A Doença de Alzheimer Introdução A doença de Alzheimer (DA) é a patologia mais comum no grupo das demências. Calcula-se que ela seja responsável por entre 60 a 70% de todas as demências. Segundo o National Institute on Aging e a Alzheimer Association, dos EUA, ela é a quarta causa de mortes de adultos nos Estados Unidos e pode atingir 14 milhões de pessoas no ano 2050. Em 1978 foram alocados 5,1 milhões de dólares para pesquisas nessa área, montante que subiu para 123,4 milhões de dólares em 1989. Estima-se que de 10 a 30% dos pacientes com a DA tenham o tipo da doença que é herdado. Além disso, o estresse provocado pela doença nos familiares e cuidadores dos pacientes torna-os mais vulneráveis aos distúrbios infecciosos. (14) Do ponto de vista financeiro, a DA traz um impacto total na sociedade nos Estados Unidos e tem sido estimado como sendo da ordem de aproximadamente 30 bilhões de dólares anualmente. (11) Para HECKLER, a DA surgiu como uma força científica, social e política. (39) A CID-10 assim define a demência: "A demência é uma síndrome decorrente de uma doença cerebral, usualmente de natureza crônica ou progressiva, na qual há perturbação de múltiplas funções corticais superiores, incluindo memória, pensamento, orientação, compreensão, cálculo, capacidade de aprendizagem, linguagem e julgamento, Não há obnubilação de consciência. Os comprometimentos de função cognitiva são comumente acompanhados, e ocasionalmente precedidos, por deterioração no controle emocional, comportamento social ou motivação. Esta síndrome ocorre na DA, na doença cerebrosvascular e em outras condições que, primária ou secundariamente, afetam o cérebro". (47) A DA é definida pela CID-10 da seguinte forma: "É uma doença cerebral degenerativa primária de etiologia desconhecida, com aspectos neuropatológicos e neuroquímicos característicos. Instala-se usualmente de modo insidioso e desenvolve-se lenta, mas continuamente por um período de anos; este pode ser tão curto como 2 ou 3 anos, mas ocasionalmente pode ser consideravelmente mais prolongado. O início pode ser na meia-idade ou até mais cedo (DA de início pré-senil), mas a incidência é maior na idade avançada (doença de início senil). Em casos com início antes da idade dos 65-70 anos, existe a probabilidade de uma história familiar de uma demência semelhante, um curso mais rápido e predominância de aspectos de dano do lobo temporal e parietal, incluindo disfasia ou dispraxia. Em casos com início mais tardio, o curso tende a ser mais lento e caracterizado por um comprometimento mais geral de funções corticais superiores. Pacientes com síndrome de Down têm um grande risco de desenvolver DA." (47) SIGNORET afirma que "por seu diagnóstico e sua assistência, a DA pertence ao domínio do neurologista, do psiquiatra, do gerontólogo, mas também e, antes de tudo, do médico clínico. Por sua frequência, a DA pertence à sociedade e à economia da saúde. Por seus desconhecimentos, a DA pertence, enfim, às neurociências, este conjunto de disciplinas que busca explicar o funcionamento cerebral e compreender as atividades mentais". (40) O DSM-IV, a última classificação da Associação Americana de Psiquiatria, aproximou muito seus conceitos da CID-10, mesmo porque os psiquiatras norte-americanos tiveram uma presença preponderante na elaboração da classificação da O.M.S. (2) A Associação Psiquiátrica Americana adota atualmente os critérios de McKhann (Tabela I) para o diagnóstico da DA. Histórico Desde a antiguidade as demências são conhecidas, mas foi só muito recentemente que elas tiveram um estudo científico mais aprimorado para uma avaliação mais fidedigna. Em 1816 o psiquiatra francês Jean-Etienne ESQUIROL descreveu o quadro da demência senil que se aproxima muito do que hoje conhecemos pelo nome de demência senil de tipo Alzheimer. GEORGET, em 1820, divide as demêncas em primitivas e secundárias, insiste na cronicidade e na irreversibilidade desses quadros. (37) Em meados do mesmo século, Paul BROCA em Paris, descobre que lesões na parte posterior e inferior do lobo frontal provocam um tipo de afasia na qual o paciente não consegue pronunciar as palavras, apesar de compreender perfeitamente seu sentido. O distúrbio recebeu o nome de afasia de Broca e ocorre, frequentemente em certos tipos de demência. Posteriormente, já no final do mesmo século, Karl WERNICKE desenvolveu ainda mais os estudos acerca da demência ao descobrir uma região na parte superior e posterior do lobo temporal esquerdo, próxima ao lobo parietal, que, quando lesada, provocava fenômenos de afasia de compreensão da palavra falada e escrita, quadro este que recebeu o nome de afasia de Wernicke em sua homenagem. Por esta época Emil KRAEPELIN, em sua famosa classificação dos distúrbios psiquiátricos, separa as demências senis das demências arterioescleróticas baseado em critérios clínicos. Foi um avanço considerável no estudo da patologia orgânica do cérebro e sua classificação constitui ainda um marco na história da psiquiatria. Foi em 1906 que o neuropatologista e psiquiatra alemão Alois ALZHEIMER (1864-1915), (1) (28) trabalhando na Universidade de Tübingen, descreveu um paciente de 51 anos de idade que sofria de uma demência progressiva que afetava a linguagem, memória e comportamento. Após a morte do paciente, aos 55 anos, ALZHEIMER aplicou novas técnicas histológicas de coloração no tecido cerebral e demonstrou a presença daquilo que agora é conhecido como neurofibrilas e placas neuríticas no neocórtex e outras regiões cerebrais. Sua descrição apresenta uma fidelidade aos atuais conhecimentos médicos que assombra os especialistas. A doença ficou conhecida como demência pré-senil para diferenciá-la dos quadros senis que apresentavam uma evolução clínica diferente e muito mais lenta. Em 1910, para homenagear o grande cientista, KRAEPELIN deu à doença o nome de seu descobridor. A doença continuou pouco conhecida em sua etiopatogenia, com a ciência pouco avançando além do que já havia sido descrito por ALZHEIMER em 1907. Foi considerada durante várias décadas como uma forma da demência senil, mais grave, mais devastadora e de evolução mais rápida. (4) Somente a partir da década de 1960 se descobriu que tanto as demências pré-senis e as senis apresentam os mesmos tipos de lesões histológicas. Epidemiologia Estima-se que a DA afete de 1,5 a 2 milhões de americanos e que, pelo menos, 100.000 deles morram a cada ano (BENSON e cols. 1982). (30) No Brasil estima-se que haja em torno de 1 milhão de doentes. (10) Ela responde por aproximadamente 50% de todas as demências e é, depois das depressões, o distúrbio psicogeriátrico mais frequente. Por volta dos 65 anos ela acomete de 5 a 10% das pessoas, aos 80 anos sua prevalência está em torno de 20% e aos 85 anos ela gira em torno de 47%. (41) O maior fator de risco é a idade. Em alguns estudos de prevalência o maior coeficiente da doença é encontrado entre as mulheres, o que não é corroborado por outros estudos. Segundo GOMES, há maior predominância masculina até os 75 anos, e, após, maior nas mulheres. Independente do gênero, o aumento da prevalência dobra a cada cinco anos, após os 60 anos. A doença parece ser mais comum em mulheres e arianos, enquanto que a demência vascular em homens, negros americanos e japoneses. (15) Dado o envelhecimento vertiginoso da população mundial, notadamente nos países desenvolvidos, ela tem sido chamada de a "epidemia silenciosa", "a doença número 1 do ano 2.000" e "a Peste Negra do século XXI". (19) (43) Evolução Clínica - A Lentidão de Instalação: Um Elemento Diagnóstico Clinicamente a DA se manifesta por uma alteração das funções cognitivas de início e evolução progressivas. A lentidão de instalação de um quadro demencial constituído ou de uma síndrome confusional permite excluir um certo número de etiologias. A antiguidade dos transtornos nas demências orienta as pesquisas etiológicas: (19) 1. Início em Horas ou Dias ocorre em: a- Demências metabólicas tóxicas, b- Meningite aguda, cAcidente vascular cerebral, d-Traumatismos cranianos, e-Etilismo, f- Estados depressivos. 2. Início em Semanas ocorre em: a- Processos expansivos intracranianos, b- Meningo encefalites crônicas, c- Traumatismos cranianos, d- Etilismo crônico, e- Estados depressivos. 3. Início em Meses ocorre em: a- Afecção tireoideana e hipofisária, b- Hidrocefalia de pressão normal, cProcessos expansivos intra-cranianos, d- Meningo-encefalites crônicas, e- Doença de Creutzfeld-Jacob, f- Traumatismos cranianos, g- Etilismo e suas implicações, h- Estados depressivos. 4. Início em Anos ocorre em: a- Demência senil, b- DA, c- Doença de Pick, d- Demência + Doença de Parkinson, e- Coréia crônica de Huntington, f- Demência arteriopática, g- Sífilis. 5. Início em Décadas ocorre em: - Psicoses. Evolução Progressiva - Sumário da Fase de Instalação Com a DA instalada o estado deficitário mental produzido se caracteriza por: Transtornos da Memória: são constantes e representam, de regra, a primeira manifestação clínica da doença. No início, a pessoa está consciente de seus transtornos e pode tentar mascarar seu déficit, arriscando-se a desenvolver uma síndrome depressiva que poderia atrapalhar o diagnóstico. Estes transtornos que podem ficar isolados vão, mais frequentemente, progredir, agravar-se, produzindo um esquecimento progressivo dos fatos recentes (amnésia anterógrada ou amnésia de fixação). Desorientação Espacial: é frequentemente precoce. Tripé Semiológico Básico: Afasia - Apraxia - Agnosia: considerado como característico da doença de Alzheimer. Os transtornos são evocadores porque eles ficam isolados, diferentemente daqueles observados nas lesões cerebrais focais. Os transtornos da linguagem são a regra com falta de palavras, transtornos da compreensão verbal, transtornos do discurso que está reduzido ou incoerente. Normalmente são os primeiros sinais de aparecimento do quadro demencial e a desorganização da linguagem é progressiva. (16) As praxias estão frequentemente alteradas, às vezes com uma apraxia ideatória evidente na vida cotidiana associada a uma apraxia ideomotora de intensidade variável. A agnosia, ou distúrbio da compreensão, é, às vezes, difícil de se observar no início da moléstia. Com o avançar da mesma vai se tornando cada vez mais evidente. Nas fases finais surge a agnosia das fisionomias - prosopagnosia - com desconhecimento dos familiares e da própria pessoa, que não se reconhece mais em um espelho. Após uma duração variável de dois a quatro anos a sintomatologia está completa e atinge-se a fase de estado da doença com uma demência maciça, que atinge todas as funções intelectuais, leva a graves transtornos mnêmicos globais e a graves transtornos da atenção. Transtornos psicóticos completam frequentemente o quadro clínico com idéias delirantes de perseguição ou de prejuízo ou acessos oníricos. Mesmo a forma grave da DA é de evolução lenta e progressiva, atingindo, ao fim de vários anos, o estágio de demência avançada. Neste estágio o quadro, mesclado de crises comiciais de progressão contínua, leva a um estado de semi-mutismo e de caquexia alguns meses antes da morte que sobrevém em média em 4 a 6 anos, às vezes Quadro Neuropsiquiátrico Instalado CUMMINGS e VICTOROFF (11) descrevem as principais síndromes que ocorrem na DA: a- Mudanças na personalidade (PETRY e cols.; RUBIN e cols.) estão quase sempre presentes, sendo as mais comuns a passividade, o desengajamento social, os pacientes exibem resposta emocional reduzida, há decréscimo na iniciativa, perda do entusiasmo, redução da energia e decréscimo na afetividade. b- Delírios são também muito comuns, afetando de 30 a 50% dos pacientes (CUMMINGS e cols.; WRAGG e JESTE). Os mais frequentes envolvem falsas crenças de furto, infidelidade da esposa, abandono (sua casa não é sua morada), perseguição, "pensionista fantasma" e o fenômeno de Capgras - (REISBERG e cols.). Os delírios não se correlacionam com a severidade da demência ou com aspectos específicos da disfunção intelectual (FLYNN e cols.) c- Alucinações não são uma manifestação comum na DA, ficando entre 9% a 27% dos casos. As alucinações visuais são mais comuns, seguidas pelas auditivas ou combinadas, auditivas e visuais. As alucinações auditivas são frequentemente persecutórias e usualmente acompanham os delírios. A presença de alucinações visuais pode indicar a co-ocorrência de um delirium. d- Mudanças de humor, como depressão, elação e labilidade afetiva. Poucos pacientes preenchem os critérios para episódios de depressão maior, mas a depressão pode ocorrer entre 20% a 40% dos casos. De acordo com MENDEZ a ansiedade foi relatada em aproximadamente 40% dos pacientes com DA. LÉGER e cols. chamam a atenção para o risco nas fases iniciais da DA da depressão e do suicídio pela consciência da ruína irremediável. Mas ocorre que também nas fases mais adiantadas os pacientes podem deixar-se morrer de fome recusando sistematicamente cuidados e alimentação. (21) Podem ocorrer alguns estados de inibição, com retraimento e aparente indiferença para com o ambiente o que traduz uma submissão a um meio considerado perigoso devido à incapacidade de levá-lo em conta e de reagir a ele de forma adequada. (21) e- Distúrbios da atividade psicomotora e do comportamento são comuns e aumentam à medida que a doença progride. Andar sem destino e andar a passos lentos ocorrem em quase todos os casos nas fases intermediárias e avançadas da doença. Inquietude ocorre em 60% dos casos (SWEARER e cols.), explosões de raiva em 50% e comportamentos agressivos em 20%. f- Distúrbios do sono com frequentes interrupções do sono noturno são comuns (MERRIAM e cols.; SWEARER e cols.), ocorrendo entre 45% a 70% dos casos. g- A Síndrome de Klüver-Bucy não é um fenômeno raro na DA. Consiste ela em hiperoralidade, isto é, ingestão de substâncias não alimentares indicando distúrbio amigdaliano bilateral, podendo haver ingestão excessiva de substâncias alimentares indicando lesão hipotalâmica, acarretando muitas vezes obesidade e colocação compulsiva de alimentos na boca, hiperssexualidade, andar sem rumo e continuamente, e rituais compulsivos sem uma finalidade específica. (11) (29) Os Testes e Escalas de Avaliação Nas três últimas décadas surgiram inúmeros testes e escalas para melhor avaliação da progressão do quadro demencial. Em 1975 surgiram os hoje clássicos testes de Folstein, Blessed e Hachinski. (13) (6) (19) Os dois primeiros são importantes instrumentos no diagnóstico diferencial das demências e depressões. O último, no diagnóstico diferencial entre demências degenerativas (Alzheimer) e demências cerebrovasculares. Em caso de dúvidas, podemos lançar mão de testes mais completos como Wechsler Adult Intelligence Scale-Revised (WAIS-R), Wechsler Memory Scale-Revised (WMS-R), o Benton Visual Retention Test, Rey Auditory Verbal Test, Trail Making A e B, Wisconsin Card Sorting Test (WCST) (20) Para casos de estudos ou pesquisas pode-se submeter o paciente a uma bateria de exames neuropsicológicos (Halstead-Reitan - indicada para casos de síndrome pós-concussional, LuriaNebraska - para diagnóstico diferencial entre pseudodemência depressiva e demência, Bender-Gestalt indicada para o diagnóstico de dispraxias do lobo parietal). REISBERG e cols, da Universidade de New York, em 1982, desenvolveram a Escala Global de Deterioração, e logo tornou-se muito conhecida como método de avaliação dos estágios evolutivos da DA, o que pode ser um instrumental muito útil na indicação das técnicas de reabilitação cognitivas mais apropriadas para o momento em que o paciente vive. Também muito utilizada é a ADAS (Alzheimer Disease Assessment Schedule), desenvolvida nos EUA há alguns anos. (34) (35) Diagnóstico Diferencial Nem sempre é tarefa fácil o diagnóstico diferencial da DA dos demais quadros psicogeriátricos, principalmente das demais demências. Como dizem GOODWIN & GUZE (1979), diagnóstico é prognóstico. (5) Uma ênfase especial deve ser dada entre diagnóstico de pseudo-demência depressiva e demência. Inúmeros pacientes deprimidos são tratados como dementes, o que inevitavelmante agravará sua condição psiquiátrica. Da mesma forma, muitos deprimidos que recebem medicação antidepressiva tricíclica, que apresenta conhecidos efeitos colaterais anticolinérgicos, produzem um quadro de confusão mental que pode ser confundido com uma demência inicial. Tudo isso torna esse diagnóstico diferencial o "calcanhar de Aquiles" da psicogeriatria e merece um estudo mais atento. Etiologia Inúmeras são as hipóteses atuais acerca da DA. Nenhuma delas responde sozinha pela causa da doença e hoje a teoria mais em voga é a que associa todas elas, ou parte delas, em um mesmo conjunto que se entrelaçam e se sucedem. A seguir apresentamos as principais hipóteses atualmente em evidência: 1) Hipótese genética; 2) Hipótese neuroquímica; 3) Hipótese virótica; 4) Hipótese imunológica; 5) Hipótese microtubular; 6) Hipótese glutamatérgica; 7) Hipótese filotérmica; 8) Hipótese vascular e metabólica; 9) Hipótese do papel tóxico do alumínio; 10) Hipótese dos radicais livres; 11) Outras hipóteses. Hipótese Genética Vários achados estão consoantes com uma hipótese genética, talvez a mais importante, apesar das dificuldades de seu estudo, visto que, sendo uma doença que surge com o envelhecimento, muitos pacientes que poderiam desenvolver essa forma de demência vêm a falecer antes. As formas familiares da DA são muito frequentes, mas sua transmissão pode ser heterogênica, relacionando-se seja a um gene autossômico dominante, seja a um modelo multifatorial de transmissão. Vários autores determinaram um padrão de dominância poligênica ou autossômica em algumas famílias: 40% dos pacientes têm parentes de primeiro grau com a doença e membros da família têm um risco três a quatro vezes maior de adquirir a doença do que a população geral (Heston et al., 1981; Powell e Folstein, 1984; Breitner et al., 1986; Silverman et al. 1986). (30) O risco para os filhos varia desde 1,5 a 34% e para irmãos de 2 a 20%. Estudos em gêmeos relatam uma concordância de 40 a 50% para os monozigóticos e de 8 a 50% entre os dizigóticos. Embora estes números não falem a favor de uma simples transmissão mendeliana, há ainda inúmeros problemas para se afirmar o contrário. Provavelmente fatores não genéticos não identificados podem modificar a expressão dos fatores genéticos. (24) As anomalias cromossômicas são muito encontradas nos familiares (há uma alta prevalência entre elas da Síndrome de Down). (42) A demência não é transmitida por um único gene, existindo evidências da participação dos cromossomos 21, 19, 14 e 1. (10) (11) (19) (24) (26) (33) (41) (42) Desde essa época, vários resultados de cruzamentos positivos e negativos foram obtidos. Um grupo de pesquisadores da Universidade Duke, nos EUA, descobriu evidências de ligação do cromossomo 19 com as formas tardias da doença (portadores acima de 65 anos) e, mais recentemente, uma associação com o gene da apolipoproteína E (APOE). (24) (26) (33) (41) APOE tem três alelos maiores: APOE-e2, APOE-e3 e APOE-e4. O alelo APOE-e3 é o mais comum, sendo que mais de 90% da população herda uma cópia e 60% herda duas cópias do gene. Por outro lado, somente 30% da população herda pelo menos um alelo APOE-e4, em comparação com 80% que herda o gene em casos da doença familiar de início tardio e 64% da doença esporádica. Além disso, as pessoas com duas cópias dos alelos APOE-e4 têm muito mais probabilidade de desenvolver a doença de Alzheimer e parecem desenvolver a doença mais cedo do que aqueles que têm apenas uma cópia. O risco para a doença aumentou de 20 para 90% e a média de idade de início diminuiu de 84 para 68 anos, com aumento do número de alelos APOE-e4. O risco para elas é, pelo menos, oito vezes maior do que para as pessoas sem o gene e4. Os homozigotos da APOE-e4 vão certamente desenvolver a DA aos 80 anos. ROSES e cols. propõem que as pessoas com o gene APOEe4 têm um risco aumentado para desenvolver a doença de Alzheimer não por uma ação deletéria do mesmo, mas pela ausência do APOE-e3. Os pesquisadores sugerem que o APOE-e3 estabiliza os microtúbulos (filamentos de proteínas necessários para o funcionamento neuronal normal) ligando-se à proteína tau, uma proteína associada aos microtúbulos, importante na polimerização e estabilização dos mesmos, prevenindo assim o aumento anormal de grupos fosfato e protegendo os microtúbulos e a integridade da célula. A fosforilação diminui a a eficiência da tau e a tau hiperfosforilada é o maior constituinte dos filamentos helicoidais aos pares que constituem as neurofibrilas. (41) Descobertas recentes (1995) feitas por grupos de pesquisadores norte-americanos do Centro Médico para Assuntos de Veteranos em Seattle e cientistas do Hospital Geral de Massachussetts evidenciaram de forma inequívoca, em grupos de famílias de imigrantes alemães da região do Rio Volga, na Rússia, a participação de genes localizados no cromossomo 1 na determinação de formas precoces da DA. Hipótese Neuroquímica A acetilcolina é sabidamente o neurotransmissor mais envolvido nos processos de memorização. Ela é produzida em um dos núcleos da base conhecido como Núcleo de Meynert. Os seguintes dados foram encontrados no estudo hipocampo e córtex cerebral dos portadores da DA: a- a concentração de colina-acetil-transferase (CAT), a enzima que contribui na síntese da acetilcolina, pode estar reduzida em 90% em relação às pessoas normais da mesma idade; b- há degenerescência do Núcleo de Meynert, responsável pela inervação colinérgica do córtex e hipocampo; c- há um déficit menor em noradrenalina, serotonina, somatostatina e outros neurotransmissores, o que seguramente contribui para agravar o déficit mnêmico. (24) (26) (33) (41) Hipótese Virótica Foi estabelecida uma analogia com a doença de Creutzfeld-Jacob, demência virótica rara, que atinge pessoas entre 55 e 70 anos, com sobrevida de 1 ano. Observou-se que a adição de extratos de cérebro post-mortem de pacientes portadores da DA a animais produz filamentos helicoidais enrolados aos pares, reproduzindo a degenerescência da doença. Entretanto, não foi demonstrada a transmissão homem a homem. Caso haja realmente um vírus, ele estará na dependência de substrato genético facilitador. (24) (26) (33) (41) Hipótese Imunológica A DA é uma doença do idoso, havendo a presença de amilose nas placas senis o que levanta a suspeita de ser uma doença auto-imune. O fato de haver demências transmissíveis homem a homem (Creutzfeld-Jacob, Kuru) é outro argumento a favor de uma debilitação dos mecanismos imunológicos do organismo. São encontrados déficits imunitários com frequência na DA tais como: a- Diminuição global de linfócitos e anomalias na repartição de subpopulações da linhagem branca; b- Encontra-se uma frequência aumentada de auto-anticorpos circulantes (anti-corpos anti-células hipofisárias, por exemplo). Esta hipótese é, por si só, insuficiente para demonstrar a origem auto-imune da doença porque as perturbações imunitárias são frequentes nos idosos sem demências. Parece que os anti-corpos contra os constituintes do Sistema Nervoso Central estejam mais relacionados com o envelhecimento em si. (24) (26) (33) (41) Hipótese Vascular e Metabólica A DA vem acompanhada por uma redução importante no débito sanguíneo cerebral, por redução da quantidade de oxigênio e de glicose extraídos desse sangue e da energia produzida a partir do O 2 e da glicose, através de estudos com a tomografia por emissão de pósitrons (PET- Scan) e com Xenônio 133. As reduções mais evidentes são aquelas que têm lugar nos lobos frontais e parietais do córtex, onde as modificações anátomo-patológicas são as mais notáveis. Entretanto, resta uma indagação que a ciência ainda não tem condições de esclarecer: essa hipótese é a causa ou a consequência da deterioração ? (24) (26) (33) (41) Hipótese do Papel Tóxico do Alumínio As taxas de alumínio estão elevadas nos cérebros de portadores da DA, com acúmulo sobretudo nos neurônios com degenerescência neurofibrilar. Entretanto, na encefalopatia dos dializados, as concentrações de alumínio são 5 vezes aquelas da DA, sem provocar lesões neurofibrilares. A injeção cerebral de sais de alumínio no animal provoca lesões cerebrais do tipo da degenerescência neurofibrilar, mas com filamentos simples e jamais em pares helicoidais, além de se formar nas zonas do Sistema Nervoso Central que jamais são atingidas pela DA. (24) (26) (33) (41) Hipótese dos Radicais Livres O envelhecimento seria devido, em parte, aos efeitos deletérios dos radicais livres com oxidação incontrolada dos componentes celulares. Isso é verificado na Trissomia 21, modelo de envelhecimento acelerado que se explica pelo excesso de superoxidodismutase (SOD). O gene da SOD está no cromossomo 21. O excesso de SOD leva a excesso de peróxido de hidrogênio (radical livre) que ultrapassa as capacidades metabólicas das outras enzimas ligadas à degradação dos radicais livres. O aumento da SOD, ou um transtorno no metabolismo dos derivados do oxigênio e dos radicais livres, poderia levar ao envelhecimento acelerado com surgimento de sinais histopatológicos da DA. A presença do malondialdeído (produto da peroxidação lipídica radicalar) nas placas senis levanta a hipótese de uma intervenção dos radicais livres na DA. (19) Hipótese Filotérmica Esta hipótese é baseada na observação de que a migração das células da série branca em direção a temperaturas mais quentes está comprometida em alguns pacientes com a DA. Ela propõe que pessoas com resposta filotérmica comprometida também têm habilidade reduzida para responder a influências tóxicas, infecciosas e outras influências nocivas através do corpo, bem como no cérebro e é consistente com a hipótese de um defeito microtubular em portadores da DA. (24) (26) (33) (41) Hipótese Microtubular Esta hipótese propõe que um defeito nos microtúbulos representa um mecanismo patológico comum para a DA e a Síndrome de Down. Os microtúbulos formam o fuso que orienta espacialmente os cromossomos, faz o controle direto da migração celular e facilita o transporte de neurotransmissores nos neurônios). Os achados consoantes com esta hipótese são os seguintes: a- a resposta filotérmica está comprometida na DA; b- há um aumento das anormalidades cromossômicas em portadores de DA; c- a associação entre a DA e a Síndrome de Down; d- reaparecimento tardio da rede de microtúbulos que se segue a tratamento com colchicina de fibroblastos da pele de pacientes com DA comparados com controles; e- há presença de conjuntos defeituosos de microtúbulos no cérebro de portadores da DA. (24) (26) (33) (41) Hipótese Glutamatérgica A degeneração dos terminais nervosos glutamatérgicos ocorre nos cérebros de pacientes com DA histopatologicamente confirmada. O L-Glutamato é um aminoácido excitatório que, acredita-se, seja utilizado nas células piramidais do córtex. (36) Os neurônios piramidais contribuem significativamente para aumentar a eferência neocortical e as trilhas associativas intra-corticais. Esses neurônios degeneram na DA. O conteúdo de L-Glutamato nas projeções terminais do caminho perforante está reduzido acentuadamente na DA. Ele é o principal neurotransmissor dessa projeção eferente do córtex entorrinal para o hipocampo. (24) (33) (36) (41) Outras Hipóteses GURLAND e MEYERS afirmam que em estudos dos precursores da DA o trauma craniano ocorre mais frequentemente do que seria de se esperar do acaso. O enorme número de pugilistas que desenvolve, no decorrer dos anos, demências degenerativas faz robustecer essa hipótese. (17) Ainda não se sabe ao certo por qual mecanismo neuroquímico o trauma estaria ligado às demências degenerativas. Uma hipótese aventada é a de que o trauma danifica a barreira hemoencefálica. (24) (33) (36) (41) História de hipotireoidismo, depressão, idade materna no momento da concepção do paciente, exposição a chumbo e solventes e tabagismo poderiam estar relacionadas com o desenvolvimento futuro da DA (41) Sabe-se que nenhuma destas hipóteses apontadas pode explicar sozinha a DA. Há cada vez maior unanimidade de opiniões entre os pesquisadores de que elas poderiam se entrelaçar e formar um todo que predisponha determinados indivíduos a desenvolver uma demência degenerativa. Alterações Anatômicas na Doença de Alzheimer No envelhecimento normal o cérebro já começa a sofrer profundas alterações morfológicas. De acordo com BARROS NETO (3) , podemos enumerar as seguintes alterações: "a- redução de 5-10% do peso do cérebro, em relação aos dos jovens; b- aumento dos sulcos e redução das circunvoluções ou giros que se tornam mais delgados; c- aumento do tamanho dos ventrículos cerebrais; d- diminuição da espessura da camada cortical encefálica; e- indivíduos sadios entre 80 e 95 anos possuem apenas 46% dos neurônios no córtex temporal superior, quando comparados aos jovens; f- diminuição de 25% da células de Purkinje, em torno dos 90 anos; g- perda de 50.000 a 100.000 neurônios por dia, a partir dos 50 anos, o que mostra a alta capacidade plástica, sináptica do cérebro de se adaptar a essa perda; h- a arborização dendrítica das células piramidais do neocórtex sofre uma redução progressiva nos idosos, o que faz as sinapses diminuírem e assim também as ligações entre neurônios". Continua ele dizendo que "abaixo de um nível crítico, a redução dos neurônios e da arborização dendrítica dos remanescentes propiciará o início dos sintomas da deficiência cerebral". Inúmeras lesões macroscópicas podem ser facilmente observadas: atrofia das circunvoluções corticais, alargamento de sulcos e alargamento de ventrículos. Microscopicamente, encontramos vários tipos de lesões. Na CID-10 encontramos a seguinte descrição: "Há alterações características no cérebro: uma redução marcante na população neuronal, particularmente no hipocampo, substância innominata, locus ceruleus e córtex têmporo-parietal e frontal; aparecimento de redes neurofibrilares constituídas de filamentos helicoidais emparelhados; placas neuríticas (argentofílicas), as quais consistem em sua maior parte de amilóide e mostram uma progressão definitiva em sua evolução (ainda que placas sem amilóide possam também existir) e corpúsculos grânulo-vacuolares. alterações neuroquímicas também têm sido encontradas, incluindo uma redução marcante da enzima colina-acetiltransferase, da própria acetilcolina e de outros neurotransmissores e neuromoduladores". (47) Muitas das lesões histopatológicas foram descobertas pelo próprio Alois ALZHEIMER (1), em 1906. As principais lesões hoje conhecidas são: a- Degeneração neurofibrilar, b- Placas senis, c- Degeneração grânulo-vacuolar, d- Corpos de Hirano. Degeneração Neurofibrilar É o espessamento e tortuosidade das neurofibrilas do pericário, inicialmente ocupando pequena parte do citoplasma, orientadas na direção da base para o ápice celular e deslocando levemente o núcleo. (31) Com o progredir da lesão, quase todo o citoplasma e o núcleo são comprimidos e a alteração toma a forma de emaranhados em dupla hélice, com 80 nm de comprimento e 10 nm de largura. Ela é marcada por anticorpos contra a proteína Tau. Esta proteína está associada aos microtúbulos e contribui para manter a sua estabilidade. (8) Placas Senis São pequenas áreas arredondadas com alteração da textura do neurópilo, detectadas facilmente pelos métodos de impregnação pela prata. Aparecem como um aglomerado de material fibrilar distorcido, em parte granular. Pode-se notar, no centro da placa, área intensamente argirófila, compacta, circundada por halo claro. Ao microscópio são constituídas por processos celulares distendidos contendo numerosas mitocôndrias, corpos densos e estruturas membranosas. Podem associar-se às neurofibrilas. (8) (31) Degeneração Grânulo-Vacuolar Neste tipo de lesão encontramos vacúolos isolados ou múltiplos (3-5 micromilímetros) de diâmetro com grânulo central basófilo e argirófilo minúsculo. Situa-se no pericário das células piramidais do hipocampo (setor CA4) e no subiculum e mais raramente no córtex para-hipocampal, amígdala e substância inominada. Observa-se autofagia de várias proteínas do citoesqueleto neuronal ou de partes fosforiladas dessas proteínas. Ela é raramente encontrada antes dos 65 anos e surge em 75% dos casos entre 80-90 anos. (8) (31) Neuroquímica Duas importantes substâncias químicas foram identificadas no cérebro dos portadores da DA: a proteína beta-amilóide e a proteína tau, esta última também vastamente encontrada nos indivíduos normais. Aliada à hipótese genética, estes achados bioquímicos representam um dos maiores avanços no estudo da DA nos últimos tempos. Provavelmente, em futuro não muito remoto, encontraremos um marcador biológico ou genético que possa antever com muitos anos a possibilidade da pessoa desenvolver a doença. Proteína Beta-Amilóide É uma cadeia de 40-42 aminoácidos que se acumula no cérebro dos idosos tendo uma proteína precursora beta-amilóide ( -APP), parcialmente localizada dentro da membrana plasmática e outra parte para fora. A APP é uma glicoproteína que inclui formas com ou sem um domínio inibidor de protease próximo da extremidade N terminal da cadeia polipeptídica. Em células não neuronais a APP pode estimular a proliferação de fibroblastos e influenciar na coagulação sanguínea. Sua função nos neurônios não está clara mas sugere uma proteção neuronal. (36) Proteína Tau É um dos componentes dos enovelados neurofibrilares, vindo associada a microtúbulos. É sintetizada no neurônio e é normalmente modificada por processo de fosforilação de resíduos específicos de sua cadeia de aminoácidos. Uma forma alterada (hiperfosforilada) da proteína tau se encontra nas neurofibrilas. Uma consequência funcional dessa hiperfosforilação é a inabilidade da mesma em se ligar a microtúbulos. A ausência dessa ligação provavelmente desestabiliza os microtúbulos o que leva à progressiva degeneração neuronal. (31) Tratamento da Doença de Alzheimer - Tratamentos Gerais Para GURLAND & MEYERS (17) o tratamento dos problemas comportamentais não é específico de qualquer tipo de demência. Antes de tudo, deve ser descartado um quadro de depressão ou delirium, através da adequada propedêutica psiquiátrica. Na ocorrência do delirium, o tratamento causal (infecções, distúrbios gênito-uninários, endócrinos, etc.) deve ser instituído o quanto antes. É muito frequente encontrar-se no idoso uma evolução de delirium para demência, daí a necessidade da instituição do tratamento precoce. Em casos de inquietude noturna deve ser iniciado o uso noturno de um benzodiazepínico de ação curta sem metabólitos ativos (lorazepam, oxazepam, cloxazolam) até que o paciente possa, por outros métodos não farmacológicos, retornar à sua rotina normal. Nas depressões, a instituição rápida do tratamento antidepressivo adequado geralmente reverte o quadro de transtornos cognitivos dentro de algum tempo. A ansiedade, irritabilidade, desconfiança, atividades repetitivas também devem ser controladas sem uso de medicação psicofarmacológica, mas quando seu uso se impõe as benzodiazepinas de ação curta ou antipsicóticos que tragam menos neurolepsia são os mais indicados. Na lida diária com as demências os cuidadores devem se concentrar sobre as demandas do paciente, facilitando-se o acesso a novos cuidadores ou locações, fornecendo ao paciente todas as informações necessárias para que se relacione convenientemente com o ambiente, com outras pessoas, com o tempo, utilizando-se sinais e outras sugestões. Se a comunidade dispuser de serviços especializados estes devem ser utilizados sempre: serviço social, sociedades de auxílio mútuo dedicadas a estes problemas ou que ofereçam aconselhamento para a obtenção desses serviços. As damas de companhia, os atendimentos diurnos ou noturnos, os serviços de assistência psicogeriátrica ambulatoriais ou em hospitais-dia que estiverem disponíveis devem ser utilizados para evitar-se a institucionalização. Quando esta se fizer necessário é importante que seja temporária, pois o local mais adequado para o paciente ainda é sua moradia e a assistência dos familiares. (19) (25) Caso se disponha de grupos de apoio para as famílias eles devem ser acionados para um auxílio prático e emocional. (17) Indica-se uma psicoterapia modificada com fins ao reforço do senso de controle do paciente, tendo em vista seu crescente desamparo. A terapia de remotivação tem sido uma experiência interessante, onde grupos supervisionados reúnem-se para discutir experiências sociais compartilhadas. Le GOUÈS (22) fala que o trabalho do terapeuta é difícil por causa das oscilações do Ego e do clima biologizante dado pela doença. Ele diz que os conflitos são geridos pelo que resta da personalidade anterior e algums pacientes dementes permanecem calorosos com um potencial relacional, outros são completamente indiferentes. Para ele o terapeuta não deve se limitar a restaurar o potencial instrumental, mas também conter a desordem afetiva do paciente. A redução da angústia é um sinal frequentemente observado nas terapias dos dementes. A Terapia de Orientação para a Realidade (ROT) é de grande utilidade para se manter o paciente consciente de informações orientadoras corretas através de esforços educacionais ou comportamentais. Também o reforço das atividades construtivas do paciente através de técnicas de condicionamento pode ser útil. (19) (23) (25) (27) (33) (41) Técnicas de reabilitação cognitiva, principalmente quando empregadas no início do processo demencial, podem contribuir para retardar um avanço muito rápido da demência. Estas técnicas tiveram uma influência muito especial dos progressos da neuropsicologia nas últimas décadas e retiram dela muitos dos métodos que são utilizados para a própria avaliação cognitiva. LEZAK (23) descreve inúmeras técnicas de avaliação neuropsicológica que, também podem ser utilizadas na reabilitação através de terapeutas ocupacionais ou psicólogos treinados para essa finalidade. É necessário paciência e muita persistência para que algum resultado seja obtido e o impacto sobre a auto-estima e a atividade social do paciente pode ser gratificante. Exercícios físicos, como pequenas caminhadas, acompanhados por um cuidador, ginástica em piscina, exercícios aeróbicos leves contribuem para manter a elasticidade e flexibilidade muscular, evitando a rápida rigidez dos mesmos e a manutenção das habilidades práxicas. Exercícios de memorização como jogos de cartas, palavras cruzadas, jogos para a memória, dominó, jogos de dama, ludo, etc., contribuem para manter um funcionamento cognitivo mínimo adequado à execução das tarefas rotineiras. Tratamentos Farmacológicos Tendo por base os conhecimentos atuais acerca dos tratamentos farmacológicos da DA, chegase à não muito otimista conclusão de que praticamente não dispomos de nenhuma droga que seja realmente eficaz no combate a esse mal. Até poucos anos atrás ainda se acreditava que os precursores da acetilcolina, os nootrópicos e os vasodilatadores tinham uma real atuação benéfica no curso da doença, mas as pesquisas da última década jogaram por terra essa esperança. (9) Entretanto, muitas drogas novas têm sido pesquisadas em todo o mundo e uma nova esperança é projetada para dentro de alguns anos quando, se acredita, teremos algumas drogas realmente eficazes na prevenção de uma degeneração cerebral muito rápida. Recentemente, DUNNINGHAM (12) publicou uma revisão dessas drogas. A seguir apresentaremos os principais grupos de medicamentos utilizados no tratamento da DA com um breve comentário sobre cada um deles. A- AGONISTAS COLINÉRGICOS 1- Arecolina - alcalóide natural - tem sido preconizada para incrementar o aprendizado escolar em voluntários normais. Introduzida por via venosa, mostrou-se sem efeito na DA; 2- RS-86 - não se mostrou eficaz; 3- Betanecol - não ultrapassa a barreira hematoencefálica. A administração intra-tecal não produziu efeitos na doença de Alzheimer; 4- Oxotremorine - sem efeitos na DA e com sérios efeitos colaterais; 5- Bitartarato de nicotina - único agente colinomimético nicotínico avaliado clinicamente apresenta alguns efeitos benéficos mas com acentuados efeitos colaterais que limitam seu uso; 6Minaprina e Quinucledina - agentes colinomiméticos muscarínicos M1 (pós-sinápticos) - têm melhorado amnésias produzidas por produtos tóxicos em roedores e são relativamente eficazes em DA, mas promovem estimulação tônica não-fisiológica. (9) (12) (17) (18) (26) (33) (41) (44) B) INIBIDORES DA ACETILCOLINESTERASE Este grupo de medicamentos tem sua base de ação na inibição da acetilcolinesterase (AChE), enzima que degrada a acetilcolina. Eles são: 1- Fisostigmina - não apresenta grande permeabilidade para o Sistema Nervoso Central. Estudos em animais com lesões feitas no hipocampo mostram melhoras cognitivas após injeções intra-tecais em altas doses, entretanto, os efeitos colaterais são de tal monta e os resultados tão incertos, que muitos estudos mais aprofundados são necessários. 2- Tetrahidroaminoacridina (THA) - Tacrina - droga já utilizada comercialmente em vários países, inclusive no Brasil, com resultados parciais nas demências leves e moderadas. É altamente hepatotóxica o que complica sua utilização. Requer dosagens semanais das provas de função hepática, durante 18 semanas devido a essa ação. Além da propriedade inibidora da AChE ela aumenta a liberação présináptica da Ach porque bloqueia os canais de potássio e aumenta a estimulação dos receptores monoamérgicos pós-sinápticos por retardar a recaptação e degradação da NE e da 5-HT. Além destas, existem outras que se acham em pesquisas cujos resultados são promissores, requerendo ainda mais observação; Galantamina, Maleato de Velnacrina, Metrifornato, Huperzina A e B 1, Heptilfisostigmina. (9) (12) (17) (18) (26) (33) (41) (44) C- PRECURSORES DA ACETILCOLINA 1- Colina, lecitina. Até o início da década de 1980 eram uma grande esperança. Atualmente sabe-se que não têm nenhum efeito sobre a demência. Existem outras drogas em estudo que necessitam de maiores avaliações: 2- 4-Aminopiridina - aumenta a transmissão colinérgica central por aumentar a liberação da acetilcolina no interior da sinapse. 3- DUP-996 - É uma droga indutora de liberação sináptica da acetilcolina, da dopamina e da serotonina. Ainda se encontra em estudos. D- AGENTES NÃO COLINOMIMÉTICOS 1- Drogas Monoaminérgicas - os dados, até o momento, são pouco animadores porque nenhuma delas mostrou-se realmente eficaz no tratamento: a- Agonistas adrenérgicos: clonidina e guanfacina, bAssociação levodopa/benzerazida, c- IMAO tipo B (Selegilina). 2- Drogas que Atuam sobre os Neuropeptídeos Centrais - os resultados são incipientes e pouco conclusivos. Dentre essas drogas podemos citar: a- Análogos da Vasopressina. Tentativas de seu uso em pacientes demenciados fracassaram, apesar do relato de melhora na aprendizagem de reflexos condicionados em ratos que receberam vasopressina devido a lesões na hipófise posterior que provocaram diabete insípida; b- Fator de Liberação da Tireotrofina (TRH); c- Colecistocinina; d- Substância P; e- Antagonistas de opióides: I- Naloxone, IINaltrexone. Ambas apresentaram resultados muito desapontadores. f- Inibidores da enzima conversora da angiotensina. Captopril: Em relação a ela as perspectivas são animadoras, mas precisam de maiores estudos. 3- Nootrópicos e outras drogas ativadoras da cognição: Até o momento são pouquíssimos os resultados experimentalmente comprovados como benéficos. Os mais pesquisados são: piracetam, pramiracetam, aniracetam e oxiracetam. 4- Vasodilatadores: Apesar de serem até hoje bastante utilizados por médicos de várias especialidades em todo o mundo, os estudos, a partir da década passada, mostraram que são drogas sem ação benéfica sobre a DA, cuja etiologia não é eminentemente vascular. (9) (12) (17) (18) (26) (33) (41) (44) E- COMPOSTOS GLUTAMATÉRGICOS O Glutamato é o principal aminoácido excitador das conexões associativas córtico-corticais que suprem os neurônios piramidais. A excitotoxicidade mediada por aminoácidos (entre eles o glutamato) pode produzir lesões muito similares à degeneração neurofibrilar. Os bloqueadores dos receptores N-metil-d-aspartato podem induzir proteção importante contra os aminoácidos excitatórios e isquemizantes, mediadores de agressões corticais. Tanto o bloqueio como a ativação de diferentes subtipos de receptores de aminoácidos excitatórios poderão ter indicação clínica e ser úteis no tratamento das demências. (9) (12) (17) (18) (26) (33) (41) (44) F- BLOQUEADORES DOS CANAIS DE CALCIO 1- Nimodipina - facilita a aquisição de reflexos condicionados em coelhos e ativa o aprendizado e a memória em ratos idosos. No homem, parece melhorar o aprendizado e a memória em pacientes com transtornos cerebrovasculares, o desempenho cognitivo e o comportamento na Síndrome Cerebral Crônica de grau leve a moderado. Entretanto, seu emprego em DA requer melhores estudos. 2- Nifedipina - protege contra algumas agressões celulares causadas pela exposição prolongada a aminoácidos excitatórios. G- FATORES BETA-AMILÓIDE E NEUROTRÓPICO No futuro, a prevenção da deposição amilóide e da formação da placa senil poderia ser feita interferindose em alguns dos processos patogênicos como a superprodução, ou ligação anormal e fosforilação ou degradação da proteína beta amilóide. Substâncias com atividades neurotrópicas que poderão ser úteis no futuro: Fator de Crescimento Neuronal (NGF); Fator de Crescimento Epidérmico, Fator Neurotrópico derivado do cérebro, Gangliosídeos. Alguns resultados positivos têm sido obtidos com essas substâncias que, entretanto, requerem mais estudos. Recentes achados demonstram que a administração de NGF reverte parcialmente lesões induzidas por déficit de certas atividades enzimáticas corticais e outros efeitos positivos sobre o metabolismo neuronal em animais de laboratório. Estas são algumas de suas características positivas: a- cada um destes fatores neurotrópicos pode afetar populações específicas neuronais; b- seu principal papel presumivelmente pode ser o de regular a sobrevivência de neurônios não somente durante o desenvolvimento, mas também na fase adulta; c- sua síntese no adulto é presumivelmente regulada pela magnitude da inervação. Alguns déficits neurológicos associados com a morte celular podem ser devidos ao decréscimo da atividade destas substâncias neurotrópicas. Estamos, portanto, no limiar de uma nova era no tratamento da DA. Apesar de não dispormos ainda de uma droga realmente eficaz, as perspectivas a médio e longo prazo são animadoras. (9) (12) (17) (18) (26) (33) (41) (44) H- TRANSPLANTE NEURAL Há relatos significativos de progressos feitos, nos últimos anos, ao se utilizar as técnicas de transplante neural para promover a regeneração e a recuperação em cérebros de mamíferos. (9) Três tipos de tecidos de doadores sobreviveram ao transplante no cérebro destes mamíferos. Eles são: aneurônios fetais do Sistema Nervoso Central; b- tecidos neurais periféricos e paraneurais; c- linhagens de células cultivadas. Todos os tecidos dos doadores mostraram possuir propriedades funcionais. Células cromafins da medula adrenal transplantadas para o sistema nigro-estriatal danificado em ratos parece melhorar a disfunção motora. Transplantes neurais mostraram-se efetivos na melhora dos déficits neurológicos em roedores que apresentavam um modelo da doença de Parkinson, doença de Huntington e distúrbios neuroendócrinos. Até o presente momento nenhuma estratégia terapêutica de transplantes foi tentada na DA, mas alguns relatos experimentais em animais foram relatadas. Lesões hipocampais em ratos foram produzidas para provocar distúrbios de memória e comprometimento da aprendizagem. O implante de células do núcleo septal no hipocampo permite a estes animais melhorar a performance cognitiva. Experimentos de lesão provocada no Núcleo de Meynert em ratos com a toxina ácido ribotênico, que destrói os neurônios mas poupa as fibras nervosas que passam pela área injetada, elimina quase todo o acesso da acetilcolina do núcleo basal para o córtex. Observa-se um sério comprometimento na habilidade do rato para aprender e se lembrar de tarefas simples. Células retiradas da região precursora do núcleo basal de embriões de ratos, implantadas diretamente na área denervada dos ratos injetados com a toxina, restauraram sua memória espacial até a normalidade, apesar destes ratos ainda apresentarem uma habilidade para aprendizagem de novas tarefas mais lentamente do que os ratos normais. O valor potencial dos transplantes na DA requer pesquisas mais aprofundadas, particularmente na identificação de modelos válidos experimentais da doença, e na avaliação das características dos fatores neurotrópicos. Sua produção e utilização pode ser fundamental para facilitar o crescimento e a manutenção dos enxertos neurais. (BRACCO e AMADUCCII) (9) Este é, a nosso ver, uma das mais promissoras áreas de pesquisas que poderão, a médio prazo, trazer substanciais benefícios no tratamento da DA. Considerações Quanto ao Paciente e sua Família A importância do desarranjo no contexto familiar e social provocado DA é de tal monta, que preocupa a todos em qualquer parte do mundo. (19) (25) De especial importância, é a participação nos grupos que se formaram pelo mundo afora, compostos pelas famílias em cujo seio alguém é portador da DA. Estes grupos de famílias, eventualmente dirigidos por um médico, têm uma dinâmica muito positiva: a verbalização alivia o inconsciente e elimina a angústia, tornando o compartilhar do sofrimento mais humano. Os participantes trocam experiências sobre sua vida diária, comparam suas vivências, entrosam-se e ajudam-se mutuamente para mudar uma infraestrutura sanitária e social insuficiente. Estas experiências têm se mostrado excelentes no sentido de desculpabilizar o círculo familiar. Pesquisas em várias partes do mundo têm mostrado que as famílias dos pacientes têm demandas gregárias e informativas: conhecer como os outros resolvem seus problemas, ter oportunidade de encontrar pessoas com os mesmos problemas, dividir suas impressões com os outros membros do grupo. No Brasil já existe desde 1991 a Associação Brasileira de Azheimer, com sede em São Paulo e representantes em todos os estados da Federação, que tem por objetivos a promoção de eventos sobre o tema, o esclarecimento do público em geral e a publicação de boletins informativos periódicos,com dados mais recentes das pesquisas mundiais sobre a doença, para esclarecimento de todos. Já se pode notar amplamente no Brasil que o pessoal que trabalha nos serviços voltados ao atendimento ao idoso têm necessidade urgente de orientação psicológica e aconselhamento técnico. Conclusões A DA está se tornando um dos maiores problemas de saúde pública nas últimas décadas e, cada vez mais, aumentará de importância no futuro. Para enfrentá-la, há necessidade de um enfoque globalizante porque seus cuidados se situam em vários níveis. Há uma tendência em banalizar o problema, tomando-o como uma questão de velhice, menosprezando a gravidade da questão. Esse desprezo ainda vigente pelo problema deve, dentro de muito pouco tempo, dar lugar a um enfoque multidisciplinar que um adequado enquadramento da questão exige. É necessário, portanto, uma mudança de mentalidades. Esta é uma doença que interessa a um grande número de pessoas: paciente, família, médicos de clínica geral e especialistas (psiquiatras, neurologistas, geriatras, etc.), psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, cuidadores. Como as necessidades e carências de nosso atual conhecimento são imensas, espera-se, para um futuro não muito distante, grandes avanços nas pesquisas. A prioridade é a resposta imediata à demanda de informações por parte de todos os interessados. O imperativo clínico imediato é o diagnóstico precoce e preciso da doença. Ele deve se apoiar em elementos positivos e não ficar apenas num diagnóstico de exclusão. Deve se basear em critérios simples e generalizáveis que permitam uma boa investigação da doença. Isso requer uma avaliação semiológica mais precisa, o uso de adequadas escalas de avaliação comportamentais, por testes psicométricos ou neuropsicológicos mais simples do que os atualmente existentes, impossíveis de serem aplicados a uma grande faixa da população geriátrica. Ao lado disso, os avanços promovidos pelas neurociências trarão em breve possibilidade de obtenção de métodos preditivos mais refinados, uma nosologia universal e uma classificação internacional com critérios diagnósticos mais simples que possam superar a confusão que reinava no passado. Isso nos trará em breve uma possibilidade de encontrar fatores prognósticos e etiológicos que levem a uma eficaz prevenção. O futuro está nas mãos da pesquisa básica que poderá, em breve, nos brindar com a descoberta de marcadores biológicos específicos, fáceis de utilizar na prática clínica. Também a pesquisa neurofarmacológica tem um papel fundamental nesse processo. Esta mudança de mentalidades conduz a um novo enfoque positivo, ativo e consciente desta doença e de suas perspectivas terapêuticas. De pequenos em pequenos passos chegaremos todos juntos, os médicos, os pesquisadores, a indústria farmacêutica a um equacionamento do problema. Tabela I - Critérios Diagnósticos da Doença de Alzheimer (McKhann e cols.) (19) (38) I- Doença de Alzheimer Provável A- Critérios Clínicos 1- Demência diagnosticada clinicamente e baseada no Mini-Mental-State de Folstein, na escala de Blessed ou outros exames idênticos e confirmada por testes neuropsicológicos. 2- Déficit em pelo menos 2 funções cognitivas. 3- Alteração progressiva da memória e de outras funções cognitivas. 4- Sem transtorno da consciência. 5- Sobrevinda entre 40 e 60 anos, mais frequentemente após os 65 anos. 6- Ausência de doença geral ou cerebral que, diretamente ou não poderia ser responsável pelos déficits progressivos da memória e das funções cognitivas. B- O Diagnóstico de Doença de Alzheimer se apóia em: 1- Deterioração progressiva das funções cognitivas específicas (afasia, apraxia, agnosia). 2- Redução das atividades da vida diária e alteração dos modelos de comportamento. 3- Distúrbios semelhantes nos antecedentes familiais (principalmente se confirmados por ex. neuropatológico). 4- Exames de laboratório: punção lombar normal, EEG normal ou variações específicas como aumento das ondas lentas, atrofia cerebral progressiva confirmada por tomografia cerebrais sucessivas. C- Outras Características Clínicas: 1- Platô na evolução da doença, 2- Sintomas associados: depressão, insônia, incontinência, alucinações, manifestações verbais, emocionais e físicas bruscas, desordens sexuais, perda de peso. 3- Distúrbios neurológicos sobretudo nos estágios mais avançados da doença com sinais motores, hipertonia, mioclonias, distúrbios da marcha. 4- Comas brutais nos estágios avançados da doença. 5- Tomografia cerebral normal para a idade. D- Características Aleatórias: 1- Sobrevinda brusca, 2- Aparecimento de sinais neurológicos focais como hemiparesia, déficit sensitivo, diminuição do campo visual, distúrbios da coordenação que aparecem precocemente no curso da doença. 3- Distúrbio da marcha na fase inicial da doença. II- Doença de Alzheimer Possível A- Pode ser feito na base de uma demência com ausência de outras etiologias conhecidas (doença neurológica, psiquiátrica ou geral) e na presença de formas atípicas quanto ao início, quadro clínico ou evolução. B- Pode ser feito na presença de uma doença geral ou cerebral suficiente para ser causa de demência mas que não se considera ser "a" causa dessa demência. C- O diagnóstico deve ser utilizado no curso de estudos diante de um déficit cognitivo isolado severo e gradualmente progressivo na ausência de outra causa identificável. III- Doença de Alzheimer Confirmada 1- A demência possui as características clínicas da "Doença de Alzheimer provável". 2- Prova histopatológica foi obtida por biópsia ou autópsia.