, dominadas para fora – é a
maldição de nossas multidões, condenadas a uma vida de bestas de carga.
Nossa derrota esteve sempre implícita na vitória alheia, nossa riqueza gerou
sempre a nossa pobreza para alimentar a prosperidade dos outros: os
impérios e seus agentes nocivos. Na alquimia colonial e neocolonial, o ouro
se transformava em sucata e os alimentos se convertiam em veneno. E a
brecha se amplia. Em meados do século passado o nível de vida dos países
ricos do mundo excedia em 50% o nível dos países pobres. O
desenvolvimento envolve a desigualdade, porque a força do conjunto do
sistema imperialista descansa na necessária desigualdade das partes que o
formam, e esta desigualdade assume magnitudes cada vez mais
dramáticas, Os países opressores tornam-se cada vez mais ricos em termos
absolutos, porém muito mais em termos relativos, pelo dinamismo da
disparidade crescente. Cento e vinte milhões de crianças da América Latina
se agitam no centro desta tormenta. A população da América Latina cresce
como nenhuma outra; em meio século triplicou com sobras. Em cada minuto
morre uma criança de doença ou de fome, mas no 2.000 haverá 650
milhões de latino-americanos e a metade terá menos de 15 anos de idade:
uma bomba de tempo. Entre os 280 milhões de latino-americanos há,
atualmente, 50 milhões de desempregados ou subempregados e cerca de
cem milhões de analfabetos; a metade dos latino americanos vive apinhada
em moradias insalubres. Os três maiores mercados da América Latina –
Argentina, Brasil e México – não chegam a igualar, somados, a capacidade
de consumo da França ou da Alemanha Ocidental, mesmo que a população
reunida dos três grandes exceda de muito a qualquer país europeu. Novas
fábricas se instalam nos pólos privilegiados de desenvolvimento – São
Paulo, Buenos Aires e Cidade do México – porém reduz-se cada vez mais o
número de mão-de-obra exigido. O sistema não previu esta pequena
chateação. O que sobra é gente. As missões norte-americanas esterilizam
maciçamente e semeiam pílulas, diafragmas, DIUs, preservativos e
almanaques marcados, mas colhem crianças; obstinadamente, as crianças
latino-americanas continuam nascendo, e reivindicando seu direito natural
de obter um lugar ao sol, nestas terras esplêndidas, que poderiam dar a
todos o que a quase todos negam. (GALEANO, 1983, p. 14-15).
57
Recomenda-se a leitura da obra “A Jurisdição como elemento de Inclusão Social: Revitalizando as
regras do jogo democrático”, de autoria do Professor Jônatas Luiz Moreira de Paula, onde se realizou
estudo aprofundado repleto de dados estatísticos a respeito de fatores que implicam uma nova visão
a respeito do conceito de jurisdição. Interessante a análise feita a respeito do perfil da sociedade
brasileira (2002, p. 5-16).
75
Com relação à influência da história brasileira e seu reflexo na questão do
acesso à Justiça, interessantíssimo o estudo realizado por Passos, intitulado de “O
Problema do Acesso à Justiça no Brasil”, onde se conclui que:
As perspectivas, a curto prazo, não são animadoras. Na verdade o país,
agora, está mobilizado, todo ele, para vencer a grave crise econômica e
financeira que o agride, superar o abismo que medeia entre os poucos ricos
e os muitos miseráveis, e acima de tudo, tentar retomar para a sociedade
civil a participação no poder que ela perdeu com graves danos para o Brasil
e para os brasileiros. No bojo dessas lutas, a luta por melhor Justiça se faz
presente, mas a luta maior, a grande luta é antes por um estado de coisas
que possibilite a própria Justiça. Sem esta a outra é uma superfluidade,
porque se resumirá sempre a mero instrumento custoso de solução das
quizilas dos que podem tentar resolver seus desentendimentos de
superfície, em meio ao grande conflito social ainda não solucionado.
(PASSOS, 1985, p. 87).
Diante dos dados apresentados, a crise da Justiça deve ser analisada numa
perspectiva jurídica e não jurídica. Como salientado alhures, o acesso a ela não se
resume a acesso ao processo ou ao Judiciário, já que constitui direito fundamental
do cidadão intimamente concatenado ao princípio da dignidade da pessoa humana,
este, núcleo essencial da Constituição Cidadã.
O acesso à Justiça, nessa visão, é muito mais amplo e seu estudo não pode
ser tão reducionista a ponto de vilipendiar fatores reais que assolam a sociedade
brasileira. Nessa linha de raciocínio, o que se pretende é estabelecer mecanismos
de superação, com esteio numa Justiça transformadora, que não esconde a
realidade burguesa, elitista e desigual.
Assim, quando se fala em acesso à Justiça, nessa ótica, se fala não só em
acesso ao processo e a Jurisdição estatal, mas, numa perspectiva de Justiça social,
se fala e se defende, também, o acesso à saúde, educação, lazer, cultura, moradia,
alimentação e tantos outros direitos fundamentais que são verdadeiras liberdades
positivas de um Estado que apregoa ser “Democrático” e de “Direito”.
A propósito, a concretização de tais direitos nasce e é atingido através de
um esforço conjunto dos Poderes da República. É que de nada adianta o Poder
Judiciário buscar mecanismos de superação da crise, se Executivo e Legislativo,
incumbidos de
concretizar as
políticas
públicas,
como
educação,
saúde,
desenvolvimento econômico, dentre outros, não fizerem a sua parte. A propósito:
76
Não se engane cidadão brasileiro! É preciso re-pensar o sistema de
política social a partir do ordenamento jurídico, posto que, os dois principais
‘poderes’ do Estado – Poder Executivo e Poder Legislativo – não estão
conferindo a devida eficácia dos programas sociais, seja a curto, como a
médio e longo prazo, além de cobrar uma fatura alta pela promessa da
realização da política social. Para tanto, passa-se a especular uma atividade
mais contundente do Poder Judiciário, a fim de conferir a desejada eficácia
dos programas sociais e normas que têm esse cunho, mas que não
implementadas por falta de uma melhor postura do Poder Executivo e do
Poder Legislativo. (PAULA, 2002, p. XII-XIII).
De acordo com a realidade nacional, e considerando-se as inúmeras
iniciativas já adotadas nas últimas décadas a fim de se superar a crise do acesso à
Justiça, não bastará fortalecer o sistema oficial. “Não só novos instrumentos jurídicos
são importantes, mas também uma formação cultural voltada à descentralização dos
serviços
judiciários,
com
a
aproximação
do
cidadão
e
uma
consciente
responsabilidade de enfrentar a tão reclamada morosidade e lentidão da Justiça”
(TORRES, op. cit. p. 28).
A crise do acesso à Justiça ocasiona a descrença nas instituições estatais,
nesse caso, no Poder Judiciário, que detém a função constitucional de pacificar os
conflitos sociais com Justiça.
É preciso enxergar que o Estado não é capaz de distribuir Justiça a todos,
da forma mais igualitária possível. Não se pode perder de vista o fato de que as
relações sociais são dinâmicas, razão pela qual as leis postas não acompanham as
novas situações eclodidas do seio social.
É preciso descentralizar a prestação do serviço jurisdicional e reconhecer o
pluralismo jurídico, fortalecendo-o em sua perspectiva institucionalizada e admitindoo em sua perspectiva não institucionalizada, e levar em consideração que a solução
dos conflitos pode ocorrer entre os próprios contendores, sem a participação direta
do Estado-juiz58.
Somente assim a crise do acesso à Justiça poderá ser combatida, desde
que haja participação plena e efetiva dos demais Poderes da República.
58
Wolkmer (1997, p. 256-280) expõe que uma das vertentes do pluralismo jurídico é a resolução de
conflitos institucionalizada, através da conciliação, arbitragem e juizados de pequenas causas, hoje,
juizados especiais. A outra vertente é a resolução dos conflitos por via não institucionalizada, de
maneira informal, autêntica, flexível e descentralizada, através de processos de negociação,
conciliação, mediação, arbitragem, juízo arbitral e tribunais populares.
77
3.2 As limitações do acesso à Justiça
3.2.1 O custo do processo
O custo do processo ainda constitui fator de limitação do acesso à Justiça.
Não se trata de problema recente, mas que certamente perdurará por tempos.
Na verdade, a ausência de recursos econômicos para suportar as custas e
despesas processuais desemboca na seara processual, mas, tem como causa
questões alheias a ela. Aos fatores externos capazes de limitar o acesso à Justiça,
Cichocki Neto denominou de “limitações exoprocessuais”, situadas nas áreas
política, social, econômica e cultural.
No que toca ao custo do processo, três situações merecem destaque: a) a
condição econômica da população brasileira; b) a elevação do custo do processo
consoante à diminuição do valor da causa; c) a necessidade de advogados e de
pagamento do honorários advocatícios.
Já demonstrou-se anteriormente (item 3.1) que a condição econômica atual
da população brasileira é caótica. Milhares de brasileiros vivem no limite ou abaixo
da linha da miséria e não têm acesso a bens materiais essenciais à sobrevivência
digna, como alimentação, moradia e vestuário.
Essa situação atinge as camadas mais pobres, de baixa renda, que em
nosso país inegavelmente constituem a grande maioria. Em face disso, aliado a
fatores sociais e culturais, os indivíduos são desestimulados a buscar o Poder
Judiciário para solução de seus conflitos.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, até
o ano de 2007, das pessoas com mais de 10 anos de idade, ocupadas, 8,4%
recebiam até ½ salário mínimo; mais de ½ a 1 salário mínimo, 19,2%; mais de 1 a 2
salários mínimos, 30,8%; mais de 2 a 3 salários mínimos, 11,7%; mais de 3 a 5
salários mínimos, 8,4%; mais de 5 a 10 salários mínimos, 6,3%; mais de 20 salários
mínimos, 2,3%; mais de 20 salários mínimos, 0,8%; sem rendimento, 10,4%59.
59
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Fonte: Diretoria de
Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
2007. <Disponível em: http://www.ibge.gov.br>. Acesso em 26 junho, 2009.
78
Há mais: A taxa de desocupação/desemprego medida no ano de 2007
atingiu 9,3%, sendo que 7,4% entre homens e 11,6% entre mulheres60.
A esses dados podem somar-se outros, como: a) grande parte da população
é desnutrida ou subnutrida, ingerindo menos alimentos do que o necessário; b) a
taxa de mortalidade infantil e de crianças vivendo na rua e fora das escolas é
alarmante; c) há uma enorme concentração de terras nas mãos de poucos,
enquanto milhões de famílias de pequenos agricultores estão desabrigadas.
(RODRIGUES, op. cit. p. 252).
Embora seja um direito fundamental assegurado pela Constituição Federal
de 1988, o acesso formal à Justiça é financeiramente oneroso para os mais pobres.
Assim, se esses indivíduos não percebem o suficiente para viver dignamente, como
custearão um processo judicial?
“Esse é por certo, o mais grave entrave ao efetivo direito de acesso à
Justiça. Agrava-o, ainda mais, o fato do princípio constitucional da igualdade ser
aplicado diretamente entre as partes em leitura meramente formal, não se levando
em conta as diferenças sociais, econômicas e culturais existentes” (RODRIGUES,
2008, p. 252).
Nessa linha de pensamento, jurisdição paga é jurisdição aristocrática. É que
se a jurisdição é um direito-garantia fundamental, o pagamento de seu exercício
nega o princípio democrático que nele se deve conter e que a isonomia lhe impõe, o
que somente pela ausência de encargos como condição preliminar necessária pode
permitir. Assim, se a jurisdição é direito de todos, e o princípio da igualdade é um
dos pilares fundamentais da construção jurídica positivada, assume o Estado o
encargo irrecusável de prestá-la sem qualquer ônus. É que o ônus pode constituir
embaraço intransponível ao exercício daquele direito. Está-se a conferir o direito à
jurisdição de uma parte, e a subtrair o seu exercício de outro. (ROCHA, op. cit. p.
35).
De nada adiante garantir ao indivíduo a liberdade, se a condição econômica
para usufruir desta não é alcançada. Em verdade, o ser humano somente se
considera livre na medida em que vive de forma digna. Rodrigues (1994, p. 35)
ressalta que:
60
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. FONTE: Pesquisa Mensal de
Emprego. <Disponível em: http://www.ibge.gov.br>. Acesso em 26 junho, 2009.
79
É necessário levar-se em conta que não basta ao ser humano o atributo
da liberdade. Há um imperativo maior: a própria condição sócio-econômicacultural capaz de admiti-lo como pessoa humana. O discurso jurídico liberallegal, em diversos momentos, cala essa premissa fundamental.
O acesso à Justiça somente alcançará o plano de igualdade nas relações
sociais quando o problema da pobreza, da desigualdade econômica for, ao menos,
amenizado. Enquanto isso não acontecer, o direito de “bater às portas” do Judiciário
e ajuizar ação não passará de utopia para muitos.
Assiste razão a Cichocki Neto quando assevera que:
[...] a condição de igualdade não se coaduna com as diferenças de
oportunidades de acesso aos indivíduos. Se as necessidades de tutela
jurisdicional forem idênticas para os pobres e para os ricos, a discriminação
na abertura dos canais de acesso atentará, adversamente, ao princípio da
igualdade. Por outro lado, a dignidade da pessoa humana é condição que
se reveste tanto aos economicamente carentes quanto aos afortunados; por
isso, a Administração da Justiça deve atribuir-lhes oportunidades idênticas
de acesso. E é ao Estado, através de sua função jurisdicional, que compete
o poder-dever de recepcionar todos os litígios que ocorrem na ordem social,
independentemente das qualidades ou condições pessoais dos litigantes; a
existência de focos de desassistidos no seio social, jurídica e
jurisprudencialmente, em virtude de carência econômica, erige-se em fator
que obsta o acesso à Justiça. (CICHOCKI NETO, op. cit. p. 112).
Outra situação, ainda ligada ao custo do processo, é a seguinte: em estudo
sociológico realizado por Santos, constatou-se que em determinados países o custo
do processo aumentava à medida que baixava o valor da causa. Na Inglaterra, por
exemplo, verificou-se que em cerca de um terço das causas em que houve
contestação os custos globais foram superiores aos do valor da causa. Na Itália, os
custos da litigação podem atingir 8,4% do valor da causa nas ações com valor
elevado, enquanto que nas de valor diminuto essa percentagem pode elevar a
170%. Estes estudos revelam que a Justiça civil é cara para os cidadãos em geral,
mas revelam, sobretudo, que a Justiça civil é proporcionalmente mais cara para os
cidadãos economicamente mais débeis. É que são eles fundamentalmente os
protagonistas e os interessados nas ações de menor valor e é nessas ações que a
Justiça é proporcionalmente mais cara, o que configura um fenômeno de dupla
vitimização das classes populares face à administração da Justiça (SANTOS, op. cit.
80
p. 126).
As despesas com provas necessárias à comprovação dos fatos, por vezes,
assumem grandes proporções econômicas para pessoas de baixa renda. É o que
ocorre no caso do exame de DNA, hábil à comprovação do estado de filiação em
ação de investigação de paternidade.
Para a maioria da população brasileira, referida perícia é inacessível. Por
outro lado, é cediço que a Lei nº. 1.060/50, em seu artigo 3º, VI, estabelece que o
custeio da despesa com a realização do DNA. Entretanto, o direito da parte
beneficiária da assistência judiciária gratuita esbarra, por vezes, na ineficiência do
Executivo e do Legislativo, que nem sempre destinam recursos no orçamento
público para esse custeio. A alternativa para solucionar o problema é compelir o
Estado, por meio de requisição efetuada pelo magistrado ao Órgão Fazendário
Estadual, a arcar com a perícia como já se decidiu no STF.
Por fim, a terceira situação que restringe o acesso à Justiça é a necessidade
de advogado. Nesse ponto, três ponderações devem ser feitas.
A primeira está ligada ao custeio dos honorários de advogado particular.
Nem sempre o indivíduo consegue atendimento jurídico pela Defensoria Pública,
que recebeu a incumbência constitucional de prestar assistência judiciária gratuita
aos que comprovarem insuficiência de recursos61. Por vezes, os Núcleos Jurídicos
das escolas de Direito também se encontram abarrotados de atendimentos,
restando ao indivíduo buscar auxílio de um advogado particular.
Os honorários advocatícios fixados em tabela própria pela OAB, infelizmente
não são condizentes com o nível econômico da população mais pobre e torna o
acesso à assistência jurídica particular uma grande ilusão para muitos. Apenas para
exemplificar: uma ação de alimentos ou de separação judicial custara à parte
contratante, no mínimo, R$ 1.000,00 (Um mil reais). Se levados em conta os dados
do IBGE citados anteriormente, será possível coligir que a contratação de advogado
particular torna-se inviável para as pessoas financeiramente mais carentes.
A segunda tem relação com a qualidade dos profissionais disponíveis no
mercado. O efetivo acesso à Justiça passa necessariamente pelo assessoramento
de um bom advogado, entretanto, o ensino jurídico no Brasil tem sido alvo de
veementes críticas, mormente, pela baixa qualidade dos bacharéis e pelos baixos
61
Art. 5º, LXXIV – “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos”.
81
índices de aprovação no exame da OAB. Correta a afirmativa de Rodrigues:
Ao lado da ampliação da quantidade de cursos e de vagas nas
faculdades e universidades, o que elevou grandemente o número de alunos
sem que houvesse meios materiais e corpo docente qualificado para fazer
frente à demanda, há também a constante mutação existente na realidade
social, cultural, política, econômica e científica nacional. Essa mudança
constante exige do advogado a cada dia uma visão mais ampla e
interdisciplinar, para que ele possa assessorar corretamente a sua clientela.
Modificaram-se as exigências com relação à prática profissional, mas o
ensino de Direito não vem acompanhando essa transformação.
(RODRIGUES, op. cit. p. 260).
Mas não é só. Não bastasse o custo da assistência judiciária particular, há
ainda a questão da sucumbência62. Conforme lembra Cappelletti (op. cit. p. 16-18),
nos Estados Unidos, por exemplo, o indivíduo somente ingressa em juízo com uma
demanda se tiver plena convicção de que obterá uma sentença favorável. Na GrãBretanha a situação é ainda mais penosa, pois, os honorários advocatícios podem
variar muito.
No Brasil, embora exista critério objetivo para fixação de honorários
advocatícios de sucumbência63, o que teoricamente elimina surpresa do vencido,
induvidosamente que o indivíduo integrante das classes mais baixas não terá
62
“2. Verbas de sucumbência. O vencido deverá pagar todas as custas e despesas do processo,
incluídas aqui a que a parte vencedora antecipou (CPC 19), as mencionadas no CPC 20 § 2º, bem
como honorários de advogado. Os honorários fixados pelo juiz pertencem ao advogado (EOAB 23)”
(NERY JUNIOR, 2006, p. 191).
63
Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os
honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado
funcionar em causa própria.
§ 1º O juiz, ao decidir qualquer incidente ou recurso, condenará nas despesas o vencido.
§ 2º As despesas abrangem não só as custas dos atos do processo, como também a indenização de
viagem, diária de testemunha e remuneração do assistente técnico.
§ 3º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por
cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos:
a) o grau de zelo do profissional;
b) o lugar de prestação do serviço;
c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o
seu serviço.
§ 4o Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver
condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários
serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do
parágrafo anterior.
§ 5o Nas ações de indenização por ato ilícito contra pessoa, o valor da condenação será a soma das
prestações vencidas com o capital necessário a produzir a renda correspondente às prestações
vincendas (art. 602), podendo estas ser pagas, também mensalmente, na forma do § 2o do referido
art. 602, inclusive em consignação na folha de pagamentos do devedor.
82
condições de pagá-los. Ademais, a contratação de advogado particular implica o
pagamento de honorários advocatícios contratados. Assim, aquele que perde a
demanda normalmente arca com os honorários advocatícios de seu advogado mais
a sucumbência destinada e pertencente ao advogado da outra parte.
É necessário a cada dia o fortalecimento das Defensorias Públicas, já que a
Constituição Federal de 1988 pontuou que o advogado é indispensável à
administração da Justiça, o que se constitui em verdade absoluta64. Logo, é
impossível haver “paridade de armas” entre as partes litigantes se uma delas não
estiver regularmente assistida; a ausência de advogado inviabiliza a existência de
processo justo e democrático.
3.2.2 A duração do processo e a morosidade da Justiça
Não menos importante que o problema do custo do processo é o problema
da duração deste. Infelizmente uma das características marcantes do Poder
Judiciário, quer seja na opinião do operador do direito, ou, principalmente, na opinião
do leigo, é a “morosidade da Justiça”.
A duração do processo deve ser alvo de preocupação dos juristas e dos
Poderes instituídos, pois, a entrega da prestação jurisdicional tardia acarreta a
descrença nas instituições estatais e gera insegurança na sociedade.
Não é problema brasileiro, apenas. Silva (1993, p. 255-256) em estudo sobre
a crise da Justiça, apresenta dados interessantes. Segundo o autor, nos Estados
Unidos, o sistema judiciário se encontra saturado, uma vez que as Cortes Distritais
(District Courts) julgam em média 600 mil casos. Na Espanha a duração média do
processo era de 5 anos e 3 meses e, na Bélgica, 2,33 anos. Na Alemanha, a
questão não é diferente. Em 10 anos, o número de processos na primeira instância
aumentou em 250.000 (1971 a 1981). Na Justiça do Trabalho brasileira, o processo
que chega ao Tribunal Superior do Trabalho dificilmente dura menos de 4 anos
(SILVA, Idem, p. 256).
Assim, a duração do processo é uma questão que demanda grandes
64
“Art. 133. O advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e
manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
83
preocupações.
Sobre o tema, inúmeros trabalhos doutrinários já foram publicados;
pesquisas com intuito de resolver ou minorar o problema já foram realizadas;
reformas processuais fizeram diversas alterações legislativas; no entanto, a
“morosidade”, seja por questões velhas ou novas, ainda assola os tribunais do País
e incute na mente da população a ideia de que a Justiça tarda.
Deste modo, incumbe pontuar algumas causas relativas à duração do
processo e a morosidade da Justiça65.
A primeira causa a ser apontada é constante mutação social. A sociedade
tem evoluído rapidamente. A cada dia novos conflitos surgem, muitos sem solução
prevista no ordenamento jurídico. Assim, a falta de dinamismo do legislador acarreta
o abarrotamento do Poder Judiciário, compelindo o juiz a atuar como verdadeiro
legislador, de modo a decidir questões ainda não positivadas.
Ademais, com a afirmação de direitos e garantias individuais na Constituição
Federal de 1988, hodiernamente os indivíduos estão mais informados a respeito dos
seus direitos, inclusive, exigindo do Estado que os proteja ou os concretize. Por
óbvio, na medida em que se informa, é preciso preparar o Poder Judiciário para
receber uma quantidade maior de demandas, superior ao normal. Ocorre que a
estrutura judiciária foi pouco alterada no que se refere à quantidade de juízes,
escreventes, oficiais de Justiça, etc., e o número de demandas aumentou
demasiadamente. A conseqüência, logicamente, é o emperramento da máquina
judiciária estatal.
Lima tece ponderação pertinente a respeito da morosidade da Justiça:
É dizer, portanto, que o conceito de prestação jurisdicional qualificada e
adequada, constantemente vem se modificando ao longo dos tempos, em
atenção às exigências da própria sociedade, cuja existência o direito
sempre busca proteger e tutelar, ocorrendo agora verdadeira e inconteste
‘perversão do Estado de direito em Estado judicial’, quando se descobre
que o Judiciário existe, e seu uso é extensível a toda população, a qual,
com o tempo, maior acesso à informação, e em consonância com o grau de
evolução alcançado, dia-a-dia, passa a conhecer cada vez mais suas
prerrogativas e pugnar, bem assim, pela sua observância. Destarte, o maior
conhecimento do teor de leis e diplomas diversos, somado ao fato de a
população passar a exigir-lhes aplicação, como jamais se tinha tido notícia
(de maneira inopinada e muito rapidamente), acabou por contribuir como
não poderia ser diferente, para assoberbar e atravancar ainda mais o nosso
65
Alguns dados foram anotados no item 3.1, ao qual recomendamos leitura.
84
judiciário, que não estava e ainda está longe de estar preparado
estruturalmente para tamanha demanda e influxo de novos processos, de
cidadãos que passam a exigir respeito aos seus direitos e acabam
descobrindo, conseguintemente, um sistema arcaico, excessivamente
burocrático e arraigado em premissas e formalismo incompassíveis com o
hodierno ideal de Justiça. (LIMA, 2007, p. 312).
Outra causa da morosidade está relacionada à precária instalação dos
fóruns e à falta de equipamentos eletrônicos aliadas à pequena quantidade de
juízes66 e de serventuários da Justiça, além do crescimento do número de ações.
A depender da postura adotada, o modus operandi67 do juiz pode ensejar a
morosidade da Justiça. É que alguns, por vezes, apegam-se a formalismos
exagerados, rigorismos desnecessários e destituídos de qualquer propósito, o que,
por consectário, ceifa o acesso ao Judiciário (LIMA, op. cit. p. 313).
Os juízes possuem poderes imensuráveis nas mãos; se mal utilizado, o
poder que lhe fora conferido com o objetivo de proporcionar aos cidadãos a justa
aplicação da lei causa prejuízos irreparáveis. Não se trata de exigir dos juízes a
perfeição, afinal de contas, são seres humanos passíveis de falha, entretanto, é
comum que os equívocos cometidos no exercício da função judicante, cuja culpa é
sempre colocada na carga de trabalho, em verdade, por vezes, decorrem da
negligência e prepotência de alguns. Posturas inflexíveis, insensíveis às reais
necessidades das partes e demasiadamente dogmáticas, apegadas ao rigorismo
científico e legal, certamente ensejarão um número maior de recursos e incidentes
processuais, o que alonga ainda mais o deslinde da controvérsia.
66
Em 2008, segundo dados estatísticos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a média de juízes –
na Justiça estadual – para cada 100.000 habitantes era de 5,9%. No total, eram 11.108 magistrados
para uma população de 189.600.000. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Departamento de
Pesquisas Judiciárias. <Disponível em: http://www.cnj.jus.br>. Acesso em 06 julho, 2009.
67
Moreira destaca que as deficiências técnicas na aplicação da norma tornam-se fonte de desgraça.
Destaca que os juízes não manejam com destreza, dispositivos previstos no Código de Processo
Civil, como, por exemplo, o que estabelece o indeferimento da petição inicial (art. 295 do CPC) ou a
extinção do processo no estado em que se encontra (art. 329 do CPC), e que podem tornar o
procedimento mais célere e efetivo. Comenta que a competência é outra causa obstativa da
efetividade do processo. É que as incertezas sobre competência traduzem-se em conflitos positivos e
negativos ou exceções rituais, atrasando um processo por anos. O despreparo dos julgadores em
matéria de ônus da prova pode acarretar as partes litigantes, danos processuais irreparáveis. Há,
ainda, a confusão entre preliminar de mérito, seja no julgamento da causa ou no julgamento do
recurso. “Neste ensejo, todavia, o que acima de tudo importa é denunciar a falsa idéia de oposição
entre o empenho da efetividade e convivência com a boa técnica. Os exemplo figurados que
poderiam se multiplicar ad infinitum, demonstram que efetividade e técnica não são valores
contrastantes ou incompatíveis, que dêem origem a preocupações reciprocamente excludentes,
senão, ao contrário, valores complementares, ambos os quais reclamam a nossa mais cuidadosa
atenção. Demonstram também que técnica bem aplicada pode constituir instrumento precioso a
serviço da própria efetividade” (MOREIRA, 2004, p. 28).
85
Sobre a postura do juiz e o acesso à Justiça, Nalini aduz que:
[...] Ainda vigora o postulado axiomático de que o Judiciário é órgão
inerte, servil à lei, cuja elaboração não deve participar, para não usurpar
funções e de que contrariá-la importa em desestruturação da segurança
jurídica. Resignar-se o magistrado com essa orientação ortodoxa pode
equivaler a converte-se em agente significativo de deterioração do Poder
Judiciário. Depois de investir considerável montante de recursos na
formação de juiz, remunerando-o de forma que considera mais condigna,
lícito à nacionalidade nutrir expectativa de comportamento mais dinâmico:
não o inerte observador da realidade, mas agente de sua transformação. E
transformar o mundo tem início na transformação da consciência individual.
É no mundo minúsculo em que atua cada julgador que pode começar a
gigantesca revolução do verdadeiro acesso à Justiça. Ainda não obtenha o
juiz ressonância concreta às suas propostas de reformulação legislativa,
pode ele deflagrar saudável processo inovador, na busca de atender maior
número de pessoas que precisam da Justiça, a partir de um ajuste de rumos
na sua atuação individual (NALINI, 1994, p. 52).
Deste modo, o juiz pode ser agente fundamental no combate à morosidade
da Justiça se adotar posturas arrojadas e fundadas, sempre, na tutela dos direitos e
garantias fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988. Como lembra
Nalini:
O juiz integra uma carreira e exerce uma função. Ao ser nomeado
integrante do Poder Judiciário, assume certos deveres indeclináveis, dos
quais os principais estão contidos em normatividade constitucional e
infraconstitucional. Dentre os deveres funcionais do magistrado, alguns
concernem diretamente à garantia do acesso à Justiça. Resulta que da
mera observância de sua disciplina judiciária, assegurará o juiz a certeza do
ingresso à ordem jurisdicional justa, desnecessária nesse ponto qualquer
reforma legislativa. (NALINI, Idem, p. 66)
As leis de péssima qualidade, no aspecto semântico ou no aspecto ético
introduzidas no ordenamento jurídico, causam a morosidade da Justiça. Um fator
que justifica essa situação é a heterogeneidade de classes e segmentos da
sociedade no Congresso Nacional, que, de regra, não estão juridicamente
capacitados para legislar. Demais disso, há leis que são elaboradas em total
descompasso com os anseios da sociedade e veiculam obrigações e deveres
injustos, fazendo com que o Poder Judiciário atue para distribuir Justiça de modo
86
adequado. Destaca-se, também, a omissão do Legislativo na regulamentação de
matérias relevantes e de crucial interesse para a sociedade, ensejando um volume
demasiado de demandas no Poder Judiciário ou um número abusivo de medidas
provisórias editadas pelo Poder Executivo.
Com razão quando diz que:
[...] se o legislador cumpre o seu papel fazendo a lei e faz em
conformidade com os anseios do substrato social que representa, além de
se permitir com mais facilidade o acesso à ordem jurídica justa, economizase a atividade legisladora residual do executivo e a interpretação nem
sempre suficiente do juiz, para o atendimento das necessidades sociais,
sobretudo em um país como o Brasil em que os tribunais, especialmente os
tribunais superiores, são larga maioria, compostos de magistrados de
postura dogmática sempre prontos a interceptar qualquer interpretação mais
arrojada e mais sociológica. (LIMA FILHO, op. cit. p. 309-310).
O Poder Executivo, assim como o Legislativo, contribui para que o Judiciário
seja moroso. Segundo pesquisa realizada pelo Superior Tribunal de Justiça, grande
parte das demandas judiciais em trâmite tem como parte a União Federal, suas
autarquias, fundações e empresas públicas68. O excesso de demandas ajuizadas
em face da União se explica por fatores como: “[...] edição de leis inconstitucionais,
68
“A União é a campeã no ranking das 20 mais processadas no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Um levantamento inédito produzido pela Seção de Sistema Processantes revelou que, num período
de 15 anos, ou seja, desde a criação do STJ, chegaram a este Tribunal 202.676 processos tendo
como ré a União. Se levarmos em conta que as 20, empresas privadas ou instituições, respondem
por 401.079 ações, a participação da União nesse bolo corresponde a 50,53%. Na outra lista deste
balanço, que retrata as instituições ou empresas que mais demandaram junto ao STJ, a liderança fica
por conta da Caixa Econômica Federal (CEF). Em igual período, a Caixa propôs 346.799 ações, o
que representa 45,55% dos 761.273 processos que aportaram no STJ. O ranking das 20 empresas
ou instituições que mereceram processos é composto de bancos, governos estaduais, tribunais de
Justiça, ministério público. O mesmo ocorre na relação dos 20 maiores demandantes. De acordo com
as informações obtidas junto à base de dados do STJ, em uma década e meia de atividade,
chegaram ao Tribunal 1.487.000 ações. A soma desses dois rankings atinge 1.162.404 processos.
Ou seja, 78,17% das demandas estão concentradas em 23 empresas e instituições que na lista
podem estar com rés ou como autoras das ações. Para se ter uma idéia do tamanho desse gargalo, o
banco de informações contempla 1,2 milhão de partes. Segundo informações técnicas, é possível que
esse cadastro de autores de ações seja menor, já que não se descarta a repetição dos autores com
grafias diferentes. Há estimativa de que esse número seja reduzido para cerca de 400 mil
demandantes. Se a União e a Caixa são as campeãs de processos, o INSS aparece em segunda
colocação nas duas listas desse ranking. A Previdência Social responde por 56.098 ações e propôs
169.851 processos. A Brasil Telecom, operadora de telefonia fixa, figura em 11º no ranking das que
tiveram maior quantidade de processos. A empresa responde a 5.025 ações. O balanço foi divulgado
por determinação do presidente do STJ, ministro Edson Vidigal. Os técnicos do setor que produziu
esse balanço alertam para o fato de que muitas dessas ações podem ter sido concluídas. Isso se
deve ao fato de que o levantamento tratou de uma base que vai desde a instalação do STJ até os
dias atuais [...]”. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. União lidera ranking das 20 mais
processadas no STJ. Disponível em http://www.stj.jus.br. Acesso em: 11 julho, 2009).
87
sucessivos planos econômicos e medidas fiscais, crise econômica e política,
medidas lesivas aos interesses dos cidadãos e crise geral do sistema processual69”.
Lembra-se, ainda, dos privilégios processuais, como prazo em quádruplo para
contestar e em dobro para recorrer, dentre outros, que acabam por atravancar a
marcha processual, além dos precatórios, que configuram nítido calote público.
A advocacia deve ser lembrada quando o assunto é a duração do processo.
Eis outra causa da morosidade da Justiça: a postura dos advogados em relação ao
processo e ao sistema processual.
Embora sejam críticos ferrenhos da magistratura e do modus operandi dos
juízes, os advogados esquecem que praticam atos processuais aptos a agravar a
demora na prestação jurisdicional. Algumas posturas devem ser pontuadas: a
interposição de recursos desnecessários, protelatórios, desarrazoados; incidentes
processuais incabíveis; produção de provas que em nada contribuem para o
deslinde da controvérsia, são algumas das várias condutas processuais que obstam
a prestação da tutela jurisdicional em tempo razoável.
Como ressalta Lima:
Outro fato digno de relato, e que inegavelmente também contribui com a
crise do judiciário, e que os causídicos, no exercício de seu ofício, nem
sempre resistem a tentação de usar todos os meios ao seu alcance, lícitos
ou antijurídicos que sejam, para procrastinar o desfecho do processo. Entre
eles, sem grande esforço, é possível enumerar alguns: os autos retirados de
cartório deixam de voltar a cartório no prazo legal; criam-se incidentes
processuais infundados; apresentam-se documentos fora da oportunidade
própria; interpõem-se recursos, cabíveis ou incabíveis, contra todas as
decisões desfavoráveis, por menos razão que se tenha para impugná-las; e
assim por diante. (LIMA, op. cit. p. 319).
Ademais,
verifica-se
que
os
cursos
jurídicos
formam
advogados
razoavelmente aptos a litigar em juízo, quase desconhecendo meios alternativos de
solução dos conflitos porque ainda hoje se difunde a idéia de que os conflitos de
interesse devem ser resolvidos pelo Estado, rechaçando por completo a forma
alternativa e plural de solução. Nesse ponto, a Ordem dos Advogados do Brasil
exerce papel fundamental de conscientização dos profissionais, uma vez que o
69
PORTAL DA JUSTIÇA FEDERAL. A visão interna da Justiça Federal. <Disponível em:
http://www.justicafederal.jus.br>. Acesso em: 11 julho, 2009.
88
advogado pode perceber remuneração a título de honorários participando de
atividades ligadas a arbitragem, mediação e conciliação.
Por fim, embora outras causas pudessem ser destacadas, é preciso tecer
comentário ao sistema processual civil brasileiro. Críticas austeras, mas, pertinentes,
têm sido formuladas quando se trata de analisar o sistema processual à luz da
duração do processo. Por todas, a de Rocha merece atenção:
Não basta, contudo, que assegure o acesso aos órgãos prestadores da
jurisdição para que se tenha por certo que haverá estabelecimento da
situação de Justiça na hipótese concretamente posta a exame. Para tanto, é
necessário que a jurisdição seja prestada – como os demais serviços
públicos – com a presteza que a situação impõe. Afinal, às vezes, a Justiça
que tarde, falha. E falha exatamente porque tarda. Não se quer Justiça do
amanhã. Quer-se Justiça hoje. Logo, a presteza da resposta jurisdicional
pleiteada contém-se no próprio conceito do direito-garantia que a jurisdição
representa. A liberdade não pode esperar, porque, enquanto a jurisdição
não é prestada, ela pode estar sendo afrontada de maneira irreversível; a
vida não pode esperar porque a agressão ao direito à vida pode fazê-la
perder-se; a igualdade não pode aguardar porque a ofensa a este princípio
pode garantir a discriminação e o preconceito; a segurança não espera, pois
a tardia garantia que lhe seja prestada pelo Estado terá concretizado o risco
por vezes com a só ameaça que torna incerto todos os direitos. Esta é a
primeira abordagem que se faz presente quando se tecem observações
sobre a eficiência da prestação jurisdicional: a melancólica lentidão que a
tem marcado. A morosidade da prestação jurisdicional tem frustrado
direitos, desacreditado o Poder Público, especialmente o Poder Judiciário, e
afrontado indivíduos (ROCHA, op. cit. p. 37).
A questão é a de conciliar dois pólos distintos: segurança versus celeridade,
como pondera Gama:
O processo, como é evidente, não pode ser instantâneo, devendo contar
com um prazo razoável para a produção das provas, as quais vão formar o
convencimento do juiz. A problemática toda está no fato de o prazo passar
do razoável, assumindo dimensões absurdas e, por conseqüência, oferecer
uma solução não funcional. As mudanças estão tomando corpo e tentando
reestruturar o sistema processual brasileiro, contudo, em nome da
segurança da decisão, muitos empecilhos estão difíceis de serem
superados. O conceito de segurança forma-se em torno do acerto da
decisão firmada em bases probatórias sólidas. Não se trata aqui da
segurança jurídica no sentido de estabilidade social, mas no de infalibilidade
da decisão. A segurança opõe-se frontalmente à efetividade. Enquanto esta
tem por fim um processo apto a resolver litígios, a segurança está voltada a
indefectibilidade. De um lado, a efetividade autoriza a adoção de
determinada tutela diferenciada e, de outro, a segurança a reprova. Na
tutela antecipada do modelo nacional, a exigência da reversibilidade
89
constitui um resquício de segurança e a medida, em si considerada, decorre
da tentativa de tornar o processo mais efetivo. Com o retardamento, o
processo, que deveria servir como meio assecuratório do direito ameaçado
ou lesado, passa a ser uma arma nas mãos do réu. Aliás, contra o titular do
direito, a arma predileta decorre do próprio processo em favor do réu, que
deveria submeter-se a vontade daquele. Como a largueza do prazo de
duração do processo não é boa para reparar a lesão ou evitar que ela
ocorra, a brevidade do processo também não o é. Todos se deram conta da
necessidade de encontrar um meio-termo, o qual possibilite a combinação
da efetividade com a segurança em doses conciliáveis. (GAMA, 2002, p. 2324).
É que o processo é uma experiência que se inicia com a propositura da
demanda e que deve atingir suas finalidades, de declaração ou satisfação do direito,
no menor espaço de tempo possível. Entretanto, o fenômeno da produção da
prestação jurisdicional se constitui numa atividade que demanda tempo. A produção
de provas exige designação de audiências, convocação de testemunhas e das
partes; a complexidade para a produção da prova pericial dilata a história do
processo. Por outro lado, deve se reservar oportunidade às partes de produzirem e
sustentarem, também, os fundamentos de direito sobre os quais assentam suas
pretensões (CICHOCKI NETO, op. cit. p. 166).
É certo que as reformas processuais realizadas ao longo dos anos
contribuíram para tornar o processo mais justo e mais efetivo, embora, a nosso ver,
a edição de novas leis ou a reformulação das já existentes não é a via mais
adequada para se resolver o problema da morosidade e do acesso à Justiça.
Os reclamos pela efetividade do processo ensejaram a positivação do
princípio da razoável duração do processo70, acrescido à Constituição pela EC n.
45/200471, na tentativa de impedir que a Justiça tardia não se converta em injustiça
(BULOS, 2005, p. 397).
Em verdade, aludido princípio não precisaria estar expresso, pois, decorria
da interpretação implícita de outros princípios já estabelecidos na Carta Maior, como
o do devido processo legal e do acesso à Justiça.
70
Rodrigues (op. cit. p. 266-267) comenta que o princípio da razoável duração do processo vale no
âmbito judicial e administrativo e contém duas normas: a) proporcionar a razoável duração do
processo; b) proporcionar meios que garantam a celeridade processual. Ambas possuem duplo
direcionamento: a) estabelecer direitos fundamentais que podem ser exigidos por qualquer cidadão;
b) estabelecer uma ordem dirigida ao Poder Público para que garanta o direito à prestação
jurisdicional em um prazo razoável e crie meios necessários para que isso efetivamente ocorra.
71
Art. 5º, LXXVIII: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração
do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
90
Citado princípio objetiva frisar que a tutela jurisdicional para ser efetiva,
adequada e eficaz deve ser prestada em tempo razoável, consoante expõe Abreu:
Para assegurar a efetividade do processo, tal princípio tem por objetivo
uma economia de custo e tempo, buscando a obtenção de um melhor
resultado. A finalidade é proporcionar uma Justiça rápida e econômica,
tanto para as partes como para o Estado, atendendo aos valores
constitucionais em uma perspectiva concreta e não apenas formal,
oferecendo soluções justas, efetivas e tempestivas. (ABREU, 2008, p. 88).
No entanto, o conceito de “tempo razoável” é vago e aberto, e, na verdade,
depende muito das peculiaridades do caso concreto. Significa o tempo previsto pela
lei para a prática de determinado ato processual, e o tempo médio despendido para
cada espécie de processo em concreto.
Conclui-se que a soma dos fatores aduzidos acarreta demandas que se
estendem por anos a fio, e torna o processo um fim em si mesmo já que quando a
sentença de mérito é proferida o direito das partes, por vezes, já sucumbiu ao
tempo. Tais causas obstam a plenitude do acesso à ordem jurídica justa e devem
ser alvos de políticas públicas do Poder Judiciário aptas a combater o dilema da
morosidade da Justiça.
Não basta, apenas, reformar a legislação; é preciso que o legislador formule
leis em consonância com as reais necessidades e anseios da sociedade, sempre
tendo em vista o dinamismo das relações sociais, e que a omissão legislativa
acarreta a morosidade processual.
Ademais, é preciso uma profunda e séria mudança de postura do Executivo,
cliente quase absoluto do Poder Judiciário, que infla ainda mais os fóruns federais e
estaduais com demandas desnecessárias.
Os advogados, eternos inconformados com o modus operandi dos juízes,
precisam continuar a questionar a postura destes frente aos processos que atuam,
mas, também é preciso concentrar o foco de suas críticas na omissão da Ordem dos
Advogados do Brasil, órgão dotado de força suficiente para proporcionar mudanças
positivas na atual conjuntura do Poder Judiciário. A OAB, por sua vez, deve deixar
de ser “trampolim” para o quinto constitucional e deve atuar de forma a compelir os
Poderes instituídos a obedecer a Constituição Federal e as leis deste País. Ademais,
91
incumbe ao advogado adotar atitudes no processo que contribuam para a razoável
duração deste. Certamente, se deixar de suscitar incidentes processuais infundados
ou de interpor recursos descabidos sentirá abissal diferença no lapso temporal entre
a propositura da ação até a sentença.
A excessiva duração do processo ofende a igualdade, pois prejudica a parte
mais fraca da relação processual, tornando-se fonte de injustiça e exclusão social. O
acesso à ordem jurídica justa somente será concretizado na medida em que o
problema da duração do processo restar vencido.
Atento a questão da morosidade da Justiça, Cappelletti observou:
Apenas es del caso reafirmar que la duración excesiva del proceso es
naturalmente un fenômeno que causa factores de desigualdad y que no es
considerada solamente desde un punto de vista de eficiencia (o ineficiencia)
funcional y organizativa. La duración excesiva es fuente de injusticia social,
porque el grado de resistência del pobre es menor que el grado de
resistência del rico; este último, y no el primero, puede normalmente esperar
sin daño grave una justicia lenta, o recurrir a costosos arbitrajes (tal vez en
el extranjero). Un proceso de larga duración favorece, em suma, en general,
a la parte rica en desmedro de la parte pobre. (CAPPELLETTI, 1974, p.
135).
A morosidade estrangula direitos fundamentais do cidadão. E o pior é que,
em muitas vezes, é opção dos próprios detentores do poder. Realmente a
efetividade do processo caminha na razão proporcional inversa ao uso arbitrário do
poder. Falta, na verdade, vontade política para redução da demora processual. Ela é
fator extremamente estimulante para a descrença do povo na Justiça. Não são raras
as vezes em que o cidadão comum se vê desestimulado a recorrer ao Poder
Judiciário por conhecer a sua lentidão.
3.2.3 O problema cultural: o reconhecimento dos direitos
Não são apenas as questões econômicas ou sociais que limitam o acesso à
Justiça. A questão cultural também é fator de limitação já que grande parte dos
cidadãos não reconhece seus direitos assegurados pelo ordenamento jurídico
92
vigente. Aliás:
É intuitivo que, em um país pobre como o Brasil, pouca gente conheça
seus direitos, e menos ainda como exercê-los. A democratização da Justiça,
na verdade, deve passar pela democratização do ensino e da cultura, e
mesmo pela democratização da própria linguagem, como instrumento de
intercâmbio de idéias e informações. (MARINONI, op. cit. p. 48).
Em primeiro lugar, não se pode olvidar as diferenças regionais existentes
neste imenso Brasil. Algumas regiões, como Sul e Sudeste, são extremamente
desenvolvidas e sua população tem maior acesso à educação. Não é assim, no
entanto, nas regiões Norte e, notadamente, Nordeste, onde é sabido que a
população tem pouco acesso a bens primários como saneamento e energia
elétrica72. O subdesenvolvimento com as suas sequelas, como o analfabetismo,
ignorância, entre outras, campeia com maior ou menos intensidade nos variados
quadrantes do Brasil. Assim, o acesso à Justiça não chega a ser reclamado por
desconhecimento de direitos (MARINONI, Idem, 36).
Em segundo lugar, é sabido que os cidadãos desconhecem seus direitos
mais elementares, ignorando, por óbvio, os instrumentos processuais aptos à tutela
e proteção de direitos.
A propósito:
A complexidade da nossa sociedade faz com que mesmo as pessoas
dotadas de maiores recursos tenham dificuldades em entender as normas
jurídicas. As legislações sucedem-se de forma rápida e tornam-se a cada
dia mais herméticas. Esse hermetismo pode ser fruto de uma intenção de
72
Segundo dados do IBGE, no ano de 1999, na região Norte apenas 57,5% das pessoas de cor preta
e parda possuíam água canalizada e rede geral de distribuição, enquanto apenas 12,7% possuíam
sistema de esgoto e fossa séptica. Na mesma região, entre os brancos, 68,6% possuíam água
canalizada e rede geral de distribuição, enquanto 19,2% possuíam esgoto e fossa séptica. Na região
Nordeste, entre os pretos e pardos, 55,1% possuíam água canalizada e rege geral de distribuição,
enquanto apenas 19,8% possuíam esgoto e fossa séptica. Na mesma região, entre os brancos,
66,7% possuíam água canalizada e rede geral de tratamento, enquanto 28,7% possuíam esgoto e
fossa séptica. Em cotejo com a região Sudeste, verifica-se então que há grande disparate: nesta,
90% dos brancos e 82,5% dos pretos e pardos possuíam água canalizada e rede geral de
distribuição, enquanto 83,9% dos brancos e 71% dos pretos e pardos possuíam esgoto e fossa
séptica. (Fonte: Pesquisa nacional por amostra de domicílios 1999 [CD-ROM]. Microdados. Rio de
Janeiro: IBGE, 2000. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE.
Domicílios por condição de saneamento segundo a cor da pessoa de referência - 1999.
<Disponível em: http://www.ibge.gov.br>. Acesso em 14 julho, 2009).
93
impedir que muitos tenham acesso crítico à legislação, o que faz com que
as normas fiquem muitas vezes distantes da realidade social. A verdade,
contudo, é que as pessoas de baixa renda são as mais violentadas pela
questão que ora nos ocupa. Muitas estas pessoas percebem a existência de
problemas, intuindo uma agressão, mas não conseguem configurá-los como
de natureza jurídica. Algumas vezes, por supor uma morosidade excessiva
da Justiça, o cidadão pobre deixa de recorrer ao Poder Judiciário visando a
proteção ao seu direito. Em outras ocasiões, pela mesma razão ou ainda
por não supor que seu direito pode ser reparado, o pobre deixa de exigir a
reparação a que tem direito. (MARINONI, op. cit. p. 36).
O problema do reconhecimento de direitos transita pela crise do acesso à
informação, de acordo com Morello:
El acceso cierto a la información constituye la verdadera entrada a la
posición o emplazamiento de casa uno. Es la guía de los derechos com que
se cuenta y, fundamentalmente, de sus limites. De lo que puede usarse y
ejercerse, o reclamarse de aquello outro que, por ser abusivo o disfuncional,
deja de merecer la sombrilla protectora del Derecho. Y lamentablemente de
cuanto, por ignorancia e desconocimiento, no se ejerce, reclama ni proteje.
(MORELLO, 1988, p. 166).
Sem conhecer seus direitos, o indivíduo fica privado de participar dos
assuntos mais relevantes da vida em sociedade, tendo por mitigado o direito à livre
expressão. De fato, como menciona Marinoni:
A questão que deve ser colocada, em verdade, é a de que o pobre, para
ser cidadão, ou melhor, para ser cidadão participante no mundo em que
vive, agente da história e responsável pela mesma, deve ser efetivamente
orientado e informado sobre os seus direitos. O cidadão, em uma sociedade
verdadeiramente democrática, deve conhecer e poder exercer os seus
direitos independentemente de óbices de ordem econômica. Na realidade, o
direito à informação é corolário do direito à livre expressão. E o direito de
acesso á Justiça pressupõe o direito à informação a respeito da existência
de direitos. O acesso à Justiça, pois, num enfoque mais amplo, representa
exercício da liberdade de expressão, passando o processo a constituir
verdadeira via de participação democrática, que obtém realce nos casos de
legitimação para a ação popular e para a tutela dos interesses supraindividuais. (MARINONI, Idem, p. 37).
Nessa linha, a ausência de informação a respeito de direitos viola o acesso à
ordem jurídica justa, pois não se pode acessar o que não se conhece e nem se pede
94
proteção sem a consciência de poder ser protegido.
Os meios de imprensa exercem papel importante quando se trata de
informar os cidadãos sobre seus direitos (MORELLO, op. cit. p. 170). Entretanto, a
par desse enfoque, é necessário delimitar que o acesso à informação somente
restará concretizado quando dois pontos distintos, embora convergentes, forem
solucionados. O primeiro se refere ao direito de informação. Este é considerado
direito fundamental, universal, inviolável e inalienável do homem moderno, conforme
lembra Morello (Idem, p. 172). Assim, cada cidadão pode – e deve – exigir do
Estado informações de seus direitos e de como exercê-los em uma situação
particular. Nesse sentido:
Cada ciudadano dentro del espectro, continuamente ensanchado, de las
prerrogativas que con efectividad enuncia y reconece la sociedad de
nuestro dias, es titular – o lo que es lo mismo, está legitimado con relación
al mismo Estado – para exigir el acceso al grupo general de aquella
información que le permite situarse respecto a cuáles son sus derechos em
uma situación convivenvial particular y en la que está enclavado por
soportarse en ella, derecho y obligationes que los otros – el próprio Estado,
lãs corporaciones e entidades intermédias y no solo, econômicas, los
terceros directa o reflejamente vinculados em la dinâmica de tráfico – deben
respetar aún por relaciones de hecho o que se llevan a cabo por simple
adhesión o, al fin, además, por la razón de formar parte de um grupo,
categoria o sector social. (MORELLO, Idem, 170-171).
Por outro lado, o segundo ponto refere-se exatamente ao dever do Estado
de informá-los de maneira adequada sobre os direitos que a lei lhes confere,
independentemente de sua condição econômica, social e cultural. Nas palavras de
Morello:
II) El deber de información. Está a cargo del Estado, el que, dentro del
mecanismo funcional em la República moderna, de bases democráticas, há
de abastecer em forma adecuada, permanente, puntual, según la
diversificaciones socioeconômicas y culturales. (MORELLO, Idem, p. 174).
No âmbito do direito à informação, Rodrigues (op. cit. p. 254-255) aponta
três elementos merecedores de destaque: a) o sistema educacional; b) os meios de
comunicação; c) a quase inexistência de instituições responsáveis pela prestação de
95
orientação para direitos (assistência jurídica preventiva e extrajudicial).
A educação é essencial para a formação política e intelectual de cidadãos,
pois através desta o indivíduo é conscientizado a respeito de seus direitos e
deveres. Aquele que não tem acesso ao ensino fundamental, médio ou superior é
violado em sua cidadania plena73. Mazzuoli, em interessante obra sobre direitos
humanos e cidadania, assinala que somente a educação política propulsiona a
prática da reivindicação de direitos e, consequentemente, a consolidação da
cidadania (2002, p. 119-120). E segue: “A tarefa de implementar direitos humanos
através da educação é, assim, dever de todos – cidadãos e governo”. (MAZZUOLI,
Idem, p. 122).
A educação brasileira encontra-se falida e passa por uma crise de
dimensões profundas. Os aviltantes salários pagos aos professores, principalmente
do ensino fundamental, são vexatórios e indignos se levada em consideração a
importância de seu papel na sociedade. Além disso, os investimentos destinados ao
setor educacional pelo Poder Público não são suficientes para atender a demanda;
pouco se investe na pesquisa e extensão. Ademais, as estruturas física e humana
das escolas e universidades da rede pública são lastimáveis. Não bastasse,
milhares de crianças estão nas ruas, submetidas ao trabalho escravo, à prostituição
e às drogas, quando deveriam estar na escola.
No Brasil, como já dito anteriormente, estima-se que 13,3% da população
composta por homens e mulheres com mais 15 anos ou mais de idade seja
analfabeta74, o que delimita a problemática em que deve atuar o Estado a fim de
solucionar a questão do acesso à Justiça.
O sistema educacional, numa sociedade complexa e difusa como se
apresenta a sociedade contemporânea, tem duplo papel no que se refere ao acesso
à Justiça.
Em primeiro lugar, identifica e divulga quais são os direitos fundamentais dos
indivíduos e quais instrumentos processuais servem para tutelá-lo; por outro lado, é
responsável pela formação cidadã.
73
Art. 205, CF/88: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
74
Fonte: Pesquisa nacional por amostra de domicílios 1999 [CD-ROM]. Microdados. Rio de Janeiro:
IBGE, 2000. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Taxa de
analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade. <Disponível em:
http://www.ibge.gov.br>. Acesso em 14 julho, 2009).
96
A educação para a cidadania passa pelo conhecimento dos direitos
individuais e pela consciência dos direitos dos outros, cuja violação desencadeará o
uso de mecanismos estatais de solução de conflitos, incluindo a força legítima.
Apesar dos avanços e preocupações com o sistema educacional nos últimos anos,
ainda se está muito longe de atingir esses objetivos (RODRIGUES, 2008, op.cit. p.
254-255).
No que se refere aos meios de comunicação, a televisão destaca-se como o
instrumento mais ágil e eficaz para atingir a maioria da população, embora não
exclua outros como jornais, revistas e internet. A propósito, é de se ponderar que os
meios de comunicação não têm atuado de maneira adequada, ou seja, de modo a
contribuir para o aprimoramento da informação e da educação no País. Basta
verificar a qualidade e nível dos programas transmitidos em canais abertos,
normalmente com forte apelo sensual ou sensacionalista, e que em nada
acrescentam, servindo apenas para enriquecer os detentores das grandes empresas
exploradoras do ramo.
Por fim, a terceira questão referente ao acesso à informação é a da
inexistência ou insuficiência das instituições oficiais responsáveis pela orientação
para os direitos75. O acesso à Justiça pressupõe o conhecimento por parte do
cidadão dos seus direitos. Sem a existência de instituições que possam ser
consultadas pela população, ou que tenham condições estruturais de atender a
todos de que dela necessitarem sempre que houver dúvidas jurídicas sobre
determinadas situações de fato, a possibilidade de plena efetividade do Direito se
torna acanhada (RODRIGUES, 2008, Idem, p. 255).
É de se reputar o desconhecimento de direitos como uma das limitações
mais graves do acesso à Justiça. Aquele que não conhece seus direitos encontra-se
excluído; é “não-cidadão”, pois a educação é pressuposto da cidadania. O indivíduo
que não os conhece é facilmente manipulado e mantido em erro pelos detentores do
poder. Assim, nunca haverá condições de se romper o jugo desigual das relações
jurídicas em que sempre prevalece os interesses dos mais poderosos, normalmente
juridicamente bem assessorados.
Embora os juristas e o Poder Judiciário envidem esforços para solucionar o
75
A atribuição de orientar as pessoas necessitadas é da Defensoria Pública, conforme estabelece o
art. 134, caput, da Constituição Federal: “A Defensoria Pública é instituição essencial á função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos
necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV”.
97
problema, pouco adiantará se ausente a vontade política do Executivo e Legislativo.
A educação, no Brasil, somente entrará nos eixos quando se tornar uma política
pública prioritária dos governantes e não apenas plataforma política, promessa
eleitoreira, morta e enterrada após as eleições.
Desse modo, considerando que acesso à Justiça, educação e cidadania
caminham juntas, é certo que as limitações não são de índole meramente jurídica
como já salientado anteriormente, e a solução certamente amadurecerá daqui a
muitos anos.
Nessa linha, a regra jurídica de que “ninguém se escusa de cumprir a lei,
alegando que não a conhece” deve ser mitigada e aplicada de acordo com a
condição social e econômica das partes, sob pena de se cometer injustiça flagrante.
3.2.4 A questão psicológica
O cidadão pobre, mais humilde, sente-se intimidado em procurar a Justiça
por medo, desconfiança, ignorância, falta de condições econômicas, etc. Encontra
dificuldades de toda sorte para contratar advogado, pois tem a falsa concepção de
que referido profissional está à disposição apenas dos ricos. Não bastasse, precisa
esperar anos a fio para obter um pronunciamento jurisdicional.
Alguns fatores psicológicos, inibidores do acesso à Justiça, podem ser
elencados. Vejamos.
É fato: a imagem do Poder Judiciário perante o cidadão brasileiro encontrase deveras desgastada e o descrédito enseja o distanciamento desse cidadão, que
passa a solucionar seus conflitos através de métodos não-jurisdicionais. Por esta
razão, Rocha ponderou o seguinte:
Os cidadãos que não exercem o direito à jurisdição, por dele não
saberem, ou nele não acreditarem como faculdade indisponível, têm criado,
contudo, neste final de século, um direito extra-oficial, que não depende da
jurisdição estatal, mas que é uma ‘jurisdição paraestatal’, significando o
retorno à fase bárbara da Justiça pelas próprias mãos [...]. Têm-se criado,
assim, ‘sistemas paralelos extra-oficiais de direito’ nos quais os conflitos são
resolvidos pelas pessoas em seus próprios grupos não-institucionalizados
em sem qualquer ingerência das instituições estatais. À parte a
circunstância de haver uma tendência social atual para que os conflitos
98
sejam solucionados de forma mais leve e concertada entre os próprios
grupos sociais interessados sob a condução do Estado, despojando-se a
pessoa pública das formalidades e dos rigorismos absolutos anteriormente
adotados, é certo que arrisca-se a ver surgir, neste momento, ‘uma
jurisdição extra-oficial e paraestatal’, representando a criação de ‘sistemas
também extra-oficiais de direito’, que podem conduzir a um embate entre o
Estado e os grupos que se estabeleceram com estas ‘ordens normativas
autônomas’ com graves conseqüências para a sociedade estatal. O suicídio
das civilizações – já o disse antes – começa pelo descrédito da sociedade
na idéia de Justiça que nela predomina e na crença na possibilidade de sua
prestação, conforme juridicamente previsto, pela pessoa política estatal.
(ROCHA, op. cit. p. 35).
Prometendo ao cidadão tomar conhecimento de sua queixa, o Estado se
compromete a lhe prestar Justiça, ou seja, ouvir e decidir o que foi pedido, dando
resposta através de seus órgãos à controvérsia ou dúvida formulada, cuja solução
foi subtraída à lei do mais forte e à Justiça pelas próprias mãos (SILVA, op. cit. p.
256).
Na medida em que falha na tutela dos direitos ameaçados ou lesionados por
outrem, o Estado corrobora a opinião maciça da população de que o acesso à
Justiça é ainda para muitos uma utopia. Compreende-se, por isso, a importância da
jurisdição no Estado contemporâneo: ela é o instrumento de afirmação do
ordenamento jurídico, ou seja, das normas de conduta que o Estado julgou
importantes e imprescindíveis para organizar a vida social, erigindo-as em atos
normativos de cumprimento obrigatório. Por outro lado, é o instrumento de
reivindicação pelo qual, com base neste ordenamento, o indivíduo pleiteia os direitos
que lhe são garantidos. Se estas normas não são cumpridas e se o Estado, que
prometera a prestação jurisdicional, não as faz cumprir, há um colapso, embora
parcial, de incidência do ordenamento jurídico (SILVA, Idem, p. 256).
Outra falsa idéia incutida na mente dos cidadãos, principalmente dos menos
favorecidos, é a de que os juízes são pessoas intocáveis, inacessíveis, não
pertencentes a sua realidade. Infelizmente há um fundo de verdade neste
pensamento, pois, alguns magistrados adotam atitudes repreensíveis e que
contribuem para o distanciamento do cidadão na busca pelo acesso à Justiça76.
76
“No dia 13 de junho de 2007, o juiz Bento Luiz de Azambuja Moreira, da 3ª Vara do Trabalho em
Cascavel, interior do Paraná, recebeu para uma audiência o trabalhador rural Joanir Pereira e o
representante da empresa onde ele era empregado para conduzir um acordo em uma ação
trabalhista. Quando notou que o trabalhador calçava chinelo, o magistrado suspendeu a sessão. O
motivo foi cravado na ata do fórum: ‘o juízo deixa registrado que não irá realizar esta audiência, tendo
em vista que o reclamante compareceu em juízo trajando chinelo de dedos, calçado incompatível
99
Conforme Marinoni (op. cit. p. 37), os mais humildes temem represálias quando
pensam em recorrer à Justiça. Temem sanções até mesmo da parte adversária.
O sentimento de impotência face às contínuas violações dos direitos
humanos, até mesmo pelo poder estatal e policial, a quem caberia a proteção aos
direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, da segurança e ordem social e da
paz, somente faz aumentar o medo e o receio da gente simples na Justiça. Afinal, o
que esperar de um Estado muitas vezes mais comprometido com questões
corporativas e sistemas de corrupção e nepotismo do que com a efetivação de sua
função social (RODRIGUES, 2008, op. cit. p. 256).
A imprensa, nacional ou estrangeira, também não contribui para afastar esse
fantasma. Muitos dos fatos amplamente noticiados referem-se à imposição da força
pelo mais forte, ao uso da violência indiscriminada por quem deveria conduzir a
bandeira da paz, ao desrespeito à democracia e aos direitos humanos, e à coação e
repressão generalizada aos discordantes, descontentes, ou apenas críticos da
ideologia dominante (RODRIGUES, 2008, Idem, p. 256).
Nesse contexto, falar em Justiça ao pobre analfabeto, mas que, vez ou outra
vê televisão e conhece a realidade da favela onde mora, muitas vezes composta por
regras e códigos de conduta outros e paraestatais, pode ser utópico (RODRIGUES,
2008, Idem, p. 256).
com a dignidade do Poder Judiciário’. O caso foi parar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que
faz o controle externo do Judiciário. O colegiado deverá decidir, em breve, se o juiz será punido por
falha disciplinar. No dia 4 de julho, o trabalhador voltou ao fórum para uma nova audiência. Desta
vez, trajando sua melhor roupa: camisa azul e calça jeans. Nos pés, um par de sapatos emprestado
pelo sogro. Houve acordo entre as partes. O trabalhador queria receber da empresa R$ 3 mil, mas
aceitou os R$ 1,8 mil oferecidos. Na sessão, o juiz reconheceu o erro cometido no mês anterior e
pediu desculpas ao trabalhador. Alegou que, como havia atuado em Curitiba por dez anos, não
estava acostumado com pessoas de chinelo em ambientes formais. Admitiu que precisaria ‘refazer
seus conceitos’. Para selar as pazes, o magistrado ainda tentou presentear Pereira com um par de
sapatos novo, mas ele recusou. Logo após a audiência ter sido suspensa, o advogado do
trabalhador, Olímpio Marcelo Picoli, formalizou a queixa contra o magistrado ao Tribunal Regional do
Trabalho (TRT) do Paraná. A corregedoria regional apurou os fatos e concluiu tratar-se de ‘prática
repetidamente adotada pelo juiz’. O colegiado propôs ao tribunal a abertura de um processo
administrativo disciplinar contra o magistrado. No mês passado, em julgamento, o TRT negou o
pedido para instaurar o processo. No entanto, o caso chamou a atenção do corregedor-geral da
Justiça do Trabalho, ministro João Oreste Dalazen, para quem o episódio ‘reveste-se de extrema
gravidade’. Dalazen acredita que, a primeira vista, a conduta do juiz foi uma forma de ‘violação a
direitos humanos fundamentais da cidadania, elevados à dignidade constitucional’. O pedido de
abertura de procedimento disciplinar já chegou ao CNJ e foi encaminhado à corregedoria. Agora
caberá ao corregedor nacional de Justiça, ministro Cesar Asfor Rocha, avaliar se o caso deve ser
levado adiante. A decisão de Asfor Rocha precisará ser submetida ao crivo do plenário do conselho
antes de ser efetivada. Se a investigação for aberta, o juiz paranaense poderá ser punido com
medidas que variam de uma mera advertência, podendo chegar à aposentadoria compulsória.”
(BRÍGIDO, C. CNJ vai analisar caso de juiz que suspendeu audiência porque trabalhador usava
chinelos. O Globo, São Paulo, 19 mai. 2008. Disponível em: http://www.oglobo.globo.com. Acesso
em: 16 jul. 2009).
100
A Justiça que essas pessoas conhecem vem das ruas, do chefe do
narcotráfico, da polícia de choque, daquele que impunha uma arma. E desmistificar
essa realidade implicaria em construir outra, onde o Estado realmente fosse capaz
de fazer Justiça (RODRIGUES, op. cit. p. 256).
Onde o “Estado oficial” não atua, prevalece o “Estado paralelo”, no qual os
conflitos são resolvidos da maneira como aprouver aos indivíduos.
101
4 ALTERNATIVAS DE SUPERAÇÃO DA CRISE DE ACESSO À JUSTIÇA
4.1 Considerações preliminares
A noção de que Jurisdição deve ser prestada única e exclusivamente de
forma centralizada pelo Estado ainda é difundida entre os juristas.
Da jurisdição, [...], podemos dizer que é uma das funções do Estado,
mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito,
para imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com
Justiça. Essa pacificação é feita mediante a atuação da vontade do direito
objetivo que rege o caso apresentado em concreto para ser solucionado; e
o Estado desempenha essa função sempre mediante o processo, seja
expressando imperativamente o preceito (através de uma sentença de
mérito), seja realizando no mundo das coisas o que o preceito estabelece
(através da execução forçada). Que ela é uma função do Estado e mesmo
monopólio estatal, já foi dito [...]. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO;
2006. p.145).
Isto se deve a uma forte tradição monista de forte influxo kelseniano,
ordenada num sistema lógico-formal de raiz liberal burguesa, cuja produção
transforma o Direito e a Justiça em manifestações estatais exclusivas (WOLKMER,
op. cit. p. 86).
Incutiu-se na mente dos indivíduos o falso pensamento de que o Estado
deve ser, a qualquer custo, o detentor do monopólio da jurisdição estatal, ou seja,
somente a ele incumbe a tarefa de proclamar o direito aplicável ao litígio
apresentado pelos contendores.
As razões disso são apontadas por Wolkmer: a estrutura legal tem
procurado historicamente minimizar e desqualificar toda e qualquer manifestação
normativa que não emane do Estado, bem como todo e qualquer mecanismo
alternativo de resolução dos conflitos que não seja de origem estatal ou
institucionalizada (WOLKMER, op. cit. p. 87).
O modelo jurídico dominante é ineficiente para equacionar os conflitos
coletivos. O Poder Judiciário e a legislação processual vigente refletem interesses
político-ideológicos de uma estrutura de poder consolidada no início do século, no
102
contexto de uma sociedade burguesa agrário-mercantil, defensora de uma
ordenação positivista e de um saber jurídico inserido na tradição liberal-individualista
(WOLKMER, Idem, p. 87).
Por esta razão óbvia, o Judiciário encontra-se abarrotado de ações, boa
parte delas descabidas ou desnecessárias, fato que engendra o emperramento da
máquina judiciária, e por via de consequência, o descrédito do jurisdicionado em
relação ao sistema judicial oficial.
Para Torres:
Mudar atitudes e rotinas de serviços, modificar a mentalidade e forma de
agir do Judiciário com efetiva democratização das relações entre a
sociedade e os atores da prestação jurisdicional, é uma meta a ser
alcançada tanto na Justiça de primeiro grau quanto nos Tribunais
Superiores, visando a maior acesso à Justiça e rapidez nas soluções dos
conflitos, utilizando-se de meios tecnológicos disponíveis e que facilitam a
vida dos usuários dos serviços judiciários. A idéia é a tramitação mais célere
dos processos, diminuição das fases processuais e do número de recursos
perante os Tribunais, eliminando formalismos de atos desnecessários. Ora,
a sociedade reclama, incessantemente, por uma solução rápida dos
conflitos e uma pronta entrega da jurisdição; entretanto, constata-se que os
processos aumentam no Poder Judiciário cada vez mais. Por um lado, esse
fato é prova de confiabilidade no sistema judicial, porque é procurado
mesmo sabendo das dificuldades existentes. Por outro lado, evitar a lide, a
discussão numa demanda contenciosa, com os problemas que dela
exsurgem, parece ser uma missão para a Justiça consensual, não só pela
paz social que representa, mas porque contribui decisivamente para
diminuir o número de processos na Justiça tradicional. Ajudando a combater
essa morosidade é preciso, portanto, que as medidas racionalizadoras
sejam efetivamente colocadas em prática no dia-a-dia forense, numa
caminhada democratizadora das atividades forenses. (TORRES, op. cit. p.
78-79).
Por conta dessa concepção monopolizadora da jurisdição, os indivíduos, de
maneira geral, recalcitram a utilizar meios alternativos de solução dos conflitos, pois,
têm como dogma o paternalismo estatal e o Estado-juiz como fonte única de dicção
do direito.
Nessa linha, as demandas judiciais aumentam dia a dia e o Judiciário se vê
compelido a primar celeridade em detrimento da segurança e Justiça das decisões77.
77
O sítio do TJ/MS divulgou no dia 16/06/2009 a notícia “TJMS julgou quase 5.000 processos em
maio” cuja integra segue: “Conforme o Relatório das Atividades dos Desembargadores,
disponibilizado pela Secretaria Judiciária do TJMS, o total de processos distribuídos aos magistrados
de 2º grau, no mês de maio, foi de 5.019. O acumulado do ano atinge a marca de 22.252 novos
feitos. Quanto aos julgados, em maio foram 4.994 processos que somados aos meses de janeiro a
103
Por consectário, os indivíduos têm se contentado com um acesso à Justiça
formal, quando na verdade, deveria ser-lhes proporcionado acesso à ordem jurídica
justa, conforme lembra Watanabe:
A problemática do acesso à Justiça não pode ser estudada nos
acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata
apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim
de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa. (WATANABE, 1988, p. 131).
Assim, a via estatal não pode ser eleita como a única a solucionar os
conflitos sociais, sob pena de constante e infindável colapso, como comenta
Wolkmer:
A crise vivenciada pela Justiça oficial, refletida na sua
inoperacionalidade, lentidão, ritualização burocrática, comprometimento
com os ‘donos do poder’ e a falta de materiais humanos, não deixa de ser
sintoma indiscutível de um fenômeno mais abrangente, que é a falência da
própria ordem jurídica estatal. [...] O certo é que nos horizontes da cultura
jurídica positivista e dogmática, predominante nas instituições políticas
brasileiras, o Poder Judiciário, historicamente, não tem sido a instância
marcada por uma postura independente, criativa e avançada, em relação
aos graves problemas de ordem política e social. Pelo contrário, trata-se de
um órgão elitista que, quase sempre, ocultado pelo ‘pseudoneutralismo’ e
pelo formalismo pomposo, age com demasiada submissão aos ditames da
ordem dominante e move-se através de mecanismos burocráticoprocedimentais onerosos, inviabilizando, pelos seus custos, o acesso à
imensa maioria da população de baixa renda. (WOLKMER, op. cit. p. 8990).
abril alcançam um total de 21.362 julgamentos em 2009. Sobre a distribuição entre os órgãos
julgadores, as cinco Turmas Cíveis existentes no Tribunal receberam 3.084 feitos juntas, o que
representa 61,44% do total de processos distribuídos em maio. Já para as duas Turmas Criminais,
foram distribuídos 481 novos processos. Para o Gabinete da Vice-Presidência, foram distribuídos
1257 feitos no mês de maio. Deste total, foram 98 precatórios, 6 pedidos de intervenção estadual em
precatórios, 2 agravos regimentais em precatórios, além de 676 recursos especiais e 165 recursos
extraordinários, entre outros. Do total geral de processos por desembargadores, não contabilizando
os três magistrados de cargos administrativos, a média de processos distribuídos em maio para cada
magistrado foi em torno de 193 novos feitos, ou ainda, na média de janeiro a maio, cada
desembargador recebeu cerca de 855 novos feitos, somente neste período de 2009. Quanto aos
julgamentos, nestes cinco primeiros meses do ano, cada desembargador julgou uma média de 821
processos, o que significa que em maio cada um dos 26 desembargadores que compõem o TJ julgou
192 processos. Os referidos desembargadores atuam exclusivamente nos julgamentos, de modo que
a média não contabilizou os 3 membros que trabalham hoje em cargos administrativos do Tribunal”.
104
É que se o Estado Brasileiro tem por fundamento a cidadania, o pluralismo
político e jurídico e por objetivo fundamental a promoção do bem de todos e não de
uma minoria ou classe, evidentemente que a distribuição igualitária de Justiça
restará prejudicada no plano das relações sociais.
Não se quer aqui defender a supressão total da jurisdição estatal, até porque
haveria visceral afronta à Constituição Federal. Trata-se de refletir a respeito de um
dogma a ser repensado, de modo a ceder espaço a outros meios de solução dos
conflitos que certamente propiciarão satisfação aos indivíduos e fortalecerão o
Estado Democrático de Direito.
É notória a nova postura adotada pelos juízes e pelo Poder Judiciário após o
advento da Constituição Federal de 1988. Aludida postura decorre da atribuição
constitucional de proteger e efetivar direitos fundamentais, individuais e coletivos, ali
assegurados.
Com a expansão da Jurisdição Constitucional, difundiu-se na sociedade, de
modo geral, a informação e conscientização sobre os direitos dos cidadãos, de
modo que os indivíduos passaram a exigi-los em juízo. Ampliou-se o acesso à
Justiça estatal e oficial. Como via de mão dupla, ampliou-se também a litigiosidade.
Abriram-se as “portas” dos tribunais, no entanto, o saldo desta abertura
deixou também aspectos negativos.
É preciso lembrar que a jurisdição atua por meio do processo. Deste modo,
quanto mais litígios desembocarem na via estatal, maior será a morosidade na
entrega da prestação jurisdicional, motivo pelo qual o princípio da razoável duração
do processo será apenas letra fria e morta da lei.
Nessa ótica, ainda, há aqueles que sequer têm oportunidade de acessar a
via jurisdicional estatal, como recorda Torres:
O povo, sabendo que o Poder Judiciário não consegue atender
convenientemente a demanda de processos, reclama por outras soluções.
É de se pensar, então, que a administração da Justiça precisa estar em
condições de atender às necessidades e exigências das comunidades, para
resolver os conflitos onde eles ocorrem, para que haja paz social e
segurança. Caso o Judiciário fraqueje, não atendas às demandas postas
em juízo, nem seja possível ir até ao encontro dos cidadãos, logicamente
que a chama Justiça Privada, aquela que se efetiva fora do controle direto
ou mesmo próximo do Judiciário, se fará presente. Isto ocorrendo, outras
formas alternativas e de autotutela são buscadas para a solução de
conflitos, e é compreensível, uma vez que a Justiça tradicional não está
105
atendendo, suficientemente, aos interesses do cidadão [...]. (TORRES, op.
cit. p. 92).
O Brasil é um país repleto de contradições econômicas, sociais, políticas e
culturais. Tudo isso é fruto da nossa história enquanto colônia. Noutras palavras, o
acesso à Justiça e ao processo, visto sob uma ótica meramente formal, ainda é
ilusão para muitos, sobejamente os mais pobres e os menos favorecidos.
Imprescindível considerar que a tutela jurisdicional a ser prestada no
processo deve ser adequada, tempestiva e eficaz. Por outro lado, a lacuna ou
ineficiência estatal impulsiona a atuação social, extra-oficial e informal, na resolução
dos conflitos.
Por este motivo, os mais variados setores sociais se organizam e aplicam a
lei, estatal ou não, por meio de processos que tramitam em verdadeiras “Jurisdições
paralelas” e que funcionam a mercê do Estado, por inoperância deste78.
Por isto:
O cidadão, não crendo na Justiça, afasta-se do sistema oficial, somandose a milhares de pessoas que não mais procuram o Judiciário, sem falar em
outro número infindável de cidadãos, distante das organizações judiciárias,
agindo com outro sistema totalmente informal e descomprometido com a
realidade estatal, concebendo seus próprios caminhos e sua própria fora de
resolver seus problemas. (TORRES, Idem, p. 30-31).
Em verdade, a superação da crise do acesso à Justiça passa por dois
enfoques, conforme já havia advertido Carneiro (1982, p. 1-2). Segundo ele, o
primeiro enfoque, denominado de “interno”, se ocupa das causas e da eliminação do
congestionamento do aparelho judiciário, a partir da conveniência e das
necessidades da sua própria estrutura administrativa e de seus integrantes - juízes,
membros do Ministério Público, advogados e serventuários. As propostas nesse
sentido visam, basicamente, ao melhor aparelhamento humano e material do
Judiciário e ao desestímulo ao litígio desnecessário que atravanca a Justiça,
principalmente de primeira instância. O outro enfoque, denominado “externo”, ocupa-
78
Inoperância porque se o Estado avocou e concentrou em si a função de dizer o direito, deve
envidar todos os meios para atender a todos que precisem do serviço jurisdicional.
106
se primordialmente da ampliação do acesso à Justiça, dando ênfase, portanto, às
necessidades e conveniências da clientela do Judiciário.
Destarte, torna-se opção viável a descentralização da prestação do serviço
jurisdicional para que o acesso à Justiça seja efetivamente igual para todos.
É forçoso reconhecer e atribuir força aos meios alternativos de solução dos
conflitos como “válvula de escape” para o abissal contingente de demandas diárias
que assoberbam magistrados e tribunais do país.
A Justiça Itinerante torna-se indispensável para a revitalização dos valores
democráticos como a cidadania e igualdade, pois, a pacificação dos conflitos é um
dos maiores anseios num Estado Democrático de Direito.
Na medida em que o Poder Judiciário vai até o jurisdicionado, evita o
ajuizamento de demandas de menor importância, passíveis de solução através da
conciliação.
4.2 A descentralização da Justiça
A solução dos conflitos pode ser judicial ou extrajudicial. Pela via judicial, já
se constatou que a crise do acesso à Justiça encontra-se instalada por conta de
fatores exoprocessuais e endoprocessuais. Pela via extrajudicial, a finalidade é
evitar que o conflito de interesses instaurado entre as partes seja levado ao
Judiciário, pois, o processo é moroso, caro e ocasiona desgastes imensuráveis às
partes litigantes. A via extrajudicial de solução dos conflitos valoriza os interesses
dos indivíduos envolvidos e permite a eles que participem direta e ativamente na
resolução deste.
Fato inconteste é que o Poder Judiciário não tem condições de atender a
todos indistintamente e cumprir uma de suas principais atribuições: distribuir com
igualdade a Justiça no plano das relações sociais, pacificando os conflitos e
restabelecendo a paz e o equilíbrio entre os indivíduos. Reformas processuais,
simplificação dos procedimentos, mudança de postura dos juízes, informação e
conscientização dos cidadãos e reestruturação do Poder Judiciário são medidas
interessantes, mas não suficientes para combater o problema.
É o que pensa Torres:
107
A solução de conflitos pode ter um caminho judicial ou mesmo
extrajudicial. O primeiro, como já visto, tem despertado preocupação quanto
ao excessivo número de processos e a morosidade na entrega jurisdicional.
Por isso, nesse campo, as reformas processuais com a simplificação dos
procedimentos, a reestruturação do Poder Judiciário, visando à
aproximação dos cidadãos aos serviços prestados, com intuito de melhorar
o acesso à Justiça. Nessa linha de pensamento, está o de propiciar meios
para audiências preliminares à composição mais rápida do litígio, assim
como a extensão e a descentralização dos serviços da Justiça, com efetiva
presença em locais determinados por uma pauta de atendimento, seja no
âmbito urbano, seja rural. (TORRES, op. cit. p. 155).
Grinover (1990, p. 179) explica que a resposta dada pelos processualistas
brasileiros à crise da Justiça desenvolveu-se através de duas grandes vertentes: a
jurisdicional e a extrajudicial. Na seara jurisdicional, a deformalização, através de
técnicas processuais adequadas, permite alcançar um processo mais célere,
simples, econômico, de fácil acesso, direto, apto a solucionar com eficiência tipos
particulares de conflitos. Por outro lado, na seara extrajudicial, a deformalização das
controvérsias
alternativas
encontra
alicerce
ao processo,
nos
capaz de
equivalentes
evitá-lo,
jurisdicionais,
para
como
solucioná-las
vias
mediante
instrumentos institucionalizados de mediação.
Acerca dos equivalentes jurisdicionais, Didier Jr. Tece o seguinte
comentário:
[...] equivalentes jurisdicionais são as formas não-jurisdicionais de
solução de conflitos. São chamados de equivalentes exatamente porque,
não sendo jurisdição, funcionam como técnica de tutela de direitos,
resolvendo conflitos ou certificando situações jurídicas. A autotutela,
autocomposição e mediação são essas formas referidas pelo autor. A
primeira caracteriza-se pela solução dos conflitos mediante uso da força,
através da vingança privada; na segunda, uma ou ambas as partes abrem
mão de seu interesse ou de parte dele. Três são as formas de
autocomposição: a) desistência, b) submissão; c) transação. Esta última,
que se assemelha à conciliação, é marcada pela presença de um terceiro,
particular, para solucionar os conflitos apresentados pelas partes. (DIDIER
JR, 2009, p. 76).
Wolkmer (op. cit. p. 91-92) apresenta duas alternativas de superação da
crise do acesso à Justiça, a saber: a primeira tem a ver com a ampliação qualitativa
dos canais institucionalizados de acesso à Justiça, de forma a propiciar uma
aproximação mais efetiva e democrática dos cidadãos ao aparato legal-estatal,
108
consolidando o direito como mecanismo de controle social por meio da atuação da
lei; a segunda, tem a ver com o incentivo de instâncias normativas informais, ambas
capazes de substituir com vantagens o anacrônico e pouco eficaz órgão
convencional
de
Jurisdição
estatal.
A
idéia
de
Justiça
Itinerante
passa
necessariamente por essa segunda concepção informal e ampla, mas estatal, de
acesso à Justiça.
A descentralização consiste no reconhecimento de soluções alternativas aos
conflitos, passíveis de romper com a forma tradicional de prestação do serviço
jurisdicional e de distribuição de Justiça. Significa a ruptura com o princípio da
inércia da jurisdição, estabelecido no art. 2º do Código de Processo Civil79, bem
como com o princípio do impulso oficial previsto no art. 262 do Código de Processo
Civil80.
A descentralização induz a uma adaptação da forma de se fazer solucionar
conflitos de interesses ante os novos tempos e novos direitos. Esta Justiça é
conciliadora e sai dos gabinetes dos fóruns indo de encontro ao cidadão, buscando
solucionar seus problemas sem que ele precise, formalmente, provocar a
manifestação do Poder Judiciário para prestar a tutela jurisdicional (TORRES, op. cit.
p. 95).
A descentralização da Justiça resgata a imagem do Poder Judiciário e a
solidifica junto ao povo, pelo trabalho itinerante que realiza. Essa prática deve ser
defendida por todos aqueles que pretender ver o acesso à Justiça ampliado, além de
uma Justiça aberta e próxima da população.
Isto pode ser feito por métodos estatais ou através da participação popular
na administração da Justiça. Hess (2004, p. 193) afirmou corretamente que: “A
descentralização da jurisdição terá crescente impacto na distribuição dos conflitos de
interesses para serem solucionados em órgãos públicos e privados, com o
conseqüente desafogamento do Poder Judiciário”.
O objetivo da descentralização é ampliar o acesso à Justiça e instituir uma
Justiça mais simplificada, acessível, pronta para a solução dos conflitos e
notadamente, adaptada à realidade brasileira.
Algumas medidas podem ser adotadas para o fim de tornar prática essa
79
o
“Art. 2 Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a
requerer, nos casos e forma legais”.
80
“Art. 262. O processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial”.
109
ideia. A prestação da Justiça nas universidades públicas e privadas é o primeiro
passo para a mudança de mentalidade do estudante de Direito para aceitar a
descentralização da jurisdição através dos meios alternativos e de cooperação da
sociedade civil (HESS, Idem, p. 193).
Aludida autora propõe, também, a implantação de uma visão crítica e o
incentivo à pesquisa e ao aperfeiçoamento do ensino jurídico para adaptação aos
novos tempos e direitos. Para ela, a grade curricular das Faculdades de Direito
deveria ser ampliada para o estudo de casos concretos em seminários, maior
pesquisa de jurisprudência e novas formas alternativas de solução de conflitos.
Ademais, a conciliação, mediação e arbitragem, nos moldes da participação dos
estudantes em Juizados Especiais, poderiam ser parte da prática jurídica (HESS,
Idem, p. 198).
É preciso também modificar o método de ensino do Direito. Normalmente, as
aulas expositivas ministradas pelos professores servem apenas para (in)formação
do acadêmico sobre a doutrina e a legislação codificada. É preocupante que o
estudante de direito obtenha titulação sem ter noção efetiva da realidade social que
vai enfrentar durante o exercício da profissão. Não basta que as Faculdades de
Direito formem técnicos, bons conhecedores da práxis forense; é preciso formar
profissionais que tenham conhecimento de ciências afins como filosofia, sociologia,
ética, etc., e que saibam lidar com os conflitos sociais não positivados.
Ademais, indispensável operar mudanças na mente dos operadores do
Direito para que cada vez mais utilizem os instrumentos judiciais e extrajudiciais de
solução dos conflitos.
Dentre as medidas de descentralização, merecem relevo duas: o Sistema
dos Juizados Especiais, pois, constitui-se em alternativa descentralizada de solução
dos conflitos eficiente e eficaz e os meios alternativos de solução dos conflitos, por
permitirem o desafogamento do Judiciário e resolverem de forma rápida, simples e
econômica os conflitos apresentados pelos indivíduos, permitindo a eles uma
participação efetiva na solução.
110
4.3 Os Juizados de Pequenas Causas e os Juizados Especiais
A crise da Justiça não é algo novo, recente. Na década de oitenta, nesse
particular, problemas graves que clamavam soluções imediatas já se apresentavam,
e dentre eles estavam à questão do acesso à Justiça. Enquanto parte dos conflitos
eram levados ao Poder Judiciário, outros tantos ficavam a margem deste, sem
qualquer tipo de solução estatal. Normalmente as questões litigiosas de pequena
relevância, complexidade e valor econômico acabavam sendo objeto de renúncia
pelo titular do direito subjetivo, gerando um perigoso fenômeno ao qual Watanabe
(1985, p. 2) denominou de “litigiosidade contida”. Em igual sentido, Dinamarco
assinala:
A lei federal n. 7.244, de 7 de novembro de 1984, ‘dispõe sobre a criação
e funcionamento do Juizado Especial de Pequenas Causas’, é, na
realidade, portadora de uma proposta revolucionária muito mais profunda do
que a de mera instituição de novo órgão no contexto do Poder Judiciário e
traçado dos parâmetros do procedimento que ele observará. A Lei de
Pequenas Causas pretende ser o marco legislativo inicial de um movimento
muito ambicioso e consciente no sentido de rever integralmente velhos
conceitos de direito processual e abalar pela estrutura antigos hábitos
enraizados na mentalidade dos profissionais, práticas irracionais
incompatíveis com a moderna concepção democrática de exercícios do
poder através da jurisdição. Dos escopos desta, o drama da vida
contemporânea em sociedade põe em patético realce a pacificação social,
eliminação de conflitos através do processo e das medidas imperativas a
que ele conduz (escopo social da jurisdição). A angústia da via cara e
complicada de acesso aos órgãos do Poder Judiciário, mais as prolongadas
esperas pelo produto acabado dos demorados processos que este celebra
formalmente, constituem fatores que, se não os agravam, impedem que o
Estado possa eficazmente eliminar os conflitos que, no convívio social,
conduzem a infelicidade pessoa de cada um e a atitude de perigosa
desconfiança em face das instituições estatais e descrença dos valores da
sociedade. É preciso uma verdadeira cruzada contra a litigiosidade contida.
(DINAMARCO, 1986, p. 1).
De acordo com a jurista, a litigiosidade contida nasce dos inúmeros conflitos
sociais não resolvidos satisfatoriamente, seja porque o indivíduo não encontra no
Poder Judiciário a resposta eficaz, seja porque os conflitos sequer chegam ao
conhecimento deste, pela renúncia total do direito pelo prejudicado. Este último
ponto estaria relacionado com a crença de que a Justiça é lenta, cara e complicada
e, por isso, além de difícil, inútil ir ao Judiciário em busca da tutela do direito
111
(WATANABE, 1985, Idem, p. 2).
Como visto no capítulo anterior, é o cidadão menos favorecido que encontra
dificuldades para vencer os obstáculos do acesso à Justiça. Desse modo, não há
dúvidas de que foi a ampliação do acesso à Justiça que moveu o legislador
brasileiro a instituir os Juizados de Pequenas Causas, de acordo com Cunha:
[...] a criação dos Juizados de Pequenas Causas no ano de 1984 teve
duas fontes de inspiração: de um lado, a experiência do Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul com o Conselho de Conciliação e Arbitragem; de
outro, a iniciativa do Ministério da Desburocratização, órgão do governo
federal. Estas duas fontes teriam, de alguma forma, se completado e dado
origem ao sistema por meio da Lei 7.244/84, que criou os juizados de
pequenas causas. (CUNHA, 2008, p. 15).
Por meio desta experiência, de origem norte-americana, encampada por
uma comissão de nobres juristas81, e refletida na edição da Lei nº. 7.244/84,
instituiu-se um processo informal, desburocratizado, célere e democrático, pois, está
ao alcance das pessoas mais carentes e necessitadas. Aliás, Dinamarco, em obra
dedicada ao assunto, ponderou que “as duas proposições centrais da Lei de
Pequenas Causas, postas essas premissas sociais e políticas em que tem apoio,
são a de facilitar o acesso ao Poder Judiciário e tornar mais célere e ágil o processo
destinado a pacificar os conflitos que define” (DINAMARCO, 1986, p. 2).
Conflui para o mesmo entendimento, as palavras proferidas por Watanabe:
A grande preocupação (da lei que criou os juizados de pequenas causas) foi
remover aquela idéia negativa de que não vale à pena ir à Justiça [...]. O
objetivo perseguido, [...] é o de canalizar para o Judiciário todos os conflitos
de interesses, mesmo os de pequena expressão, uma vez que é aí o locus
próprio para a sua solução. (WATANABE, 1985, op. cit. p. 4).
Em que pese o argumento de autoridade, é de se manifestar parcial
discordância em relação ao pensamento do abalizado doutrinador. De fato, é
inegável o abalo do Poder Judiciário perante aqueles que o procuram. Por outro
81
Participaram da comissão formada pelo Ministério da Desburocratização no ano de 1981, com
objetivo de discutir a criação dos juizados de pequenas causas, os seguintes juristas: João Piquet
Carneiro (presidente), Kazuo Watanabe, Cândido Rangel Dinamarco, Caetano Lagrasta Neto, Ada
Pellegrini Grinover e Paulo Salvador Frontini (integrantes).
112
lado, ainda nos dias hodiernos, a população guarda uma “ideia negativa” da Justiça.
Contudo, data venia, canalizar “todos” os conflitos de interesses para o Poder
Judiciário já se mostrou, no curso dos anos, experiência impossível de ser praticada,
e que não mais se sustenta. Como insistentemente defendido, é preciso
descentralizar a prestação do serviço jurisdicional e reconhecer que mecanismos
alternativos de solução de conflitos podem ser colocados à disposição do cidadão
para que resolva seus problemas.
A descentralização da Justiça é medida salutar e encontra assento na
democracia social, tendo em vista que contribui para a efetivação de valores
constitucionais como a cidadania e a dignidade da pessoa humana, com vistas à
construção de uma sociedade justa e solidária, de modo a promover o bem de todos
indistintamente.
Pondera, ainda, Watanabe:
A proposta de criação do JEPC pretende, fundamentalmente, reverter
essa mentalidade, resgatando ao Judiciário a credibilidade popular de que
ele é merecedor e fazendo renascer no povo, principalmente nas camadas
média e pobre, vale dizer, do cidadão comum, a confiança na Justiça e o
sentimento de que o direito, qualquer que seja ele, de pequena ou de
grande expressão, sempre deve ser defendido. Da defesa que cada um
faça de seu direito pela via normal, depende a vitalidade da ordem jurídica
nacional (WATANABE, 1985, Idem, p. 3).
Na exposição de motivos da Lei 7.244/84 são destacados problemas que
estariam a prejudicar o desenvolvimento e o desempenho pleno do Poder Judiciário
no âmbito da Jurisdição Civil:
a) inadequação da atual estrutura do Poder Judiciário para a solução dos
litígios que a ela já afluem, na sua concepção clássica de conflitos
individuais; b) tratamento legislativo insuficiente, tanto no plano material
como no processual, dos conflitos coletivos e difusos que, por enquanto,
não dispõem de tutela jurisdicional específica; c) tratamento processual
inadequado das causas de reduzido valor econômico e conseqüente
inaptidão do Judiciário atual para a solução barata e rápida desta espécie
de controvérsia. (ABREU, op. cit. p. 107).
A ideia de “pequenas causas” induz a pensar em critério econômico para
113
delimitação do âmbito de atuação dos Juizados. De fato, abrange o contexto
econômico e, também, social da parte litigante, até mesmo porque os Juizados
foram criados com o objetivo de dirimir conflitos que, normalmente, envolvem em
suas extremidades pessoas pobres. Mas, a pequena causa nem sempre se traduz
na ideia de litígio de menor potencial econômico ou menor complexidade, embora o
objetivo seja o de assegurar ao cidadão integrante das classes menos favorecidas,
que detém uma causa assim considerada “menor”, o direito de exigir do Poder
Judiciário a prestação da tutela jurisdicional e, por conseqüência, obter o bem da
vida almejado.
Para Dinamarco:
[...] existe, mesmo, uma impulsão natural a pensar nas pequenas causas
como sendo aquelas de reduzido valor econômico, até mesmo pela própria
razão que levou à idéia de criar os Juizados de Pequenas Causas. O
objetivo de abrir o Poder Judiciário a elas corresponde e enquadra-se no
contexto da ‘prioridade aos pequenos’ [...] sendo natural e até intuitivo que
os litígios em que envolvida a gente pobre sejam litígios de menor
expressão econômica. É claro que essa suposição não tem valor absoluto,
vendo-se casos de pobres com pretensões de alto valor, ao lado de pedidos
de pouca expressão econômica, aforados por pessoas abonadas.
Ordinariamente, porém, é lícito esperar que prepondere aquela
correspondência, de modo que, com a adoção do critério valorativo, os
maiores e mais numerosos beneficiados sejam realmente os mais pobres.
(DINAMARCO, 1986, op. cit. p. 16).
É acertado o critério econômico para definição do significado jurídico de
pequenas causas, bem como para identificação dos maiores detentores desta, pois,
trata-se de Justiça direcionada a pessoas carentes, identificáveis através da renda
auferida e da casta social que compõe. Deste modo, não se pode enxergar tal
critério elitista; trata-se de envidar esforços para possibilitar aos menos favorecidos o
acesso à Justiça, conferido pela Constituição Federal a ricos e pobres
indistintamente.
O enfoque de atuação dos Juizados de Pequenas Causas concentra-se em
litígios cíveis de menor potencial econômico e complexidade, emanados
notadamente das classes sociais e econômicas menos favorecidas. Nessa linha, é
certo que a filosofia da Lei de Pequenas Causas objetivou incluir conflitos que
ficavam à margem da Justiça.
114
Os Juizados de Pequenas Causas enquadram-se na “terceira onda”
renovatória de acesso à Justiça. Na “primeira onda” renovatória, o enfoque foi a
incrementação da assistência judiciária gratuita; na “segunda onda” renovatória, o
objetivo foi proteger uma nova categoria de direitos, os chamados “direitos da
massa”, ou seja, direitos difusos e supra-individuais. Segundo Cappelletti,
A “terceira onda” renovatória [...] encoraja a exploração de uma ampla
variedade reformas, incluindo alterações nas formas de procedimento,
mudanças na estrutura dos tribunais ou a criação de novos tribunais, o uso
de pessoas leigas ou paraprofissionais, tanto como juízes, quando como
defensores, modificações no direito substantivo destinadas a evitar litígios
ou facilitar sua solução e a utilização de mecanismos privados ou informais
de solução dos litígios. (CAPPELLETTI, 1988, op. cit. p. 71).
2
Os Juizados de Pequenas Causas, portanto, participaram da disseminação
da democratização do acesso à Justiça através da construção de uma Justiça
cidadã.
Embora a Lei das Pequenas Causas tenha inovado ao se pautar em
processo e procedimento mais simplificado e objetivo, em momento algum eximiu-se
de observar as garantias processuais das partes litigantes.
É preciso olvidar que as relações processuais travadas entre as partes são
dinâmicas, pois, constituem-se num complexo de situações jurídicas que envolve
todos os sujeitos do processo, quais sejam, as partes litigantes e o juiz. Nessa
senda, a sistemática processual dos Juizados de Pequenas Causas permite e
garante a efetiva participação das partes em contraditório, além de salientar o
compromisso do juiz com a Justiça e efetividade das decisões, que se tornam
legítimas na medida em que as partes dela participam ativamente. Assim, “liberdade,
igualdade das partes e participação em contraditório – a trilogia inspiradora do
moderno processo de feições e compromissos democráticos – estão presentes no
processo que perante os Juizados das Pequenas Causas terá lugar” (DINAMARCO,
1986, op. cit. p. 3).
Na Lei das Pequenas Causas, a conciliação ganhou relevo, pois, constitui-se
em poderosíssima arma de pacificação social, dada a natural tendência das pessoas
a aceitar e cumprir soluções que elas próprias elaboraram ou cujo preparo aceitaram
voluntariamente (DINAMARCO, 1986, Idem, p. 3).
115
A lei que instituiu os Juizados de Pequenas Causas adaptou o procedimento
processual comum a sua necessidade e finalidade, deixando-o mais simples e
abreviado. Aludido procedimento encontra supedâneo em princípios processuais,
como o da simplicidade, oralidade, economia processual, gratuidade e celeridade.
Grinover explana a respeito da criação dos Juizados de Pequenas Causas
no Brasil, consoante se verifica:
Mas o que de mais significativo e alentador existe no Brasil, no
momento, é a instituição dos denominados ‘Juizados Especiais de
Pequenas Causas’, para a chamada ‘Justiça menor’, pela Lei Federal nº.
7.244, de 8 de novembro de 1984. Na se trata, aqui, da mera formulação de
um novo tipo de procedimento, mas sim de um conjunto de inovações que
vão desde uma nova estratégia no tratamento de certos conflitos de
interesses até técnicas de abreviação e simplificação processuais. E não se
trata propriamente de diversos princípios processuais, mas, sim de critérios
que, informando o novo processo, assegurem sua fidelidade aos princípios
clássicos, revolucionando-os em suas formas e em sua dinâmica. Isso
porque simplicidade é expressão dos princípios da liberdade das formas
processuais e da sua instrumentalidade; a oralidade é diretriz tradicional do
processo brasileiro, agora levada aos extremos do diálogo entre o juiz e as
partes; a economia processual e a gratuidade em primeiro grau de
jurisdição respondem à promessa constitucional do acesso às vias
jurisdicionais; a celeridade vem a reboque de um procedimento
extremamente concentrado, sem oportunidade para dilações e incidentes
que protelem o julgamento de mérito; e a conciliação, incessantemente
buscada em todo o processo, como sua verdadeira mola-mestra, também
se insere no rico filão de incentivo a autocomposição das partes, atendendo
às mais caras tradições do processo brasileiro e de suas alternativas. Sem
falar na possibilidade de acesso direto aos juizados, independentemente de
advogado; sem descurar o importante papel da informação e orientação
jurídicas, primeiro passo para a conscientização das classes menos
favorecidas e para a participação popular pelo processo; e sem olvidar o
importante aporte do corpo social na administração da Justiça, pela
conciliação e arbitragem: diretrizes todas que muito bem se coadunam com
os esforços rumo à construção da democracia participativa, que empenham
o Brasil de hoje. (GRINOVER, op. cit. p. 182-183).
A propósito, o art. 2º da Lei 7.244/84 rezava que: “O processo, perante o
Juizado Especial de Pequenas Causas, orientar-se-á pelos critérios da oralidade,
simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando sempre
que possível a conciliação das partes”.
Conforme lembra Torres (op. cit. p. 91), os Juizados constituem-se, sem
dúvida, no maior centro irradiador de ideais que o mundo jurídico ultimamente
recebeu, experiência pioneira, influindo na simplificação dos procedimentos e na
busca da eliminação de práticas viciosas, excessivas e protelatórias na marcha
116
processual. Como se vê, propostas de desburocratização das práticas judiciárias
são necessárias e, cada vez mais, no sentido de descomplicar o processo e colocálo como instrumento para efetivação da Justiça e solução rápida dos litígios.
A implantação dos Juizados de Pequenas Causas, por meio da Lei 7.244/84
representou imenso avanço no plano da realização dos direitos e tornou a Justiça
mais próxima do cidadão.
Contudo, a ampliação do acesso à Justiça, um dos objetivos da criação e
implantação dos Juizados, não foi alcançada em sua plenitude, tendo em vista que
até o ano de 1988 os Juizados funcionaram precariamente porque nem todos os
Estados o aderiram, como menciona Cunha:
Sem impor a obrigatoriedade da criação dos juizados especiais aos
Estados, nem apresentar regras sobre a organização judiciária, o
anteprojeto trazia princípios gerais que norteariam o funcionamento dos
juizados (CUNHA, 2008, Ibid., p. 39).
[...]
A implantação dos juizados especiais de pequenas causas nos Estados
brasileiros adquiriu ritmo e características diferentes, como previa a lei.
Entre 1984 e a Constituição Federal de 1988, poucos foram os Estados que
colocaram em funcionamento, com alguma estrutura física e material, os
juizados de pequenas causas (CUNHA, 2008, Idem, p. 51).
Considerando que a criação dos Juizados de Pequenas Causas redundou
em benefícios, embora carecesse de aperfeiçoamento, e percebendo sua
importância para a democratização do acesso à Justiça, a Constituição Federal de
1988 conferiu status constitucional a esta jurisdição especial82. Nessa perspectiva, a
instalação dos Juizados Especiais no âmbito estadual, intitulados pela doutrina de
“microssistema” de natureza instrumental e de instituição constitucionalmente
obrigatória83, prevendo a Carta Maior a possibilidade dos Estados legislarem
concorrentemente com a União a respeito de procedimentos em matéria
82
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a
conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais
de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas
hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro
grau;
83
Lei nº. 9.099/95: Art. 95. Os Estados, Distrito Federal e Territórios criarão e instalarão os Juizados
Especiais no prazo de seis meses, a contar da vigência desta Lei.
117
processual84.
Figueira Júnior tece o seguinte comentário a despeito dos Juizados
Especiais:
Com a entrada em vigor da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995 (DOU
de 27.09.95, p. 15.034-15.037), que dispõe sobre os Juizados Especiais
Cíveis e Criminais, introduziu-se no mundo jurídico um novo sistema, ou,
ainda melhor, um microssistema de natureza instrumental e de instituição
constitucionalmente obrigatória (o que não se confunde com a competência
relativa e a opção procedimental), nos termos do preconizado no art. 98, I,
da Constituição Federal, destinada à rápida e efetiva atuação do direito.
(FIGUEIRA JÚNIOR, 2006, p. 23).
Em termos de inovação da Lei 7.244/84, a Constituição Federal previu a
criação dos Juizados Especiais na União; o provimento de cargos por juízes
togados, ou togados e leigos; previu a extensão da competência dos juizados para
executar as causas de sua responsabilidade; a expressão “pequenas causas” foi
substituída por “causas de menor complexidade”; as infrações penais de menor
potencial ofensivo tornaram-se causas de competência dos Juizados Especiais e os
recursos julgados por turma de juízes de primeiro grau. Menciona-se ainda que a
Constituição Federal denominou o que antes se chamava “Juizados de Pequenas
Causas” de “Juizados Especiais” (ABREU, op. cit. p. 206).
Entre
1988 a
1995,
ano
em
que
os
Juizados
Especiais
foram
regulamentados pela Lei 9.099 no âmbito estadual, significativo foi o crescimento do
número de juizados atuantes em todo o País. Antes da citada lei, porém, alguns
Estados se anteciparam e o regulamentaram por leis estaduais85.
A Lei nº. 9.099/95 revogou86 a Lei nº. 7.244/84 e introduziu as seguintes
modificações: o valor de alçada, de 20 para 40 salários mínimos87
84
88
; possibilidade
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
[...]
X - criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas;
85
É o caso dos seguintes Estados: Mato Grosso do Sul (Lei nº. 1.071/90), Santa Catarina (Lei n.
1.143/93), Paraíba (Lei nº. 5.466/91).
86
Art. 97. Ficam revogadas a Lei nº 4.611, de 2 de abril de 1965 e a Lei nº 7.244, de 7 de novembro
de 1984.
87
Art. 3º - Consideram-se causas de reduzido valor econômico as que versem sobre direitos
patrimoniais e decorram de pedido que, à data do ajuizamento, não exceda a 20 (vinte) vezes o
salário mínimo vigente no País [...].
88
Art. 3º O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das
causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:
118
de execução sem processo de conhecimento, de título executivo extrajudicial até o
valor permitido89; obrigatoriedade da presença de advogado nas causas entre 20 e
40 salários mínimos90; execução de seus próprios julgados91, que pelo antigo regime
processava-se no Juízo Cível comum passou a ser executada no próprio juizado
especial92.
Questões processuais que ensejaram candentes debates após o advento da
Lei dos Juizados Especiais foram as seguintes, segundo Cunha (op. cit. p. 54):
competência absoluta ou relativa nas causas elencadas no art. 3º da Lei nº.
9.099/9593; possibilidade de os condomínios, enquanto pessoas jurídicas, acionarem
os juizados; a questão da sucumbência nas causas entre 20 e 40 salários mínimos,
as quais deveriam contar com a presença de advogado; e, por fim, as decisões dos
juizados e de títulos executivos extrajudiciais no próprio sistema de juizados.
A Lei nº. 9.099/95 primou pela solução dos conflitos através da conciliação,
não se afastando fundamento axiológico já difundido anteriormente pela Lei nº.
7.244/84. Nesse sentido, Torres menciona que:
I - as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo;
89
Art. 3º [...]
§ 1º Compete ao Juizado Especial promover a execução:
[...]
II - dos títulos executivos extrajudiciais, no valor de até quarenta vezes o salário mínimo, observado o
disposto no § 1º do art. 8º desta Lei.
90
Art. 9º Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente,
podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória.
91
Art. 3º [...]
§ 1º [...]
I - dos seus julgados;
92
Art. 40. A execução da sentença será processada no juízo competente para o processo do
conhecimento, aplicando-se as normas do Código de Processo Civil.
93
Art. 3º O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das
causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:
I - as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo;
II - as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil;
III - a ação de despejo para uso próprio;
IV - as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste
artigo.
§ 1º Compete ao Juizado Especial promover a execução:
I - dos seus julgados;
II - dos títulos executivos extrajudiciais, no valor de até quarenta vezes o salário mínimo, observado o
disposto no § 1º do art. 8º desta Lei.
§ 2º Ficam excluídas da competência do Juizado Especial as causas de natureza alimentar,
falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a
resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial.
§ 3º A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao
limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação.
119
Essa nova visão de Justiça conciliatória passa a marcar a linha divisória
na vida jurídica brasileira, colocando, em primeiro lugar, a solução do
conflito através do convencimento de que o acordo pacifica e é bom para as
partes envolvidas, retirando a idéia de instrução do processo e da sentença
como objetivo de resolver a causa. A conciliação ou a transação representa
um ideal de Justiça preconizado pelo art. 2º da mesma lei, e que é
defendido pelo microssistema dos Juizados Especiais, no sentido de
resolver, extrajudicialmente, as dúvidas e desavenças sobre o direito
disponível com posterior homologação pela instituição do Poder Judiciário.
(TORRES, op. cit. p. 104).
Nota-se ainda, pela leitura da Lei nº. 9.099/95, duas questões importantes: o
art. 2º da Lei estabelece os princípios informativos94 dos Juizados Especiais e o art.
5º95 e 6º96 estabelecem a ampliação dos poderes do juiz, que deixa de ser mero
coadjuvante do processo e passa a ser ator principal assim como as partes
litigantes. Sobre o assunto, Sadek comenta que:
E, no que se refere aos atores, a mudança introduzida é igualmente
radical. O juiz transforma-se em uma figura mais atuante, com mais
liberdade de ação e dotada de mais poder, uma vez que preside acordos,
atuando principalmente como um apaziguador, estimulando o contato entre
e com as partes. Sua margem de liberdade é ampliada, já que sua decisão
o
não precisa ficar restrita aos parâmetros legais. Os artigos 4º e 5 , na lei de
1984, e os 5º e 6º na de 1995, são explícitos na direção de um estímulo a
uma atuação mais livre, prescrevendo que ‘o juiz dirigirá o processo com
ampla liberdade para determinar as provas a serem produzidas, para
apreciá-las e para dar especial valor às regras de experiência comum ou
técnica’. E mais: pode adotar ‘em cada caso a decisão que reputar mais
justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem
comum. (SADEK, op. cit. p. 6).
Na esfera federal, a Lei nº. 10.259, de 12 de julho de 2001, disciplinou a
criação e o funcionamento dos Juizados Especiais Federais. Nos termos do art. 2º97
94
Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia
processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.
95
Art. 5º O Juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas,
para apreciá-las e para dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica.
96
Art. 6º O Juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos
fins sociais da lei e às exigências do bem comum.
97
o
Art. 2 Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência
da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de
conexão e continência.
Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrente da
aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da
composição dos danos civis.
120
e 3º98 sua competência está adstrita a causas penais de menor potencial ofensivo e
causas cíveis, de competência da Justiça Federal.
De acordo com o escólio de Figueira Júnior (op. cit. p. 26), dentre as
inovações previstas por aludida lei estão: a) restrições aos recursos e à proibição de
reexame necessário; b) redução de demandas nas varas de competência comum e
nos tribunais regionais federais; c) igualdade formal absoluta entre as partes; d)
supressão dos privilégios dos entes públicos, além da efetivação dos julgados e
satisfação dos pleitos com maior rapidez.
Na prática, todavia, os Juizados Especiais têm encontrado inúmeras
dificuldades. A rigor, pode-se afirmar que as condições materiais e aquelas
relacionadas à filosofia e à mentalidade estão ainda bastante distantes do que
fariam supor os princípios inspiradores e os textos legais (SADEK, op. cit. p. 8).
Para começar, ressalte-se que os Juizados Especiais Cíveis estão presentes
em apenas 31% dos municípios brasileiros. Com efeito, dados do IBGE indicam que
dos 5.500 municípios existentes no País no ano de 2004, somente 1.732 contavam
com Juizados Especiais Cíveis. Esta deficiência é proporcionalmente maior nos
municípios com menor número de habitantes. Há Juizados Especiais Cíveis
instalados em apenas 4,4% dos municípios classificados com até 5.000 habitantes;
em somente 2,6% daqueles com população entre 5.001 e 20.000 habitantes; em
5,8% dos municípios que possuem população entre 20.001 e 100.000 habitantes. Os
municípios que concentram um maior número de habitantes, de 100.001 até
500.000, apresentam situação mais favorável, com Juizados Especiais em 91,8%
dentre eles. Juizados Especiais estão presentes na totalidade dos 34 municípios
98
o
Art. 3 Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de
competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as
suas sentenças.
o
§ 1 Não se incluem na competência do Juizado Especial Cível as causas:
I - referidas no art. 109, incisos II, III e XI, da Constituição Federal, as ações de mandado de
segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, execuções fiscais e por
improbidade administrativa e as demandas sobre direitos ou interesses difusos, coletivos ou
individuais homogêneos;
II - sobre bens imóveis da União, autarquias e fundações públicas federais;
III - para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza
previdenciária e o de lançamento fiscal;
IV - que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis
ou de sanções disciplinares aplicadas a militares.
o
§ 2 Quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do Juizado
o
Especial, a soma de doze parcelas não poderá exceder o valor referido no art. 3 , caput.
o
§ 3 No foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta.
121
com mais de 500.000 habitantes, contando esses grandes centros com mais de um
Juizado Especial Cível por município. (SADEK, Idem, p. 8).
O exame da distribuição de Juizados Especiais Cíveis nas diferentes regiões
geográficas evidencia dois aspectos: de um lado, a diversidade da situação nacional
e, por outro, que as regiões que apresentam as condições sócio-econômicas mais
precárias também são aquelas que concentram a menor proporção de Juizados
Especiais Cíveis. De fato, na região centro-oeste 42,5% de seus municípios
possuem Juizados Especiais Cíveis; na sudeste, 38,3%; na região sul, 35,9%; na
norte, 25,8%; e, em última posição, está a região nordeste, com apenas 18,5%
(SADEK, Idem, p. 9).
No que se refere à sua distribuição pelas unidades da federação, o contraste
é igualmente gritante: enquanto existem Juizados Especiais Cíveis em 82,6% dos
municípios do estado do Rio de Janeiro − proporção bastante superior à média
nacional − este percentual cai para 6,8% no Piauí (um dos estados com o mais baixo
índice de IDH do País) (SADEK, Idem, p. 9).
Estes dados podem ser mais bem apreciados a partir de uma comparação
com o juízo comum (a Justiça tradicional), com dados referentes ao ano de 2003.
Nela, encontra-se o número de juízes, o volume de processos entrados por 100.000
habitantes, a relação de entrados por magistrado e o índice de congestionamento
nas duas Justiças (SADEK, Idem, p. 10).
Nota-se, imediatamente, que o número de juízes alocados nos Juizados
Especiais é extremamente baixo. Há apenas 751 magistrados desempenhando suas
atribuições exclusivamente nos Juizados Especiais, enquanto o Juízo Comum conta
com 7.609. Para que houvesse a mesma proporção de magistrados por processo
entrado nas duas Justiças, deveria haver 3.244 magistrados nos Juizados Especiais.
Trata-se, é claro, de raciocínio meramente hipotético, uma vez que um número
(desconhecido) de juízes exerce atividades nas duas Justiças (SADEK, Idem, p. 11).
Ainda que as informações estejam incompletas e mesmo com viés, o total de
entrados por 100 mil habitantes no juízo comum (4.676,72) é 2,34 vezes maior que o
de entrados nos Juizado Especial Cível (1.993,86), enquanto o número de
magistrados alocados exclusivamente nos Juizados Especiais Cíveis é 10 vezes
menor (SADEK, Idem, p. 11).
Ademais, há estados em que o volume de entrados nos Juizados Especiais
Cíveis já é maior do que o do juízo comum: Acre e Amapá. Em decorrência do baixo
122
número de magistrados em todas as unidades da federação a relação de entrados
por magistrado é sempre mais alta nos Juizados Especiais Cíveis (SADEK, 2007,
Idem, p. 11).
Acrescente-se também que o índice de congestionamento dos Juizados
Especiais Cíveis é expressivo. A média nacional é de 48,84%, ultrapassando a casa
dos 80% no Ceará e no Pará. Com percentuais significativamente abaixo da média
nacional estão Mato Grosso do Sul, com apenas 2,3%, e Pernambuco com 14%. O
grau de congestionamento não possui, contudo, relação com o número de entrados
por habitante, nem com o número de entrados por magistrado (SADEK, Idem, p. 11).
Os dados apresentados até aqui permitem inferir que: a) o número de
Juizados Especiais instalados no país ainda é muito inferior ao número de
municípios; b) a distribuição geográfica e por tamanho de município é heterogênea e
desequilibrada; c) o número de juízes exclusivos está muito abaixo do volume de
entrados; d) os Juizados Especiais Cíveis sofrem, ainda que em menor proporção,
do mesmo mal que tem marcado o juízo comum: o congestionamento; d) o montante
de demandas é significativo (SADEK, Idem, p. 12-13).
Tais conclusões permitem supor que os Juizados Especiais Cíveis não têm
desfrutado de uma situação minimamente adequada. A única indicação favorável
refere-se ao volume de demandas, sugerindo uma ampliação do acesso à Justiça
(SADEK, 2007, Idem, p. 13).
Por todo o exposto, é possível afirmar que os Juizados Especiais são um
marco e um divisor entre a Justiça clássica e a contemporânea e se transformaram
na porta principal de inclusão social e cidadã, principalmente para as classes menos
abastadas e excluídas da Jurisdição.
4.4 Os meios alternativos de solução dos conflitos
Além da descentralização da Jurisdição, a conciliação, a mediação e a
arbitragem se apresentam como alternativas viáveis e demasiadamente relevantes
para a superação da crise de acesso à Justiça. A Justiça Itinerante é uma Justiça
conciliativa, exercida com esteio nos meios alternativos de solução dos conflitos,
possíveis tanto para a via judicial quanto para a via extrajudicial.
123
Já foi dito alhures que a solução dos conflitos é oferecida pelo Direito
através de dois mecanismos, a saber, o extrajudicial e o judicial. Na via extrajudicial,
através da autocomposição, “uma das partes em conflito, ou ambas, abrem mão do
interesse ou de parte dele”, por meio da desistência99, submissão100 ou transação101
(CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, op. cit. p. 27). A marca da autocomposição é
a parcialidade, no sentido de a solução do conflito depender da vontade de uma ou
ambas as partes envolvidas, não havendo adversários nem litígio. Grinover
menciona que:
[...] a autocomposição, que abrange uma multiplicidade de instrumentos,
constitui técnica que leva os detentores de conflitos a buscarem solução
conciliativa do litígio, funcionando o terceiro apenas como intermediário que
ajuda as partes a se comporem. Por isso, os instrumentos que buscam a
autocomposição não seguem a técnica adversarial. (GRINOVER, 2008, p.
71).
Não pode, sob hipótese alguma, ser compreendida como um retrocesso à
vingança privada, vez que tutelada pelo ordenamento jurídico. Bezerra lembra que o
ordenamento jurídico brasileiro tutela a autocomposição como meio alternativo de
solução dos conflitos e cita alguns exemplos:
a) oposição e mesmo resistência contra as imposições não resultantes
da lei, que permitem resistir contra ordens ou exigências ilegais, ou não
fundadas na lei, que provenham de autoridade pública ou particular. É
garantia constitucional que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude da lei; b) a legítima defesa pelo titular de
seus bens e direitos; c) atos de defesa inerentes ao exercício regular de
direitos; d) atos praticados em estado de necessidade; e) desforço imediato
para repelir turbação ou esbulho de posse, etc., são meios de proteção de
direitos, por atos positivos ou negativos, diretos ou indiretos, exercidos por
seus titulares e permitidos pela lei e estas vias não se confundem com a
coerção praticada por meio administrativo ou judicial, nem com as vias
repressivas das sanções ou combinações. (BEZERRA, op. cit. p. 56).
A via judicial encontra na sentença o ato de materialização do poder estatal,
99
É a renúncia à pretensão.
É a aceitação da pretensão da outra parte sem resistência.
101
É a concessão recíproca para uma solução que atenda aos interesses de ambas as partes.
100
124
pois, aquele que dá início ao processo manifesta a intenção de ver, por meio deste,
a manifestação impositiva da tutela estatal.
A pacificação social que se busca no processo judicial tem sido repensada
pelos estudiosos. Aliás, disse Bidart que:
No es exclusiva, pues se da, em rigor, em todas las actividades
humanas, pero si recurrente, la contradiccíon entre la exaltacíon del proceso
como sintoma del funcionamiento del Estado de Derecho y médio
culturalmente avazado para lograr su vigência doquiera se plantee um
conflicto, - por uma parte. Y, por outra, la no menos frecuente afirmacíon de
que debe evitarse el proceso y, si plantea, procurar ponerle rápidamente fin.
Tal vez la primera afirmacíon pertenezca a la doctrina, a la teoria y la
segunda a la realidad concreta, a la práctica vivida por quienes ‘sufren’ el
proceso. (BIDART, 1988, p. 253).
A mentalidade de que a solução do conflito ajustada entre as partes é uma
via extremamente salutar para solução da crise do acesso à Justiça está
consolidada entre aqueles que o defendem ardorosamente sem qualquer barreira e
restrição. Isto ocorre por duas razões clarividentes: de um lado, a crise da Justiça
reflete a crise do seu principal instrumento de atuação, o processo. Assim,
A crise do processo é instrumental porque é o principal instrumento de
atuação da Jurisdição. A propósito: ‘O processo é indispensável à função
jurisdicional exercida com vistas ao objetivo de eliminar conflitos e fazer
Justiça mediante a atuação da vontade concreta da lei. É, por definição,
instrumento através do qual a Jurisdição opera (instrumento para a
positivação do poder)’. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, op. cit. p.
295).
Demonstra que o Poder Judiciário não está em condições de monopolizar a
Jurisdição, sob pena de majorar ainda mais o descrédito já existente e predominante
no seio social. A propósito, Marinoni ressalta que:
O estreitamento do canal de acesso à ordem jurídica justa, além de
produzir o indesejável descrédito do povo nas instituições jurídicas, produz
o agravamento da litigiosidade latente, ponto que tem preocupado de forma
muito significativa, pelas profundas repercussões de ordem social que pode
acarretar. (MARINONI, op. cit. p. 41).
125
De outra banda, a expansão da autotutela privada, com o recrudescimento
da violência, e o surgimento dos chamados “justiceiros”, que fazem a “Justiça” que
reflete o empobrecimento do espírito solidarista da população, são expressões
magnas deste problema (MARINONI, op. cit. p. 41).
Por esta razão, tem se difundido a importância da pacificação dos conflitos a
qualquer custo, por obra do Estado ou por outros meios não estatais. Nesse sentido:
Vai ganhando corpo a consciência de que, se o que importa é pacificar,
torna-se irrelevante que a pacificação venha por obra do Estado ou por
outros meios, desde que eficientes. Por outro lado, cresce também a
percepção de que o Estado tem falhado muito na sua missão pacificadora,
que ele tenta realizar mediante o exercício da jurisdição e através das
formas de processo civil, penal ou trabalhista (CINTRA; GRINOVER;
DINAMARCO, op. cit. p. 31-32).
Segundo Caetano Lagrasta Neto (1989, p. 22), os meios alternativos de
solução
de
conflitos
são
propostas
de
acesso
à
Justiça,
dispensados,
principalmente, às pessoas mais carentes, pertencentes a qualquer espécie de
minoria. Por isso, conforme lembra Carlos Alberto Carmona (1989, p. 91-99), “[...]
ganha terreno a afirmação no sentido de que a distribuição de Justiça pode ser
propiciada não só através do Estado com sua direta intervenção, mas também pelas
vias conciliativa e arbitral, ambas incluídas no conceito amplo de jurisdição”.
Os meios alternativos de solução dos conflitos têm sido utilizados e
aplicados em vários países, com vistas a dirimir conflitos de menor complexidade e
valor econômico, principalmente em causas relacionadas a direito de família,
vizinhança, inquilinato, entre outras.
A conciliação é meio de solução dos conflitos extremamente importante, não
só para a superação da crise de acesso à Justiça, como também para a pacificação
social. Grinover insere a conciliação no quadro da Justiça Conciliativa, e a seu
respeito pondera:
Todavia, a Justiça conciliativa não atende apenas a reclamos de
funcionalidade e eficiência do aparelho jurisdicional. E, na verdade, parece
impróprio falar-se em racionalização da Justiça, pela diminuição da
sobrecarga dos tribunais, se o que se pretende, por meio dos equivalentes
jurisdicionais, é também e primordialmente levar à solução controvérsias
126
que freqüentemente não chegam a ser apreciadas pela Justiça tradicional.
Assim, como a jurisdição não tem apenas escopo jurídico (o de atuação do
direito objetivo), mas também escopos sociais (como a pacificação) e
políticos (como participação), assim também outros fundamentos podem ser
vistos na adoção das vias conciliativa, alternativas ao processo: até porque
a mediação e a conciliação, como visto, inserem-se no plano da política
judiciária e podem ser enquadradas numa acepção mais ampla de
jurisdição, vista numa perspectiva funcional e teleológica. Releva, assim, o
fundamento social das vias conciliativas, consistente na sua função de
pacificação social. Esta, via de regra, não é alcançada pela sentença, que
se limita a aditar autoritativamente a regra para o caso concreto e que, na
grande maioria dos casos, não é aceita de bom grado pelo vencido, o qual
contra ela costuma insurgir-se com todos os meios na execução e que, de
qualquer modo, se limita a solucionar a parcela de lide levada a juízo, sem
possibilidade de pacificar a lide sociológica, em geral mais ampla, da qual
aquela emergiu, como simples ponta do iceberg. Por isso mesmo, foi
salientado que a Justiça tradicional se volta para o passado, enquanto a
Justiça informal se dirige ao futuro. A primeira julga e sentencia; a segunda
compõe, concilia, previne situações de tensões e rupturas, exatamente
onde a coexistência é um relevante elemento valorativo. (GRINOVER, 2008,
op. cit. p. 73-74).
Através dela, mediante concessões mútuas, os interessados estabelecem
entre si a solução que melhor atenda a ambos, sem que haja total renúncia ou
submissão de uma parte a outra. Desta maneira, a conciliação guarda característica
essencial à concretude plena do acesso à Justiça: a participação dos contendores.
Nessa linha de entendimento, é certo que a conciliação se consubstancia em
poderoso instrumento de participação popular na administração da Justiça, sendo
capítulo amplo do tema da democracia participativa, conforme afirmou Grinover
(1988, p. 284). Esclarece a autora que a crise do Estado Moderno Liberal, que
centralizou na autoridade estatal a ordenação da sociedade, passou, num estágio
posterior, a submetê-la ao controle popular (GRINOVER, 1988, Idem, p. 284).
Nasceu o princípio participativo, cujo núcleo se desdobra em dois momentos
principais: o primeiro consistente na intervenção na hora da decisão; o segundo,
atinente ao controle sobre o exercício do poder (GRINOVER, 1988, Idem, p. 284).
Assim:
[...] o princípio manifesta-se, na verdade, numa imensa variedade de
formas, desde a simples informação e tomada de consciência, passando
pela reivindicação, as consultas, a co-gestão, a realização dos serviços, até
chegar à intervenção nas decisões e ao controle, como caracterizar graus
mais ou menos intensos de participação.
Por outro lado, sendo finalidade última de participação a integração da
pessoa humana, por intermédio da responsabilidade e do consenso, e tendo
127
ela como motivo de inspiração o princípio da solidariedade social, é
evidente que a democracia participativa favorece a até privilegia a
participação dos grupos, dada também a ineficiência das formas meramente
individualistas de participação (GRINOVER, 1988, Idem, p. 284-285).
A conciliação é instrumento alternativo de solução dos conflitos que pode ser
praticada no âmbito judicial e extrajudicial, a depender da instauração ou não de
processo.
No âmbito judicial, algumas experiências positivadas devem ser destacadas.
No processo civil, a audiência preliminar prevista no artigo 331102 do CPC tem como
fundamento a possibilidade de conciliação das partes, sem, contudo, privar o juiz de
nova tentativa em outras fases do procedimento, como previsto, por exemplo, nos
artigos 447 a 449103 do mesmo diploma legislativo104.
102
Art. 331. Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, e versar a
causa sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no
prazo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se
representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir.
o
§ 1 Obtida a conciliação, será reduzida a termo e homologada por sentença.
o
§ 2 Se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará os pontos controvertidos,
decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas,
designando audiência de instrução e julgamento, se necessário.
o
§ 3 Se o direito em litígio não admitir transação, ou se as circunstâncias da causa evidenciarem ser
improvável sua obtenção, o juiz poderá, desde logo, sanear o processo e ordenar a produção da
o
prova, nos termos do § 2 .
103
Art. 447. Quando o litígio versar sobre direitos patrimoniais de caráter privado, o juiz, de ofício,
determinará o comparecimento das partes ao início da audiência de instrução e julgamento.
Parágrafo único. Em causas relativas à família, terá lugar igualmente a conciliação, nos casos e para
os fins em que a lei consente a transação.
Art. 448. Antes de iniciar a instrução, o juiz tentará conciliar as partes. Chegando a acordo, o juiz
mandará tomá-lo por termo.
Art. 449. O termo de conciliação, assinado pelas partes e homologado pelo juiz, terá valor de
sentença.
104
Quando a Lei nº. 8.952/94 dispôs a respeito da audiência preliminar, muito se discutiu a respeito
da obrigatoriedade desta. A nosso ver, não faz sentido ser facultativa, exceto quando o litígio não
comporta transação ou quando as circunstâncias da causa evidenciam sua improbabilidade (art. 331,
§ 3º do CPC). É que a conciliação deve ser tentada pelo juiz como meio de evitar a litigiosidade
latente entre as partes, através de sua persuasão e técnicas de negociação. Um bom juiz, nos
moldes das novas exigências atuais, deve ser, antes de tudo, um exímio conciliador e negociador. A
respeito da obrigatoriedade da audiência do artigo 331 do CPC, comenta Nelson Nery Junior (2006,
Ibid., p. 524 – nota 4): “O sistema processual civil brasileiro sofreu significativa reformulação com a L
8952/94. Antes o juiz saneava o feito em cartório; hoje, isto deverá ser feito na audiência preliminar. É
a nova regra do jogo. Não pode o juiz consultar as partes, indagando se tem interesse na realização
da audiência que a lei impõe seja realizada. As normas do processo civil são, em regra, de ordem
pública, de sorte que as partes não podem abrir mão de direito que não lhes pertence. Mesmo que as
partes não queiram comparecer à audiência, mesmo que não queiram submeter-se à tentativa de
conciliação, o juiz deverá praticar os demais atos previstos pela norma ora analisada, no momento
processual adequado para tanto: na audiência preliminar. Consultando as partes e deixando de
designar a audiência, para sanear o feito em cartório, significa, em última análise, aplicar o revogado
CPC de 1973, ao invés do vigente CPC de 1994”.
128
Em verdade, a conciliação judicial ou processual é dever do juiz e deve ser
praticada a qualquer tempo, conforme prevê o artigo 125, IV, do CPC105.
Esta mesma cultura de conciliação se faz presente nos Juizados Especiais
Cíveis106, norteando suas atividades com objetivo de solucionar os conflitos sem
desgaste para as partes, com celeridade, eficiência e sem custo para o
jurisdicionado.
Torres tece considerações a respeito da conciliação no processo civil e sua
influência nos Juizados Especiais:
Como referência, o art. 448 do Código de Processo Civil, que
anteriormente se constituía no momento propício para a conciliação das
partes, agora se constitui em mais uma oportunidade para conciliação, tanto
que deve ter uma interpretação com o art. 331, que primeiramente teve uma
nova redação pela Lei nº. 8.952, de 13 de dezembro de 1994, ensejando
uma audiência conciliatória no saneamento do processo, em fase anterior à
audiência de instrução e julgamento. Essa afirmativa é porque a solução do
litígio pela transação com a audiência preliminar, procura evitar a
litigiosidade processual e agora, mais uma vez, se mostra o espírito
norteador para a solução do litígio, na recente Lei nº. 10.444, de 7 de maio
de 2002, alterando, mais uma vez, o referido art. 331 do Código de
Processo Civil. É a idéia de conciliação que está presente, oxigenando um
novo conceito de processo, tendo no sistema dos Juizados de Pequenas
Causas a fonte inspiradora. (TORRES, op. cit. p. 107-108).
A conciliação processual é aceita pelo cidadão e tornou-se prática salutar
levada a efeito pelo Poder Judiciário através do movimento “Conciliar é legal”, desde
o ano de 2006, através da “Semana Nacional da Conciliação”, quando inúmeros
litigantes põem termo ao seu processo por meio da transação com a parte contrária.
Nesse caso, a efetividade de soluções é medida extremamente positiva, que
desafoga o Judiciário, sem dizer que produz o sentimento de satisfação e
contentamento das partes. A título de informação, no ano de 2008, das 398.012
audiências marcadas durante a Semana Nacional de Conciliação, 305.591
audiências foram realizadas; destas, 135.337 acordos foram feitos, o que totaliza
105
Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:
I - assegurar às partes igualdade de tratamento;
II - velar pela rápida solução do litígio;
III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça;
IV - tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.
106
O artigo 2º da Lei nº. 9.099/95 dispõe: “O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade,
simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível a
conciliação ou a transação”.
129
44,3% de soluções de conflitos107. Nessa mesma semana, foram atendidas 633.631
pessoas, por magistrados, juízes leigos, conciliadores e colaboradores108. Assim:
Uma Justiça mais acessível, efetiva, simples e informal é o que deseja a
população brasileira. A adoção da conciliação tem se revelado fórmula hábil
para atender a esse anseio, como revelam os exemplos acima. É
indispensável divulgar a existência de uma maneira nova de resolver as
querelas. Sentar para conversar, antes ou depois de proposta uma ação
judicial, pode fazer toda a diferença. (NORTHFLEET, 2007, p. 2).
A conciliação judicial não exclui a conciliação extrajudicial, tendo como
principal objetivo evitar o processo, sendo ao jurisdicional uma alternativa viável.
Ada Pellegrini Grinover denomina a conciliação extrajudicial de “conciliação préprocessual” e apresenta formas de exercício desta109.
Em alguns países, a conciliação pré-processual é realizada por juízes de
paz, que são órgãos jurisdicionais, e tem a função de pacificar os conflitos ainda não
transformados em processo judicial. Trata-se de fase obrigatória, e que precede ao
exercício do direito de ação (GRINOVER, 1990, op. cit. p. 209).
A Justiça de paz é criação francesa ou espanhola, no entanto, é praticada
em outros países como na Itália e no Uruguai. No Brasil, relata a autora que os
juízes de paz foram investidos de função conciliatória prévia, sendo a Justiça de paz
uma condição obrigatória para o início de qualquer processo, segundo a
Constituição Imperial de 1824 (arts. 161 e 162). Ocorre que a instituição perdeu
força e foi transformada em órgão incumbido de habilitar e celebrar casamentos
(GRINOVER, 1990, Idem, p. 210).
Outra maneira de exercício da conciliação pré-processual se deu no Estado
do Rio Grande do Sul, no ano de 1982, através dos Conselhos de Conciliação. Sua
finalidade foi a de dar solução extrajudicial a pequenas causas envolvendo direitos
disponíveis. Nele, os conciliadores e árbitros não recebiam qualquer remuneração,
exercendo suas funções em horário noturno e somente quando solicitados pelos
107
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Semana Nacional da Conciliação: De 01 a 05 de
Dezembro de 2008. <Disponível em: http://www.cnj.jus.br>. Acesso em 24 agosto, 2009.
108
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Semana Nacional da Conciliação: De 01 a 05 de
Dezembro de 2008. <Disponível em: http://www.cnj.jus.br>. Acesso em 24 agosto, 2009.
109
Mais uma vez socorremo-nos das lições da ilustre jurista, considerando ser uma das maiores
conhecedoras e propagadoras do assunto no Brasil. Nesse sentido, destaca-se o artigo “Conciliação
e Juizados de Pequenas Causas” (1990, op. cit. p. 205-215).
130
interessados. Promovia-se, num primeiro momento, a tentativa de composição
amigável, e, não sendo possível, propunha-se o arbitramento, restando como última
alternativa a via jurisdicional (GRINOVER, 1990, Idem, p. 213).
O ponto forte dos Conselhos de Conciliação, sem dúvida, era o de
solucionar conflitos de menor valor, de modo simples, rápido e efetivo, pois, havia
incessante participação dos envolvidos no conflito.
Hodiernamente, no Brasil, existe a possibilidade de conciliação e mediação
prévias nos Juizados Especiais de Conciliação (JIC) e Juizados Especiais Civis
(JEPEC), com a participação ativa de bacharel em direito, advogado, estagiário, ou
leigos das áreas de Assistência Social, Psicologia, entre outras (HESS, op. cit. p.
171). Além disso, existem os projetos do CIC (Centro de Integração da Cidadania),
nas periferias da cidade de São Paulo, nos quais funcionam os serviços de
conciliação e mediação em questões de família, locação e moradia, cobrança de
pequenas dívidas, direitos do consumidor, direitos da criança e do adolescente,
direitos trabalhistas por meio de operadores do direito, assistentes sociais,
psicólogos, que orientam e conciliam as partes (HESS, op. cit. p. 171).
Estes Juizados de Conciliação e Mediação têm se apresentado como
instrumento de grande relevância para a superação da crise de acesso à Justiça,
pois elegem como foco a conciliação e, desta forma, priorizam que as partes
resolvam o conflito sem que sejam necessários o processo e sentença judicial.
De todo o exposto, verifica-se que a conciliação implica em discussão franca
e aberta entre as partes, podendo acontecer antes de instaurado o processo ou
após sua instauração, sendo salutar alternativa de aproximação e participação dos
envolvidos na solução do conflito e na pacificação destes com Justiça.
A conciliação proporciona um efetivo acesso à Justiça, pois nela predomina
o tratamento igualitário entre os contendores que decidem, em conjunto e da melhor
forma, como por cobro à situação conflituosa, de modo que ambas se satisfazem.
Conciliar é uma das vias mais interessantes para se vencer a crise da Justiça.
Com efeito, Grinover se pronuncia:
O correto enfoque das funções e da estrutura da conciliação extrajudicial
permite, assim, olhar para ela, no mais amplo quadro de acesso à Justiça,
como a um poderoso instrumento de solução de certos conflitos, alternativo
ao processo, mas não excludente deste. E permite afirmar, sem temor de
erro, que responde ela não apenas à busca de maior racionalização e
131
eficiência na administração da Justiça, como também aos objetivos
preponderantes de pacificação social, compondo e prevenindo situações de
tensões e rupturas mais amplas e profundas do que as lides levadas à
Justiça tradicional e solucionadas pelo processo. Configura, ainda,
significativo meio de participação do corpo social na administração da
Justiça, pela via da mediação institucionalizada, capaz de levar à
autocomposição, além de propiciar a informação, a tomada de consciência
e a politização que decorrem da orientação jurídica. Tudo obedecendo aos
escopos jurídico, sociais, e políticos da jurisdição que, em sua acepção
mais ampla, também compreende a atividade conciliativa extrajudicial.
(GRINOVER, 1988, op. cit. p. 293).
A crítica que se faz à conciliação, mais precisamente à conciliação judicial, é
por todos, exteriorizada por Grinover:
Critica-se, ainda, a atribuição da função de conciliador ao próprio juiz da
causa, em razão da dificuldade de desvincular o papel mais ativo do juiz, na
obra de convicção das partes, de um verdadeiro pré-julgamento. Mesmo
assim, deve-se reconhecer que o êxito da tentativa de conciliação depende,
em grande parte da habilidade pessoal do juiz, de seu poder de persuasão
e da forma como a conduz, devendo evitar pressões descabidas sem deixar
de empenhar-se a fundo no convencimento das partes. Por isso alguns
juízes conseguem elevado número de acordos, enquanto outros são menos
felizes em suas tentativas. (GRINOVER, 1990, op. cit. p. 207).
O fato é que a conciliação judicial em muitos casos não é alcançada porque
a litigiosidade já se encontra estabelecida entre as partes. Estas, por sua vez, pelo
fato de ter ajuizado e contestado a demanda, preferem a solução do conflito via
sentença. Resistem porque até a fase de conciliação arcaram com custas, despesas
processuais e honorários advocatícios e não querem pôr tudo a “perder” por conta
de uma composição amigável. Os advogados, neste caso, não a recomendam,
tendo em vista a suplantação do interesse em perceber honorários de sucumbência,
impostos ao vencido na sentença, sem contar o desperdício do trabalho já
executado. Não bastasse isso, nessa fase procedimental – mediante o cotejo da
inicial e da resposta do réu – o juiz já formou em seu íntimo a convicção acerca do
direito controvertido e já esquematizou mentalmente a sentença, sendo quase
impossível conduzir de maneira parcial as partes a um acordo.
Mas não é só. Não é incomum a prática de excessos judicantes no momento
da conciliação. É comum a “imposição” de acordos que prejudicam legítimos direitos
do autor ou punem imoderadamente o réu, como se a transação posta “goela a
132
baixo” fosse satisfatória no plano da resolução dos conflitos. O fato é que a
conciliação, nesses termos, torna-se ilegítima, visto que não agrada os contendores.
Carmona observa o seguinte:
Ocorrem então fenômenos quase sempre patológicos, ousamos afirmar,
como aquilo que se tem visto na Justiça Trabalhista: à fúria de conciliar,
muitos vogais e alguns juízes presidentes de juntas de conciliação e
julgamento acabam por impor certos acordos que prejudicam os legítimos
direitos do obreiro ou aniquilam a perspectiva do empregador honesto –
sempre intimidado perante a Justiça federal especializada, que tende a
tratar com maior benevolência o hipossuficiente – de obter uma sentença
justa. Onde está, então, a harmonização das desavenças? Que tipo de
equilíbrio social pode trazer um acordo que não convence os contendores?
(CARMONA, op. cit. p. 93).
A conciliação, seja judicial ou extrajudicial, jamais pode ser tida como
abafador ideológico do verdadeiro anseio de Justiça, e em hipótese alguma deve
surgir como substitutivo à indeclinável responsabilidade do Estado de proteção ao
cidadão e seus direitos (LAGRASTA NETO, op. cit. p. 30).
Outro meio alternativo de solução dos conflitos é a mediação. Trata-se de
método consensual e informal, onde o mediador auxilia os interessados a buscar
solução justa e adequada ao caso submetido à apreciação. Sem interferir
diretamente, mas, atuando de modo a facilitar a compreensão do problema, a
mediação confere aos participantes um ponto de equilíbrio.
Segundo Moreira e Sales:
[...] a mediação pode ser definida como um procedimento consensual de
solução de conflitos por meio do qual uma terceira pessoa imparcial –
escolhida ou aceita pelas partes – age no sentido de encorajar e facilitar a
resolução de uma divergência, ou seja, é uma técnica não adversarial de
solução de conflitos, onde um terceiro (imparcial), atua como facilitador do
diálogo, estimulando as próprias partes envolvidas no conflito a
encontrarem, consensualmente, a solução mais satisfatória para ambas.
(MOREIRA; SALES, 2008, p. 349).
Interessante registrar que, ao contrário das autoras citadas, Bezerra
assevera que o mediador é um terceiro interventor neutro e faz distinção entre
imparcialidade e neutralidade:
133
É um processo informal, voluntário, onde um terceiro interventor, neutro,
assiste aos disputantes na solução de suas questões. [...] Portanto, na
mediação, ao contrário dos demais mecanismos, o papel do interventor não
é revestido somente de imparcialidade e, sim, avançando, porta-se com
neutralidade. Imparcial é quem se envolve no conflito, decidindo e fazendo
substituir a vontade dos querelantes, pela sua (decisão que prevalecerá).
Neutro, em sentido amplo, é quem, diante de um conflito em andamento,
adota uma atitude de não-participação e de eqüidistância com relação as
partes em luta. (BEZERRA, op. cit. p. 80).
Nos Estados Unidos, a mediação é um importante mecanismo de resolução
de conflitos extrajudiciais (Alternative Dispute Resolution – ADR) utilizada pelos
órgãos e Câmaras de Conciliação e Arbitragem, principalmente pelos advogados na
fase inicial de contato entre escritórios e clientes. As técnicas de mediação são
disciplinas ensinadas nas Faculdades de Direito; por meio de pesquisas,
constantemente são buscadas novas técnicas de mediação de conflitos de família,
consumidor, direitos de vizinhança e de locação, questões trabalhistas e até
questões criminais de bagatela (HESS, op. cit. p. 168).
Pondera Hess (Idem, p. 168) que a mediação. Trata-se de método
consensual e informal, onde o mediador auxilia os interessados a buscar solução
justa e adequada ao caso submetido à apreciação. Sem interferir diretamente, mas,
atuando de modo a facilitar a compreensão do problema, a mediação confere aos
participantes um ponto de equilíbrio.
Os princípios que regem a mediação são: liberdade de escolha, neutralidade
do mediador, responsabilidade pela própria decisão, informação sobre o assunto,
causas e conseqüências de seus atos, confiança no procedimento desenvolvido pelo
mediador (HESS, Idem, p. 168).
Embora haja pontos comuns, a conciliação e a mediação guardam diferença,
senão vejamos:
A mediação assemelha-se à conciliação: os interessados utilizam a
intermediação de um terceiro, particular, para chegarem à pacificação de
seu conflito. Distingue-se dela somente porque a conciliação busca
sobretudo o acordo entre as partes, enquanto a mediação objetiva trabalhar
o conflito, surgindo o acordo como mera conseqüência. Trata-se mais de
uma diferença de método, mas o resultado acaba sendo o mesmo
(CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, op. cit. p. 34)
134
Na prática, a mediação tem surtido bons efeitos na área do direito de família,
pois tem ajudado casais e filhos a dialogarem no momento de solucionar os conflitos
decorrentes dos entraves familiares. Ademais, a mediação tem sido aplicada nos
casos envolvendo direito de vizinhança. Segundo Torres:
O instrumento de mediação adapta-se muito bem e tem surtido bons
efeitos em problemas e conflitos na área do direito de família. Esse
procedimento pode ser iniciado em momento anterior à proposição formal
de qualquer ação em juízo, no decorrer do andamento do processo, ou em
qualquer fase em que haja discordância sobre algum ponto que seja
considerado essencial e não esteja sendo devidamente cumprido, assim
como inúmeros outros casos, envolvendo direitos de vizinhança. Na
mediação, as partes é que buscam uma decisão, o intermediário como o
próprio nome diz, propicia condições para que haja uma interação e uma
compreensão sobre o litígio e se encontre um caminho satisfatório para os
envolvidos. (TORRES, op. cit. p. 169).
Há críticas endereçadas à mediação extrajudicial, pois, em tese somente o
direito protege os mais fracos. Assim, o não reconhecimento jurídico das partes na
mediação pode ter como conseqüência a privação dos mecanismos de proteção
jurídica e tutela estatal. No entanto, Bezerra (op. cit. p. 82) combate essa idéia
argumentando que: “Antes de o não reconhecimento das soluções extrajudiciais
constituir-se numa conseqüência para os mais fracos, consiste em causa para os
mais fortes não fazerem acordos extrajudiciais”. E continua:
Na Justiça do Trabalho isso se constata largamente, onde os
empregadores (parte mais forte nas relações de emprego), negam-se a
compor seus litígios extrajudicialmente, exatamente por falta de segurança
nas relações jurídicas futuras, pois os empregados (parte mais fraca)
conciliam e depois reclamam judicialmente. (BEZERRA, Idem, p. 82).
Por outro lado, assim como na conciliação, a mediação proporciona
tratamento igualitário aos que dela participam, pois torna o direito mais acessível aos
interessados. Logo, forçoso concluir que a mediação é instrumento indispensável
para superação da crise de acesso à Justiça.
Assim:
135
Traçados, em linhas gerais, os principais contornos da mediação de
conflitos na atualidade, revela-se importante destacar que o resgate de seu
papel, enquanto meio para resolução de conflitos, decorre não só de uma
necessidade dos cidadãos, que reclamam por meios e espaços adequados
para uma atuação efetiva tanto no âmbito social como político, mas se
insere na própria crise em que se encontra o Estado de Direito. Crise que,
de resto, é fruto daquela pela qual passa a própria democracia, não só sob
o aspecto conceitual, já que hoje, afastando-se da visão de um regime
político, passou a representar um modelo de sociedade, como também pela
realidade pobre de vivências de práticas democráticas pelos cidadãos.
(MOREIRA; SALES, op. cit. p. 352).
Por último, mas não menos importante, é a arbitragem. Constitui-se meio
alternativo de solução dos conflitos onde as partes submetem a um terceiro neutro,
escolhido por elas, determinada disputa para que lhes seja apresentada uma
decisão. Embora guarde semelhanças, não se confunde com a conciliação nem com
a mediação.
As distinções conceituais entre mediação e arbitragem encontram-se
esboçadas por Torres:
Cabe, desde logo, estabelecer, mesmo que circunstancialmente, a
diferenças conceituais entre essas modalidades alternativas. A mediação
constitui-se numa forma de negociação assistida, em que uma terceira
pessoa, como mediadora, atua no sentido de colocar a termo à disputa.
Para tanto, é imprescindível o aspecto confiança, de tal forma que a pessoa
intermediadora possa, paulatinamente, ir afastando as diferenças e
reunindo informações num campo investigatório para apresentar pontos
convergentes e positivos, a fim de tornar possível a pacificação. A
arbitragem, por sua vez, também tem na voluntariedade o seu motor e
representa, juntamente com a mediação, uma das formas diferenciadas na
resolução dos conflitos. Desprende-se dos formalismos exagerados do
processo tradicional, tendo, nos profissionais escolhidos espontaneamente
pelas partes envolvidas, um mecanismo hábil para resolver os conflitos,
principalmente aqueles considerados grandes, de maior complexidade. Por
isso a arbitragem tem sido utilizada na área comercial, tanto nacional
quanto internacionalmente. Cabe dizer, é um instrumento alternativo para
composição de um conflito sobre bens disponíveis, atuando no campo de
relação jurídica em que se valoriza a liberdade e autonomia da vontade das
partes. (TORRES, op. cit. p. 124).
Historicamente, a arbitragem já era forma de resolução dos conflitos
praticada na Grécia Antiga, nos conflitos entre cidades-estados (BEZERRA, op. cit.
p. 65). Esteve presente, também, entre os hebreus, desde o ano de 1.300 a.C., na
época do direito mosaico (BEZERRA, Idem, p. 65). No Novo Testamento, o apóstolo
136
Paulo censura o encaminhamento de litígios interna corporis pela Igreja de Corinto
aos tribunais togados, pois, estes eram pagãos (BEZERRA, Idem, p. 65). Não se
pode deixar de noticiar o direito romano, onde os pretores dirimiam os conflitos entre
os romanos nacionais (HESS, op. cit. p. 169).
No Brasil, a matéria está regulamentada pela Lei nº. 9.307/96 que recebeu
forte influência da arbitragem praticada pelos Estados Unidos. São características da
arbitragem: a) existência de uma lide entre duas ou mais pessoas, físicas ou
jurídicas, de direito público ou privado; b) são os litigantes que indicam o terceiro
alheio à lide, observando as normas processuais estabelecidas no compromisso
arbitral ou na legislação processual; c) o laudo arbitral possui caráter vinculante, ou
seja, gera obrigatoriedade às partes, sendo executáveis na Justiça Estatal
(BEZERRA, Idem, 67).
A arbitragem é compatível com direitos disponíveis e pode ser aplicada a
conflitos de baixo valor econômico. De acordo com a lição de Silva:
Tendo a sua intervenção confinada ao campo dos direitos disponíveis,
numa certa indistinção dos diferentes limites da autonomia privada
(relaciona-se directamente a autonomia para a escolha da jurisdição com a
autonomia para a celebração de transacção, quando aquela não implica
esta), a arbitragem vem tendo dois espaços privilegiados de actuação: a
conflitualidade de baixo impacto econômico e a litigiosidade ou altamente
especializada ou que deve ser rodeada de confidencialidade. (SILVA, 2008,
p. 105-106).
Entre nós, tem sido pouco utilizada, notadamente por ser um processo caro
e demorado, neste particular, pouco se diferindo do processo judicial. Assim sendo,
é certo que as partes acabam por utilizar a via estatal, tendo em vista o pré-conceito
de que será mais segura e garantida. E, na verdade, esse raciocínio não é de todo
desprovido de razão.
Na esfera processual, alguns fatores atuam como inibidores do uso
corriqueiro da arbitragem: o primeiro está na necessidade de executar a sentença
arbitral no Poder Judiciário, não sendo dotada de autoexecutoriedade110; outro fator
110
Art. 475-N. São títulos executivos judiciais:
[...]
IV – a sentença arbitral;
137
a ser considerado é a irrecorribilidade das decisões arbitrais111. A propósito, a ceifa
do direito ao duplo grau de jurisdição rendeu à Lei da Arbitragem críticas
doutrinárias, como menciona Bezerra:
Outra polêmica já levantada em congressos sobre a matéria é que diz
respeito à irrecorribilidade das decisões arbitrais, prevista na lei. Argumentase que no caso sejam lesivas ao direito, as decisões irrecorríveis se
chocariam com o Art. 5º, XXXV da Constituição da República Federativa do
Brasil, de 1988, que cria o princípio da inafastabilidade do judiciário, em
questões que evolvam lesão ou ameaça a direito. A observação não
procede, por um lado, porque em nosso ordenamento, a arbitragem
somente é feita (executada) perante o Judiciário, mesmo as elaboradas
extraprocessualmente. Por outro lado, porque a decisão judicial pura, não
arbitral, também pode ser injusta e ferir direito das partes, não obstante
gerar obstáculo intransponível da coisa julgada, uma vez configurada e
após o prazo legal de rescisória. (BEZERRA, op. cit. p. 69).
Não se pode dizer que a arbitragem ofende o artigo 5º, XXXV, da
Constituição Federal, pois, a parte que a ele se submete o faz por opção. A idéia de
irrecorribilidade está fundamentada, obviamente, na possibilidade de se proferir a
sentença arbitral em prazo razoável, entendido aqui, como o estabelecido pelos
participantes ou previsto no artigo 23 da Lei nº. 9.307/96112.
Lembra-se, ainda, da utilização da arbitragem limitada a matérias de
conteúdo patrimonial disponível113. Parece um pouco desarrazoado não se permitir
que conflitos de natureza não patrimonial – desde que não seja de conteúdo
indisponível – não possam ser resolvidos através de arbitragem, sobretudo, se
considerarmos que arbitragem pressupõe a fidúcia entre árbitro e partes.
Inegavelmente a arbitragem afigura-se em instrumento de importância ímpar
ao combate da crise de acesso à Justiça; entretanto, precisa ser aderida pelos
indivíduos, que dela pouco se valem para solucionar seus conflitos, optando pela via
judicial.
111
Lei nº. 9.307/96, art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica
sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.
112
Art. 23. A sentença arbitral será proferida no prazo estipulado pelas partes. Nada tendo sido
convencionado, o prazo para a apresentação da sentença é de seis meses, contado da instituição da
arbitragem ou da substituição do árbitro.
113
Lei nº. 9.307/96, art. 1º. As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para
dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
138
Por ignorância ou por acreditar que somente o Estado é capaz de solucionar
os conflitos, a arbitragem está em desuso e não atingiu o resultado esperado pelo
legislador e pelos operadores do direito, que viram nela uma alternativa plausível de
solução da crise da Justiça pátria.
Posto isso, não paira dúvida acerca da relevância dos meios alternativos de
solução dos conflitos como instrumentos viáveis de superação da crise de acesso à
Justiça.
Constituem-se em típica Justiça consensual, informal, simples e gratuita, que
conclama os indivíduos a delas usufruir. A conciliação e a mediação podem ser
utilizadas antes da instauração do processo e servem para evitá-lo, considerando o
abarrotamento de demandas submetidas ao Judiciário.
Os meios alternativos de solução dos conflitos devem ser institucionalizados
pelo Poder Judiciário, tornando-se parte da política judiciária dos Tribunais
Estaduais e Federais. A nosso ver, deve o Estado supervisioná-los e neles investir
com recursos financeiros, de forma a fornecer estrutura material e humana para que
se tornem mais efetivos e utilizados na sociedade brasileira.
É preciso difundir mais e mais a cultura da conciliação, mediação e
arbitragem entre a população, pois, a chancela do Estado confere maior segurança
e tranquilidade aos que pretendem utilizar esses mecanismos. Ademais, torna-se
indispensável praticar a conciliação e a mediação extrajudiciais, com vistas a
diminuição de processos judiciais, o que aumenta o grau de confiabilidade no Poder
Judiciário e soluciona conflitos que jamais chegarão a ele.
Ao se reconhecer os meios alternativos de solução dos conflitos, numa
perspectiva extrajudicial, não se está a excluir a possibilidade de instauração de
processo.
Ideal se lei processual determinasse a conciliação pré-processual como
procedente obrigatório a instauração da fase contenciosa. Esta prática foi concebida
no âmbito dos Juizados Especiais, e deveria ser estendida a todos os processos
cíveis, como mecanismo de desafogamento da Justiça.
Ademais, a lei precisa reconhecer e atribuir força jurídica aos acordos que
não sejam realizados às vistas do juiz, ou seja, dispensar que sejam homologados
judicialmente.
A verdade é que o monopólio da Jurisdição é um dogma que deve ser
repensado, de forma que a solução dos conflitos através da conciliação, mediação e
139
arbitragem torna-se medida inevitável e indispensável diante da crise judiciária
instalada na sociedade.
Os meios alternativos garantem efetivo acesso à Justiça, pois conferem
tratamento equânime aos indivíduos. Além disso, permitem aos participantes a
intervenção direta nas decisões tomadas e garantem a inclusão social, numa
perspectiva democrática e participava, pois, a atuação da Jurisdição só se torna
legítima quando permite a participação popular na administração da Justiça.
140
5 A JUSTIÇA ITINERANTE COMO ALTERNATIVA DE SUPERAÇÃO DA CRISE
DE ACESSO À JUSTIÇA
5.1 Considerações introdutórias: a participação popular na administração da Justiça
A Justiça Itinerante, concebida com suporte na descentralização do serviço
jurisdicional, pressupõe a participação popular, vez que tem como ponto central a
solução dos conflitos através da conciliação.
Na medida em que a Justiça se desloca até o cidadão e busca a solução do
conflito, a instauração de processo deve ser evitada, pois, a sentença judicial é ato
de imposição do direito do vencedor em face do vencido e normalmente desagrada
a este último. A aproximação das partes com vistas ao diálogo, a negociação e a
busca pelo consenso, auxiliados por um terceiro preparado para esse fim, legitima a
atuação da Justiça Itinerante porque o acordo é formulado pelas partes, com auxílio
e chancela de um juiz.
Assim, uma Justiça que vai de encontro ao indivíduo e prima pelo consenso
mútuo produz resultados mais satisfatórios, considerando que a solução de conflitos
com esteio em técnicas não adversariais aponta para uma efetividade longe de ser
alcançada pela via oficial de Jurisdição. É preciso lembrar que o processo, ao invés
de pacificar os conflitos, acaba por fomentá-los, como ponderou Bezerra (op. cit. p.
71).
A participação popular na administração da Justiça está na essência da
Justiça Itinerante, além de fortalecer o Poder Judiciário enquanto instituição que
deposita no processo missão pacificadora, de modo a fomentar o resgate das raízes
democráticas do Estado de Direito. A propósito, a afirmativa encontra fundamento da
lição de Watanabe:
É importante que se pense, outrossim, na participação da comunidade
na administração da Justiça. A experiência dos Juizados Informais de
Conciliação e Juizados Especiais de Pequenas Causas, têm posto à mostra
a importância dessa participação. A participação tem ocorrido sob a forma
de Conciliador e Árbitro. Essa participação da comunidade e a adoção de
técnicas alternativas de solução de conflitos, principalmente a conciliação e
o arbitramento, e ainda a tendência a deformalização (mais informalidade) e
delegalização (menos legalismo e solução dos conflitos, em certos casos,
141
pela equidade) têm constituído a grande inovação desses Juizados. A par
das vantagens mais evidentes, que são a maior celeridade e maior
aderência da Justiça à realidade social, a participação da comunidade traz,
ainda, o benefício da maior credibilidade da Justiça e principalmente o do
sentido pedagógico da administração da Justiça, propiciando o espírito da
colaboração. Os que têm a oportunidade de participar conhecerão melhor a
Justiça e cuidarão de divulgá-la ao segmento social a que pertencem.
Demais disso, a organização de uma Justiça com essas características,
organizada para pessoas mais humildes, tem a virtude de gerar, pela
própria peculiaridade do serviço que presta e pela exigência das pessoas
que a procuram, ordinariamente pouco instruídas, um serviço paralelo, que
é o de informação e orientação. (WATANABE, 1988, op. cit. p. 133).
A Justiça Itinerante, além de convalescer o Estado Democrático, é elemento
essencial à promoção da cidadania plena e da dignidade da pessoa humana, haja
vista a perspectiva inclusiva e participativa que a compõe.
Explica Marinoni que a participação popular na administração da Justiça
pode ocorrer de forma direta ou indireta. A direta se caracteriza pela atuação dos
juízes leigos e a indireta através dos princípios que permitem o controle da função
jurisdicional (op. cit. p. 43). Complementa Grinover:
Inseridos os procedimentos conciliativos, ainda que pré-processuais e de
natureza não jurisdicional, no quadro da política judiciária, a intervenção de
leigos na função conciliativa também se coloca no âmbito da participação
popular na administração da Justiça.
Representa ela, ao mesmo tempo, instrumento de garantia e instrumento de
controle, configurando meio de intervenção popular direta pelos canais
institucionalizados de mediação.
Responde, assim, a exigências de educação cívica e de legitimação
democrática. Mas ainda é vigoroso elemento propulsor de informação,
conhecimento, tomada de consciência e politização, na medida em que
possibilita aos usuários da Justiça a informação sobre seus direitos e a
correta orientação jurídica, elementos políticas de particular importância
sobretudo com relação às pessoas menos preparadas e mais carentes.
(GRINOVER, 1988, op. cit. p. 288).
Nesse trilhar, ainda valendo-se do escólio de Grinover, o princípio
participativo insere o cidadão na administração da Justiça. Veja-se:
Trata-se de uma nova forma de limitação do poder do Estado, objetivo
que a separação de poderes não conseguiu alcançar, em que o conceito
unitário de soberania – a soberania absoluta do povo, delegada ao Estado –
é limitado pelo reconhecimento de soberania social aos grupos naturais e
142
históricos que constituem a nação. E se trata, ainda, da implantação de
gestão racional de setores da vida social, que tem a seu favor não apenas a
fé iluminista no valor educativo da participação, mas ainda a convicção da
necessidade de busca de novas formas de democracia, adequadas ao
mundo contemporâneo. (GRINOVER, 1988, op. cit. p. 285).
Para ela, a participação apresenta-se em dois sentidos: a) participação na
administração da Justiça e; b) participação mediante Justiça. Na primeira, utiliza-se o
processo como veículo de participação democrática; na segunda, é preciso analisar
três vertentes: a) participação como instrumento de garantia; b) participação como
instrumento de transformação e; c) participação como instrumento de controle.
A participação popular na administração da Justiça atende as exigências de
legitimação democrática do exercício da jurisdição além de ser elemento de
importância e grande contribuição para a educação cívica (GRINOVER, 1988, Idem,
p. 287).
Conclui-se que a participação popular deve ser fortalecida no âmbito do
Poder Judiciário, e com isso, o Estado deve propagar suas benesses junto à
sociedade, incentivando que os indivíduos busquem soluções alternativas ao
processo judicial, para que não haja resistência ou desconfiança na utilização
desses meios.
Desse modo, inegavelmente aprimora-se a distribuição da Justiça, de
maneira a alcançar aqueles que dela não partilham por estarem distantes e
excluídos. Nesse viés, pertinente citar o que assinalou Torres:
A idéia de levar a Justiça para todos os recantos do Brasil, onde,
normalmente, pelo sistema tradicional, o Estado não consegue chegar, tem
ocupado o tempo de todos que se preocupam com uma efetiva aplicação do
direito. Um dos pontos que se deve destacar são os projetos que visam a
descomplicar os ritos, adotando procedimentos informais, de tal maneira
que esse possam atender a grande maioria dos cidadãos. [...] São Juizados
como os itinerantes que tornam possível resgatar e amparar o princípio
constitucional do amplo acesso à Justiça. É uma forma de Justiça a ser
observada em todos os locais, diferente daquela que é praticada longe dos
cidadãos, nos Fóruns, nos Tribunais, distanciada da compreensão do
cidadão comum. (TORRES, op. cit. p. 85).
143
Essa aproximação do cidadão é pressuposto essencial para que haja
superação da crise de acesso à Justiça, ou, ao menos, para que haja minoração
desta, pois está assentada no tratamento igualitário devido a todos, indistintamente.
Merece crítica a postura passiva e estática do Poder Judiciário em relação
aos diversos conflitos existentes na sociedade, sobretudo, os de menor valor e
complexidade, que quase sempre são resolvidos à margem da Justiça oficial.
Aludida postura passiva, estática, anacrônica e incompatível com os novos
tempos, somada a fatores que obstam o efetivo acesso à Justiça, já tratados
anteriormente, acaba por mitigar ou suprimir direito inalienável, fundamental, que
antecede a todos os outros, visto como acesso à ordem jurídica justa.
Portanto, o princípio de que a Jurisdição é inerte deve ser alvo de reflexão e
sofrer atenuação porque diante das premissas estabelecidas até esta fase, muitos
indivíduos não são alcançados e ficam à margem, excluídos. A propósito, “A
oportunização da prestação jurisdicional não se verifica diante da inércia do Estado.
Não é possível que a abstenção estatal produza solução de conflitos. Obviamente,
isso não sucede”. (POLEZZE, 2006, p. 67).
A Justiça Itinerante, nessa linha de raciocínio, se presta a levar a Justiça
onde ela não pode chegar, tendo por objetivo resolver o conflito sem que se
necessite instaurar processo judicial. Trata-se de uma maneira simples, informal,
mas muito eficiente e eficaz, de solucionar os conflitos e promover o acesso à
Justiça.
5.2 Aspectos gerais da Justiça Itinerante
A
Justiça
Itinerante
foi
concebida
com
supedâneo
na
ideia
de
descentralização do serviço jurisdicional. Assim, poderá ser instalada pela Justiça
Comum Estadual ou Federal, Justiça do Trabalho e seus Tribunais. Em termos
legislativos, a Justiça Itinerante foi inserida na Constituição Federal por obra da
Emenda Constitucional nº. 45/2004 (Reforma do Judiciário). Nessa senda, o artigo
107, § 2º, dispõe sobre a instalação da Justiça Itinerante no âmbito da Justiça
Federal; o artigo 115, § 1º, dispõe sobre a instalação da Justiça Itinerante no âmbito
144
da Justiça do Trabalho; e, o artigo 125, § 7º, dispõe sobre a instalação da Justiça
Itinerante no âmbito da Justiça Estadual114.
Antes disso, porém, já era prática adotada por alguns Tribunais Estaduais,
por meio de ato normativo editado pelo seu Presidente, com amparo no artigo 94 da
Lei nº. 9.099/95, que implicitamente havia permitido a instalação de “Juizados
Itinerantes115”. Com a Reforma do Judiciário, estendeu-se a abrangência de atuação
da Justiça Itinerante, antes circunscrita aos Juizados Especiais, para alcançar as
causas de competência da Justiça Estadual, Federal e Trabalhista. É o que afirma
Azkoul:
Teria sido aprimorada pela recente Emenda Constitucional n. 45 ao
permitir a sua extensão na prestação jurisdicional em geral e dos seus
serviços auxiliares cartoriais, ocupando não apenas prédios públicos como
previa a Lei n. 9.099/1995 (art. 94), ora também pela Emenda Constitucional
n. 45, os prédios comunitários. Ao ganhar estofo constitucional, recebeu
expressamente no seu texto o batismo de Justiça Itinerante. Aliás, com o
advento da Lei n. 9.099/1995, também se buscou uma eficaz aplicação
social das infrações de menor potencial ofensivo. (AZKOUL, op. cit. p. 96).
114
Art. 115. Os Tribunais Regionais do Trabalho compõem-se de, no mínimo, sete juízes, recrutados,
quando possível, na respectiva região, e nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros
com mais de trinta e menos de sessenta e cinco anos, sendo:
[...]
§ 1º Os Tribunais Regionais do Trabalho instalarão a Justiça itinerante, com a realização de
audiências e demais funções de atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição,
servindo-se de equipamentos públicos e comunitários.
§ 2º Os Tribunais Regionais do Trabalho poderão funcionar descentralizadamente, constituindo
Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à Justiça em todas as fases
do processo.
[...]
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta
Constituição.
[...]
§ 7º O Tribunal de Justiça instalará a Justiça itinerante, com a realização de audiências e demais
funções da atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de
equipamentos públicos e comunitários.
Art. 107. Os Tribunais Regionais Federais compõem-se de, no mínimo, sete juízes, recrutados,
quando possível, na respectiva região e nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros
com mais de trinta e menos de sessenta e cinco anos, sendo:
[...]
§ 2º Os Tribunais Regionais Federais instalarão a Justiça itinerante, com a realização de audiências e
demais funções da atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se
de equipamentos públicos e comunitários.
115
Art. 94. Os serviços de cartório poderão ser prestados, e as audiências realizadas fora da sede da
Comarca, em bairros ou cidades a ela pertencentes, ocupando instalações de prédios públicos, de
acordo com audiências previamente anunciadas.
145
O sistema principiológico e processual da Justiça Itinerante tem como
paradigma o dos Juizados Especiais. Estes, por sua vez, foram instituídos com o
intuito de descentralizar a prestação do serviço jurisdicional de modo a tornar-se
mais célere, informal, simplificado e gratuito.
O caráter itinerante que se confere à Justiça está fundamentado na
descentralização do serviço jurisdicional como alternativa viável de atuação do
Poder Judiciário fora dos fóruns e dos gabinetes dos magistrados. Para Torres,
[...] a democracia tem como base o respeito às leis, ao direito e ao poder
constituído. Também se poderia dizer, de outra forma, que não há
afirmação do Estado Democrático de Direito se não há acesso à Justiça, se
o cidadão, onde quer que ele esteja, não receba orientação nem apoio. Por
isso, iniciativas para afirmação da pessoa, com projetos na diretriz de
aproximação da Justiça com o povo, denota o interesse do Judiciário no
objetivo para encontrar alternativas na solução dos litígios, fora do padrão
tradicional de prestação jurisdicional e distribuição de Justiça. (TORRES,
op. cit. 81).
Pressupõe,
portanto,
o
deslocamento
do
aparato
judicial
(juízes,
conciliadores, escreventes, computadores, sistema de internet, etc.) até o local onde
o serviço jurisdicional será prestado aos indivíduos que dele carecessem. Assim,
O Juizado Itinerante, terrestre ou fluvial, tem por objetivo levar o
atendimento judiciário até o cidadão, principalmente aos setores mais
pobres da sociedade, situados nas periferias da cidade. Geralmente, é
constituído de uma unidade móvel, que funciona em um ônibus, ou um
caminhão, ou uma embarcação, adaptado e preparado para levar uma
equipe composta por juízes, conciliadores, atendentes judiciários e pessoal
de apoio, que embarcam para atender a população pobre, as comunidades
ribeirinhas, sem nada cobrar e de forma ágil, eficiente e desburocratizada.
Foi o Poder Judiciário amapaense que primeiro cuidou do Juizado
Itinerante, chegando ‘efetivamente junto à população, através das ações
dos Juizados Especiais’. (FIGUEIRA JÚNIOR, op. cit. p. 31-32).
É forma alternativa de acesso à Justiça a ser priorizada pelo Estado, tendo
em vista os resultados que apresenta no campo da efetividade de direitos. Apenas
para exemplificar, o Juizado Itinerante do Estado de Mato Grosso do Sul, um dos
mais organizados e estruturados do Brasil, apresentou dados estatísticos
interessantes, atualizados até 31/03/2008: no ano de 2001, das 349 ações iniciadas,
146
198 resultou em acordo e 33 em não acordo; no ano de 2002, das 4.295 ações
iniciadas, 2.787 resultou em acordo e 277 em não acordo; no ano de 2003, das
7.804 ações iniciadas, 4.631 resultou em acordo e 602 em não acordo; no ano de
2004, as 10.503 ações ajuizadas, 7.837 resultou em acordo e 369 em não acordo;
no ano de 2005, das 10.316 ações ajuizadas, 8.191 resultou em acordo enquanto
230 em não acordo; no ano de 2006, das 11.512 ações iniciadas, 9.699 resultou em
acordo e 229 em não acordo; no ano de 2007, das 10.803 ações iniciadas, 9.216
resultou em acordo e 241 em não acordo; por fim, no ano de 2008, das 2.366 ações
iniciadas, 1.986 resultou em acordo e 42 em não acordo. No período em referência,
57.948 ações foram iniciadas, 44.545 acordos realizados, havendo 2.023 não
acordos116. A Justiça Itinerante é um sistema moderno, social e democrático,
originário do Brasil (AZKOUL, op. cit. p. 95).
Resta claro que a Justiça Itinerante atinge número elevado de acordos, o
que induz a conclusão de que pacifica os conflitos apresentados pelas partes e pode
se tornar poderoso instrumento para desafogamento da vias oficiais de Justiça, além
de ser alternativa viável de concretização do acesso à Justiça.
Azkoul define o significado de Justiça Itinerante:
[...] o conceito de Justiça Itinerante no sentido formal, adjetivo ou
processual, que se resume com a prestação de serviço da tutela
jurisdicional do Estado, que se efetiva juridicamente com a sentença ou
acórdão, ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o
mérito da causa em outros espaços que não os fóruns, ou seja, unidades
móveis, em colégios estádios de futebol, locais comunitários e em
repartições públicas em geral, devidamente equipadas, preferivelmente,
com sistema informatizado e de telecomunicações. (AZKOUL, Idem, p. 90).
Para Bezerra (op. cit. p. 160): “As chamadas ‘Justiças itinerantes’ são, na
verdade, audiências feitas em outros espaços que não os fóruns, a saber, em
colégios e repartições públicas em geral. É a chamada descentralização e
interiorização da Justiça”.
Em que pese o conceito esposado pelo autor, que de todo não é
improcedente, ousamos em parte discordar porque a Justiça Itinerante não se
resume apenas em audiências realizadas distintos dos Fóruns ou Tribunais, mas,
116
Disponível em: <http://www.tjms.jus.br> Acesso em 28 ago. 2009.
147
deve ter procedimento que preveja a conciliação, instrução e julgamento das
demandas que foram iniciadas.
A nosso ver, a Justiça Itinerante é órgão especial da Jurisdição estatal,
instituída com a finalidade de pacificar os conflitos sociais, utilizando para esse fim a
conciliação e o processo e atuando através de unidade móvel do Poder Judiciário
que se desloca dos fóruns para locais diversos previamente estabelecidos, onde o
serviço jurisdicional será prestado a quem dele precisar, indistintamente. Trata-se de
Justiça descentralizada, forma alternativa de acesso à Justiça, cujo fundamento é a
busca da igualdade social distributiva e participação popular na administração da
Justiça.
A razão da criação da Justiça Itinerante, conforme narra Torres, é a
extensão territorial de alguns estados brasileiros. Neles, a Justiça oficial não
chegava pela ausência de comarca. O Estado do Amapá foi o pioneiro no Brasil,
pois, através de uma embarcação, foi ao encontro da população ribeirinha para
prestar o serviço jurisdicional. No Estado do Amazonas, por exemplo, cita o autor
que com um milhão e meio de metros quadrados e um número de sessenta e dois
municípios, apenas três são sedes de comarcas.
É possível destacar ainda, que a Justiça Itinerante foi instituída para atender
aqueles conflitos considerados diminutos no aspecto econômico ou processual,
normalmente afetos às classes mais pobres e carentes, de regra desinformadas e
desorientadas juridicamente. A propósito, é nesse ponto que a Justiça Itinerante tem
papel fundamental para a concretização do acesso à Justiça, sob uma perspectiva
cidadã e democrática
Assim,
Como se vê, o sistema tradicional e formal está cedendo lugar a
alternativas que procuram vencer os problemas de lentidão e demora na
entrega jurisdicional, sem ofender cânones legais, levando o Poder
Judiciário às comunidades. É a necessidade de rever padrões de
comportamento e atitudes, é a consciência de uma nova realidade e,
felizmente, a grande maioria dos juízes e dos Tribunais está tendo um
pensamento para modificar e até redirecionar a maneira de agir, porque a
injustiça pelo não-reconhecimento de um direito marca fundo na alma do ser
humano (TORRES, op. cit. p. 85).
148
Em síntese, a Justiça Itinerante é alternativa efetiva de acesso à Justiça.
Deve ser organizada de modo a atender – ou tentar – toda a demanda apresentada
pelos cidadãos através da prestação do serviço jurisdicional onde existe carência.
Pode a Justiça Itinerante, desde que haja previsão legal, celebrar
casamentos, expedir registro civil, carteira de identificação civil e até CPF. Esta
Justiça pode atuar em conjunto com o Poder Público, pois visa não só prestar a
tutela jurisdicional, mas, levar cidadania.
A Justiça Itinerante deve ser instalada após estudo prévio, para análise dos
municípios ou bairros carentes de distribuição da Justiça. Assim, o Poder Judiciário
passa a ser interiorizado e atinge pessoas que carecem dos serviços jurisdicionais.
A Justiça Itinerante é uma Justiça Cidadã, participativa, que se propõe a
ampliar o acesso à Justiça.
Inevitavelmente, a estruturação da Justiça Itinerante implica em custos para
o erário público, pois é preciso adquirir unidades móveis, investir em tecnologia, e
contratar servidores e juízes. Nessa linha de raciocínio, a Justiça Itinerante deve ser
elevada a categoria de política pública essencial do Poder Judiciário e deve ser
contemplada com recursos orçamentários específicos, destinados a manter a
prestação desse importante serviço jurisdicional.
O sucesso da Justiça Itinerante depende da efetividade das ações estatais
com objetivo de oportunizar a todos o tão aclamado acesso à Justiça, no que se
refere às demandas de sua competência.
Da assertiva formulada por Azkoul infere-se o ideal de igualdade perseguido
pela Justiça Itinerante:
[...] este mecanismo visa facilitar o acesso ao Judiciário por meio da
Justiça Itinerante (Federal e Estadual), incluída nos arts. 107, § 2º e 3º; 115,
§§ 1º e 2º; e 125, § 7º, da Carta Magna, objetivando levar atendimento
judiciário a todos indistintamente, seja julgamento concorrente das causas
de família, da infância e da juventude, idoso, consumidor, registros públicos,
eleitoral, comercial, civil, criminal, além de outras questões previstas em lei,
principalmente as pessoas com dificuldades de acessar e conhecer a
Justiça, em especial nas periferias, favelas, cortiços, quilombos,
assentamentos, populações ribeirinhas, grandes e pequenas cidades, etc.
(AZKOUL, op. cit. p. 99).
149
5.3 Aspectos processuais da Justiça Itinerante
Não há uniformidade procedimental na Justiça Itinerante, pois, aos Tribunais
compete regulamentar o funcionamento desta. No Estado do Rio de Janeiro, por
exemplo, a Justiça Itinerante instrui e julga os litígios a ela submetidos, caso não
haja conciliação entre as partes117. Já no Estado de Mato Grosso do Sul, a Justiça
Itinerante está habilitada a tentar a conciliação das partes, nos limites da sua
competência; sendo infrutífera, o feito é redistribuído à vara originariamente
competente para conhecer dele118.
Como órgão especial da Jurisdição, entendemos que a Justiça Itinerante é
dotada de procedimento processual próprio, razão pela qual se propõe pontuar seus
aspectos processuais. Não se trata de esgotar o assunto, tendo em vista que pouco
se doutrinou a respeito, mas, de encetar debates a respeito de tema relevante para
a efetiva concretização do acesso à Justiça. Será analisada a organização e
composição, princípios processuais, competência nos limites do que o trabalho se
propõe.
A Justiça Itinerante atua numa unidade móvel, terrestre ou fluvial, equipada
com materiais de expediente necessários à prestação do serviço jurisdicional, nos
moldes de um cartório judicial convencional. Deve conter mesas, computadores,
sistema de internet e telefonia para que se torne possível o atendimento ao cidadão.
É composta pelo juiz (togado) e auxiliares da Justiça (juízes leigos e conciliadores),
conforme art. 5º a 7º da Lei nº. 9.099/95119, além de promotor de Justiça, defensores
públicos, assistente social, psicólogo e oficial de Justiça.
117
Resolução nº. 10/2004. Art. 3º - A competência dos Juízes designados para atuarem na Justiça
itinerante, de natureza funcional, para a conciliação, instrução e julgamento das causas mencionadas
no art. 1º, exclui a de qualquer outro órgão judicial, que não o de origem, devendo ser privilegiadas as
soluções conciliadas.
118
Resolução nº. 353/2001. Art. 4º Diante da competência fixada no artigo anterior, se não houver
composição do conflito mediante acordo entre as partes, o respectivo processo será redistribuído a
uma das Varas que seria originariamente competente para processar e julgar o respectivo feito, nos
termos da Resolução n. 349, de 20 de Setembro de 2001, deste Tribunal, cientificando-se os
interessados.
119
Art. 5º O Juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas,
para apreciá-las e para dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica.
Art. 6º O Juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins
sociais da lei e às exigências do bem comum.
Art. 7º Os conciliadores e Juízes leigos são auxiliares da Justiça, recrutados, os primeiros,
preferentemente, entre os bacharéis em Direito, e os segundos, entre advogados com mais de cinco
anos de experiência.
150
Os princípios que melhor se adaptam ao processo e o procedimento na
Justiça Itinerante são aqueles previstos no artigo 2º da Lei nº. 9.099/95, a saber:
oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, sempre
com objetivo de alcançar a conciliação ou a transação entre as partes120, mas sem
excluir os princípios processuais-constitucionais, tais como o devido processo legal,
contraditório e ampla defesa, igualdade, dentre outros.
Pelo princípio da oralidade há exigência precípua da forma oral no
tratamento da causa, sem que com isso se exclua a utilização da escrita. Lembra
Figueira Junior que “processo oral não é sinônimo de processo verbal” (op. cit. p.
35). O princípio da oralidade impõe ao juiz a colheita direta da prova oral. Lembra,
ainda, que a oralidade abrange outros princípios, dentre os quais: a) o da imediação;
b) o da concentração dos atos processuais; c) o da irrecorribilidade das
interlocutórias; d) o da identidade física do juiz. O princípio da imediação implica no
contato direto do juiz com as alegações e provas produzidas; o princípio da
concentração dos atos processuais reduz o procedimento a uma única audiência; o
princípio da identidade física do juiz vincula o julgador à decisão da causa, por
decorrência da oralidade e da imediatidade.
Na Lei nº. 9.099/95, vários atos processuais serão praticados com
supedâneo no princípio da oralidade. O pedido inicial pode ser formulado oralmente
perante os Juizados Especiais121; o mandato outorgado ao advogado da parte
poderá ser oral122; a contestação do réu poderá ser oral123; os embargos de
declaração serão opostos oralmente124, apesar de o recurso ser escrito125; a
Parágrafo único. Os Juízes leigos ficarão impedidos de exercer a advocacia perante os Juizados
Especiais, enquanto no desempenho de suas funções.
120
Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia
processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.
121
Art. 14. O processo instaurar-se-á com a apresentação do pedido, escrito ou oral, à Secretaria do
Juizado.
[...]
§ 3º O pedido oral será reduzido a escrito pela Secretaria do Juizado, podendo ser utilizado o sistema
de fichas ou formulários impressos.
122
Art. 9º Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente,
podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória.
[...]
§ 3º O mandato ao advogado poderá ser verbal, salvo quanto aos poderes especiais.
123
Art. 30. A contestação, que será oral ou escrita, conterá toda matéria de defesa, exceto argüição
de suspeição ou impedimento do Juiz, que se processará na forma da legislação em vigor.
124
Art. 49. Os embargos de declaração serão interpostos por escrito ou oralmente, no prazo de cinco
dias, contados da ciência da decisão.
125
Art. 42. O recurso será interposto no prazo de dez dias, contados da ciência da sentença, por
petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente.
151
execução de sentença poderá ser iniciada oralmente126 (ABREU, op. cit. p. 213214).
Os princípios da simplicidade e da informalidade açambarcam o da
instrumentalidade das formas, ou seja, a invalidade da relação processual será
medida imposta por razões intransponíveis quando suplantar a questão de fundo,
comprometida com os fins de Justiça do processo. Nessa linha, o pedido deverá ser
feito de maneira simples e em linguagem acessível127; a nulidade não será
decretada sem a existência de efetivo prejuízo128; a citação por oficial de Justiça
será feita independentemente de mandado, inclusive noutra comarca129; as
intimações serão realizadas por qualquer meio idôneo130; as provas poderão ser
produzidas em audiência, ainda que não requeridas previamente, comparecendo as
testemunhas em juízo independentemente de intimação131; a sentença será
concisa132; o julgamento em segunda instância constará apenas de ata, com
indicação do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva, servindo como
acórdão a súmula do julgamento na hipótese de a sentença ser confirmada por seus
próprios fundamentos133; o início da execução de sentença condenatória será
postulada de forma oral e sem citação134; a alienação de bens penhorados pode ser
126
Art. 52. A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado, aplicando-se, no que couber,
o disposto no Código de Processo Civil, com as seguintes alterações:
[...]
IV - não cumprida voluntariamente a sentença transitada em julgado, e tendo havido solicitação do
interessado, que poderá ser verbal, proceder-se-á desde logo à execução, dispensada nova citação;
127
Art. 14. O processo instaurar-se-á com a apresentação do pedido, escrito ou oral, à Secretaria do
Juizado.
§ 1º Do pedido constarão, de forma simples e em linguagem acessível:
[...]
128
Art. 13. Os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais
forem realizados, atendidos os critérios indicados no art. 2º desta Lei.
§ 1º Não se pronunciará qualquer nulidade sem que tenha havido prejuízo.
129
Art. 18. A citação far-se-á:
[...]
III - sendo necessário, por oficial de Justiça, independentemente de mandado ou carta precatória.
130
Art. 19. As intimações serão feitas na forma prevista para citação, ou por qualquer outro meio
idôneo de comunicação.
131
Art. 34. As testemunhas, até o máximo de três para cada parte, comparecerão à audiência de
instrução e julgamento levadas pela parte que as tenha arrolado, independentemente de intimação,
ou mediante esta, se assim for requerido.
132
Art. 38. A sentença mencionará os elementos de convicção do Juiz, com breve resumo dos fatos
relevantes ocorridos em audiência, dispensado o relatório.
133
Art. 46. O julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do
processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos próprios
fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.
134
Art. 52. A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado, aplicando-se, no que couber,
o disposto no Código de Processo Civil, com as seguintes alterações:
[...]
152
deferida a pessoa idônea135; tratando-se de coisa de pequeno valor a ser alienada,
pode se dispensar a publicação de editais136 (ABREU, Idem, p. 216-217).
Pelo princípio da economia processual, o julgador, adotando-se a regra de
Chiovenda, deve dirigir o processo, conferindo às partes um máximo de resultado
em confronto com um mínimo de esforço processual. Nessa linha, a agilização do
provimento, com formas seguras e não-solenes, é consequência natural e evidente
desse princípio. A Lei dos Juizados consagra as seguintes hipóteses de aplicação
prática desse dispositivo: os atos processuais serão válidos sempre que
preencherem as finalidades para as quais forem realizados137; cumulação de
pedidos conexos138; apreciação conjunta, na mesma sentença, do pedido inicial e
pedido contraposto139; dispensa de reconvenção nas ações dúplices140; dispensa do
relatório na sentença141; intimação da sentença condenatória na própria audiência
em que foi proferida142; imediata extinção do processo na ausência de bens do
devedor143 (ABREU, Idem, p. 215-216).
IV - não cumprida voluntariamente a sentença transitada em julgado, e tendo havido solicitação do
interessado, que poderá ser verbal, proceder-se-á desde logo à execução, dispensada nova citação;
135
Art. 52. A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado, aplicando-se, no que couber,
o disposto no Código de Processo Civil, com as seguintes alterações:
[...]
VII - na alienação forçada dos bens, o Juiz poderá autorizar o devedor, o credor ou terceira pessoa
idônea a tratar da alienação do bem penhorado, a qual se aperfeiçoará em juízo até a data fixada
para a praça ou leilão. Sendo o preço inferior ao da avaliação, as partes serão ouvidas. Se o
pagamento não for à vista, será oferecida caução idônea, nos casos de alienação de bem móvel, ou
hipotecado o imóvel;
136
Art. 52. A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado, aplicando-se, no que couber,
o disposto no Código de Processo Civil, com as seguintes alterações:
[...]
VIII - é dispensada a publicação de editais em jornais, quando se tratar de alienação de bens de
pequeno valor;
137
Vide artigo 13 da Lei nº. 9.099/95.
138
Art. 15. Os pedidos mencionados no art. 3º desta Lei poderão ser alternativos ou cumulados; nesta
última hipótese, desde que conexos e a soma não ultrapasse o limite fixado naquele dispositivo.
139
Art. 17. Comparecendo inicialmente ambas as partes, instaurar-se-á, desde logo, a sessão de
conciliação, dispensados o registro prévio de pedido e a citação.
Parágrafo único. Havendo pedidos contrapostos, poderá ser dispensada a contestação formal e
ambos serão apreciados na mesma sentença.
140
Art. 31. Não se admitirá a reconvenção. É lícito ao réu, na contestação, formular pedido em seu
favor, nos limites do art. 3º desta Lei, desde que fundado nos mesmos fatos que constituem objeto da
controvérsia.
Parágrafo único. O autor poderá responder ao pedido do réu na própria audiência ou requerer a
designação da nova data, que será desde logo fixada, cientes todos os presentes.
141
Vide artigo 38 da Lei nº. 9.099/95.
142
Art. 52. A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado, aplicando-se, no que couber,
o disposto no Código de Processo Civil, com as seguintes alterações:
[...]
III - a intimação da sentença será feita, sempre que possível, na própria audiência em que for
proferida. Nessa intimação, o vencido será instado a cumprir a sentença tão logo ocorra seu trânsito
em julgado, e advertido dos efeitos do seu descumprimento (inciso V);
153
Por fim, o princípio da celeridade está ligado ao da efetividade, que tem por
finalidade genérica, além de dar razão a quem tem, recompor o patrimônio do lesado
pelo descumprimento da ordem jurídica. A aplicação do princípio da celeridade no
âmbito dos Juizados Especiais pode ser contemplada através das seguintes
hipóteses: instauração imediata da conciliação quando os litigantes comparecerem
ao Juizado144; impossibilidade de realização de citação por edital145; prolação
imediata da sentença se ausente o demandado146; concentração dos atos
processuais147; dentre outros (ABREU, op. p. 215).
A Justiça Itinerante é competente para conhecer das causas cíveis de menor
complexidade. Inserem-se nessa ideia as relacionadas na Lei nº. 9.099/95, as
consumeristas, relativas a inquilinato e vizinhança, família, estado, e capacidade das
pessoas, sucessões e registro civil. Trata-se de competência funcional por três
razões: 1) havendo óbice processual intransponível o processo será redistribuído a
vara que originariamente dele conheceria; 2) havendo intenção de recorrer da
sentença, o recurso será processado no foro originariamente competente; 3) a
Justiça Itinerante não executa seus próprios julgados.
Na seara extrajudicial, a Justiça Itinerante tem como atribuição a assistência
jurídica pré-processual através da orientação jurídica aos necessitados. Essa função
é atribuída a Defensoria Pública, mas, pode ser delegada aos auxiliares da Justiça.
Comparecendo a parte, ela deve receber orientação jurídica para obter a
solução de seu problema. Se a causa é de competência da Justiça Itinerante, já
deve ser marcada audiência para data em que a unidade móvel retornar ao local,
providenciando-se a citação/intimação do réu para nela comparecer com
documentos e testemunhas, caso haja instrução processual. O autor deve proceder
da mesma forma.
[...]
143
Art. 53. A execução de título executivo extrajudicial, no valor de até quarenta salários mínimos,
obedecerá ao disposto no Código de Processo Civil, com as modificações introduzidas por esta Lei.
[...]
§ 4º Não encontrado o devedor ou inexistindo bens penhoráveis, o processo será imediatamente
extinto, devolvendo-se os documentos ao autor.
144
Vide artigo 17 da Lei nº. 9.099/95.
145
Art. 18. A citação far-se-á:
[...]
§ 2º Não se fará citação por edital.
146
Art. 23. Não comparecendo o demandado, o Juiz togado proferirá sentença.
147
Art. 28. Na audiência de instrução e julgamento serão ouvidas as partes, colhida a prova e, em
seguida, proferida a sentença.
154
Atribui-se ainda a esta Justiça a missão de conciliar os conflitos
apresentados pelas partes, haja vista ser sua prioridade. Trata-se de conciliação
pré-processual, pois, o processo judicial ainda não foi instaurado. Nessa
oportunidade, o conciliador atuará com objetivo de aproximar as partes, incitando-as
a dialogar e negociar em conjunto uma solução para o conflito. Se positiva a
conciliação, deverá ser homologada imediatamente pelo juiz presente na unidade
móvel e valerá como título executivo judicial em caso de descumprimento.
Na esfera jurisdicional, instaura-se o processo judicial caso não haja êxito na
conciliação. Ato contínuo, o autor formula seu pedido, de forma simples, sucinta e
oral, através de defensor público presente na unidade móvel. Na mesma
oportunidade, o réu apresenta resposta ao pedido inicial, também de forma sucinta,
simples e oral, através de defensor público presente na unidade móvel, diverso do
qual defenderá os interesses do autor.
Em havendo necessidade de produção de provas, o juiz declara aberta a
fase de instrução e julgamento e colhe a prova oral. Se desnecessária a produção
de provas, profere sentença em audiência. Caso a parte vencida pretenda recorrer
da sentença prolatada, o feito deverá ser encaminhado ao foro competente,
considerando que a Justiça Itinerante está autorizada somente a conciliar, instruir e
julgar as causas que lhe são submetidas148. O mesmo raciocínio se aplica também
ao que se refere à execução dos julgados proferidos.
Infere-se que na Justiça Itinerante a conciliação é o objetivo precípuo, a
prioridade. Sendo inviável, após incessante tentativa, é que se instaura o processo,
cujo procedimento é simples, informal, célere e gratuito. É, verdadeiramente,
alternativa a ser priorizada pelo Poder Judiciário, pois, garante o acesso à Justiça
aos excluídos e marginalizados da Jurisdição oficial.
A nosso ver, é preciso editar-se lei federal regulamentadora do processo e
procedimento
148
da
Justiça
Itinerante,
delegando
aos
Tribunais
apenas
a
A interposição de Recurso perante a Justiça Itinerante torna-se óbice processual intransponível,
considerando vigorar nesta o princípio da concentração dos atos processuais em audiência. A
solução de remeter o feito ao Juizado Especial local tem fundamento no art. 2º, § 1º da Resolução nº.
10/2004, editada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e que dispõe sobre o funcionamento da
Justiça Itinerante. Aludido dispositivo estabelece: “Para efeito de registro, distribuição, guarda e
arquivo a Justiça Itinerante será adjunta à Vara mais antiga de Família da Comarca-sede, ou à Vara
Única em se tratando de Comarca de 1ª Entrância. Na hipótese de óbice processual intransponível
para a solução eficiente do conflito no âmbito da Justiça Itinerante o feito será encaminhado à Justiça
comum”.
155
regulamentação de questões administrativas. Assim, haverá uniformização, além de
obrigatoriedade de instalação em todos os estados do Brasil.
5.4 Algumas experiências de Justiça Itinerante no Brasil
A Justiça Itinerante tornou-se garantia constitucional do cidadão com a
Emenda Constitucional nº. 45/2004 quando foi positivada na Constituição Federal.
Não obstante, alguns tribunais estaduais já haviam posto em prática a Justiça
descentralizada, institucionalizando-a como projeto de ampliação do acesso à
Justiça.
Deste modo, torna-se imprescindível mencionar algumas experiências de
Justiça Itinerante, visando difundir essa prática.
Importante salientar que nem todos os estados brasileiros criaram e
instalaram a Justiça Itinerante, razão pela qual uma das propostas do presente
trabalho é a de que seja editada lei federal impondo sua instalação.
156
No Estado do Amapá, pioneiro dessa prática descentralizadora149, a Justiça
Itinerante foi instalada no ano de 2005 e é executada tanto no primeiro quanto no
segundo grau de jurisdição e tem abrangência estadual, com atuação em todas as
comarcas. No primeiro grau, a Justiça Itinerante Terrestre corresponde à realização
de jornadas periódicas em comunidades, vilas, distritos ou municípios acessíveis por
terra e a Justiça Itinerante Fluvial é realizada em comunidades, vilas, distritos ou
municípios acessíveis exclusivamente por água, com uso de embarcações próprias
ou alugadas150.
Destinada à busca de composição dos conflitos na área do Direito Cível e de
Família, considerando que o objetivo principal da Justiça Itinerante é obter a
conciliação das partes, o Estado de Amazonas, por seu Tribunal de Justiça, criou a
149
“A prática de levar jurisdição às comunidades interioranas é antiga na Justiça do Estado do Amapá
e remonta a 1992. Naquele ano o juiz José Luciano de Assis, então titular da comarca de Mazagão,
utilizando-se de uma embarcação da prefeitura dele município, iniciou essa atividade indo a várias
localidades do município prestando atendimento jurídico às comunidades ribeirinhas, como registro
de nascimento, separação de sociedade de fato (separação de companheiros) e alimentação
(família). O serviço teve prosseguimento com o juiz Reginaldo Gomes de Andrade a frente daquela
comarca. Em 1994, na Comarca de Serra do Navio, tendo a juíza Eleuza Muniz como titular, foi
iniciada a Justiça itinerante terrestre, quando a equipe do judiciário, um defensor público e um
promotor de Justiça, percorriam, de carro, comunidades daquele município e de Pedra Branca do
Amapari, levando os serviços da Justiça. Casamentos, registros de nascimento e reclamações cíveis
diversas, eram os mais comuns.
Na Comarca de Amapá, duas vezes por ano, o Judiciário em parceria com a Prefeitura do município,
empreende uma jornada até a Vila de Sucuriju, área de preservação ambiental, onde reside uma
comunidade de pescadores, localizada no Cabo do Norte, com cerca de 700 pessoas praticamente
isoladas da civilização, vivendo graves dificuldades, até mesmo de abastecimento d’água, que
precisa ser coletada durante o período chuvoso . O acesso somente é possível por helicóptero ou via
fluvial. A jornada da Justiça é feita em um barco, dependendo de marés, chegando a gastar mais de
vinte quatro horas da sede do município até a Vila de Sucuriju. O Judiciário resolve os conflitos de
interesse enquanto a Prefeitura leva atendimento médico à população. Em Oiapoque, o Juizado
itinerante é feito em catraias, com o Juiz e sua equipe indo até as mais distantes comunidades,
inclusive às aldeias indígenas, enfrentando inúmeras corredeiras, muitas vezes tendo que arrastar a
embarcação sobre as pedras. Na Comarca de Macapá a Justiça Itinerante Fluvial e a Justiça
Itinerante Terrestre foram implantadas em 1996, durante a gestão do Desembargador Mário Gurtyev
de Queiroz como presidente do Tribunal de Justiça do Estado. A primeira Jornada Fluvial com destino
à região do Bailique saiu do Porto de Santana no dia 22 de março de 1996 numa embarcação cedida
pela Marinha. No mesmo ano, foi adquirido um ônibus com ambiente climatizado, dotado de salas de
audiência e computadores para a execução da Justiça Itinerante Terrestre. A viatura passou a
percorrer bairros periféricos, vilarejos e municípios vizinhos próximos da capital, levando a prestação
jurisdicional a pessoas que, em razão da distância, enfrentam dificuldades para se deslocar até os
fóruns. As jornadas fluviais atraíram a atenção da mídia nacional e internacional. Grandes veículos de
comunicação do Brasil, da Europa e dos Estados Unidos já publicaram matéria sobre essa forma
rápida, eficiente e acessível de distribuir Justiça. O primeiro estrangeiro a cobrir uma jornada fluvial à
região do Bailique, foi o jornalista americano Matt Muffet, do jornal Nova-iorquino Waal Street Journal,
que publicou uma pagina sobre o assunto. Em seguida vieram os alemães Mathias Matussek
(repórter) e Michael Ende (fotógrafo) da revista Der Spiegel. Uma equipe da N-TV (um canal de
notícias da Alemanha, associada à americana CNN) e um repórter do Jornal americano Washington
Post já estiveram na Jornada Fluvial. equipes da Rádio BBC de Londres, da televisão australiana e
da canadense também já cobriram a Justiça itinerante fluvial”. Disponível em: <http://www.tjap.jus.br>.
Acesso em: 30 agosto, 2009.
150
Informações disponíveis em: <http://www.tjap.jus.br> Acesso em: 30 agosto, 2009.
157
Justiça Itinerante em novembro de 2003. Funciona em ônibus adaptado e preparado
para levar a Justiça e é composta por um juiz, conciliadores, atendentes judiciários e
pessoal de apoio, preparados para atender a população de forma gratuita, eficiente
e desburocratizada. A iniciativa visou diminuir e desafogar o acúmulo de processos
nos Juizados Especiais e Varas de Família buscando o enxugamento das pautas e a
celeridade processual151.
A Justiça Paulista instalou no ano de 1998 o Juizado Itinerante. O Juizado é
composto por dois trailers que visitam bairros da cidade com endereços préestabelecidos facilitando o acesso da população à Justiça. Um dos veículos é
utilizado para fazer o atendimento e o outro retorna ao local cerca de um mês depois
para as audiências agendadas. Tem a mesma competência dos Juizados Especiais
cíveis, ou seja, atende causas de até 40 salários mínimos, não havendo, para
causas de até 20 salários, necessidade de se constituir advogado. As questões mais
frequentes referem-se a Direito do Consumidor, planos de saúde, cobranças em
geral, conflitos de vizinhança e acidentes de trânsito. O sistema não aceita
reclamações trabalhistas. Os trailers são equipados com notebooks, impressoras e
máquinas de reprodução. Se a questão não puder ser resolvida pelo juizado, os
atendentes informam os locais e procedimentos corretos para a solução do
problema. Qualquer pessoa maior de 18 anos portadora de RG pode procurar o
trailer de atendimento e entrar com uma ação. É preciso saber o nome e o endereço
do réu. Pessoas jurídicas não podem fazer parte desse tipo de processo como
autores. O autor relata o seu caso e o atendente faz um resumo. Ele sai do trailer
sabendo o dia da audiência, realizada no prazo médio de um mês quando o
itinerante retornará ao local. No dia, as duas partes se apresentam ao juiz para a
audiência. Caso o réu apareça com advogado, Procuradores do Estado auxiliam o
autor durante o julgamento. Havendo a possibilidade de conciliação, os termos do
acordo são lançados na sentença. Se não, o juiz ouve o autor, o réu, as
testemunhas e dá a sentença, passível de recurso na Justiça comum. É importante
ressaltar que todos que procuram o trailer saem do local com uma resposta. Se a
questão não puder ser resolvida pelo Juizado Itinerante são fornecidas informações
sobre os locais e procedimentos para o encaminhamento e solução do problema152.
151
152
Informações disponíveis em: <http://www.tjam.jus.br> Acesso em: 30 agosto, 2009.
Informações disponíveis em: <http://www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 31 agosto, 2009.
158
No Estado do Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça disponibiliza quatro
ônibus equipados com computadores e demais materiais e mobiliário que permitem
que eles funcionem como cartórios móveis. Como o projeto tem a parceria da
Defensoria Pública Geral do Estado e do Ministério Público do Estado, há
possibilidade de que o processo seja finalizado no mesmo dia em que o requerente
procura atendimento. Isso porque o ônibus funciona conectado à rede de
informações do Tribunal de Justiça, compartilhando informações processuais de
todo o Estado. Os ônibus atendem uma vez por semana os municípios de Areal,
Carapebus, Comendador Levy Gasparian, Macuco, Tanguá e Duque de Caxias. Há
previsão de que outros municípios do estado que possuem grande contingente
populacional sejam também atendidos pelo projeto153.
A Justiça Itinerante sul-mato-grossense foi implantada no ano de 2001
através da criação e instalação da 8ª Vara do Juizado Especial na comarca de
Campo Grande. Funciona num ônibus equipado para atender os conflitos de
competência dos Juizados Especiais bem como as causas de família, estado,
capacidade das pessoas e sucessões, compondo o conflito de interesses
exclusivamente por meio da conciliação, que é homologada com força de sentença.
Caso não aconteça a composição do conflito mediante acordo entre as partes, o
respectivo processo é redistribuído a uma das varas que seria originariamente
competente para processar e julgar o respectivo feito. Homologado o acordo, o
respectivo processo também é encaminhado à Vara do Juizado originariamente
competente para o processo, cientificando-se às partes onde tramitará a execução
na hipótese de descumprimento da composição homologada154.
Com as experiências de Justiça Itinerante relatadas, verifica-se que o Poder
Judiciário deve ir onde está a demanda155. Trata-se de postura arrojada, que deve
ser adotada porque concretiza direitos fundamentais e humanos e aprimora o
exercício da cidadania através da participação popular na administração da Justiça.
A simplicidade, informalidade, e busca pela celeridade são traços
153
Informações disponíveis em: <http://www.tjrj.jus.br>. Acesso em 31 agosto, 2009.
Informações disponíveis em: <http://www.tjms.jus.br>. Acesso em 31 agosto, 2009.
155
“O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Edson Vidigal, disse que ‘a Justiça
deve ir onde está a demanda’ para justificar a defesa da ampliação do quadro de varas federais e
estaduais no País. Segundo o ministro, a Emenda Constitucional nº 45, que tratou da reforma do
Poder Judiciário, permitiu a criação de juizados itinerantes. Para o presidente do STJ, essa é a
solução para se ter um Judiciário mais ágil, e não a criação de novos Tribunais Regionais Federais
(TRFs) [...].” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. A Justiça deve ir onde está a demanda.
Disponível em http://www.stj.jus.br. Acesso em: 31 agosto, 2009).
154
159
característicos desta Justiça cuja efetividade é latente nos estados onde já foi
instalada156.
6 CONCLUSÃO
A proposta central do presente trabalho cingiu-se a investigar causas da
crise de acesso à Justiça, propondo a Justiça Itinerante como alternativa de
superação.
156
Uma das grandes procuras pelos serviços da 8ª Vara do Juizado Especial – Justiça Itinerante e
Comunitária - em Campo Grande são de casos que envolvem questões de casamento, divórcio e
separação, o que pode ser percebido num balanço deste tipo de ações entre os anos de 2006 a
2009. No ano de 2006, do número de processos na Justiça Itinerante que resultaram em acordo,
foram 3.448 reconhecimentos da união estável e sua conversão em casamento; 570 divórcios e 690
separações judiciais - totalizando 4.708 ações relacionadas ao tema. Em 2007, foram 3.914
reconhecimentos da união estável e sua conversão em casamento; o número de divórcios baixou um
pouco para 472, como também o de separações judiciais, que ficou em 638. O total no ano foi de
5.024 feitos tramitados na Justiça Itinerante em relação ao tema. Quem procurou atendimento na
Justiça Itinerante em 2007 foi a comerciária Martha de Oliveira Lemes. Moradora do bairro Santa
Emília, Martha buscou o ônibus da Itinerante em uma segunda-feira para pedir esclarecimentos sobre
separação e na semana seguinte já ocorreu a audiência na qual ela e seu ex-companheiro entraram
em acordo para a divisão dos bens, além de determinar a guarda dos três filhos. Martha comenta que
o serviço foi muito rápido e simples. Em uma negociação tranquila foi estabelecida a divisão dos bens
e a guarda das crianças, em comum acordo. Cada um já saiu do atendimento do ônibus com uma
cópia da audiência. Um mês depois, Martha foi retirar o documento original no Cartório da 8ª Vara, na
Av. Bandeirantes, 2261. Tudo muito simples e eficiente, concluiu Martha. No ano passado, resultaram
em acordo 3.963 ações de reconhecimento da união estável e sua conversão em casamento, além
de 505 divórcios e 735 separações judiciais que resultaram em 5.203 processos em 2008 sobre
questões que envolvem casamento, divórcio e separação. E o balanço parcial de 2009 aponta que já
foram realizados 1.841 reconhecimentos da união estável e sua conversão em casamento, 272
divórcios e 413 separações judiciais. Um dos casais que procurou o serviço este ano foi Auro Sávio
do Nascimento e Marília Capellini. Eles formalizaram a união no dia 10 de fevereiro no atendimento
do ônibus da Justiça Itinerante no Bairro Coronel Antonino. Para Auro, a Justiça Itinerante é um
serviço que atrai o público campo-grandense pela facilidade e rapidez no atendimento, além de não
gerar nenhum custo à população. Em fevereiro não foi a primeira vez que Auro utilizou os serviços da
Itinerante. Em 2000, ele procurou os serviços do ônibus para a separação judicial do primeiro
casamento e posterirormente para conversão desta separação em divórcio. "Cada vez que precisei
dos serviços da Justiça Itinerante fui muito bem atendido. Acredito que esta é uma das melhores
iniciativas do judiciário sul-mato-grossense", disse ele.
[...]
Critérios - Para que seja feito o reconhecimento da união estável e a sua conversão em casamento,
é necessário que o casal compareça à Justiça Itinerante com duas testemunhas que confirmem que o
casal vive junto há pelo menos um ano. As testemunhas não podem ser parentes e devem estar
munidas de documento de identidade ou documento com foto. Além disso, é necessária a
apresentação das seguintes documentações: cédula de identidade; CPF; certidão de nascimento (se
for solteiro); certidão de casamento com averbação de divórcio (se for divorciado); certidão de
casamento e óbito (se for viúvo) e certidão de nascimento dos filhos em comum (se houver). O
casamento é realizado no ato. A certidão é emitida pelo cartório extrajudicial três meses após a
audiência e deve ser retirada no cartório da 8º Vara do Juizado Especial da Justiça Itinerante. O
casamento não pode ser realizado por procuração, em função da obrigatoriedade da presença de
ambos os cônjuges na audiência. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MATO GROSSO DO SUL. Justiça
Itinerante agiliza casamentos, divórcios e separações. Disponível em: <http://www.tjms.jus.br>.
Acesso em 31 agosto, 2009.
160
Os diversos movimentos de acesso à Justiça na história permitiram
constatar que por muito tempo este direito foi assegurado apenas formalmente.
Garantia formal é garantia imaginária, que aliena e mantém sob estado de
ignorância absoluta, razão pela qual se verifica que no curso da história, a busca
pela Justiça já estava em crise e o acesso a ela comprometido.
A democracia vigente na Grécia antiga conferia a ideia de acesso à Justiça
amplo e irrestrito, porém, o sistema processual era arcaico e desorganizado. Em
Roma, as desigualdades sociais existentes no império obstavam os cidadãos
romanos e estrangeiros de terem seus conflitos examinados pelo sistema oficial de
Justiça.
No Período Medieval, a ordem jurídica pluralista, segmentada por uma
dualidade de ordenamentos legais, acabou por gerar uma carência ao indivíduo, que
precisava superar mais de um poder jurisdicional para ver seu direito assegurado.
Já no Período Moderno houve enfraquecimento da Jurisdição pela veemente
limitação de poderes do juiz, que como dito, não passava de escravo da lei.
No Período Contemporâneo, o acesso à Justiça não se traduz apenas em
acesso ao Poder Judiciário, mas, compreende o acesso a ordem jurídica justa, que
somente se concretiza se houver igualdade de oportunidades no acesso.
O acesso à Justiça é direito natural, valor inerente à pessoa humana.
Adquiriu status de direito fundamental conforme se verifica no artigo 5º, XXXV, da
Constituição Federal de 1988. É direito humano ligado ao princípio da dignidade da
pessoa humana, núcleo central de toda ordem jurídica nacional e internacional. O
respeito aos direitos humanos e fundamentais é pilastra mestra na construção de um
verdadeiro Estado de Direito democrático e sua constitucionalização não significa
mera enunciação formal de princípios, mas a plena positivação de direitos, a partir
dos quais qualquer indivíduo poderá exigir sua tutela diante do Poder Judiciário.
O acesso à Justiça, portanto, não pode ser confundido com o simples
acesso formal ao Judiciário. Assim pensa o leigo e o jurista desavisado. Não se
resume na existência de um ordenamento jurídico que seja capaz de regular as
atividades individuais e sociais, mas, ao mesmo tempo, deve ter aptidão de distribuir
legislativamente, de forma justa os direitos e faculdades substanciais. Nessa ótica, o
acesso à Justiça deve ser compreendido no sentido de toda atividade jurídica
passando pela criação de normas, sua interpretação, integração e aplicação, com
161
Justiça, isto é, o acesso deve ser compreendido num sentido abrangente que vai
desde a criação das normas até sua concreta e justa aplicação.
Numa perspectiva de Justiça social, acesso à Justiça compreende o acesso
à saúde, educação, lazer, cultura, moradia, alimentação e tantos outros direitos
fundamentais que são verdadeiras liberdades positivas de um Estado que apregoa
ser “Democrático” e de “Direito”. Assim, se o Poderes da República cumprissem o
mister constitucional que lhes foi atribuído, garantindo esses direitos ao cidadão,
inegavelmente que o número de demandas reduziria-se drasticamente. Basta
verificar na mídia quantas ações versam a respeito de direitos da saúde, educação,
moradia, entre outros.
O acesso à Justiça é direito humano e fundamental indispensável à
concretização plena do princípio da dignidade da pessoa humana. Ademais, aquele
que não acessa a Justiça não pode ser denominado “cidadão” porque cidadania
implica no exercício de direitos e participação efetiva na sociedade.
Ampliar o acesso à Justiça deve ser prioridade dos Poderes de Estado;
restringi-lo a poucas pessoas caracteriza-se violação da dignidade da pessoa
humana.
Os dados estatísticos investigados apontam para a existência de crise no
sistema oficial de Justiça. A crise de acesso à Justiça não é exclusivamente jurídica,
e nem mesmo pode o Direito resolvê-la. Fatores sociais, políticos e culturais
agravam a crise e dependem de iniciativas do Poder Executivo e Legislativo para
serem solucionadas ou amenizadas.
Em verdade, a crise do acesso à Justiça ocasiona a descrença nas
instituições estatais, nesse caso, no Poder Judiciário, que detém a função
constitucional de pacificar os conflitos sociais com Justiça.
Sem exaurir o tema, descreveram-se algumas causas já constatadas pela
doutrina que contribuem para o agravamento da crise e que, dentro da abordagem
pretendida, entende-se imprescindível destacar.
Ainda hoje, o custo do processo afasta o cidadão da Jurisdição. Os dados
estatísticos demonstram que grande parcela da população brasileira vive abaixo da
linha de pobreza e não tem alimentação, vestuário, moradia, saúde e educação,
direitos básicos que o Estado se comprometeu a garantir a todos, indistintamente.
Como custearão o processo?
A nosso ver, Justiça paga é Justiça aristocrática e elitista porque somente as
162
pessoas ricas podem acessá-la. E veja o contraste: o Poder Público, litigante em
potencial, é isento de custas e despesas do processo. Se os tributos arrecadados
fossem bem geridos, certamente seria possível prestar o serviço jurisdicional
gratuito, ou a custo baixo, de maneira a abranger a todos.
Não bastasse as custas e despesas processuais, a parte precisa constituir
advogado para ingressar com a demanda. Quando esse advogado é público, o
serviço prestado é gratuito. No entanto, não há advogados públicos suficientes nem
Defensoria Pública em todos os estados brasileiros, razão pela qual, muitos ficam
desassistidos e renunciam ao direito de ir à Justiça.
A duração do processo e a morosidade da Justiça constituem-se em outra
limitação ao acesso à Justiça. É que, além de pagar para demandar, arcar com
honorários de advogado e correr risco de perder a demanda, a parte precisa
aguardar anos a fio para obter a certeza do seu direito ou cumprimento forçado da
obrigação. A morosidade causa desestímulo ao jurisdicionado, que só de pensar
quantos anos levará o processo desiste de buscar seu direito. Nessa trilha, torna o
processo um fim em si mesmo já que quando a sentença de mérito é proferida o
direito das partes já sucumbiu ao tempo. Tais causas obstam a plenitude do acesso
à ordem jurídica justa e devem ser alvos de políticas públicas do Poder Judiciário,
aptas a combater o dilema da morosidade da Justiça.
Mas não é só. O desconhecimento do direito posto é causa de limitação ao
acesso à Justiça. Nesse ponto, a crise de acesso à Justiça reflete a crise à
informação. No Brasil, o grau de instrução é baixo e a qualidade do ensino nas
escolas, principalmente as de ensino fundamental, é questionável. O Poder Público
não se preocupa como deveria com a educação formal, de base, porque prefere
manter os indivíduos em estado de alienação e ignorância, o que facilita a
legitimação no poder e evita revoltas e pressões populares.
A orientação jurídica pré-processual, embora existente, é falha porque não
consegue atender a todos que dela necessitam. É de se reputar o desconhecimento
de direitos como uma das limitações mais graves do acesso à Justiça. Aquele que
não conhece seus direitos encontra-se excluído; é “não-cidadão”, pois a educação é
pressuposto da cidadania. O indivíduo que não conhece seus direitos é facilmente
manipulado e mantido em erro pelos detentores do poder. Assim, nunca terá
condições de romper com o jugo desigual das relações jurídicas em que sempre
prevalece os interesses dos mais poderosos, normalmente juridicamente bem
163
assessorados.
Como última limitação ao acesso à Justiça, destaca-se a questão
psicológica. Significa que o cidadão pobre, mais humilde, sente-se intimidado em
procurar a Justiça por medo, desconfiança, ignorância, falta de condições
econômicas, etc. Encontra dificuldades de toda sorte para contratar advogado, pois
tem a falsa ideia de que referido profissional está à disposição apenas dos ricos.
Não bastasse, precisa esperar anos a fio para obter um pronunciamento
jurisdicional.
A crise de acesso à Justiça é vencida facilmente se a Justiça for até o
cidadão mostrando-se acessível a todos.
A
descentralização
da
prestação
dos
serviços
jurisdicionais
e
o
fortalecimento dos mecanismos extrajudiciais de solução dos conflitos são
alternativas viáveis e positivas ao regime democrático pois encontram alicerce no
pluralismo jurídico e democratizam a Justiça de modo a efetivá-la, não apenas
formalmente, mas, através da distribuição verdadeira e plena de Justiça.
A toda evidência, constata-se que o Poder Judiciário não tem condições de
centralizar a prestação do serviço jurisdicional. A crise da Justiça exclui de
apreciação do Poder Judiciário os conflitos ditos “menores” e viola o acesso à
Justiça, mormente das camadas mais pobres da sociedade.
Assim, a descentralização da Justiça impõe a relativização do monopólio da
Jurisdição estatal.
Nesse viés, a descentralização consiste no reconhecimento de soluções
alternativas aos conflitos, passíveis de romper com a forma tradicional de prestação
do serviço jurisdicional e de distribuição de Justiça. A descentralização induz a uma
adaptação da forma de se fazer solucionar conflitos de interesses ante os novos
tempos e novos direitos: esta Justiça é conciliadora e sai dos gabinetes dos fóruns
indo de encontro ao cidadão, buscando solucionar seus problemas sem que ele
precise, formalmente, provocar a manifestação do Poder Judiciário para prestar a
tutela jurisdicional.
A descentralização da Justiça resgata a imagem do Poder Judiciário e a
solidifica junto ao povo pelo trabalho itinerante que realiza. Essa prática deve ser
defendida por todos aqueles que pretenderem ver o acesso à Justiça ampliado, além
de uma Justiça aberta e próxima da população.
O objetivo da descentralização é ampliar o acesso à Justiça e instituir uma
164
Justiça mais simplificada, acessível, pronta para a solução dos conflitos e,
notadamente, adaptada à realidade brasileira.
Dentre as medidas de descentralização, merecem relevo duas: o Sistema
dos Juizados Especiais, pois constitui-se em alternativa descentralizada de solução
dos conflitos eficiente e eficaz e os meios alternativos de solução dos conflitos, por
permitirem o desafogamento do Judiciário e resolverem de forma rápida, simples e
econômica os conflitos apresentados pelos indivíduos, permitindo a eles uma
participação efetiva na solução.
A experiência dos Juizados surgiu através da Lei nº. 7.244/84 que instituiu
os Juizados de Pequenas Causas, objetivando evitar o que Watanabe denominou de
litigiosidade contida. Com um procedimento simples, informal e gratuito, constituiu-se
em alternativa interessante e viável de superação da crise de acesso à Justiça.
Ocorre que até 1988, os Juizados de Pequenas Causas funcionaram
precariamente e nem todos os estados brasileiros o instalaram. Assim, a
Constituição Federal, promulgada nesse ano, estabeleceu a obrigatoriedade de
instalação e realizou algumas modificações legislativas para melhorar o sistema já
então existente através das Pequenas Causas.
Tardiamente, a Lei nº. 9.099/95 foi editada para regular os Juizados
Especiais, fixando sua competência para processamento e julgamento de causas
cíveis de menor complexidade, cujo valor não ultrapasse 40 salários mínimos, além
de crimes de menor potencial ofensivo.
A ideologia dos Juizados Especiais é fiel ao movimento de ampliação do
acesso à Justiça. Seus princípios são a celeridade, informalidade, oralidade,
economia processual, havendo gratuidade de Justiça no primeiro grau de jurisdição.
Um dos aspectos mais importantes dos Juizados Especiais é o relevo dado
à conciliação. Conclui-se que os Juizados Especiais são um marco e um divisor
entre a Justiça clássica e a contemporânea e se transformaram na porta principal de
inclusão social e cidadã, principalmente para as classes menos abastadas e
excluídas da Jurisdição. Permite a participação popular na administração da Justiça,
fortalecendo a legitimidade da Jurisdição no Estado Democrático,
À experiência frutuosa dos Juizados Especiais, ainda como mecanismo de
superação da crise de acesso à Justiça, somam-se os meios alternativos de solução
dos conflitos.
Dentre a conciliação, a mediação e arbitragem, o destaque vai para o
165
primeiro meio alternativo, por ser um dos pilares da Justiça Itinerante.
A conciliação é meio de solução dos conflitos extremamente importante não
só para a superação da crise de acesso à Justiça, como também para a pacificação
social. Através dela, mediante concessões mútuas, os interessados estabelecem
entre si a solução que melhor atenda a ambas, sem que haja total renúncia ou
submissão de uma parte a outra. Desta maneira, a conciliação guarda característica
essencial à concretude plena do acesso à Justiça: a participação dos contendores.
Nessa linha de entendimento, é certo que a conciliação se consubstancia em
poderoso instrumento de participação popular na administração da Justiça, sendo
capítulo amplo do tema da democracia participativa.
A conciliação pode ser praticada no âmbito judicial e extrajudicial, pelo juiz
de direito ou conciliador nomeado para a função, a depender da instauração ou não
de processo. É meio alternativo institucionalizado pelo Poder Judiciário através do
movimento “Conciliar é legal”, que apresenta resultados satisfatórios.
A verdade é que o monopólio da Jurisdição é um dogma que deve ser
repensado, de forma que a solução dos conflitos através da conciliação, mediação e
arbitragem torna-se medida inevitável e indispensável diante da crise judiciária
instalada na sociedade.
Os meios alternativos garantem efetivo acesso à Justiça, pois conferem
tratamento equânime aos indivíduos. Além disso, permitem aos participantes a
intervenção direta nas decisões tomadas e garantem a inclusão social, numa
perspectiva democrática e participava, pois a Jurisdição só se torna legítima quando
permite a participação popular na administração da Justiça.
Alternativa de superação da crise de acesso à Justiça que merece enfoque
especial no presente trabalho é a Justiça Itinerante, tema recentíssimo e que pouco
foi explorado pela doutrina.
A Justiça Itinerante encontra suporte na descentralização do serviço
jurisdicional e pressupõe a participação popular, vez que tem como ponto central a
solução dos conflitos através da conciliação.
A Justiça que se desloca até o cidadão e busca a solução do conflito por
meio da conciliação evita a instauração do processo. A aproximação das partes com
vistas ao diálogo, à negociação e à busca pelo consenso, constitui exímio
instrumento de cidadania, reduzindo a distância entre cidadão e Judiciário, seja pela
questão econômica, seja pela questão cultural, seja pela questão psicológica.
166
Uma Justiça que vai de encontro ao indivíduo e prima pelo consenso mútuo
produz resultados mais satisfatórios, considerando que a solução de conflitos com
esteio em técnicas não adversariais aponta para uma efetividade longe de ser
alcançada pela via oficial de Jurisdição.
A Justiça Itinerante fortalece o Poder Judiciário e fomenta o resgate das
raízes democráticas do Estado de Direito.
Sob nosso alvitre, embora haja divergência, compete à Justiça Itinerante
conciliar, processar e julgar causas cíveis de menor complexidade. Inserem-se as
causas relacionadas na Lei nº. 9.099/95, as consumeristas, relativas a inquilinato e
vizinhança, família, estado, e capacidade das pessoas, sucessões e registro civil. A
nosso ver, a competência desta Justiça é funcional.
Atua numa unidade móvel, terrestre ou fluvial, equipada com materiais de
expediente necessários a prestação do serviço jurisdicional, nos moldes de um
cartório judicial convencional, sendo composta pelo juiz (togado) e auxiliares da
Justiça (juízes leigos e conciliadores), além de promotor de Justiça, defensores
públicos, assistente social, psicólogo e oficial de Justiça.
Entendemos que deve ser atribuição da Justiça Itinerante a assistência
jurídica pré-processual através da orientação jurídica aos necessitados. Essa função
é atribuída à Defensoria Pública, mas, pode ser delegada aos auxiliares da Justiça
presentes na unidade móvel.
Seu procedimento processual é célere, informal, simplificado e gratuito,
iniciando com a conciliação, prosseguindo com audiência una onde haverá instrução
processual e sentença.
As experiências de Justiça Itinerante examinadas apontam para uma
efetividade distante de ser alcançada pela via normal de Jurisdição.
Assim, concluímos que a Justiça Itinerante deve ser elevada à categoria de
política pública essencial do Poder Judiciário e deve ser contemplada com recursos
orçamentários específicos, destinados a manter a prestação desse importante
serviço jurisdicional.
É preciso editar lei federal que uniformize o procedimento processual da
Justiça Itinerante e imponha sua instalação em todos os Estados do País.
Desta feita, não paira dúvida de que a Justiça Itinerante, além de fortalecer o
Estado Democrático, é elemento essencial à promoção da cidadania plena e da
167
dignidade da pessoa humana, haja vista a perspectiva inclusiva e participativa que a
compõe.
A Justiça Itinerante é alternativa de superação da crise da Justiça e pode
contribuir para diminuir as limitações do acesso a ela.
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